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Representatividade e Pertencimento
Mulheres negras fortalecem memória e resistência por meio da leitura
Ciência e Tecnologia
Inovação tecnológica resulta em precisão na agricultura
Página 3
Páginas 6 e 7
Política Esporte
Jovens educadores lutam pelo futuro da licenciatura
Página 8
Estudantes conciliam aprendizagem e prática esportiva
Página 11

Projeto da UFU resulta em tecnologia no campo
Grupo de Estudos em Agricultura de Precisão impulsiona o setor agrícola do Triângulo Mineiro
POR GEOVANNA MORAES E ISABELA SOUZA

O GPS DESENVOLVIDO PELOS ALUNOS DE AGRONOMIA AUXILIA NO MAPEAMENTO PARA UMA MELHOR COLHEITA FOTO: ISABELA SOUZA
Em novembro deste ano, o Brasil sediará a
30ª Conferência das Nações Unidas sobre as
Mudanças Climáticas (COP30), que acontece-
rá em Belém (PA). O evento reforça o compromisso do país no combate ao aquecimento global, especialmente diante de seu impacto nos focos de calor que afetam o ecossistema brasileiro, acarretando em queimadas e incêndios florestais. Em busca de melhorar a produtividade no campo e reduzir áreas exploradas, o Grupo de Estudos em Agricultura de Precisão (GeAP), da Universidade
Federal de Uberlândia (UFU), se destaca no Triângulo Mineiro ao desenvolver pesquisas e aplicações que otimizam a produção e reduzem os danos ambientais na região “Nossa missão é contribuir para fazer uma frente única nos departamentos essenciais da universidade, como o Instituto de Ciências Agrárias” , afirma Sandro Hurtado, orientador do projeto fundado em 2018
gócio também são uma questão, já que, segundo o Relatório Anual de Desmatamento (RAD) de 2023 do MapBiomas, o desmatamento por pressão da Agropecuária responde por mais de 97% de toda a perda de vegetação nativa no Brasil nos últimos cinco anos Sendo o cerrado umas das áreas mais afetadas, com 1.110.326 hectares desmatados em 2023, um aumento de 68% em relação a 2022.
A gente utiliza a educação no lugar certo e evita desperdício.
MÚCIO FILHO
De acordo com dados do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o segundo bioma mais impactado com as queimas é o Cerrado, com 29,6% da porcentagem do país Uma solução possível
para preservação do território é a agricultura de precisão, que utiliza tecnologia para promover um plantio sustentável
As áreas desmatadas referentes ao agrone-
O trabalho desenvolvido na cidade uberlandense enxerga na agricultura de precisão a oportunidade de aumentar a produtividade nas áreas que já possuem controle, além de recuperar as que estão degradadas e, assim, promover o plantio sem que ocorra o desmatamento de novos lugares
DA SALA DE AULA AO CAMPO
Entre os estudos realizados, destaca-se o trabalho de Guilherme Peruzzi, que analisa como o café chega à sua maturidade “Coletando informações sobre o solo, ligação e altitude, chegamos a conclusões que só a agricultura de precisão entrega para o produtor” , afirmou o estudante
Junto com outros participantes do GeAP, Peruzzi recebeu o prêmio destaque no Congresso Brasileiro de Agricultura de Precisão Digital (ConBAP), realizado em Ribeirão Preto, SP O trabalho concorreu com outros 186 projetos e ressalta a importância da pesquisa no setor
FUTURO SUSTENTÁVEL
A agricultura de precisão, impulsionada por inovações tecnológicas e pesquisas como as realizadas pelo GeAP, molda um novo futuro para o agronegócio brasileiro. “Hoje chamamos de agricultura de precisão, mas no futuro essa distinção não vai mais existir, ela se tornará simplesmente a forma convencional de fazer agricultura" , comenta Arthur Lemos, consultor de agricultura de precisão da Fazenda Mandaguari O verdadeiro diferencial está em equilibrar a ciência e a técnica com o conhecimento e a experiência do produtor rural, garantindo, assim, um avanço que incorpora uma prática que o maquinário pode não ser capaz de entregar “A tecnologia vai ajudar e facilitar muita coisa, mas tirar o trabalho do ser humano é difícil. Existem coisas que só o toque humano pode resolver” , conclui

