R.Nott Magazine Issue #06

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junho de 2014

ISSUE#06

Interrogando Sveta Dorosheva - Ensaio Obcaecare - retrato dela aos quase 30 - F.U.N.K: forma da univocidade natural korp贸rea - A conquista da realidade Sobre Homens e Insetos - Interrogando Diego Agrimbau


WHO ARE THESE PEOPLE?

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ISSN 2358-0127

VINICIUS FERREIRA BARTH

RAFAELA LAGARRIGUE

SE AUTO-INTITULA: EDITOR CHEFE

SE AUTO-INTITULA: DIRETORA DE ARTE

NA VERDADE É: Mestre em Literatura pela UFPR. Estudante de fotografia e desenho.

NA VERDADE É: Produtora de moda, excêntrica.

vinicius.rnott@gmail.com

rafaela.rnott@gmail.com

JULIANO SAMWAYS

GUILHERME GONTIJO FLORES

SE AUTO-INTITULA: COLABORADOR

SE AUTO-INTITULA: COLUNISTA

NA VERDADE É: Professor de filosofia, autor, músico, estudante, ex-enxadrista, ex-filatélico.

NA VERDADE É: Poeta, tradutor e professor no curso de Letras da UFPR.

jspetroski@hotmail.com

ggontijof@gmail.com

Vinicius Ferreira Barth

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PROPOSTA DA REVISTA

J

unho de 2014: chegamos à Issue #06. E o nosso rosto, nesse mês, saiu do ensaio realizado em Buenos Aires com a linda modelo Victoria Fay e a fotografia de Valeria Tomassini. No misterioso espaço do Hostel Sol, “Obcaecare” tomou forma em um ambiente deliciosamente perturbador. Mas o nosso trabalho na Capital Federal não parou por aí. Entrevistamos o premiado roteirista de quadrinhos Diego Agrimbau em sua casa, onde ele nos contou sobre o sucesso repentino do seu trabalho de estreia, e também sobre o que significa produzir quadrinhos na Argentina e na América Latina. Outra entrevista – talvez até hoje a preferida deste editor, mas não espalhem – foi com a magnífica desenhista ucraniana, radicada em Israel, Sveta Dorosheva. Tanto o bate-papo como a galeria de obras suas são imperdíveis. Já na coluna R.You! apresentamos um conto do autor soteropolitano Sidney Summers. Ademais, nas nossas clássicas colunas de opinião e reflexões metafísicas dos nossos colunistas: Juliano Samways, em Ruído, fala da imanência corporal do Funk; Guilherme G. Flores, em Literatura, homenageia sua esposa com um poema inédito; e este que vos fala, na coluna de Visuais, fala sobre o nosso ambiente em HD e a conquista da realidade nas artes visuais. Fim, por enquanto.

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[06]

INTERROGATÓRIO

Interrogando Sveta Dorosheva

C

onheça Sveta Dorosheva, artista ucraniana radicada em Israel, e se apaixone, assim como nós, por suas ilustrações magistrais e sua simpatia. Entrevista exclusiva para a R.Nott Magazine.

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O

RUÍDO

F.U.N.K: forma da univocidade natural korpórea

Funk, a imanência da dança e um contexto. Que tipo de expressão sugere esse ritmo minimalista, quase tribal, que define todo um povo e uma cultura?

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LITERATURA

retrato dela aos quase 30

U

ma homenagem inédita e das mais preciosas feita por Guilherme Gontijo Flores, em uma obra autoral que tem sua estreia aqui na R.Nott. Confira, vale a pena.

[36]

A

VISUAIS

A conquista da realidade

realidade é coisa delicada, mas continua estando à nossa volta. O que há além do monitor, e onde está a arte nesses mares de HD em que vivemos?

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Sobre Homens e Insetos

C

onfira nesse mês o trabalho de Sidney Summers, autor soteropolitano, com um conto no nosso primeiro R.You literário!

OBCAECARE

I

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INTERROGATÓRIO EM VIDEO

Interrogando Diego Agrimbau

nterrogamos o brilhante roteirista de quadrinhos argentino, Diego Agrimbau, na sua casa em Buenos Aires. Ele nos contou do estrondoso sucesso da “Burbuja de Bertold”, da vida de quadrinista na França e também sobre como é tentar manter o alto nível após a publicação de uma obra-prima. Confira!

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SUMÁRIO

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R.YOU

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Interrogando

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veta

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a s v e o r h o

por Vinicius F. Barth www.rnottmagazine.com

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INTERROGATÓRIO

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Agora, depois de cinco anos de esforço, não parece tão besta, mas naquele tempo argumentos como ‘Isso não é pra mim, eu acho que quero ilustrar livros’ soavam ridículos.

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omo vai, Sveta? Um prazer tê-la na revista! Obrigada por me convidar!

