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COMPOSTOS DE GRAFENO: UMA ANÁLISE INICIAL DOS IMPACTOS NA SAÚDE E NO MEIO AMBIENTE
1. Introdução
Ografeno, um nanomaterial bidimensional composto por uma única camada de átomos de carbono dispostos em uma rede hexagonal, foi descoberto por Geim e Novoselov em 2004. Desde então, tem atraído atenção global devido às suas propriedades excepcionais, incluindo alta condutividade elétrica e térmica, leveza, flexibilidade e resistência mecânica. Essas características únicas abriram um amplo espectro de aplicações potenciais em diversos setores, como eletrônicos, sensores, compósitos e materiais de construção, posicionando o grafeno como um dos principais protagonistas na área de nanotecnologia.
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A nanotecnologia, definida como o estudo e manipulação de materiais em escala atômica e molecular, tem o potencial de revolucionar uma ampla gama de campos, incluindo medicina, energia e eletrônica. No entanto, os avanços na nanotecnologia também levantam preocupações sobre os possíveis riscos à saúde humana e ao meio ambiente associados à manipulação e uso de nanomateriais, incluindo compostos de grafeno.
A Sociedade Real e a Academia Real de Engenharia definem a nanociência como o estudo e a manipulação de materiais em escala atômica, molecular e macromolecular, cujas propriedades diferem significativamente daquelas encontradas em suas formas em maior escala. Essas instituições também definem a nanotecnologia como o projeto, caracterização, produção e aplicação de estruturas, dispositivos e sistemas com controle preciso de forma e tamanho em escala nanométrica. De acordo com a Iniciativa Nacional de Nanotecnologia
(NNI), um órgão governamental dos Estados
Unidos responsável pela pesquisa e desenvolvimento no campo da nanotecnologia, ela pode ser caracterizada como a ciência, engenharia e tecnologia conduzidas em escala nano, com dimensões entre 1 e 100 nanômetros. O Instituto Nacional de Segurança e Saúde Ocupacional define a nanotecnologia como a manipulação de objetos em escala atômica para a criação de materiais, dispositivos ou sistemas com novas propriedades e/ou funções. A nanotecnologia estuda materiais em escala nanométrica, ou seja, objetos que possuem de uma a três dimensões externas em escala de 10-9 metros, de acordo com a norma ISO/TC 27687. Além disso, esses objetos podem apresentar diferentes configurações alotrópicas, ou seja, a mesma substância química com diferentes estruturas, como demonstrado no Quadro 1.
O crescente interesse no grafeno e suas aplicações têm impulsionado a produção em larga escala deste nanomaterial, o que por sua vez tem suscitado preocupações quanto aos possíveis impactos na saúde humana e no meio ambiente. Nesse contexto, é fundamental compreender os riscos e as implicações associadas ao uso de compostos de grafeno para garantir a segurança e a sustentabilidade de sua produção e aplicação.
2. Grafeno e seus derivados
O grafeno e seus derivados, segundo a literatura científica, incluem principalmente o grafeno de camada única, grafeno de poucas camadas (Few layers of graphene - FLG), óxido de grafeno (graphene oxide - GO), óxido de grafeno reduzido (Reduced graphene oxide - rGO) e pontos quânticos de grafeno (Graphene quantum dots - GQD). A Figura 1 apresenta uma ilustração esquemática desses nanomateriais.
Os compostos da família do grafeno apresentam uma variedade de formas e propriedades únicas que os tornam valiosos para diversas aplicações.
O grafeno de camada única é uma forma de carbono puro, composta por átomos de carbono dispostos em um padrão regular hexagonal bidimensional. É extremamente fino, forte e excelente condutor de calor e eletricidade.
O grafeno de poucas camadas (FLG) é uma pilha de 2 a 10 camadas de grafeno. Originalmente, era um subproduto da fabricação de grafeno de camada única. Este material mantém muitas das propriedades únicas do grafeno, mas com a adição de características tridimensionais.