Ao escanear o código QR ao lado, você verá o infográfico "Agricultura de Precisão estimula aumento da produtividade e rentabilidade no campo" Acesse já!
A agricultura de precisão se tornou essencial no agronegócio por abranger todo o ciclo produtivo, desde a análise do solo, fertilização, plantio e colheita, até a transformação e comercialização dos produtos. O diferencial da técnica proposta pelo grupo é a coleta de um grande volume de dados por meio de tecnologias como drones e GPS, utilizando análise de dados para tomadas de decisão que valorizam o lucro e a sustentabilidade. “A gente utiliza a educação no lugar certo e evita desperdício, o que melhora a qualidade do produto e produz mais em uma área menor” , explica Múcio Filho, participante do projeto. As pesquisas desenvolvidas pelo grupo ocorrem em áreas rurais vinculadas à UFU, como a Fazenda do campus Glória Outro importante campo de estudo do GeAP é a Fazenda Mandaguari, localizada em Indianópolis (MG), que possui mais de 1 500 hectares A parceria entre a universidade e a fazenda foi firmada em junho de 2024 “Meu interesse pelos estudos do grupo surgiu de uma troca mútua: enquanto os estudantes aprendem na prática, a fazenda se beneficia da chegada de novas perspectivas” , explica Johannes Aernoudts, proprietário da Fazenda Mandaguari

CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Jogo feito na UFU reflete mercado promissor
Projeto oferece espaço para os amantes de jogos e aprendizado para alunos de outras áreas
POR ALAN ALVES E MARIA EDUARDA SOUSA
O mercado de jogos, muito popular entre os jovens, tem atraído a atenção de desenvolvedores iniciantes, que desejam reproduzir os games que marcaram suas vidas Recentemente, o Governo Federal percebeu o potencial da área, o que resultou na Lei 14 852, sancionada em maio de 2024 Tal legislação é conhecida como o Marco Legal dos Games, que visa criar bases para o fomento à indústria nacional e inserção do Brasil nesse mercado Embora os efeitos dessa lei ainda não sejam visíveis, já existem iniciativas como o caso do grupo Adasys, que faz parte do clube de desenvolvimento de jogos intitulado Blade Runner, ligado a Faculdade de Computação da Universidade Federal de Uberlândia (FACOM/UFU) Esse conjunto está próximo de concluir seu primeiro videogame, chamado Gael Through Dimensions. Arthur Souza, aluno de Ciências da Computação, deu os primeiros passos para que o projeto ganhasse vida, após participar de uma game jam, competição de desenvolvimento de jogos O estudante procurou aperfeiçoar o esboço feito para a disputa e apresentou à atual orientadora do clube, Rita Maria da Silva Arthur foi incentivado a reunir mais alunos para dar continuidade ao projeto “Eu fui em diversas salas de aula divulgando o projeto e recrutando pessoas” , conta o estudante A ideia de Gael Through Dimensions surgiu somente após a primeira reunião, na qual o grupo discutiu sobre o jogo que seria desenvolvido Atualmente, com doze pessoas, os estudantes têm vivido uma experiência muito além do que a faculdade normalmente proporciona Embora a área desperte o interesse de muitos, nem mesmo os cursos de tecnologia da UFU possuem uma grade que atenda a essa busca “A faculdade nos incentivou muito no início Depois, procuramos no YouTube, e, com tutoriais, começamos a aprender” , comentam os integrantes do Adasys

O JOGO APRESENTA DESAFIOS DE LÓGICA QUE PODEM SER USADOS NAS ESCOLAS FOTO: ALAN ALVES
A existência do clube de jogos pode contornar o problema, visto que é um espaço no qual os alunos interessados podem desenvolver aptidões voltadas à área A produção dessa mídia abrange diferentes campos do conhecimento, sendo uma oportunidade de aprendizado para estudantes de diferentes cursos que agregam em partes específicas da produção, como trilha sonora ou escrita de roteiro
O projeto também atende a uma função social de incentivo ao conhecimento. O game poderá ser
levado às escolas, nas quais os alunos irão lidar com desafios de lógica que precisam ser solucio-
nados pelos jogadores para avan-
çarem em sua aventura. A história
do jogo consiste na jornada de Ga-
el para resgatar uma princesa, que desapareceu misteriosamente
Gabriel Crepaldi, aluno de Sis-
tema de Informação e integrante
do grupo, explicou sobre o funci-
onamento de algumas etapas: “A
gente faz um dos desafios em que
tem um barril de um lado e uma
parede de outro. Você tem que descobrir como empurrar o barril
para um lado, para ele cair e que-
brar a parede” O jogo foi adaptado para atender os horários de aula em escolas e conquistar a atenção dos estudantes
MERCADO PROMISSOR
Projetos como Gael Through
Dimensions fazem toda a diferença no currículo Para Tácio Medeiros, desenvolvedor e fundador da empresa de jogos Broken Tooth Studios, iniciativas como essa têm potencial para auxiliar na melhoria do cenário de desenvol-
vimento de games no Brasil, além de abrir portas para os estudantes na área de atuação
Foi assim que Arthur e Gabriel conseguiram seu estágio na empresa de Tácio. O empresário
também pontua que o desenvol-
vimento de jogos pode ser longo
e financeiramente arriscado: “É
um período muito extenso para você não receber dinheiro. Como
todo processo de distribuição de arte, você não tem uma garantia
de que ele vai vingar, mas tem a
chance de dar muito certo” Tácio enxerga o Marco Legal
dos Games como uma medida
positiva para o mercado de jogos,
visto que concede mais espaço às associações, que podem se organizar para melhorar o nível de demanda, facilitando a resolução de problemas
Em 2023, antes da lei ser sancionada, a Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos (ApexBrasil), realizou um estudo referente à quantidade de estúdios para desenvolvimento de jogos no Brasil. A pesquisa constatou que, naquele ano, o país possuía 1 042 estúdios de games, um aumento em relação ao ano anterior, em que existiam apenas 1.009 estúdios. A lei seria um incentivo para um crescimento de empresas que desenvolvem jogos Dentro das universidades há espaço para os alunos descobrirem áreas de interesse A presença de iniciativas como o Adasys é um incentivo para a formação de uma comunidade de desenvolvedores e empresas Mesmo com o Marco Legal dos Games em vigor, é importante trabalhar na formação de uma comunidade, para gerar troca de experiências e aprimorar a inserção desse setor no mercado nacional
CULTURA