- Como, onde, quando e por quê? Eu venho de Zaporozhye, atualmente uma grande cidade industrial na Ucrânia, que naquele tempo ainda era parte da União Soviética. Eu pertenço a uma geração perdida entre duas épocas – nós ainda pegamos a cauda da decadência da era Soviética, mas os anos de formação caíram no tempo em que ‘não havia nada’, caos completo e desintegração de ideologias, países e mentalidades… Se você fosse um adolescente e não entendesse o que estava acontecendo, ninguém conseguiria te explicar, porque os adultos estavam confusos, deprimidos e desorientados. Dizem que a minha geração é muito flexível e independente, que pode aceitar qualquer mudança quase com indiferença. Não tenho certeza disso, mas a flexibilidade existe. Quando terminei a escola, eu queria

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estudar arte, mas isso significava ter que ir embora para outra cidade e deixar a minha própria, e disso nem eu nem meus pais estávamos seguros na época, que eu seria capaz. Foi um tremendo engano, como descobri depois, mas eu não insisti e entrei na universidade local. Eu me formei em línguas e literatura. Foi aí que comecei a desenhar muito, porque os estudos eram muito, muito entediantes, e eu tambén acabei notando que quando desenho, consigo decorar coisas automaticamente. Até hoje, caso precise lembrar ou entender muito bem alguma coisa, eu apenas ligo o áudio enquanto desenho e isso se resolve sem esforço. Inclusive combinei com o meu marido de ele não repetir enredos de filmes enquanto estou desenhando… Depois de graduada, me ofereceram um trabalho de tradutora em Kiev. Nos anos seguintes eu trabalhei como intérprete, tradutora simultânea (pior trabalho da minha vida), assistente pessoal, jornalista, e designer de impressão. Eu continuei a desenhar ‘como um hobby’, mas percebi que desejava uma carreira ‘mais criativa’, então me mudei para a publicidade. Passei 7 anos em uma agência e trabalhei como designer,

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Interrogando Sveta Dorosheva

[06] gents-and-flappers

[07] ornament-and-vignettes

[09] povar i nevesta

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INTERROGATÓRIO 10│n.06 2014│R.Nott

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Interrogando Sveta Dorosheva

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INTERROGATÓRIO

diretora de arte, e, finalmente, diretora de criação. E saí, no topo da minha carreira, para o nada. É difícil explicar a qualquer um o porquê de você largar uma posição de alto gerenciamento, onde todo mundo te ama e quer te dar dinheiro e fama. Agora, depois de cinco anos de esforço, não parece tão besta, mas naquele tempo argumentos como “Isso não é pra mim, eu acho que quero ilustrar livros” soavam ridículos. Além disso, enquanto eu maturava algumas decisões, a vida me deu uma ajuda – eu estava grávida do nosso segundo filho. Naquele tempo parecia que tudo na vida estava indo ‘pra outro

lugar’, então eu decidi que não faria tanta diferença se nos mudássemos para outro país para estar mais perto da família e arranjar alguma ajuda com as crianças (meus pais se mudaram para Israel quando eu estava na universidade). É mais fácil começar algo quando tudo é novo J. Aqui eu comecei a descobrir o sonho de toda a vida que era fazer do desenho o meu trabalho. O que, com filhos pequenos, demora mais até que se desenvolva numa nova esfera. Mas, no fim das contas, estou muito feliz. - Você é uma artista que carrega dentro de si dois mundos: Ucrânia e Israel. Como é para uma ucraniana produzir arte em Israel? Como esses dois mundos se mesclam no seu trabalho? Como eu dizia, eu pertenço a uma geração que tem um problema com tradições – durante toda a minha juventude, tudo era um completo estrago, as mudanças estavam acontecendo permanentemente em todas as esferas da vida. Então eu não diria que carrego alguma genuína tradição ucraniana, muito menos judia. Além disso, não posso dizer que seja muito amarrada a Israel em termos de trabalho. Eu recebo encomendas do mundo inteiro, não estou trabalhando apenas para o mercado local. Até agora eu não faço ideia nem de como é o mercado editorial daqui. Mesmo assim, estou no momento ilustrando um livro ligado à literatura tradicional

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Interrogando Sveta Dorosheva judia. É muito divertido e eu estou fazendo muita pesquisa a respeito da tradição judia e da cultura ao longo do trabalho (extremamente interessante!) - O que você costuma ler? Existe algum texto que você sempre quis ilustrar e nunca teve oportunidade? Para a minha tristeza, eu não tenho lido muito nos últimos anos. Eu trabalho de manhã, enquanto as crianças estão no jardim de infância e na escola. A partir do meio-dia estou com eles. Eu evito ler de noite por medo de cair no sono, já que depois que as crianças vão dormir eu tenho o meu segundo turno do meu precioso tempo de desenho. O único momento em que eu realmente leio é justo antes de dormir – lá pelas 3 da manhã. Raramente dura mais do que 10 minutos J. Se eu me apego a um livro, isso arruina o meu trabalho, o que acontece de vez em quando, porque aí eu leio em vez de trabalhar nas minhas horas matinais… E sim, há livro que eu sonho em ilustrar. Eu os chamo de ‘livros de aposentadoria’, o que quer dizer que quando eu esteja velha e grisalha e insone e banguela e com toneladas de tempo