O óxido de grafeno (GO) é um derivado do grafeno que foi quimicamente modificado para conter grupos de ácido carboxílico. Esses grupos proporcionam ao GO estabilidade coloidal negativa e superfícies carregadas, tornando-o solúvel em água e útil para uma variedade de aplicações, incluindo a adsorção de medicamentos e a imagem molecular.
Quadro 1 – Principais termos relacionados aos nano-objetos Fonte: Adaptado de ISO/TS 27687 (2008)
Nanoparticle Nano-objeto que possui todas as dimensões em nanoescala
Nanofiber Nano-objeto que tem duas dimensões externas em nanoescala e uma terceira significativamente maior
Nanoplate Nano-objeto com uma dimensão em nanoescala e outras duas significativamente maiores
Nanotube Nanofibra oca
Nanorode Nanofibra sólida
Nanowire Nanofibra com propriedades condutoras ou semicondutoras
Quantum dot Nanocristal semicondutor cujos elétrons são confinados em todas as três dimensões espaciais
Nano-onion Nanopartícula esférica com múltiplas camadas concêntricas
Nanocone Nano-objeto em forma de cone com duas camadas em nanoescala
Nanoribbon Nanofibra cuja menor dimensão é muito menor do que as outras
O óxido de grafeno reduzido (rGO) é produzido a partir do GO sob condições redutoras, como calor e tratamento químico com hidrazina. Este processo restaura a condutividade elétrica do material e é caracterizado por um conteúdo reduzido de oxigênio e aumento da hidrofobicidade.
Os pontos quânticos de grafeno (GQD) são um novo nanomaterial de grafeno zero-dimensional com várias vantagens sobre os fotosensibilizadores orgânicos convencionais. Eles possuem melhor biocompatibilidade, alta solubilidade em água e estabilidade à luz, excelentes propriedades ópticas e a capacidade de serem funcionalizados na superfície. Por essas razões, os GQDs têm o potencial de substituir os pontos quânticos derivados de sulfetos metálicos comumente usados.c
Os compostos da família do grafeno apresentam uma variedade de formas e propriedades únicas que os tornam valiosos para diversas aplicações.
O grafeno de camada única é uma forma de carbono puro, composta por átomos de carbono dispostos em um padrão regular hexagonal bidimensional. É extremamente fino, forte e excelente condutor de calor e eletricidade.
O grafeno de poucas camadas (FLG) é uma pilha de 2 a 10 camadas de grafeno. Originalmente, era um subproduto da fabricação de grafeno de camada única. Este material mantém muitas das propriedades únicas do grafeno, mas com a adição de características tridimensionais.
O óxido de grafeno (GO) é um derivado do grafeno que foi quimicamente modificado para conter grupos de ácido carboxílico. Esses grupos proporcionam ao GO estabilidade coloidal negativa e superfícies carregadas, tornando-o solúvel em água e útil para uma variedade de aplicações, incluindo a adsorção de medicamentos e a imagem molecular.
O óxido de grafeno reduzido (rGO) é produzido a partir do GO sob condições redutoras, como calor e tratamento químico com hidrazina. Este processo restaura a condutividade elétrica do material e é caracterizado por um conteúdo reduzido de oxigênio e aumento da hidrofobicidade.
Os pontos quânticos de grafeno (GQD) são um novo nanomaterial de grafeno zero-dimensional com várias vantagens sobre os fotosensibilizadores orgânicos convencionais. Eles possuem melhor biocompatibilidade, alta solubilidade em água e estabilidade à luz, excelentes propriedades ópticas e a capacidade de serem funcionalizados na superfície. Por essas razões, os GQDs têm o potencial de substituir os pontos quânticos derivados de sulfetos metálicos comumente usados.