Isma Almeida fala sobre carreira, universidade e representatividade
Artista da dupla Irmãs de Pau conta como a experiência na Universidade Federal de Uberlândia influenciou sua trajetória musical e sua luta pela visibilidade LGBTQIAPN+
POR FLÁVIA SILVA E PATRICK MAIA
No carnaval de 2025, a cantora Pabllo Vittar realizou mais uma edição do “Bloco da Pabllo” Em 2024, o evento contou com mais de 1 milhão de foliões e, neste ano, tem a participação especial da dupla Irmãs de Pau, que soma mais de meio milhão de ouvintes mensais na plataforma musical Spotify Isma Almeida, uma das integrantes da dupla, é multiartista: produtora cultural, cantora, DJ e dançarina Além dessas facetas, a chamada Afro Boneca também é egressa da Universidade Federal de Uberlândia Em 2018, Isma chegou na cidade para cursar Pedagogia, e, em meio a essa nova trajetória, iniciou a vida artística ao lado de sua dupla, Vita Pereira Diante da ligação entre carreira e estudos, a rainha dos afrobeats conta um pouco sobre sua experiência acadêmica e influência dessa fase para a sua realidade nos palcos brasileiros:
Senso (in)comum: Como sua experiência na universidade influenciou sua vida profissional?
Isma Almeida: A faculdade me exigiu uma disciplina que me ajudou a me comunicar: saber conversar, negociar com produtores e organizar minha equipe; transmitir a mensagem que quero passar Quando você é uma artista do funk, tendem a achar que é muito ingênua, fácil de ser manipulada tudo que aprendi na universidade me fez ficar muito mais esperta com burocracias e negociações.
Senso (in)comum: Quais eram as suas influências na época da faculdade? E quais são agora?
Isma Almeida: Não mudaram
tanto, mas surgiram novas figu-
ras na cena que comecei a admi-
rar também, como a Linn da
Quebrada, Jup do Bairro A
Amanda Costa, uma aluna da Biologia, é travesti e cheguei a mo-
rar com ela, me ensinou muita

