R.Nott Magazine Issue #05

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abril de 2014

ISSUE#05

Interrogando Manuel Gómez Burns - Ensaio Profundamente Superficial - Segue O sequestro do sapateiro: nota breve - A gota de suor do artista - Entre(dois) mundos - A reinterpretação de um mundo mágico - Interrogando Carne Hueso


WHO ARE THESE PEOPLE?

2│n.05 2014│R.Nott

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ISSN 2358-0127

VINICIUS FERREIRA BARTH

RAFAELA LAGARRIGUE

SE AUTO-INTITULA: EDITOR CHEFE

SE AUTO-INTITULA: DIRETORA DE ARTE

NA VERDADE É: Fotógrafo de rua, Mestre em Literatura pela UFPR.

NA VERDADE É: Produtora de moda, excêntrica.

vinicius.rnott@gmail.com

rafaela.rnott@gmail.com

JULIANO SAMWAYS

GUILHERME GONTIJO FLORES

SE AUTO-INTITULA: COLABORADOR

SE AUTO-INTITULA: COLUNISTA

NA VERDADE É: Professor de filosofia, autor, músico, estudante, ex-enxadrista, ex-filatélico.

NA VERDADE É: Poeta, tradutor e professor no curso de Letras da UFPR.

jspetroski@hotmail.com

I

ggontijof@gmail.com

ssue #05: chique, divina e internacional.

nossa edição de estreia, lembram-se? – produzimos

em Buenos Aires um dos ensaios que consideramos mais bem-sucedidos dentro da história da revista. As referências artísticas para essa produção não são difíceis de se perceber; misturamos alguns conceitos que acharíamos que cairiam bem, profundamente superficiais. Mas as honradezas não param por aí. Nossa coluna R.You! publicou com muito gosto o trabalho da norte-americana Brandy Eve Allen, que nos procurou com suas fotos reveladas em filmes infravermelhos, carregadas de erotismo, sentimento e poesia. Também em Buenos Aires entrevistamos os responsáveis pelo projeto Carne Hueso, Leo e Mariano: os construtores de cavalos e de carrosséis nos falaram sobre essa atividade tão anacrônica, e de todos os seus curiosos porquês. E os quadrinhos tiveram um espaço especial nessa edição: entrevistamos o quadrinista peruano Manuel Gómez Burns, cuja produção é imperdível para interessados ou não no assunto! E na coluna Visuais contamos com a participação dos brasileiros Breno Ferreira e Pablo Carranza. Por fim, Guilherme G. Flores discutiu a poesia de Sapateiro Silva e Juliano Samways falou sobre músicos e a organicidade da performance ao vivo. Como se pode notar, uma linda edição.

Vinicius Ferreira Barth

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PROPOSTA DA REVISTA

Com o retorno de Laura Figueredo para a nossa capa – ela foi o rosto maravilhoso da

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[06]

INTERROGATÓRIO

Interrogando Manuel Gómez Burns

E

ntrevistamos o magnífico desenhista peruano Manuel Gómez Burns. Conheça aqui a sua trajetória e alguns dos seus quadrinhos alucinantes!

[20]

S

RUÍDO

A gota de suor do artista

angue, suor e lágrimas. Juliano Samways pensa sobre a organicidade da performance musical, a gota de suor do artista que reflete o trabalho de anos, o vulto que se faz carne através do som. Confira!

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LITERATURA

Segue o sequestro do sapateiro: nota breve

O

mistério do sumiço do Sapateiro Silva das antologias de poesia brasileira é debatido por Guilherme Gontijo Flores, que também traz alguns poemas do autor. Entre e conheça esse trabalho.

[32]

Q

VISUAIS

Entre(dois) mundos

uadrinhos, enfim! Pablo Carranza e Breno Ferreira são as caras que inauguram a chegada dos quadrinhos à R.Nott Magazine. Entre aqui e conheça esses dois mundos.

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PROFUNDAMENTE SUPERFICIAL

A reinterpretação de um mundo mágico

A

fotógrafa norte-americana Brandy Eve Allen nos brinda nessa edição a beleza do seu mundo em infravermelho. Conheça o que ela mesma conta sobre a sua arte e sobre a sensibilidade que a inspira nos caminhos dessa natureza tão particular.