ao meu dispor, colocarei esses no topo da lista de prioridades (o que é um plano terrível, eu sei, mas até agora tudo bem). São eles: Francois Rabelais “Gargantua and Pantagruel”, os contos de fadas de E.T.A. Hoffmann (especialmente “O pote de ouro” and “O elixir do diabo”), e os contos de Gustav Meyrink, talvez o seu “Anjo da janela do Ocidente”. Eu vou começar com o Hoffmann. - Como você se sente sendo alguém que se graduou em literatura e de repente se vê como um artista visual? Conte mais sobre esse período literário da sua vida. Eu me sinto muito mal. Eu me arrependo desde aquele tempo da minha escolha de formação e continuo me arrependendo todos os dias. Eu sinto agudamente a falta de um treinamento acadêmico em arte, e tentei corrigir esse erro diversas vezes, mas um dia começou a ficar realmente estranha a coisa: todas as vezes em que eu planejei uma entrada atrasada em uma academia de artes, engravidei (sem brincadeira! A coincidência é quase assustadora – três tentativas – três filhos!). Eu ainda estou tentando

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INTERROGATÓRIO

[10-11] love

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[12] boy hirez

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[13] what is a man

[14] frog princess


Interrogando Sveta Dorosheva arrumar as lacunas na minha formação – principalmente sendo autodidata (demorado, tedioso, frustrante), fazendo cursos de curta duração (melhores, mas insuficientes e superficiais), e aprendendo de outros artistas individualmente (precioso, mas difícil de conseguir). Quanto ao período literário, eu tive um, mas não foi na universidade. Eu escrevi um livro há alguns anos (e o ilustrei). Se chama “The Nenuphar Book” e é escrito por criaturas mágicas a respeito de pessoas. O livro tem vivido através do processo excruciante da crise dos livros impressos juntamente com a editorial, mas eu espero que um dia seja publicado. O ponto é que quando eu terminei de escrevê-lo e comecei a contatar os editores, eles em geral disseram que as ilustrações eram maravilhosas, mas, hum, o texto… Então comecei a pesquisar sobre escrita, li diversos livros a respeito disso, e descobri a literatura de toda uma nova perspectiva. Eu estava literalmente assombrada com quanto trabalho dava a tarefa de escrever. Eu era tão ingênua pensando que escrever era… bom, você só inventa algo e escreve lá. Ah, que estúpida. Então eu reescrevi

a coisa toda, e mesmo que o livro nunca seja publicado, eu sou grata a essa experiência por me ensinar muito sobre literatura e escrita (muito mais do que na universidade, por sinal). Os seus filhos gostam dos seus desenhos? O que eles dizem sobre isso? Ummm, não tenho certeza… As suas reações são tão diferentes. Eu geralmente acho que meu filho mais velho (9 anos de idade) é meio indiferente ao que faço. Ele parece ser um pouco frustrado por eu não ser uma desenhista de comics e não desenhe robôs e transformers e lutas, ou algo como ‘Mr. Giantpants Vs. Pinktentacle’. Ele também acha que desenhar mulheres peladas é nojento, e desenhar fadas e contos de fadas é infantil… Mas recentemente ele veio da escola e me contou uma história, cheia de sofrimento. Eles estavam cozinhando biscoitos da sorte na aula, e todos tinham que escrever um desejo secreto num pedaço de papel. “E eu escrevi ‘desejo que minha mãe vire a maior artista na terra’” – disse ele. – “E então eu estou comendo um biscoito e de repente

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INTERROGATÓRIO

sinto uma coisa estranha – eu cuspi, e era o pedaço de papel com o desejo sobre você. Então eu pensei um tempo e o engoli para que o desejo virasse realidade”. Então, acho que ele não é tão indiferente como eu pensava, e depois desse sacrifício, sabe… Estou destinada a virar a maior artista na terra, ele não me deixou escolha. O meu outro filho (de 5 anos) é bastante interessado no que eu faço. Toda vez que ele vê meus desenhos, exclama “Sabe mamãe, você desenha muito bem!” com tamanha e genuína surpresa que você pensaria que ele apenas descobriu o fato de que eu desenho! Às vezes ele me pede para contar a história por trás do desenho, o que eu faço com prazer. Meu filho mais novo (1 ano e meio) é a pessoa mais interessada no mundo quando o assunto são os meus desenhos, mas o seu interesse é perigoso. Ele deseja fortemente participar, e não se engana comigo, desenhando com ele – ele quer AQUELE pedaço de papel – aquele no qual