ISMA TRANSFORMA SUA VIVÊNCIA ACADÊMICA EM FORÇA NOS PALCOS FOTO: ACERVO
PESSOAL DE ISMA ALMEIDA
coisa que a faculdade não: o axé,
o gingado da vida, foi uma pes-
soa que me influenciou muito,
principalmente por também ser
travesti Eu via poucas travestis
na universidade, via mais ca-
chorros no campus do que pes-
soas trans. As que eu via mexe-
ram muito comigo, por também
ser um corpo trans
Senso (in)comum: Como você
se sente sendo uma referência
para os estudantes?
Isma Almeida: Me sinto
muito feliz e honrada Sinto
que as coisas estão dando cer-
to para mim e, também, para a
comunidade É muito lindo ver
as universidades se enrique-
cendo de referências de pes-
soas LGBTs, negras e periféri-
cas Acho que a UFU é um
lugar muito incrível, arrisco dizer que a Universidade tem, na música, a referência das
maiores artistas LGBTs do
país, compreendendo projeção de carreiras Temos a Pabllo, que é gigante, e considerada a
maior drag do mundo, a Urias que é gigante também, e agora
eu, que estou conseguindo um
reconhecimento maior no
mercado Isso é muito foda, mostra que a UFU nos acolheu
e impulsionou tudo isso, o que
é incrível
Senso (in)comum: Você ainda tem contato com o ambiente acadêmico de alguma forma (amizades, projetos, contatos)?
Isma Almeida: Sim, tenho
Sempre estou atenta ao que está acontecendo. Minhas amigas de Uberlândia ainda visitam a minha casa, e sempre encontro elas quando vou para lá Quando faço shows em Uberlândia, tento ver as pessoas de quem gosto e muita gente vai me ver Em relação à academia, sou estudiosa, fui uma criança nerd Eu gosto de estudar, tenho apreço por isso e sempre estou lendo alguma coisa, vendo algum vídeo, algo que me enriqueça, traga sabedoria, conhecimento. É algo que eu gosto bastante. Inclusive sempre falo para muitas pessoas que se um dia não der certo na música ou eu não estiver mais feliz, vou voltar pra academia, continuar meu curso. É um lugar que me faz feliz, me preenche, de que gosto muito e que nunca quero perder esse contato Também faço parte de projetos, estou sempre disposta e incentivo todas as formas de educação
Senso (in)comum: Quais suas expectativas para comunidade LGBT+ , considerando expansão artística e ocupar lugares em que têm níveis de exclusão?
Isma Almeida: Desejo as melhores coisas do mundo: muito axé, realização de sonhos, sabedoria Que não falte nada, não falte o básico Sinto que para muitas pessoas trans falta o básico. Falta família, casa, afeto, emprego, oportunidade, infelizmente Não queria que estivesse faltando, mas que já pudessem sonhar alto, igual estou sonhando Para quem já alcançou o básico, que voe ainda mais alto, seja grande, referência de sucesso, onde quiser estar. Se for na academia, se for na arte, desejo que seja assim: sucesso
POR ELLYN LAGO E JOÃO MAIMONI
No coração de Uberlândia, no Centro de Memória da Cultura Negra Graça do Aché, um círculo se forma Livros nas mãos, olhos atentos e vozes que leem juntas páginas de autores como Carolina Maria de Jesus e Machado de Assis. Não se trata apenas de leitura – trata-se de ancestralidade, de encontro, de pertencimento É ali que o projeto Blackbook, grupo do livro formado por mulheres negras, resgata o poder da palavra como ferra-
menta de cura e resistência É ali também
que se revela uma das muitas faces da luta pela representatividade negra na Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Criado em 2023, o projeto reúne mu-
lheres negras para ler e debater diversos autores. “São vivências que se cruzam.
Quando lemos Carolina, Conceição Evaristo, Eliane Potiguara a gente se entende” , diz Fernanda Viana, idealizadora do Blackbook A roda de leitura acontece no Graça do Aché, espaço cultural independente fundado por educadores, artistas e militantes da cidade
“Muitas vezes a gente entra na universidade e não se sente parte. Falar sobre pertencimento é muito importante, porque, quando você se reconhece, quando vê alguém que te representa, isso te fortalece” , afirma Fernanda.
Ivete, coordenadora do Graça do Aché, professora do curso de História da UFU e pesquisadora da cultura afro, diz que o espaço nasceu da necessidade de criar um lugar de escuta, acolhimento e valorização da memória negra. “Nós temos uma presença negra muito forte em Uberlândia, mas essa presença é apagada O Graça do Aché é um lugar onde a gente preserva essa memória” , complementa.
A PRESENÇA QUE AINDA É EXCEÇÃO
centes negros. “É como se estivéssemos sempre disponíveis para tudo que envolve a pauta racial, mas nós somos professores, pesquisadores A universidade precisa entender que esse debate é institucional, e não responsabilidade apenas de quem é negro” , aponta Guimes Rodrigues Filho, diretor da Diretoria de Estudos e Pesquisas Afroraciais (DIEPAFRO/UFU)
Guimes é mestre de Capoeira Angola, professor aposentado da UFU e uma das figuras mais atuantes no movimento negro da cidade Ao longo de sua trajetória, construiu pontes entre a universidade e a comunidade negra por meio da cultura, da educação e, especialmente pela sua paixão, a capoeira “A capoeira é linguagem, é filosofia, é ferramenta pedagógica. Com ela, a gente ensina história, ensina corpo, ensina resistência ”
A fala de Guimes revela uma dimensão essencial: para muitos estudantes negros, a cultura não é apenas expressão é sobrevivência Para o professor, quando você entra na universidade e se depara com um ambiente hostil, com falas racistas e olhares que te atravessam, a cultura que te segura. É o tambor, é o livro, é o teatro, é a capoeira
Onde a palavra
Em Uberlândia, mulheres negras criam espaços
Para Ivete, os projetos culturais são uma forma de manter os estudantes negros vivos na universidade. Vivos emocionalmente e subjetivamente, porque não adianta só estar lá se você está adoecendo No Graça do Aché, além do Blackbook, acontecem oficinas de teatro, aulas de capoeira e encontros com professores e artistas “Já trouxemos gente do Amapá, do Maranhão, de vários lugares
entender: não somos um bloco único Somos muitos” , diz Ivete.