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INTERROGATÓRIO EM VIDEO

Interrogando Carne Hueso

D

ireto de Buenos Aires, entrevistamos Leo e Mariano, os dois responsáveis pelo projeto Carne Hueso, que desenha, constrói e reforma figuras de carrossel. Conheça a magia da construção dos seus cavalos e de tudo o que envolve essa mecânica de cor e nostalgia.

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SUMÁRIO

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R.YOU

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Interrogando

Manuel Gómez

Burns

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por Vinicius F. Barth

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INTERROGATÓRIO

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No meu caso, sempre me senti mais cômodo desenhando em estilo de cartoon, já que desde

pequeno me chamavam a atenção os quadrinhos

e desenhos animados desse tipo, e foi assim que

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aprendi a desenhar, copiando esse tipo de desenhos.

C

omo, onde, quando e por quê?

Nasci em Lima, mas atualmente vivo em Arequipa (cidade no sul do Peru). Cursei a carreira de design gráfico mas sempre tive interesse em todo tipo de quadrinhos. Atualmente tenho um escritório de design com meu irmão, e paralelamente me dedico à ilustração e ao quadrinho, claro. Tenho comics e ilustrações publicados em revistas como Etiqueta Negra, Buensalvaje, Cometa (Peru); El Malpensante (Colômbia); Bostezo, La Cabeza, Finerats (Espanha); Stripburger (Eslovênia), entre outras. Além disso, uma seleção de desenhos dos meus sketchbooks apareceram no livro “Comics Sketcbooks” de Steven Heller. Entre ilustrações e comics, o seu estilo parece ser bastante variado, ainda que possuindo uma forte identidade e algo de ‘retrô’. Qual foi a trajetória que o caracterizou? Acho que foi uma trajetória algo longa. No meu caso, sempre me senti mais cômodo desenhando em estilo

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de cartoon, já que desde pequeno me chamavam a atenção os quadrinhos e desenhos animados desse tipo, e foi assim que aprendi a desenhar, copiando esse tipo de desenhos. Quando comecei a estudar design, adquiri um pouco mais de técnica, além de ter aprendido a fazer um traço mais realista, mas dediquei mais tempo ao desenho quando terminei o curso, no ano de 98. Em 2002 viajei aos Estados Unidos e pude ver de perto o que são os comics alternativos (que antes conhecia só pelo pouco que achava na web, em algumas revistas e catálogos da Fantagraphics), e isso certamente foi também uma influência bastante forte. Até esse momento eu desenhava – e tinha trabalhos publicados – mas variando entre estilos, que não tinham relação um com o outro. Isso se deve à minha formação como designer gráfico; ou seja, quando fiz o curso de ilustração, tudo se centrava em buscar um estilo que se encaixasse com os requerimentos de um cliente, não era tanto sobre encontrar uma identidade própria. Isso foi uma mudança progressiva. Pouco a pouco fui “limpando a minha linha”: deixei de desenhar com hachuras e comecei a usar pincéis e tinta. Da

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Interrogando Manuel Gómez Burns influência dos comics underground e alternativo, voltei à influência dos comics clássicos. Em fins de 2006 comecei a experimentar, escaneando as texturas de alguns comics antigos e aplicando-as aos meus desenhos. Digo experimentar, já que o meu manejo com o Photoshop era bem mais básico, e tudo o que eu fazia era de maneira muito mais intuitiva. Anos mais tarde tive que me reatualizar nesse programa, já que surgiu a oportunidade de ensiná-lo em um instituto de desenho, então no aspecto técnico a minha forma de trabalhar já mudou bastante. Que tipos de técnicas você utiliza para produzir? São manuais, digitais? Em algumas raras ocasiões eu faço tudo digitalmente, mas em geral faço o desenho de linhas com pincéis, penas e tinta, e o digital entra na hora de colorir e aplicar as texturas. Além disso há coisas em que trabalho com acrílicas e têmperas, ou com canetinhas coloridas, que uso em sketchbooks, meio que para quebrar um pouco com isso de trabalhar digitalmente. Ademais, esse ano me meti em um curso de xilografia, coisa que eu adoro porque