Existem diferentes formas de categorizar as partículas de nanotubos de carbono, levando em consideração a funcionalização, o grau de pureza, a capacidade de aglomeração e a origem desses nanotubos. Em relação à origem, os nanotubos de carbono podem ser classificados como naturais (originados de processos como combustão de diesel, incêndios florestais e atividades vulcânicas) ou artificialmente projetados e produzidos pelo homem. Além disso, os nanotubos de carbono podem estar funcionalizados ou não. A funcionalização envolve a inserção de moléculas na superfície dos nanotubos, por meio de ligações covalentes ou não covalentes, com o objetivo de modificar suas propriedades originais por meio da interação com átomos, moléculas ou grupos funcionais.
Os nanotubos de carbono (CNT), juntamente com o grafeno, são considerados as nanopartículas mais estudadas na atualidade. Eles são encontrados em uma ampla variedade de produtos eletrônicos, têxteis, cosméticos, farmacêuticos, agricultura, saneamento e em muitas outras aplicações. Estudos demonstram que os CNT, devido às suas propriedades únicas, podem induzir estresse oxidativo, depositar colágeno, desencadear resposta inflamatória persistente, granulomas e fibrose.
O grau de pureza dos nanotubos de carbono é medido pela concentração de resíduos metálicos ou materiais de suporte catalítico incorporados à sua estrutura. Nesse sentido, os nanotubos podem ser classificados como puros (baixo teor de resíduos), impuros (alto teor de resíduos) e purificados (submetidos a algum processo de remoção de resíduos). Os principais metais contaminantes são Cobalto (Co), Ferro (Fe), Níquel (Ni) e Molibdênio (Mo), todos associados a efeitos tóxicos conhecidos.
Considerando a capacidade de aglomeração dos nanotubos de carbono, eles podem ser divididos em estruturas com tendência à aglomeração ou à dispersão. Essa diferença é importante do ponto de vista médico, pois os aglomerados de nanotubos de carbono tendem a se depositar em bronquíolos terminais e alvéolos proximais, induzindo à formação de granulomas. Por outro lado, os nanotubos de carbono mais dispersíveis tendem a se depositar em alvéolos distais, causando fibrose intersticial.
A indústria da nanotecnologia tem experimentado um crescimento significativo nas últimas duas décadas. As nanopartículas sintéticas já estão presentes em diversos produtos de uso cotidiano, como protetores solares, tecidos, artigos esportivos, cosméticos, automóveis e medicamentos. O uso militar da nanotecnologia é uma realidade desde 2001 e é considerado uma vantagem significativa em termos de capacidade de defesa e detecção precoce de ameaças químicas e biológicas, bem como aumento da capacidade de vigilância. Além dos exemplos citados, outros equipamentos militares, como vestuário, artilharia e comunicação, também se beneficiam dessa tecnologia.
A multifuncionalidade dos nanotubos de carbono não se limita apenas às suas propriedades mecânicas, mas também se estende às características ópticas e eletromagnéticas. Suas propriedades de condução elétrica os tornam adequados para serem utilizados em embalagens antiestáticas. Ao explorar características como porosidade e aspereza dos nanotubos de carbono e utilizá-los como “ingredientes” em compósitos de nanoescala, é possível obter tecidos com qualidades como impermeabilidade, respirabilidade, resistência a manchas, pro- teção térmica, entre outras. A curto prazo, já se considera o uso de nanotubos de carbono em telas de baixa voltagem para televisores, monitores de computador e dispositivos portáteis, com potencial aumento na durabilidade desses equipamentos. Também há uma crescente demanda por equipamentos eletrônicos portáteis com baterias mais leves e duráveis. Compósitos de nanotubos de carbono associados a níquel ou cádmio podem atender a essa demanda, produzindo telefones celulares ou notebooks menores, mais leves e resistentes.
Com o aumento do uso e desenvolvimento de nanotubos de carbono, é evidente o crescente contingente de trabalhadores envolvidos direta e indiretamente com essas nanopartículas. Diante disso, é necessário identificar os riscos ocupacionais associados à exposição a essas substâncias e como eles podem ser mitigados.

Portanto, com o aumento da produção de materiais contendo CNT, é essencial determinar os riscos ocupacionais envolvidos, devido ao significativo número de trabalhadores expostos. Esta pesquisa tem como objetivo investigar os riscos de toxicidade pulmonar associados à exposição aos nanotubos de carbono (CNT), incluindo o grafeno.