Na UFU, o avanço das políticas e de ações afirmativas aumentou a presença de estudantes negros, mas os desafios de permanência e pertencimento continuam “A estrutura ainda é excludente. A maioria dos professores é branca, os espaços de decisão são brancos, e o currículo também é branco” , comenta Fernanda De acordo com o Censo da Educação Superior de 2023, apenas 21% dos professores nas instituições de Ensino Superior (IES) se declaram pretos (2,9%) ou pardos (18,1%), enquanto 59,2% são brancos. Essa ausência se reflete também na sobrecarga que recai sobre os poucos doA R T EL A Í S E S P Ó S I T O E S O F I A C A P A N E M A

Da sala de aula para a sala dos professores
Baixa procura por cursos, evasão das licenciaturas, formação docente e novas oportunidades são preocupações na universidade e no mercado de trabalho
POR JÚLIA ALMEIDA E LUCIENE TEIXEIRA
Quando Caio de Carvalho ingressou em Ciências Sociais na Universidade Federal de Uberlândia, ainda nutria uma dúvida: seria essa a profissão dos sonhos ou um trampolim para uma vaga em Psicologia? Influenciado por um professor de Sociologia, no início do ensino médio, desejou seguir a mesma profissão Foi desestimulado principalmente pela família, porque a docência não lhe daria retorno financeiro nem social.
Dois anos depois, estava decidido a ser psicólogo
Mas o destino prega peças
Seu desempenho no Enem não lhe possibilitou a carreira decidida Então, Caio entrou na UFU no curso que – como havia pesquisado – tem mais matérias comuns com a Psicologia: Ciências Sociais. Nos quase dois anos cursados, ele se deparou com a formação de colegas como professores, mas desistiu de seguir o mesmo caminho devido à falta de reconhecimento da profissão.
Em seguida, Caio foi aprovado na transferência facultativa para sua primeira opção de curso: Psicologia. Justamente na nova graduação, deparou-se com um trabalho de acompanhamento do desenvolvimento estudantil de crianças em um projeto desenvolvido pela faculdade no ABC do Glória
O caso de Caio não é único, já que, em Ciências Sociais, no ano de 2024, foram ofertadas 33 vagas no processo de transferência e apenas quatro foram preenchidas Ou seja, as vagas ociosas ofertadas representam quase uma nova turma. Essa realidade difere muito da encontrada na Psicologia, 18 vagas, ou em Medicina, sem oferta
INCENTIVOS À PERMANÊNCIA
NA PROFISSÃO
Exemplo de profissional dedicada, Mariana Ramos, estudante do doutorado em literatura da UFU e professora de português em escola privada,