é totalmente diferente do que estou acostumado a fazer. Conte um pouco sobre os quadrinhos e comics no Peru. Há alguma característica geral que possa definir a produção nacional? Característica geral, na verdade não, mas muitas coisas mudaram nesses anos. Agora há diversos grupos que se juntam por interesses comuns e autogestionam as suas publicações. Eles já não estão mais só em Lima, mas também em outras cidades, e já há mais gente que sai um pouco da produção de comics tradicional para apresentar propostas um pouco mais pessoais. Você acha que a sua produção esteja dirigida a um tipo específico de público?

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[09] Primera prueba de último grabado

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INTERROGATÓRIO 10│n.05 2014│R.Nott

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Interrogando Manuel Gómez Burns

[10] Afiche carboncito

[11] Onomatopeya antropomorfica

[11] Sketchbook

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INTERROGATÓRIO

[12] sketchbook 2007

[13] La tira tardona

Los primeros experimentos en cubismo abstracto.

A minha produção pessoal não está pensada para um tipo de público específico. Em geral faço coisas que eu gostaria de ver e ler. Sobre os seus personagens de comics, que em geral são partes: caras, olhos, onomatopeias ambulantes. Como surgiu a ideia de criá-los? Qual é o seu tipo preferido de personagem? A mistura de rostos foi resultado de alguns experimentos cubistas-abstratos após ver alguns desenhos de Gary Panter. Evoluiu de algo complexo até chegar ao que faço agora. A ideia das onomatopeias começou como um jogo: em 2008 ou 2009 eu estava rabiscando em um caderno; dentro desses rabiscos

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fiz umas onomatopeias às quais agreguei pernas e braços. Logo pensei que seria divertido fazer uma sequência, ainda que a primeira tira com esses personagens tenha saído só em 2010. Não tenho um tipo de personagem favorito, mas é divertido fazer as tiras das onomatopeias. O que você mais gosta de ler? De onde, em geral, vêm as suas ideias para trabalhar, suas inspirações? Além de ler quadrinhos, leio literatura. Minha ideias não surgem de leituras em particular, já que algumas coisas vêm de ideias visuais. As primeiras ideias que me vêm são anotadas para melhorá-las depois, jogando com as possibilidades, sempre imaginando como se veriam acabadas. Tudo isso pode me tomar

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Interrogando Manuel Gómez Burns algum tempo até que decido passá-las a limpo, como foi com as onomatopeias. O processo se acelera quando os trabalhos são encomendados, claro. Quais são as suas principais influências e ídolos? Saul Steinberg, Will Elder, Basil Wolverton, Chris Ware, Art Spiegelman, Charles Burns , Gary Panter, Seth, Atak

(George Barber)… É lista é grande, mas esses são alguns nomes que me vêm à mente. Projetos futuros? Acabar uma série de gravuras para uma mostra pessoal. E também me decidir a sentar e trabalhar em um quadrinho mais longo, já que tenho também essa vontade.

Mais em: Site oficial: https://www.behance.net/mgomezburns Blog: http://www.mgomezburns.blogspot.com/ Twitter: https://twitter.com/mgomezburns

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SEGUE O SEQUES TRO DO SAPA TEIRO: NOTA BREVE erme por Guilh lores Gontijo F

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É

já um costume gagá de velho esse de criticar qualquer antologia pelos critérios de “esse não entrou”, “aquele não entrou”, “aqueloutro devia ter entrado”, “meu amigo não entrou”, “eu não entrei”, etc. É pouco produtivo, por dois motivos bastante simples: em primeiro lugar, esse tipo de comentário/crítica costuma não prestar atenção nos critérios organizacionais de uma antologia e, por isso mesmo, esquece que toda antologia é limitada pelo simples fato de que ela delimita, uma antologia é uma ferramenta crítica, no sentido antigo de krísis em grego, “separação”, “seleção”: antologias separam (ou deveriam separar) o joio do trigo e, com isso, formam cânone(s), para o bem e para o mal.