Este artigo tem como objetivo investigar os riscos potenciais à saúde humana e ao meio ambiente relacionados aos compostos de grafeno e discutir as estratégias de mitigação aplicáveis. Além disso, abordaremos a regulamentação e a legislação pertinentes, com foco especial na legislação brasileira. Este artigo também pretende ser visualmente informativo, apresentando figuras e tabelas que ilustrem e resumam informações relevantes sobre o grafeno, seus riscos e estratégias de mitigação.
Adotaremos uma abordagem integrada e preventiva, ressaltando a importância da colaboração entre cientistas, indústria, órgãos reguladores e formuladores de políticas para garantir o desenvolvimento seguro e sustentável da nanotecnologia e dos compostos de grafeno. Apresentaremos exemplos de como a pesquisa e a colaboração entre diferentes atores podem contribuir para a criação de soluções mais seguras e sustentáveis, que maximizem os benefícios do grafeno e da nanotecnologia, sem comprometer a saúde humana e a qualidade do meio ambiente.
Ao abordar a segurança em compostos de grafeno, buscamos promover uma discussão equilibrada e fundamentada sobre os riscos e estratégias de mitigação, sem perder de vista o enorme potencial que este material oferece para a inovação e o desenvolvimento tecnológico. Destacamos a importância da regulamentação e legislação na promoção de práticas seguras e responsáveis no desenvolvimento e aplicação de compostos de grafeno.
Esperamos que este artigo forneça informações valiosas para pesquisadores, indústrias e formuladores de políticas envolvidos no desenvolvimento e aplicação desse material revolucionário. Dessa forma, esperamos contribuir para a criação de um ambiente propício ao desenvolvimento seguro e sustentável da nanotecnologia e dos compostos de grafeno, promovendo a inovação e maximizando os benefícios para a sociedade e o meio ambiente.
3. Nanotoxicologia
Devido às propriedades distintas que os materiais apresentam em escala nanométrica em comparação com sua forma em escala maior, surgiu uma subespecialidade da toxicologia conhecida como nanotoxicologia. Essa área estuda os efeitos tóxicos das nanopartículas (partículas com tamanho inferior a 100 nm), que parecem ter efeitos tóxicos diferentes e incomuns em relação às partículas maiores da mesma substância. As nanopartículas têm tamanho semelhante aos componentes celulares e proteínas, o que as torna suspeitas de contornar as defesas naturais do organismo e causar danos celulares permanentes. Embora as células dos tecidos humanos possam absorver muitas nanopartículas, o que tem sido aproveitado para o desenvolvimento de medicamentos em escala nanométrica, essa habilidade também pode facilitar a entrada de materiais tóxicos nas células.
A toxicidade dos nanomateriais, sejam eles naturais ou fabricados pelo homem, depende do tipo de material, tamanho, forma, ligação, revestimento, solubilidade e atividade biológica associada a estímulos externos. Diversos estudos demonstraram que as nanopartículas, também conhecidas como partículas ultrafinas (com tamanho inferior a 100 nm), apresentam maior toxicidade do que as partículas finas (com tamanho inferior a 2,5 µm) do mesmo material e na mesma quantidade. Exemplos de nanopartículas que têm sido objeto de estudos são dióxido de titânio, trióxido de alumínio, carbono, cobalto e níquel.
Uma hipótese importante para a toxicidade específica das nanopartículas é o aumento da reatividade superficial devido à sua grande relação superfície-volume e, às vezes, à modificação da superfície. Essa reatividade pode levar à geração de espécies reativas de oxigênio, causando estresse oxidativo e inflamação nos tecidos biológicos.
Com o aumento da fabricação de nanopartículas, também surge uma preocupação crescente em relação ao potencial cancerígeno desses materiais. Alguns estudos procuram identificar os possíveis mecanismos que podem levar ao desenvolvimento do câncer, a fim de prevenir essa condição desde a fase de projeto dos nanoprodutos. Esses estudos fazem parte da área de nanogenotoxicologia, que investiga os efeitos das nanopartículas fabricadas no DNA. A compreensão aprofundada desses mecanismos, que ainda não é totalmente compreendida, pode ser encontrada em várias referências científicas.