ESVAZIAMENTO DAS LICENCIATURAS CONTRASTA COM A INSISTÊNCIA NO CAMINHO DA EDUCAÇÃO FOTO: JÚLIA ALMEIDA
entrou na docência com um ob-
jetivo prático: conseguir rápida
inserção no mercado. Embora
perceba um contraste entre a
carga de trabalho e o salário
ofertado, ela entende que é pre-
ciso estar em contínuo aprimo-
ramento e prepara-se para opor-
tunidades melhores, inclusive na
docência em universidades
Mariana é exemplo de que
políticas públicas na educação
podem beneficiar estudantes de
licenciatura Natural de Ituiuta-
ba, ela mudou-se para Uberlân-
dia para cursar a faculdade e
aproveitou au-
xílio moradia,
alimentação, transporte e
Iniciação Cien-
tífica para se
manter Desde que ela con-
cluiu a gradua-
ção, algumas
iniciativas se
somaram às
Para Camila Coimbra, atual coordenadora de Pedagogia, na UFU, cuja carreira docente se estende da Educação Básica à formação de novos professores, o Pibid é fundamental por envolver um profissional da universidade e outro da escola pública com o estudante da licenciatura Esse trabalho conjunto faz da escola um espaço formativo, de prática integrada à teoria universitária. Porém, Camila entende que o programa é limitado, já que não há vagas para todos os alunos de licenciaturas A professora participou de pesquisas do Observatório de Políti-
A única forma de alavancar a educação no Brasil é fomentar políticas assistenciais como as que me possibilitaram concluir a graduação.
MARIANA RAMOS, DOUTORANDA EM LITERATURA
bolsas que ela conquistou, com
destaque para o Programa Insti-
tucional de Bolsa de Iniciação à
Docência (Pibid) Mariana opina:
“A única forma de alavancar a
educação no Brasil é fomentar
políticas assistenciais como as
que me possibilitaram concluir a
graduação”
cas Públicas as quais indica-
ram que o perfil do estudante de licenciatura
compreende pessoas que preci-
sam trabalhar para se manter
enquanto estudam Ela afirma
ser essa a importância de políti-
cas públicas de permanência
nos cursos de licenciatura que
envolvam bolsas de estudo. As-
sim, estarão também mais pre-
parados para o que o mercado
de trabalho espera dos egressos, pois, enquanto se fala em apagão de professores, há vagas dificilmente preenchidas porque falta melhor preparação dos profissionais Com intuito de suprir essa necessidade, o Governo Federal instituiu o Programa Mais Professores em janeiro de 2025. Tal iniciativa objetiva o fortalecimento da formação docente, o incentivo ao ingresso de professores no ensino público e a valorização dos profissionais do magistério, ao favorecer recursos e oportunidades de desenvolvimento profissional contínuo, por meio da parceria entre Governo Federal, estados, municípios e Distrito Federal Entre as medidas anunciadas, destacam-se a Bolsa Pé-de-Meia, para incentivar o ingresso, a permanência e a conclusão de licenciaturas e o Bolsa Mais Professores, para fomentar a atuação em regiões e áreas de conhecimento com carência de docentes Exemplo de nova política pública de incentivo à docência, no Pé-de-Meia para Licenciaturas, os participantes precisam ter iniciado a licenciatura presencial em 2025 por meio do Sistema de Seleção Unificada (SiSU), do Programa Universidade para Todos (Prouni) ou do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e ter média a partir de 650 no último Enem. Os contemplados receberão bolsa de R$700,00 mensais acrescida de um depósito de R$350,00 numa poupança a ser sacada após o recémformado ingressar na rede pública de ensino. Dessa maneira, busca-se superar dois desafios: a baixa procura ou a evasão das licenciaturas e o apagão de professores na educação pública. Apesar de as ações serem ainda muito novas para serem avaliadas, são um avanço, já que exemplos positivos de dedicação à formação docente, como as estudantes Letícia Zardo, Emily Rodrigues e Camilla Cae-

Prefeitura e Reitoria buscam cooperação
em meio a histórico de embates
Com mobilidade gratuita, estágios e esportes universitários, nova gestão municipal sinaliza aproximação com a UFU
POR HIANNA MEL E LUISA NIELSEN