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Feita a ressalva, revelo meu espanto: em menos de uma década, tivemos um longo estudo de fôlego sobre a poesia brasileira (Uma história da poesia brasileira, escrita por Alexei Bueno, em 2007) e duas antologias, ambas saídas em 2012 (Poesia.br, organizada por Sergio Cohn, e La poésie du Brésil, organizada por Max de Carvalho, publicada França numa edição bilíngue); mas em nenhuma dessas três obras aparece o nome do Sapateiro Silva. Não é que ele esteja à margem dessas obras, ele não está lá, como de fato não está na cabeça da imensa maioria dos brasileiros. Sobre Joaquim José da Silva, conhecido sob a alcunha do poeta satírico Sapateiro Silva, não sabemos quase nada: teria nascido em 1775, no Rio de Janeiro, onde viveu e morreu em algum dia dos meados do séc. XIX. A obra que nos restou é parquíssima: temos poemas seus que saíram no Parnaso brasileiro, organizado em 1830 por Januário da Cunha Barbosa, e no Florilégio da poesia brasileira, de 1845, de Francisco Adolfo Varnhagen, que se resumem a 8 sonetos e 7 glosas, meros 15 poemas. Sacramento Blake, no seu Dicionário bibliográfico brasileiro, o descreveu como alguém que “teve comércio com as musas

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Por não perder da Festa a grande manja Também se achou um certo salafrário,

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Com cara mais inchada que turanja

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LITERATURA

e foi poeta célebre no seu tempo”, um dos poucos comentários sobre o poeta. Mas, apesar do julgamento positivo de Sacramento Blake, creio que foi a visão severa de Sílvio Romero que se espalhou pela crítica brasileira do séc. XX. Na sua História da literatura brasileira, ele afirma categoricamente que o Sapateiro Silva não é um poeta satírico, também não é um poeta cômico, ou o que hoje chamamos um humorista. Era um improvisador em estilo agreste, mas não possuindo a profunda vivacidade, nem a doce melancolia do povo. Silva tinha do povo somente o lado da farsa, do burlesco; alguma cousa do que se pode chamar o canalhismo em poesia.

Enfim, sua avaliação pesou, sua obra passou quase despercebida pela História da literatura brasileira de José Veríssimo e pela monumental Formação da literatura brasileira, mas em 1983 Flora Süssekind & Rachel Teixeira Valença organizaram aquele volume fundamental, O Sapateiro Silva, onde propunham uma revisão da sua obra e re-apresentavam seus poemas ao público. Esse trabalho lembrava o processo dos irmãos Campos na Revisão de Sousândrade e de Kilkerry: comentário crítico de um poeta esquecido acrescido de antologia do poeta, ou seja, revitalizálo pela crítica na reedição. Essa proposta de Süssekind & Valença foi, em parte, bem sucedida: o Sapateiro Silva passou a aparecer, ainda que discretamente, nos estudos e nas leituras de poesia brasileira. Figura na História concisa da literatura brasileire, de Alfredo Bosi, por exemplo. Porém, como eu já disse, de 2007 pra cá três obras fundamentais, formadoras de cânone, deixaram esses poemas de lado e com isso deram sequência ao prolongado sequestro do Sapateiro Silva. Não quero aqui desmerecer o trabalho de Sergio Cohn, que, por exemplo, reservou um volume inteiro da sua antologia para 16│n.05 2014│R.Nott