3. Riscos à saúde humana e ao meio ambiente
3.1
Toxicidade dos compostos de grafeno
Os compostos de grafeno, devido à sua natureza nanoestruturada, apresentam uma série de riscos potenciais à saúde humana. Um dos principais riscos é a toxicidade pulmonar, que é especialmente relevante devido à exposição respiratória. A exposição aos nanotubos de carbono, que são uma forma de grafeno, pode ocorrer através de várias vias, incluindo a cutânea, gastrointestinal e respiratória, sendo esta última a de maior risco.
A deposição dessas nanopartículas no trato respiratório é proporcional ao tamanho das partículas, seguindo os movimentos Brownianos, onde partículas menores tendem a ser mais reativas do que as maiores. Outros fatores que podem contribuir para os danos causados por essas nanopartículas incluem a forma, superfície de contato, biopersistência, método de síntese utilizado, presença de resíduos (como metais de transição ou materiais de suporte), capacidade de ligação a grupos funcionais, grau de agregação e a capacidade de gerar Espécies Reativas de Oxigênio (ROS).
Após a deposição dos nanotubos de carbono no tecido pulmonar, uma série de eventos é desencadeada, começando pela ativação dos macrófagos alveolares, que são a primeira linha de defesa local. A partir dessa captação, vários fatores de transcrição são ativados, levando a estresse oxidativo, liberação de citocinas pró-inflamatórias, recrutamento de leucócitos e ativação de linfócitos T.
A interação dos nanotubos de carbono, após sua internalização, já desencadeia dois mecanismos simultâneos diversos: a formação de colágeno e a ativação e recrutamento de fagócitos. Os nanotubos são fagocitados e podem ser eliminados por meio de reações que envolvem a liberação de citocinas anti-inflamatórias, com resolução do processo inflamatório ao fim do ciclo. No entanto, se a exposição aos nanotubos for contínua, após a fagocitose, essas nanopartículas não serão eliminadas e causarão danos ao epitélio respiratório, com proliferação deste.
Estudos atuais (in vitro e in vivo) demonstram que os nanomateriais podem induzir a reações de estresse oxidativo e depósito de colágeno, inflamação pulmonar e peribrônquica, resposta inflamatória persistente, formação de granulomas, fibrose intersticial progressiva. Recentemente, foram descritos para os nanotubos de carbono de parede múltipla mecanismos patogenéticos de lesão similares aos atribuídos ao asbesto. Esses materiais tendem a apresentar propriedades toxicológicas incomuns, como a capacidade de estimular o crescimento de células mesenquimais, formação de granuloma e fibrogênese. Estudos demonstraram maior índice de efeitos adversos com nanotubos de carbono do que com o quartzo, considerando a mesma massa. Ainda não se sabe ao certo a carcinogenicidade dessas nanopartículas; porém, alguns estudos citam a ocorrência de mesotelioma a partir de uma resposta inflamatória persistente desencadeada por nanotubos de carbono de paredes múltiplas. A insuficiência de dados para delimitar o nível de exposição recomendado em humanos torna imprescindível a implementação de medidas adequadas de proteção ao ambiente de trabalho e aos trabalhadores, até que haja conhecimento técnico e domínio da toxicidade dessas nanopartículas.
3.2 Exposição ocupacional
A exposição às nanopartículas pode ocorrer em equipamentos enclausurados ou reatores operados sob pressão positiva. Portanto, todas as atividades relacionadas à manipulação direta dessas nanopartículas podem apresentar risco ocupacional aumentado se as devidas precauções não forem tomadas. As atividades de maior risco incluem operação, manutenção e limpeza de reatores e máquinas, bem como mistura, secagem, embalagem, transferência manual e tratamento térmico dessas nanopartículas. Todas essas tarefas expõem os trabalhadores a alto risco ocupacional se o ambiente de trabalho não estiver projetado de forma segura e adequada, ou se a manutenção periódica dos equipamentos utilizados não for realizada.