“A PREFEITURA E A UNIVERSIDADE TÊM QUE TRABALHAR DE MÃOS DADAS PARA BENEFICIAR A POPULAÇÃO , DEFENDE PAULO SÉRGIO FOTO: HIANNA MEL
No início de 2025, Uberlândia viu duas renovações de gestão: na prefeitura, Paulo Sérgio (PP) foi eleito prefeito; na reitoria, Carlos Henrique de Carvalho tomou posse da cadeira máxima. As duas instituições enfrentam um desafio: estabelecer uma relação de cooperatividade que entregue à população projetos que façam jus ao que a cidade tem condição de proporcionar. Cumprindo algumas promessas de campanha, já nos primeiros dias de governo, os dois líderes atendem a uma série de compromissos em comum, na tentativa de acalmar e consolidar uma relação marcada por frequentes turbulências. Para isso, é necessário mais do que cordialidade: “Ao mesmo tempo em que criamos laços mais sólidos, desenvolvemos ações efetivas em todos os âmbitos, que são cooperações desenvolvidas com a Prefeitura de Uberlândia” , afirma Carlos Henrique
Em 10 de fevereiro de 2025 passou a valer no município o Programa Tarifa Zero, a partir de decreto assinado pelo prefeito no Terminal Novo Mundo. A solenidade contou, inclusive, com a presença de Carlos Henrique
A medida garante gratuidade de aproxima-
damente quatro passes por dia para alunos com uma grade horária mínima de 600 horas; cerca de 43 mil alunos podem ser beneficiados Só a Universidade Federal de Uber-
lândia possui por volta de 30 mil estudantes que serão em sua maioria contemplados pelo programa.
QUANDO TUDO COMEÇOU?
A relação entre as duas instituições não é recente. Antes de ser federalizada, a cidade
tinha a Universidade de Uberlândia, criada
em 1969, que integrava seis escolas de ensino superior: Odontologia e Medicina Veterinária; Medicina; Filosofia, Ciências e Letras; Engenharia; Ciências Econômicas e Direito
No ano de 1978, a entidade tornou-se a UFU
Em 1970, foi criado o Hospital de Clínicas de Uberlândia, hoje HC-UFU, instituição de referência em atendimento especializado e emergencial para toda a região, uma vez que o Sistema Único de Saúde (SUS) providencia cuidados primários e secundários e precisa de um apoio para situações complexas. Ao longo dessa relação, há tensão quando se fala do que é competência da própria universidade e o que o município deve delimitar
A Constituição de 1988 definiu que a
União, os estados e os municípios são os gestores do SUS Entretanto, como destaca o ex-vereador e ex-secretário de Comunicação do município, Neivaldo Honório, o Magoo, “o SUS é um órgão criado, mas sem definição exata de quem banca” Carlos Henrique acrescenta que a ausência de uma rede eficiente de atenção básica contribui para a sobrecarga do HC, que passa por constantes reformas para atender à crescente demanda. Magoo também pontua que “A UFU nasceu da comunidade E os campi que se tem hoje foram formados por doações de pessoas, da prefeitura e de imobiliárias ”
ra têm acesso a moradia e serviços urbanos de melhor qualidade.
E O FUTURO?
Carlos Henrique afirma que, por meio da
Secretaria de Juventude, a prefeitura deve firmar um convênio de 300 vagas de estágio exclusivas para estudantes da UFU, tanto em setores da própria prefeitura quanto em empresas parceiras. “Algumas áreas terão mais vagas, outras terão menos. Nós vamos negociar os termos, mas será remunerado” , pontua o reitor
O prefeito confirma a negociação do convênio e pontua que a intenção é ampliar significativamente a utilização de alunos da UFU em todas as secretarias e áreas, a fim de proporcionar a esses estudantes a oportunidade de contato com empresas e com o mercado, contribuindo para sua formação profissional “Tudo o que a Prefeitura puder fazer integrada com a Universidade, em todas as áreas, nós vamos fazer” , conclui
Tudo o que a prefeitura puder fazer integrada com a universidade, em todas as áreas, nós vamos fazer.
PAULO SÉRGIO, PREFEITO DE UBERLÂNDIA
Destaca-se, portanto, a relação do bairro
Elisson Prieto com a UFU Antes chamado de Assentamento Glória, a área era de propriedade da UFU e, em 2017, a instituição federal aprovou a sua doação para o estado Com essa cooperação, mais de 2 mil habitantes ago-
Está confirmada, também, a utilização de espaços da Fundação Uberlandense de Turismo, Esporte e Lazer, a Futel, para o esporte universitário A Pró-Reitoria de Assistência Estudantil firmou com a prefeitura a realização de treinos das equipes da UFU e das atléticas, além da realização da Olimpíada Universitária 2025, que acontecerá nos meses de agosto e setembro, na Arena Sabiazinho Essas decisões contornam um desgaste que ocorreu na relação entre os órgãos no ano de 2024, em que a parceria de dez anos para utilização do ginásio pela UFU foi rompida após a prefeitura alegar que este estaria ocupado por outra cerimônia na data solicitada pela universidade Carlos Henrique explica o fato como um exemplo de cooperação “A Olimpíada tem que ser feita, e a nossa parceira é a Prefeitura Municipal de Uberlândia, porque ela tem um grande complexo poliesportivo Temos que nos aproximar e fazer, sem custo” O reitor completa: “Independentemente da gestão, o aluno UFU não pode ser prejudicado, então nós vamos garantir as melhores condições, dentro das nossas condições ”

Do campo ao campus
A necessidade de equilíbrio entre dois pilares da vivência no ambiente universitário
POR LAURA MALAVOLTA E MARIA SANSONI