a poesia ameríndia (fato, que eu saiba, inédito no Brasil) e mais 5 volumes para a poesia dos últimos 50 anos (uma clara demonstração de que o contemporâneo interessava mais como critério de edição/ seleção). Nem diminuir um trabalho com o vigor do de Max de Carvalho: afinal, ele traduziu cerca de 700 páginas de poesia brasileira — e isso, meus amigos, não é pra qualquer um. No caso de Alexei Bueno, embora eu discorde de muitas das suas argumentações e avaliações, também só posso (me) cutucar, já que ninguém mais teve o ímpeto de sequer tentar essa empreitada: nossas narrativas longas, até da poesia, estão quase paradas. Mas o fato é que o Sapateiro Silva apresenta um problema diferente dos de Sousândrade de Kilkerry, na verdade, dois problemas: o primeiro é que estes dois poetas foram revistos pelos concretistas, poetas centrais da poesia brasileira da segunda metade do séc. XX; enquanto o Sapateiro ressurgiu no meio acadêmico (apesar de apresentar uma poesia nada acadêmica) por um livro da editora da Fundação da Casa de Rui Barbosa. Como no caso das revisões canônicas propostas por Ezra Pound e T.S. Eliot (dois exemplos: ressurreição dos metafísicos ingleses e o enterro de John Milton) tiveram — e ainda têm — mais impacto do que a revisão mais recente dos românticos ingleses por Haroldo Bloom. Tudo indica que a revisão do cânone feita pelos poetas é mais rápida do que aquela que vem da academia, mesmo que a importância seja igual. Em segundo lugar, a meu ver o mais importante: Sapateiro Silva não se enquadra nas narrativas sobre a literatura brasileira. Contemporânea do nosso arcadismo, sua poesia não apresenta nada daquele gosto maneirado (leia-se temperado) que tomou Minas Gerais no século XVIII. Sua verve satírica, citadina e coloquial aponta mais para o que viria a produzir Bernardo Guimarães cerca de 50 anos depois. Assim, se voltarmos aos livros que venho comentando, veremos que Bueno ainda divide seu livro nas categorias das “escolas” (cito o título de

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Seque o sequestro o sapateiro: nota breve

3 POEMAS

três capítulos: “Barroco nos trópicos”, “O teatro arcádico”, “A explosão romântica”); do mesmo modo, Max de Carvalho organiza seu livro em “Origens”, “Arcadismo”, “Pré-Românticos”, “Românticos”, etc.: nos dois casos, o Sapateiro Silva não tem como entrar, a não ser como marginal, se chegasse a obter esse espaço. Já na antologia de Cohn, a divisão é um pouco mais sutil, já que parte de “cantos ameríndios”, para “colonial”, depois “romantismo/pósromantismo”, “modernismo”, etc.: daí podemos ver que, em apenas 2 volumes (cerca de 300 pp.), está contido o resumo da poesia brasileira, de Anchieta [1534-1597] a Gilka Machado [1893-1980], ao longo de quatro séculos! Como eu disse, Cohn prezou pelo contemporâneo, o que explica a ausência de um poeta novo no cânone para um seleção concisa. Sousândrade e Kilkerry entraram, o Sapateiro ainda não conseguiu.

Eu queria, mas eu tenho vergonha De dar e conhecer a minha tolice; Deixamos de fazer a parvoíce, Que havia de feder mais do que a peçonha. Mas que importa que outro se me oponha Por querer ser pateta, ou ser felice, Se comigo assentei por fontorrice Ser hoje o grande Duque de Borgonha? Já contente no meu gaudério estado Tenho fardas, palácios, e dinheiro: Já não peço a ninguém nada emprestado. Porém leve o diabo o meu roteiro, Que apesar das farófias do Ducado, Todos me leem nas costas - sapateiro.

Um batuque se fez em São Gonçalo Das moçoilas do Rio de Janeiro, Onde foi Frei Tobias pasteleiro,

O único caso de publicação antológica recente que deu espaço ao Sapateiro foi a Poesia (im) popular brasileira, organizada por Julio Mendonca, também em 2012 (no fim das contas, que ano fértil!). Neste trabalho realizado por vários colaboradores (e da qual felizmente pude participar com Sousândrade), o próprio título indica a busca pelos marginalizados da história literária, então junto com o Sapateiro ainda encontramos Stela do Patrocínio, QorpoSanto, Pagu, etc. Nesse caso, a presença do Sapateiro é o

E escamador, Pai Paulo, de um robalo. Eis o grande Camões em seu cavalo, Todo torto, mui feio, e mui feceiro, Conduzia a função de um candeeiro, Três tainhas, seis pargos, e um galo. Por não perder da Festa a grande manja Também se achou um certo salafrário, Com cara mais inchada que turanja Porém com não era batucário, Apenas o bridaram com laranja Serenada no ilhós do seu Vigário

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LITERATURA

MOTE

III Com os anos, com a idade,

Amei a ingrata mais bela, Que o mundo todo em si tem; Eu morri sempre por ela,

Na festa e seu oitavário, Só em passo imaginário, Andava pela Cidade.