As atividades relacionadas à exposição ocupacional devem ser listadas e priorizadas de acordo com o risco, considerando fatores como a tendência das nanopartículas de permanecerem dispersas no ar, os processos utilizados, a quantidade de material manipulado, a duração e a frequência da exposição. Para cada tipo de exposição, medidas de segurança adequadas ao nível de exposição serão implementadas, a fim de minimizar os respectivos riscos, como apresentado no Quadro 2.
3.3 Impactos ambientais
Os impactos ambientais dos compostos de grafeno são outro tópico de preocupação. Embora o grafeno seja frequentemente promovido como um material “verde” devido à sua eficiência e versatilidade, a produção e o descarte de compostos de grafeno podem ter efeitos ambientais significati- vos. Por exemplo, a produção de nanotubos de carbono pode resultar na liberação de nanopartículas no ambiente, que podem ser tóxicas para a vida aquática e terrestre.
3.4 Exposição ocupacional e riscos à saúde dos trabalhadores
A exposição ocupacional a compostos de grafeno é uma preocupação crescente, especialmente para aqueles que trabalham na produção e manipulação desses materiais. A inalação de nanopartículas de grafeno pode levar a uma variedade de problemas de saúde, incluindo inflamação pulmonar, fibrose e formação de granulomas. Além disso, a exposição a longo prazo pode aumentar o risco de desenvolver doenças crônicas, como doenças pulmonares e cardiovasculares.
3.5 Bioacumulação e biomagnificação
A bioacumulação e a biomagnificação de compostos de grafeno no ambiente são outras áreas de preocupação. Estes processos referem-se ao acúmulo de substâncias químicas em organismos ao longo do tempo e ao longo da cadeia alimentar, respectivamente. Embora ainda haja muito a ser aprendido sobre a bioacumulação e a biomagnificação de compostos de grafeno, estudos sugerem que esses materiais têm o potencial de se acumular em organismos e de serem magnificados ao longo da cadeia alimentar, o que pode ter implicações significativas para a saúde humana e a biodiversidade.
Pulverização mecânica, produção de ligas metálicas, litografia, abrasão mecânica, jateamento, moagem, aquecimento e resfriamento
Aerosolização de nanopartículas durante sonicação ou pulverização, limpeza e manutenção, extravasamento ou recuperação de produtos (pós secos)
Qualquer atividade que exija manipulação de pós secos ou recuperação de produtos
Matriz polimérica (nanoestruturas fixas ou coligadas)
Moagem, trituração e jateamento. Aquecimento/resfriamento podem danificar a matriz, permitindo a liberação de nanomateriais
Líquidos de suspensão ou dispersão
Métodos de síntese (precipitação e deposição química, eletrodeposição, cristalização, ablação a laser, derramamento e mistura de líquidos contendo nanomateriais, sonicação, pulverização, secagem
Nanomateriais em forma de pós (dispersiveis e aglomerados)
Vazamento direto (reator), recuperação de produtos, processamento e embalagem de pós secos, limpeza e manutenção de equipamentos Nanoaerossóis e síntese (fase gasosa)
Coleta de material (após sua síntese), transferência, pesagem e mistura de pós secos
Condensação e deposição de vapor, técnicas de solidificação rápidas (aerossóis), aglomeração (fase gasosa), condensação de gás inerte (pirólise ou evaporação) ou pulverização
3.6 A importância da caracterização dos compostos de grafeno
A caracterização adequada dos compostos de grafeno é crucial para entender sua toxicidade e impactos ambientais. Isso inclui a determinação de suas propriedades físico-químicas, como tamanho, forma, estrutura, pureza e funcionalização. Essas características podem influenciar a forma como os compostos de grafeno interagem com as células e tecidos biológicos, bem como seu comportamento no ambiente. Além disso, a caracterização dos compostos de grafeno pode ajudar a desenvolver estratégias para minimizar sua toxicidade e impactos ambientais
4. Desafios na Regulamentação da Nanotecnologia no Brasil
A regulamentação da nanotecnologia é um tópico complexo e em constante evolução. Diferentes países têm abordagens distintas para a regulamentação, e muitos ainda estão no processo de desenvolver estruturas regulatórias abrangentes.