eu estou trabalhando, aquele que está cuidadosamente guardado e seguramente empilhado bem longe dele. Como você consegue mudar entre diferentes estilos? (Por exemplo, indo de The Alchemyst para Dancing Class). É uma coisa progressiva entre um e outro ou você consegue “mudar a chave” e simplesmente fazer diferente? Pergunta interessante. Eu mesma já pensei várias vezes sobre isso. Você tem toda razão – eu posso sentir esses dois estilos ou ânimos vivendo em paralelo dentro de mim (eu os chamo ‘misterioso’ e ‘irreverente’). E eu troco entre eles quando estou cansada de um dos dois. Como é o seu processo de planejar a imagem? Todos os seus trabalhos são ricamente detalhados, mesmo entre tão diferentes estilos, então como você constrói a cena? Toma decisões no caminho ou pensa em tudo com antecedência? Ambos. Geralmente eu tento pensar em tudo com antecedência, mas raramente acaba sendo como eu planejei. Exceto talvez na composição, todo o resto das decisões estão sujeitas a mudanças no processo. Eu costumo começar com uma ideia escrita. Escrevo todas as ideias para essa ou aquela ilustração. Então faço alguns esboços para elas. Nesse estágio é claro o quê é melhor em termos de composição, ideia, e também as minhas obsessões pessoais (algumas coisas são mais interessantes de desenhar do que outras,

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Interrogando Sveta Dorosheva

[15] alchemyst light

[16] idea progress

[17] topsy turvy world

e essas ‘obsessões’ são diferentes para cada artista). Então eu vou para o google imagens para buscar tudo na imagem que eu não sei como desenhar, ou para coletar referências. Ou contato o cliente para fotos de uma rua ou pessoa em particular, depende… Então faço um esboço detalhado, escaneio-o e uso a tela do meu computador como mesa de luz para transferi-lo à cópia final. Quando as coisas de saem bem, o esboço final já é a cópia limpa. Quem são os seus personagens? De onde eles vêm? A maioria vem de contos de fadas, mitos e weird science e crenças da idade

média. Eu li muitos contos de fadas quando era criança. Depois escrevi minha tese sobre contos de fadas e mitologia quando estava na universidade. E muito depois, quando a internet rápida virou uma coisa comum, eu estava buscando por algo em uma das livrarias públicas online e me deparei acidentalmente com a emblemata medieval. E daí manuscritos iluminados. E daí bestiários. E daí tratados de alquimia. E daí… Eu não podia parar. Foi direto no coração, como encontrar o amor de sua vida. Eu aind lembro desse primeiro encontro. Eu me sentia frágil, como um cristal moldado. E eu me lembro do meu primeiro desenho depois de ter descoberto esse novo mundo. Esses foram os melhores e mais completos dias da minha vida, embora para um observador pudesse parecer que ‘nada está

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INTERROGATÓRIO

acontecendo – essa pessoa passa seus dias quieta, taciturna, pensativa, caminhando longamente e se comportando como quem apenas agora recebeu notícias chocantes que influenciam toda a sua vida’.

Ah sim, e há também o Codex Seraphinianus. Falando em heróis...

Grandes influências, heróis? As grandes influências mudaram. Primeiro eu era influenciada por artistas da art nouveau e déco. Então me apaixonei pelos ilustradores da era de ouro (ainda sendo Edmund Dulac e Kay Nielsen os meus favoritos). E depois (agora) – idade média e inícios da renassença. Acabei de notar que as minhas influências vão no sentido contrário no tempo. Provavelmente eu irei esculpir petroglifos a seguir. E sim, há heróis. Dürer é o meu superstar. Eu mantenho também um Monte Olimpo pessoal, habitado pelos ilustradores de livros dos tempos modernos, os quais trato como celestes: Olga e Andrej Dugin, Kirill Chelushkin,

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Gennady Spirin, Lev Kaplan, Rebecca Dautremer, Lisbeth Zwerger, Shaun Tan... para nomear alguns. Na verdade eu acho que estamos vivendo na segunda ‘era de ouro’ da ilustração de livros, com ou sem crise editorial.

- No que você está trabalhando agora? Meu atual grande projeto é ilustrar “Ferocious Holyman” – o livro de Dmitry Deitch (autor russo que vive também em Israel), que deriva da tradição judia – eu o mencionei antes. É um texto tão rico em termos de ilustração, e é divertido e misterioso e complicado – tudo ao mesmo tempo. A maioria das minhas ‘obsessões’ estão ali – mito, fábula, fantasia, crenças, tradição, demônios, anjos e trapaceiros, humor, beleza, e coisas estranhas e maravilhosas.

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Interrogando Sveta Dorosheva [18] Weird medicine llustrations from the book "Ferocious Holyman" written by Dmitry Deitchs

[19] dreams

- Existe alguma pergunta que você sempre quis responder e nunca ninguém te perguntou? Pergunta malandra! Em geral eu sou mais uma pessoa de perguntas que respostas. Mas sim, eu queria que alguém me perguntasse se eu gostaria de produzir alguma arte para um filme do Tim Burton, e fosse pra valer :)

Mais em: Site oficial: http://lattona.prosite.com/

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retrato dela aos quase 30

Por Guilherme Gontijo Flores www.rnottmagazine.com

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LITERATURA

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vejam só, a copa com seus tratores segue em frente, terá começado antes deste post, & os nossos índios — estes que todos somos — seguem pagando pela alma selvagem...