AS COMPETIÇÕES NA UFU REÚNEM UM GRANDE NÚMERO DE ATLETAS E PROMOVEM INTEGRAÇÃO ENTRE OS ESTUDANTES FOTO: LAURA MALAVOLTA
Para o estudante, a universidade não se resume apenas às aulas É também um centro de convivência no qual surgem desafios em meio aos anseios para o futuro e às cobranças da vida adulta Na tentativa de lidar com essa pressão, muitos alunos encontram no esporte um refúgio. Dentro e fora das quadras, a UFU é preenchida por um grande público esportivo De acordo com dados da Liga das Atléticas da UFU (LAUFU), na Olimpíada
Universitária de 2024, foram inscritos 2 412 atletas, porém, esse número aumenta levando em conta as torcidas, baterias universitárias e comissões técnicas envolvidas durante o evento Segundo a Divisão de Esporte e Lazer (DIESU/UFU), 129 alunos foram convocados para representar a universidade nos Jogos Universitários Mineiros (JUMs) de 2025, que ocorreram entre os dias 16 e 21 de abril, em Santa Rita do Sapucaí. Rafael Gumerato, conhecido como Bilu, é estudante de Educação Física da UFU, ex-atleta profissional e um dos convocados para o JUMs. Aos 15 anos, iniciou no basquete, seu talento e dedicação o levaram à conquista de uma bolsa para jogar nos Estados Unidos e, posteriormente, à integração ao time de alto rendimento do Praia Clube
Devido à pandemia de Covid-
19, Bilu ficou sem equipe nos
EUA, o que o fez voltar para o
Brasil. Após um tempo parado surgiu a chance de jogar pelo ti-
me uberlandense, e, ao ingres-
sar na faculdade, o esporte uni-
versitário tornou-se parte de sua vida. “Muitos atletas acaba-
ram com a carreira nessa época
[pandemia] Eu tinha desistido
também, mas me deu muita vontade de voltar e surgiu a oportunidade” , relata.
Hoje, Rafael é atleta da Atlé-
tica Educação Física e do time de basquete da UFU Diante da dificuldade em conciliar o esporte profissional e o universi-
tário, optou por priorizar os estudos sem deixar sua paixão de lado “Assim que eu entrei me
chamaram para treinar porque souberam que eu estava jogando no Praia Depois que parei de atuar por lá, decidi focar e
levar mais a sério os treinos da UFU” , comenta.
NÃO É SÓ PELO ESPORTE
É comum se deparar com
pessoas que encontram refúgio
no desporto e nas modalidades
com as quais já possuíam uma
conexão, como é o caso de Igor
Tavares, fisioterapeuta formado
pela UFU. Com apenas uma se-
mana de curso, iniciou sua par-
ticipação nos times de futebol
da universidade, e manteve a
prática atrelada a sua graduação
até o final. “Foi o que vivi minha
vida inteira e fez a faculdade
ficar mais leve Eu ficaria muito
perdido se não tivesse essa ex-
periência dentro da universida-
de também” , relata
Um estudo feito pela Univer-
sidade Estadual da Califórnia,
nos Estados Unidos, publicado
na revista Plos One, concluiu
que realizar esportes coletivos
diminui chances de sofrer de
ansiedade e depressão, além de
reduzir o risco de isolamento
em comparação com pessoas
sedentárias, bem como a proba-
bilidade de ter problemas soci-
ais e de enfrentar problemas de
atenção em 10%, 19%, 17% e 12%,
respectivamente
A psicóloga
Camila Troina
afirma que os exercícios impac-
tam de diversas maneiras na vida
e na saúde mental do indivíduo.
“Ele possibilita enfrentar desafi-
os, criar estratégias para lidar
com frustrações, adaptar regras,
rotinas e novas formas de se po-
sicionar diante das exigências sociais” , explica a especialista

BILU VIU NO ESPORTE UNIVERSITÁRIO
UMA FORMA DE SE MANTER CONECTADO
AO BASQUETE FOTO: MARIA SANSONI
Como profissional da saúde,
Tavares também tem a atividade
física como uma aliada para a
boa saúde mental, tanto pela
questão fisiológica – na libera-
ção de hormônios – como por ser uma válvula de escape para fugir da rotina.
O OUTRO LADO DA MOEDA
Apesar dos vários benefícios, se não praticado com equilíbrio, o esporte pode tornar-se prejudicial, uma vez que vem como candidato a atrapalhar
des
mpenho durante a formação acadêmica Segundo o artigo “Ajuda a Não Ficar Louco” dos psicólogos Mikael Almeida Corrêa e Ana Cristina Garcia Dias, publicado em 2023 pela revista Estudos e Pesquisas em Psicologia, a falta de tempo e a exaustão após a atividade física são os maiores malefícios à vida acadêmica, acompanhados pela perda de aulas e provas devido a treinos e campeonatos. Somado a isso, lesões, falta de sono e de boa alimentação também foram apontadas como influências negativas Camila vê tal problema ocorrer devido a diferentes razões, a depender da bagagem particular que cada indivíduo carrega “Para alguns, o esporte pode representar um espaço de reconhecimento e valorização, algo que talvez não encontrem na vida acadêmica Para outros, pode ser uma forma de evitar o confronto com as dificuldades da formação universitária. ”
Breno Gomes, técnico e educador físico, reconhece o impasse em desassociar o acadêmico do esportivo, mas não enxerga como algo inalcançável. “Muitas pessoas têm mais dificuldade de fazer essa separação, mas se o aluno conseguir se organizar, dá para conciliar" , afirma.
Assim como nas vidas de Bilu e Tavares, a prática esportiva gera bons frutos, como o fortalecimento de amizades e conquistas pessoais. Segundo Camila, são uma forma de ampliar o repertório para lidar com questões da vida, permitindo encontros com perspectivas diversas e enriquecendo a maneira como cada um pode estar no mundo