Ela nunca me quis bem.

Se é mentira, ou se é verdade, Diga-o a minha mazela,

GLOSA

Que não sendo bagatela Bem mostra de cabo a rabo,

I

Que por artes do diabo

Quando eu era mais rapaz,

Eu morri sempre por ela.

Que jogava o meu pião, Andava o Centurião

IV

Dando a todos sotas e ás.

Depois de velho caduco,

Nesse tempo aos Sabiás

Já cheio de barbas brancas,

Armava a minha esparrela;

Eu bispei-a dando às trancas

Comia caldo em panela

Nos sertões de Pernambuco.

Por ter os pratos quebrados;

Ali trabalho e trabuco

E até por mal de pecados,

Por lhe abrandar o desdém;

Amei a ingrata mais bela.

Mas o mau modo, que tem, Procedido da vil prole,

II Depois de mais alguns meses Já por baixo da sobcapa,

Faz crer que nem a pão mole Ela nunca me quis bem.

Pelas calçadas da Lapa Pernoitava muitas vezes. Não bastaram os arneses, Que herdei de Matusalém; Só sei que querendo bem Me achei como Antão no ermo, E o mais galante estafermo, Que o mundo todo em si tem.

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Seque o sequestro o sapateiro: nota breve indício da sua ausência: estar nessa antologia crítica proposta por Mendonça é sinal de uma marginalização constante e, muitas vezes, prolongada. No livro, o texto sobre o Sapateiro ficou a cargo de Júlia Studart, por isso fecho esta nota breve com um citação dela: De fato, as sugestões de leitura que encontramos nos poemas do Sapateiro são muito mais uma impossibilidade de classificação aos padrões do período por causa da constituição de uma desordem da linguagem, que tem a ver, claro, com os seus usos de pulverização da língua contra a sintaxe clássica e tradicional. Tanto tempo jogado na lata de lixo da história de nossa literatura exatamente por causa de sua inadequação, anotado aqui e ali nos rodapés e nas margens de nossos manuais mais complexos [...], o que sobra do Sapateiro é precisamente a desordem da sua produção. Ou seja, o precário de sua sapataria poética é que nos faz retomar o corpo da história e reposicioná-la em relação à dimensão de seu próprio extravio (p. 164).

A isso eu acrescentaria: e talvez lutarmos pra que esse extravio não persista.

Referências BUENO, Alexei. Uma história da poesia brasileira. Rio de Janeiro: G. Ermakoff, 2007. CARVALHO, Max de. La poésie du Brésil du XVIe au XXe siècle. Anthologie traduite par Max de Carvalho en collaboration avec Magali de Carvalho & Françoise Beaucamp. Paris: Chandeigne, 2012. COHN, Sergio (org.) Poesia.br. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012 (10 vols.) Mendonça, Julio. Poesia (im)popular brasileira. São Bernardo do Campo: Lamparina Luminosa, 2012. STUDART, Júlia. “Joaquim José da Silva: a desordem da sapataria.” In: MENDOSA, Julio. Poesia (im)popular brasileira. São Bernardo do Campo: Lamparina Luminosa, 2012. SÜSSEKIND, Flora & VALENÇA, Rachel Teixeira. O Sapateiro Silva. Rio de Janeiro: Fundação da Casa de Rui Barbosa, 1983.