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ré-escrito

eu & ela nascemos no re-início da democracia neste país, mas crescemos vendo quantos pingos ainda & sempre faltam nos i’s, se a gente quiser mesmo falar de democracia, ou ao menos de uma democracia que nos interesse. vejam só, a copa com seus tratores segue em frente, terá começado antes deste post, & os nossos índios — estes que todos somos — seguem pagando pela alma selvagem... ah, a lista mal iniciada dos males poderia seguir longe. são 30 anos meus e dela (da democracia, da bem amada?), são 13 anos juntos (13 em que viramos maiores de idade: feliz coincidência?), são 2 filhos — 1 na barriga. é certo que na minha cabeça não haverá diferença clara entre erótica, poética, ética & política: a gente foi fazendo de tudo, como dava, como dá. enfim, eu preciso (?) justificar ou me desculpar pelo poema: esta deveria ser uma coluna sobre literatura, não um espaço pra minha literatura, muito menos pra minha poesia amorosa. mas quem vai garantir que ela (a bem amada? a poesia? a democracia?) é menos política, menos poética e crítica por também amorosa? esta coluna também é sobre vocês. mas esta coluna — aguentem — vai pra nanda, como tudo em tanto tempo.

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retrato dela aos quase 30

||nem difere do outro retrato|nunca escrito|o brilho dourado da infância| nossa expressão irônica|ora trunca o olhar & turva|então retorna em ânsia pelos entornos|fora uma criança corre&grita&pula|nesta espelunca que soubemos moldar em casa|& nunca para|por dentro outra criança|vai que dá|que chuta&gira&espeta|&logo devolve o velho brilho|em & ou ou de quem hesita por saber se sai| sorrio&interrompo aquele jogo| vai que dá|& a pequena|dá que eu vou| |nosso país insiste|& mais chafurda| aonde?|alguém pergunta|gente lerda que quer mais de meia palavra|& herda a coisa toda|enquanto a tropa curda| que tipo de soneto é esse?|a corda enlaça no pescoço|estamos longe disso|a casa é uma ilha|não tão longe quanto se imagina|e a mesma corda nos une a tudo|a gente tenta&inventa as possibilidades da alegria| enquanto a massa se extermina|a copa se faz em gás lacrimogêneo|& assenta a dor no olhar alheio|essa alegria ilhada em dor|que tece nossa estopa|

|a casa está no mato|como tudo é mato adentro&mais adentro como tudo|que se desmata sem consolo até que o último índio quede mudo perante as invasões|que tomam dentro aquilo que queríamos de fora| agora mora a hora chora a dor a| todas seriam rima cem por cento| (drummond)|nada diriam da situação| alguém disse o fracasso da política nacional|nós procuramos o quê nesse contexto?|talvez a política do fracasso?|ninguém vai responder| eu é que não sei|ela também não| |faz tempo somos mais que dois|a história não se repete|a gente é que repete a interpretação clichê da história| que mais parece um velho torniquete para estancar a perda que não houve| o seu retrato quase não difere| eu penso|& a pele que inventei adere| eu penso sem pensar que nunca houve alteração no enquadramento|aquele poema nunca foi escrito|agora nós ficamos menores no retrato| tudo depende se é possível o trato| ela sorri comigo dor afora| & o retrato extrapola além da pele||

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Por Juliano Samways R.Nott│n.06 2014│25


RUÍDO

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movimentos de um organismo que em si mesmo é pura expressão. A dança é, nesse sentido, a manifestação tanto do popular quanto do erudito, do pobre e do rico, manifestação de um corpo, de uma arte.

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filósofo alemão Friedrich Nietzsche dizia que só acreditaria em um deus que dançasse. Nietzsche exacerbava, transbordava em seus escritos, a instauração do modelo cotidiano do filósofo-artista, um pensamento poético em todas as instâncias da vida: essa é a arte maior. Formatou o que podemos chamar de uma poética da vida. Outros pensadores da cultura humana já atentaram para o valor da dança e sua conexão direta, imediata, com o corpo, uma arte corpórea, orgânica, fisiológica, movimentos de um organismo que em si mesmo é pura expressão. A dança é, nesse sentido, a manifestação tanto do popular quanto do erudito, do pobre e do rico, manifestação de um corpo, de uma arte. A dança que surge nas camadas mais baixas da população vive um momento de maior exposição no Brasil. O popular torna-se também moda. Nascido nos morros do Rio de Janeiro, o Funk Carioca é visto por uma grande maioria conservadora como uma dança de apelos meramente sexualizados, movimentos e gestos que trazem e fazem apologia a expressões de um erotismo meramente