No Brasil, as discussões sobre a regulamentação das nanotecnologias é assunto recente na maioria dos países que desenvolvem produtos e aplicações com nanopartículas. A intenção é trazer à discussão como o Brasil está buscando regular a nanotecnologia, razão pela qual não será dado ênfase às iniciativas de regulamentação em outros países. Entende-se que é necessária uma coordenação internacional para discutir os riscos das nanotecnologias e sua regulamentação.
No Brasil, a legislação específica para compostos de grafeno ainda é limitada. No entanto, algumas leis e diretrizes gerais se aplicam, como a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010) e a Norma Regulamentadora nº 15 (NR15), que aborda atividades e operações insalubres.
Órgãos reguladores, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e o Ministério do Trabalho e Previdência (MTP) são responsáveis pela regulamentação e fiscalização de produtos e processos que envolvem compostos de grafeno.
A título de exemplo, pode-se dizer que o empenho até o presente momento para a regulação das nanotecnologias está mais centrado em organismos não governamentais e organismos internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a União Europeia e as normas ISO. Na União Europeia, as discussões estão registradas no regulamento da REACH (Registro, Avaliação, Autorização e Restrição de Produtos Químicos), nos documentos da European Agency for Safety and Health at Work; OSHA; Occupational Nanotechnologies Industries Association (NIA), FDA. Nos países asiáticos conta-se com a ANF-Asia Nano Forum, com o Comitê de Medidas de Segurança para nanomateriais do Japão e com a Chinese Academy of Sciences, SAICM e International Council on Nanotechnology – ICON. Nos Estados Unidos observa-se o Ato de Controle de Substâncias Tóxicas (TSCA) e as ações do National Institute for Health (NIH) FDA (Food and Drug Administration). Contudo, até o presente momento não se verifica uma legislação global específica ou unificada para os nanomateriais, logo, os nanoprodutos são registrados nos mais variados países através das agências reguladoras específicas daquele país, sendo cada situação avaliada individualmente.
No Brasil, o desenvolvimento da nanotecnologia é uma política pública prioritária cujo objetivo principal é angariar fundos de investimento para desenvolvimento da pesquisa e da indústria técnica nessa área, tanto para o setor público quanto para o setor privado. Assim como em outros países da América Latina, há duas características semelhantes identificadas nesse processo, que são a estruturação de centros de excelência incorporado à indústria e a omissão desses países quanto às questões relacionadas com a proteção do trabalhador e do consumidor frente aos possíveis riscos dessa tecnologia.
5. Gestão das exposições
A gestão dos riscos envolvidos com nanomateriais, como o grafeno e os nanotubos de carbono, deve ser realizada de forma integrada e abrangente, por meio de um programa estruturado de ações. O uso da Análise Preliminar de Riscos (APR) deve ser frequente e precoce, permitindo antecipar e gerenciar os riscos desde a fase de projeto desses materiais em escala nanométrica. Além disso, as APRs podem gerar recomendações de controle e mitigação durante o planejamento.
Os controles de engenharia desempenham um papel crucial na proteção dos trabalhadores em relação ao grafeno e aos nanotubos de carbono. Eles visam remover as condições perigosas de exposição ou criar barreiras entre esses nanomateriais e as pessoas. Combinados com práticas adequadas de manuseio, esses controles formam uma estratégia eficiente de controle de riscos.
A identificação e o uso de tecnologias de controle que já se mostraram eficazes em outras aplicações de nanomateriais são passos iniciais importantes para reduzir a exposição. No caso do grafeno e dos nanotubos de carbono, é essencial utilizar essas tecnologias comprovadas em conjunto com um sistema de verificação de eficácia, como auditorias da exposição. Essas medidas são fundamentais para garantir a segurança durante a manipulação desses nanomateriais.