Site com a obra do Sapateiro Silva, acompanhada de um viés crítico. http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/Sapateiro/index.htm

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A GOTA DE SUOR DO ARTISTA Por Juliano Samways

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RUÍDO

É

na gota de suor do artista que se vislumbra o universo orgânico da arte. É na babinha, no canto da boca do poeta, que se visualiza o esforço de se manter a voz, o som das palavras em sua mais formosa métrica ao ar. É na camisa suja de pinceladas, tintas sangrando na pele do pintor, que julgamos a sua dignidade. É no front com o público e sua sujeira que a arte deve perseverar. Coitado e afortunado é aquele fotógrafo que em tudo vê arte, torna um iceberg de imobilidade qualquer fração de segundo, incomoda as velhinhas na feira em prol da afirmação da sua arte. A arte possui uma sobrevida além e aquém do solitário mundo virtual, e sobrevive no fanzine de poesias e mandamentos do punk poeta. A arte circula pela rua, transpira, caga, vomita, e muitas vezes perfuma o ambiente. Na música esta proposição também é válida, é real. No final de maio de 2013, há quase um ano, no Luna Park em Buenos Aires, presenciei algo que para meu ser-espectador foi épico: ver bem de perto o suor dos artistas da banda Yes. Não por ser o suor dos quase septuagenários integrantes desta banda, mas por perceber que existe uma constante de esforço físico na música do século XXI, que estava ali, presente na apresentação deste cânone da música rock progressiva que transita na história de já dois séculos. O esforço pela última turnê, pelo novo trabalho, por se manter na estrada, esforço por manter viva, manter a música como uma potência afirmativa. Esse suor, essa gota de esforço físico pela música, transforma-se em um ingrediente catalisador na multidão que está ali pelo show, pela figura do artista. Nesse momento a multidão completase em um todo, um todo arte que potencializa essa relação de espetáculo e espectadores. Talvez daí a grande alegria e euforia de fazer parte de um todo, em um cotidiano individualizante-zado, esse todo é um todo orgânico e fisiológico.

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O filósofo luso-judaicoholandês Baruch de Espinosa revelava na profundeza visceral do seu pensamento a singularidade do conceito de conatus. Exatamente esse sentimento que gostaria de passar aos leitores. Dizia Espinosa que a conatus é uma força, um esforço de preservação da mente e do corpo, uma energia vital de afirmação e conservação. É uma espécie de força que independe do orgânico e do espiritual, pois ambos são o mesmo nesta conatus. Um dualismo que se torna monismo para preservar a vida, defender uma existência. Cada suor que corre no punho de um grande guitarrista, os já conhecidos dedos ensanguentados de Hendrix, as três horas e meia de um concerto de rock conduzido por anciões, vários exemplos de como a conatus, além da vida e da morte, afirma sua presença. A conatus aplicada à música seria uma potência afirmativa de vitalidade, que ainda segundo o Bendito (tradução de Baruch) Espinosa, nos conectaria a Deus, pois nós somos atualizações dos predicados divinos. Neste retrato do mundo e dos desejos, retrato da realidade captada por Espinosa, o divino, que ele também chama de natureza, estaria nessa dinâmica de desejos, nessa relação de atributos que integram o artista e seu fã. O fã, o espectador, dá vida à conatus do músico, e o músico dá sua conatus, sua garganta sem voz, dedos sujos de tinta, milhares de cliques ganhos ou perdidos em um dia. Esse assunto da organicidade e escatologia da música muito me interessa, pois é como observar a arte do mainstream e do underground sem as lentes da fama, do dinheiro, excentricidades que sempre poluíram o mundo da arte musicada. É aquilo que faz a arte humana, desse animal quase que primitivo, que possui a essência de musicar nas suas mais variadas formas, e quando cria música, cria também todas essas possibilidades sócio-orgânicas contempladas pelo dom da arte.

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A gota de suor do artista

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A música é esse vulto que se faz carne através do som, a arte é um panteísmo adoidado de pessoas que se tornam multidões

Esse fenômeno do artista orgânico, pessoal, que existe na sua frente, que padece ao vivo as agruras do corpo, é o que talvez esteja fascinando todo um novo público. Talvez todos os artistas sejam orgânicos, um bom observador possa dizer. Mas talvez nem todos os artistas vivam para essa maratona, ou talvez até triátlon de show, estrada e produção. Assistindo ao documentário sobre a história do eternamente orgânico, pancreático, Raul Seixas, intitulado “O início, o fim, e o meio” (2012), pude constatar como sua última turnê, junto ao músico e compositor Marcelo Nova, imortalizou seus últimos instantes no grito de guerra universal “toca Raul”. Pois a cada vez, a cada lugar que este mandamento, esta palavra de ordem é gritada, o vulto se faz carne, e o grande artista resplandece.