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chulo e chucro. Mas o que está por trás destes movimentos, desta expressão de sexualidade? Faz-se necessário um olhar mais atento ao fenômeno dos morros, das favelas, das periferias cariocas, um olhar sobre essa dança particular que se universalizou no Brasil. Patrocinados na sua origem pelos traficantes detentores da lei dos próprios morros, os bailes surgiram como uma forma de garantir certo entretenimento para os jovens desses locais. Garantem, ou garantiam, um local de venda e divulgação dos domínios das drogas. Obviamente desse solo criminal que parece infértil surgiram movimentos que em nada tem a ver com o tráfico, mas sim que parecem traduzir uma originalidade minimalista de música e dança. O mínimo, neste caso, é o máximo para essas juventudes periféricas no sentido horizontal. Os meios de comunicação de massa, principalmente a internet nos dias de hoje, fizeram essa moda do funk ser compartilhada para o bem e para o mal, como todas as coisas que existem na rede. Todos começaram a apelar para o minimalismo da simples batida e repetição

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F.U.N.K: forma da univocidade natural korpórea

de um único verso que se torna toda música, e para, a partir disso, criar um hit, uma repetição sonora que é por si mesma o impulso da criatividade. O lema desses “homemades” é bolar um funk e jogar na rede, bem diferente da unidade original que o funk proporciona nos morros. Unidade que é o meio de socialização destas comunidades que, envolta pela atmosfera de um Rio 40 graus, só podem mesmo é dançar sem roupa e proceder as aproximações de sexualidade, de amizade, de dança presentes em qualquer outra atividade humana. O capitalismo dança esse funk, e dança, obviamente, ao par do lucro que essa onda já rendeu. Esse sistema é também um aproveitador para o bem e para o mal, e criou vários subprodutos do funk, que é esse que visualizamos e criticamos no nosso dia a dia. Essa proliferação do funk é uma espécie de imanência da sexualidade e do prazer individual dentro do sistema capitalista. Imanência no sentido de que todas as expressões, todos os gestuais, as comunicações, o sentido que se dá no corpo, o corpo é seu em si e para si, o corpo é a redundância da realidade, tudo o que existe só realmente existe através do corpo. Daí o corpóreo que ultrapassa o nível da mera sexualidade, pois esta seria apenas uma das expressões de um corpo, uma em outras séries incomensuráveis desta imanência.

qualquer ideia de um e outro separados, dentro e fora, corpo e mente. O funk juntou a venda da música com a venda do corpo. Essa venda casada, principalmente do corpo feminino, desencadeou uma série de debates politicamente engajados, feminismos, liberdade de venda da própria sensualidade. Mulheres objetos do funk, homens objetos de um comportamento criminalizado proveniente dos bailes. Mas será que estas questões não seriam advindas desta mesma abertura da corporeidade com alcances midiáticos? Talvez nosso corpo seja a nossa maior mídia, e a dança apenas um meio de comunicação entre vários existentes. Velados ou à mostra, todos os corpos se comunicam. Na imanência da dança, tudo dança. Por isso a dança de Nietzsche, por isso o cuidado em se instaurar preconceitos em imanências alheias, pois esta imanência é a do seu corpo também. Toda imanência é uma espécie de univocidade, uma só voz dentro de muitas vozes políticas, estéticas, eruditas e populares que gritam na linguagem do corpo, esta que deve ser uma linguagem natural.

A questão da imanência do corpo pode ser filtrada de um problema mais elementar: tudo o que existe no mundo seria uma extensão, um apêndice do próprio corpo, um elo de conexão, uma abertura ao empírico? O corpo dos funkeiros possui uma abertura destinada a esse universo do entorno dos morros, o universo dos funkeiros da internet, a esse universo da repetição midiática, todos oriundos da imanência do corpo em torno do mundo. Definitivamente, a imanência é contrária a qualquer transcendência, a

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OBCAECARE Talvez tudo seja um simulacro, um esboço inventado para ocultar uma desordem da consciência. Uma armadilha privada de impossível escape que a transforma, que a modifica, que a difere, que a apaga. Já não importa mais. Ela só enlouquece um pouco às vezes. Todos nós enlouquecemos um pouco às vezes.

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EQUIPE Fotografia e edição: Valeria Tomassini Assistente de Fotografia: Noelia Tomassini Produção e estilismo: Rafaela Lagarrigue e Jorgelina Pussetto Modelo: Victoria Fay para Pink Management Maquiagem e cabelo: Pola Amengual Vestuario: Verborragiafemme Locação: Hostel Sol (Buenos Aires CABA - Arg.)

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VISUAIS

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De lá pra cá muito mudou em termos de que realidade buscam os artistas. Diversas foram as escolas, as regras e as tendências. Caravaggio fazia com que os mais brilhantes santos caíssem como sacos de batatas em

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direção à existência mundana e terrena. Tintoretto e El Greco entortavam a perfeita composição, re-iluminavam. E foram tantos outros. A realidade impressionista se alcançava através dos olhos semicerrados. Depois de séculos da perfeição dos traços renascentistas, seus traços eram pouco definidos, como uma severa miopia. Quase todo o século XX embrenhou-se na realidade de dentro, do subjetivo, do sujeito que revela a sua versão do real. Que vanguarda mais popular que o surrealismo? Que século mais fértil no imaginário fantástico e fantasioso que esse de Picassos, Magrittes, e, não nos esqueçamos, de Tolkien, C. S. Lewis, Giger? E ainda assim, que realidade era essa proposta pelos futuristas, que almejavam vir com tudo abaixo?

