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A FALTA DE GERENCIAMENTO DE MUDANÇAS: A ETERNA DOR DE CABEÇA DOS CLIENTES
por Luiz Tubino
Não é raro nos dias de hoje problemas de qualidade devido a mudanças não autorizadas de produto e ou processo, gerando os mais variados impactos até mesmo recall.
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Atuo no segmento automotivo, logo vou escrever com base no que vivencio
A questão é disciplina e gestão de mudança, avaliação do impacto, ninguém muda nada sozinho, abaixo a ditadura da mudança. Toda a mudança deve ser devidamente avaliada quanto ao risco e viabilidade. Atuei como perito assistente em um caso de recall onde a causa da falha foi “apenas” a inversão de uma sequência de operações sem a validação da mesma e sem comunicação ao cliente, tal alteração comprometeu a estrutura metalúrgica da peça. Querem saber o final? Ganhamos a causa por se tratar de mudança não autorizada, olha que isso já faz um bom tempo.
Hoje normas tais como IATF 16949 e ISO 9001 já trazem em seus requisitos explicitamente a preocupação com o gerenciamento de mudanças.
Nos dias de hoje uma das causas de peças com defeitos em montadoras continua sendo a famosa mudança não autorizada. Clientes são surpreendidos, consequências muitas vezes são graves e de alto custo.
Encaremos uma mudança de lay out de um processo de manufatura como exemplo, na maioria das vezes precisamos parar a produção, antes disso é necessário manufaturar um “pulmão” de peças para cobrir a parada de produção. Onde vamos estocar essas peças? Temos embalagens suficientes para isso? Necessário trabalhar em regime de horas extras? Por quanto tempo? Como preservar essas peças? Se for no domingo? O refeitório vai estar aberto? Alguma vezes me vi com muitas pizzas na mão para cobrir almoço de operadores porque ninguém previu que operadores sentem fome aos domingos. Várias questões que sem gerenciamento de mudanças não seriam respondidas.
E o PAPP, considerando o exemplo de mudança de lay out não deveria cobrir isso tudo? Não, ele não cobre isso tudo a função dele é homologar processo e produto. A organização e gestão de como a alteração será feita não passa pelo PAPP.
E o cliente, já aprovou a mudança de lay out? Estamos alterando uma condição de processo previamente aprovadas por ele. Atuo no segmento automotivo onde uma vez que produto e processo estão aprovados pelo cliente os mesmos são “congelados“. Não se muda nada sem autorização do cliente e nova homologação.
Até aqui tudo entendido, mas como realizar a gestão de mudanças? Vamos lá então, tudo começa a partir de um pedido de mudança.
1. Deve haver uma descrição da mudança proposta seus benefícios e vantagens de efetivar a mudança. Todo o pedido de mudança tem um número /identificação única.
2. Avaliação da mudança:
Todas as partes envolvidas na mudança devem participar de um estudo de viabilidade da mudança proposta onde apontam suas necessidades e preocupações bem como o custo envolvido de cada área para efetivar a mudança, impacto nos prazos de efetivação e avaliação dos riscos envolvidos. A gestão geralmente é realizada pela engenharia.
Uma vez que todas as partes interessadas dentro da organização apontaram prós e contras bem como custos e prazos e dado o veredito final, via de regra do diretor de engenharia / diretor industrial (alta direção) responsáveis por isso.
3. Caso a mudança proposta não seja aprovada, as razões pela reprovação devem ser registradas e mantidas pela empresa, caso a proposta de mudança seja aprovada é apontado um líder para gerenciar a mudança e o planejamento em forma de cronograma é realizado. Pronto para mudar? Ainda não, precisamos da aprovação do cliente para iniciar o processo de mudança e a primeira pergunta que o cliente faz é “quanto levo nisso“? Mudanças devem trazer aumento de qualidade e/ou produtividade, esteja preparado para dividir isso com seu cliente.
4. Implementação da mudança
Uma vez aprovada pelo cliente a mudança é efetivamente implantada. Aqui dois eventos são fundamentais, o primeiro é a aprovação da mudança implantada pelo mesmo time que fez o estudo de viabilidade da mudança e a elaboração de um lote experimental, onde no meio em que trabalho, chamamos de PTR (production trail run) que aprova a mudança, não o produto. Uma vez aprovada a mudança através do PTR aí então é manufaturado um lote piloto e a mesma é homologada pelo cliente através do seu processo de aprovação PPAP, VDA2, etc.
5. Mudanças não planejadas (processo sob desvio)
Em qualquer momento em que um produto e/ou processo é alterado em relação ao plano de controle documentado e aprovado as organizações deveriam estabelecer um procedimento de controle de processo sob desvio que defina requisitos mínimos para verificação do processo original ao sair do desvio.
Se as coisas não aconteceram como deveriam compartilha a preocupação com teu cliente pois ele também deve aprovar a condição sob desvio, tanto para processo como produto. Pergunta que ouvi duzentas vezes: se o processo é alterado mas o produto permanece dentro de desenho, mesmo assim preciso notificar o cliente e solicitar a aprovação dele? Óbvio que sim, pois a produção ocorreu fora de uma condição previamente aprovada pelo cliente. Não esqueça que ele precisa de teu produto, precisa abastecer as linhas dele, divida tua preocupação, acredite na relação de parceria ou em 2023 tu ainda pensas em enganar cliente?
Não esconda essa situação do teu cliente e lembre se que uma das principais não conformidades em cliente tem como origem mudanças não autorizadas. Vou falar o óbvio: qualidade nunca solicita desvio, quem falhou é quem deve solicitar o desvio.
A aprovação do desvio via de regra é realizada por engenharia, qualidade e produção. Por último o cliente avalia e aprova ou não a condição sob desvio.
Os breakings points de início e fim de desvio devem ser registrados, via de regra o desvio de engenharia é concedido por prazo ou número de peças.
Importante que se faça uma análise de risco da operação sob desvio, realização de FMEA para a condição proposta, plano de controle e instrução de trabalho.
Antes de retornar ao processo original, depois do desvio, os parâmetros de ajuste do processo são verificados e uma quantidade pré-estabelecida de peças são manufaturadas e validadas.
O gerente de produção/operações aprova o retorno a condição original.
Ideias mirabolantes sem validação são um risco para a operação. Muitas vezes a ditadura da mudança impede que um bom planejamento seja realizado e a mudança devidamente implantada.
Mudanças muitas vezes são necessárias, fazem parte do processo de melhoria continua desde que sejam devidamente planejadas, avaliadas por time multidisciplinar afetados pela mudança e aprovada pelo cliente
Lembre se de que a aventura pode ser louca, o aventureiro não. Planejamento é fundamental.
Luiz Tubino, Especialista em qualidade Automotiva IATF e ferramentas da qualidade i core tools e solução de problemas. Consultor de empresas e palestrante na LTC Brasil Ltda, provider GM. Experiencia de 30 anos no segmento automotivo.