A avaliação da eficácia dos controles é essencial para demonstrar o cumprimento das metas de controle estabelecidas pelas empresas. Nesse sentido, é possível recorrer a tecnologias consagradas, como a visualização e a avaliação dos fluxos de ar, assim como a aplicação de métodos quantitativos para verificar a eficácia da contenção, incluindo o uso de gases traçadores. Além disso, é possível explorar outras abordagens, como o monitoramento da exposição por vídeo, a fim de aperfeiçoar a redução da exposição durante as atividades de manipulação desses nanomateriais e implementar as intervenções de controle necessárias.
6. Estratégias de mitigação
A gestão dos riscos associados à manipulação e exposição aos compostos de grafeno deve ser realizada de forma integrada, com a implementação de controles de engenharia e práticas adequadas de manuseio. A avaliação da eficácia desses controles é essencial para garantir a segurança dos trabalhadores.
Os controles de engenharia incluem a implementação de sistemas de ventilação adequados, o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs), como máscaras e luvas, e a implementação de procedimentos de trabalho seguros. Além disso, a educação e a formação dos trabalhadores sobre os riscos associados aos compostos de grafeno e as medidas de proteção adequadas são fundamentais.
As práticas adequadas de manuseio incluem a minimização da exposição aos compostos de grafeno, a limpeza regular do local de trabalho para remover qualquer resíduo de grafeno, e a disposição segura dos resíduos de grafeno.
Além disso, a pesquisa contínua sobre a toxicidade e os impactos ambientais dos compostos de grafeno é essencial para informar a regulamentação e a gestão de riscos. Isso inclui a realização de estudos toxicológicos e ecotoxicológicos, a avaliação da exposição ocupacional e ambiental aos compostos de grafeno, e a investigação de estratégias de mitigação eficazes.
7. Considerações finais
Este artigo explorou os perigos associados à manipulação e exposição a compostos de grafeno, com ênfase particular na toxicidade pulmonar e nos impactos ambientais. A exposição ocupacional a esses compostos, especialmente em contextos industriais e laboratoriais, foi destacada como uma questão de grande preocupação, necessitando de medidas de controle estritas para salvaguardar a saúde dos trabalhadores.
Pesquisas atuais sugerem que nanomateriais, como nanotubos de carbono, podem provocar respostas de estresse oxidativo, inflamação pulmonar e fibrose intersticial progressiva. Além disso, a bioacumulação e a biomagnificação de compostos de grafeno no ambiente são áreas emergentes de preocupação, com possíveis implicações para a saúde humana e a biodiversidade.
A regulamentação da nanotecnologia, incluindo compostos de grafeno, é um assunto complexo e em constante mudança. No Brasil, embora a legislação específica para compostos de grafeno seja ainda limitada, existem leis e diretrizes gerais aplicáveis, e vários órgãos reguladores são responsáveis pela regulamentação e supervisão de produtos e processos que envolvem compostos de grafeno.
A gestão dos riscos associados à manipulação e exposição a compostos de grafeno deve ser abordada de forma integrada, com a implementação de controles de engenharia e práticas de manuseio adequadas. A avaliação da eficácia desses controles é crucial para garantir a segurança dos trabalhadores.
Em conclusão, embora o grafeno e seus compostos apresentem muitas oportunidades promissoras em várias áreas, é de suma importância que a saúde humana e a proteção ambiental sejam priorizadas. A pesquisa contínua, a regulamentação efetiva e a implementação de medidas de controle rigorosas são fundamentais para garantir que a exploração desses materiais seja realizada de maneira segura e responsável.
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Marcelo Alexandre Tirelli, Pós-Doutor, Doutor e Mestre em Engenharia de Materiais, e Engenheiro de Segurança do Trabalho e Engenheiro Químico. Sua especialidade reside na interseção de Engenharia Química, nanomateriais, segurança e higiene ocupacional.