Ver Issue #01, “Realismo e Representação” por Sandra M. Stroparo.

Alto Renascimento, período estrelado principalmente pelo ‘triunvirato’ Leonardo / Miguel Ângelo / Rafael (todos tributários a Donatello, a quarta tartaruga ninja) é conhecido também como o da ‘conquista da realidade’. Desde ao menos o tempo de Giotto, italiano contemporâneo de Dante e um dos marcos fundamentais do movimento que veio a culminar no Renascimento, a perspectiva e a perfeição das formas humanas (ao modo dos grandes mestres gregos da Antiguidade) foram obsessivamente buscadas pelos pintores. A temática básica ainda era a Bíblia, embora vez por outra surgissem cada vez mais reencenações de mitos antigos. A Igreja, sendo na grande maioria dos casos a empregadora desses artistas, afim de que ilustrassem as histórias aos fiéis para um melhor entendimento dos textos sagrados, viu cada vez mais as figuras bíblicas tomarem forma, corpo, rosto e alma. De mosaicos bizantinos de formas duras, sérias, pálidas, passando por retábulos de figuras harmoniosamente amontoadas e sem planos distintos (embora, certa e inegavelmente belas, sempre), as figuras santas passaram a compartilhar o espaço do humano, a fazer-se presentes na comunhão e na oração, a serem testemunhas vivas do ato religioso. Pois os mitos em si passaram a ser criaturas vivas, tinham rosto, eram familiares e vigilantes. Para que se chegasse até isso, séculos de ‘tentativa e erro’ se passaram até que se resolvessem as fórmulas matemáticas da perspectiva e da composição harmônica no quadro. Desde Giotto, o caminho tomado pelos italianos era um caminho sem volta, rumo apenas ao que veio a ser o Alto Renascimento, onde havia, pura e simplesmente, a mais perfeita realidade. Depois disso vieram a crise e os desvios da regra; toda uma nova rota a se traçar.

A realidade, vimos na nossa edição inaugural, é coisa delicada, de se pegar com as pontas dos dedos¹. A ‘realidade retratada’ entra quase em contradição com a noção própria de ‘realidade’. E, no entanto, desde Giotto nos bota calafrios aquela figura no canto da tela que nos olha fixamente; aquele retrato de olhos brilhantes; o Rubens autorretratado que nos inquire em profunda reflexão. E a tela pintada, forma material, concreta e real em si mesma? Amontoados de tintas sobre telas ou madeiras ou papeis? A conquista da realidade foi a conquista da ilusão, o argumento final que comprova que esse acúmulo de materiais que vibram em diferentes frequências, dispostos numa superfície, podem incorporar um significado maior, oculto, sagrado. Religião e ascendência insuflando vida na obra de arte. E não tem sido assim desde o começo, Egito e muito antes? A arte é o transporte ao oculto. Discuto isso para que pensemos no tipo de realidade que almejamos ainda hoje. Qual é ela, afinal, nessa era da ‘conquista da realidade’ pelos meios tecnológicos? A sagrada realidade, cada vez mais milhões de megapixels, 720 bits, gráficos, tudo para que se erga o

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A conquista da realidade

Que é que se faz com tamanha carga de realidade sobre a nossa realidade, e o que aprendemos?

A lição dos renascentistas foi deixada e absorvida. Qual é a lição que deixa a nossa era?

entretenimento ao patamar da realidade. O arrebatamento do espectador frente à Última Ceia de Leonardo é o mesmo causado pelos gráficos do novo Playstation 4? Os cinemas ultimamente, por sua vez, andam saindo da tela e atirando cores e cheiros na nossa cara, não bastassem as primorosas computações gráficas que dão forma a mundos impossíveis. O que significa, afinal, tão tremendo apelo aos sentidos? Depois de um século de abstratos e subjetividade, modernismo e desconstrução, por que nos apegamos tanto agora ao Realismo? Nos cinemas de Huxley, sentiríamos por meio de sensores os beijos de língua entre o casal protagonista: o apogeu do entretenimento, soma. A realidade, me parece, é coisa delicada. Controlá-la com joysticks é, ao mesmo tempo, um desejo de pelo menos algumas décadas de idade, que conquista cada vez mais pessoas, e que, nesse momento, parece se aproximar do seu estágio máximo, a conquista. Que é que se faz com tamanha carga de realidade sobre a nossa realidade, e o que aprendemos? A lição dos renascentistas foi deixada e absorvida. Qual é a lição que deixa a nossa era? Qual a consequência de se ver um conto de fadas acontecendo não na imaginação mas no nosso plano de realidade, ou de

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se assistir aos gols da copa do mundo praticamente de dentro dos calções dos jogadores? Meu ponto, afinal: que se faz com a arte quando há tamanho apelo visual no resto do mundo visível? Todo esse mundo acaba de ser conquistado pelo perfeccionismo em alta definição, o ‘renascimento’ da era digital. Diferentemente dos mestres do passado, esse mar de pixels parece ser pouco profundo, pouco há de carne, de sagrado. Talvez a resposta para tamanha sofisticação venha na simplicidade, no retorno à imaginação. Como no passado, a regra não está mais no maneirismo, na imitação dos mestres florentinos. Deve-se distorcer, interferir, dar o velho tabefe na televisão pra ver no que dá; ver o mundo com uma riqueza que não nos é dada ou imposta. Deve-se duvidar. Superar o impacto emocional, fácil e superficial desse grande somaque é a realidade fabricada. Assistir à vida passar por meio de monitores LCD e LED é hoje a regra, não a exceção. Devemos ver a vida com nossos olhos. Talvez, aí, reconquistemos uma outra realidade, essa que grandes mestres materializam em forma de obras de arte. Vejamos o mundo com os primeiros olhos que um dia se fizeram.

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SOBRE

H O M E

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N S

E INSETOS Por Sidney Fortes Summers

" " O homem é mais delicado que o gafanhoto

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R.YOU

Para Patrício Freitas

A

os que acham que os homens são os mais cruéis dos animais indico que assistam o procedimento das formigas. Um cortejo em que levem, felizes, uma barata agonizante, recém pisoteada que ainda luta com suas patas para escapar. As patas restantes. As que ainda pode movimentar. Nós inventamos mecanismos de tortura mais sofisticados e sutis. Não deixamos, por exemplo, que aquele que assume o lugar da barata perceba que está sendo arrastado contra a sua vontade para ser devorado. Ou que será um cadáver guardado para um momento mais oportuno. Até conseguimos uma jornada sorridente quando nós mesmos incorporamos o papel da barata estrebuchante. Isso sim é civilização. Quando vejo insetos me vêm à mente uma serie de analogias loucas, metáforas à vida humana... Pernilongos, evidentemente, são tão insistentes quanto testemunhas de Jeovah. Não há nada que os faça desistir. Eles se multiplicam, quando a gente se descuida e nem mesmo aplicações regulares de inseticidas são capazes de eliminá-los. Inseticidas... Eis o maior engenho humano após a invenção da roda. Pernilongos se alimentam de sangue humano. Não que sejamos canibais. O exemplo dos tupinambás nos mostra sua inutilidade. Nenhuma herança. Nenhum herdeiro. Enquanto o sangue custa a vida, o suor vale ouro. Não, não proponho nenhum papo político. Os insetos usam a gravidade para foder no ar, sem charme. Eu entendo que um papo sobre comunismo (preciso citar o nome de algum partido?) hoje possa servir para comer alguém. Esse é o tipo de discurso que eu respeito! E acho que “esse cara” deve mesmo estar comendo alguém. O que é bem mais útil e interessante que a maioria dos textos que se pode ter contato. Já não consigo supor que alguém está nessa por inocência, apenas. Mas o mundo é também dos inocentes. E dos que não leram a mensagem de George Orwell. Eu gosto do rola bosta que faz sua casa na merda. Simpatizaria mais se fosse sua própria merda. Somente a partir dela eu acredito na possibilidade de uma relação patriótica. O cavalo do cão voa barulhento e sem rumo certo. Uma lei seca na floresta e ele estaria extinto. As cigarras têm seu próprio canto e, felizmente, graças a ele, explodem. As asas da barata são mais úteis que as da galinha. Mas menos saborosas. Os besourinhos são cascudos e resistentes. As moscas vêm tudo com suas centenas de olhos, sem enxergar nada, de fato. No fim, tudo e todos tem uma utilidade. No fim, tudo e todos são inúteis.

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Sobre homens e insetos

Sobre o autor: Sidney Fortes Summers (1986 - ) é um escritor soteropolitano. Co-autor dos livros “Ratos com Asas” (Clubedeautores) e “Pão com Recheio de Sobras” (ainda inédito), autor de “Prazer, Sid!” (AgBooks), “Como os Velhos Cães” (Coisa Edições) e “Os Dias Quentes se Arrastam Mornos” (coletânea a ser publicada também pela Coisa Edições). Tem textos publicados em diversas revistas nacionais (Ellenismos, Cruviana, Jornal Relevo, Desenredos, Cinzas no Café, Verbo 21, dentre outras) e internacionais (Moçambique, Argentina, Portugal, Suiça e México). Como roteirista trabalhou nos curtas “Olho Mágico”, “Aroma Café com Cinzas” e na websérie de quatro capítulos “Mata Alta”. É co-editor da revista Evoé, membro do conselho editorial da revista Cruviana (6° edição) e estudante do bacharelado interdisciplinar em artes da UFBA.

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INTERROGATÓRIO EM VIDEO 44│n.06 2014│R.Nott

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Interrogando Diego Agrimbau

I

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nterrogamos o brilhante roteirista de quadrinhos argentino, Diego Agrimbau, na sua casa em Buenos Aires. Ele nos contou do estrondoso sucesso da “Burbuja de Bertold”, da vida de quadrinista na França e também sobre como é tentar manter o alto nível após a publicação de uma obra-prima. Confira!

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