escorre e te conecta com o outro, uma relação intensa de vasos comunicantes. A música é esse vulto que se faz carne através do som, a arte é um panteísmo adoidado de pessoas que se tornam multidões. O mundo da música acaba sendo o mundo do suor, o trabalho e os dias colocados em prol deste super caldo orgânico, esse sopão que é a vida.

Se a máxima de Espinosa era “Deus sive natura” (Deus é natureza), a máxima da música deveria ser: música é organicidade. A arte é essa coisa que te escapa pelos dedos, esse fluído que

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Profundamente Superficial

Como se eu soubesse do que estou falando.

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EQUIPE Fotografia: Emiro Campos Produção e estilismo: Rafaela Lagarrigue e Jorgelina Pussetto Modelo: Laura Figueredo para Muse Management Maquiagem: Sophie Ledesma para Lemacé - Makeup

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E R T EN ) S I O D (

S O D N MU por Vinicius F. Barth

O

entrelugar dos quadrinhos permanece. Mesmo que o seu status enquanto gênero venha mudando pouco a pouco, o leitor de quadrinhos ainda é alguém que ocupa um ambíguo lugar social. O visual e a narrativa dos quadrinhos se entrechocam em um estilo que está sempre entre o levado a sério e o banal, o adulto e o infantil, o cômico e o dramático. ‘Ler quadrinhos’, atividade que durante décadas parece ter sido considerada majoritariamente infanto-juvenil, não significa hoje mais ou menos que ‘ler livros’, ‘ver filmes’. A atividade em si só não se define enquanto gênero, estilo, gosto. Ler quadrinhos não está mais associado simplesmente a Homem-Aranha e Turma da Mônica. Há obras para quaisquer idades, e de fato quaisquer idades as leem. Há novos criadores. O movimento de abertura do mercado de quadrinhos que se deu de cerca de dez anos para cá, inclusive (e com notável força)

notícia

por Breno Ferreira

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VISUAIS 34│n.05 2014│R.Nott

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entre(dois)mundos

no Brasil, impeliu novas mentes a tratarem essa mídia como um meio vibrante de criação. As velhas tirinhas de jornal renasceram no mural da rede social (que meio mais apropriado para a leitura desse gênero?) e se reinventaram. Velhos restos de sebo se tornaram clássicos cult, reavaliaram-se. No entanto, mesmo que assumindo o status de obra visual/literária e ganhando edições de luxo e capas duras, o entrelugar dos quadrinhos permanece, já que mais do que nunca se reproduz também no marginal, na edição independente, no zine malcriado de esgoto, na escatologia Crumbiana que não atravessa as paredes do puritanismo de boa família. Eu, particularmente, torço para que continue assim (embora ir ao sebo hoje em dia saia muito mais caro), com cada vez mais cabeças criativas enfiadas nesse entremundo, nesse espaço de entrenádegas em que de um lado está o Superman com topete e cheiro de desodorante (e que todos seguimos amando) e do outro estão as orgias maconhadas de Fritz the Cat. Esses extremos e esse entrelugar, a meu ver, favorecem a criação, seja para o lado que for. E é com certo orgulho que trazemos dois nomes espetaculares para esta coluna, no primeiro número da R.Nott a trazer quadrinhos na pauta. Conheça os trabalhos dos queridíssimos Pablo Carranza e Breno Ferreira, autores de dois mundos que valem a pena serem explorados; e não deixe de conferir também o Interrogatório com o autor peruano Manuel Gómez Burns!

Making of Gênesis com Sebastião Salgado por Pablo Carranza

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A reintepretação

de um mundo

mágico por Brandy Eve Allen

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R.YOU

H

á um local secreto que poucos conhecem, onde as ondas rolam colinas adentro e a natureza vagueia livremente. Eu vivi a maior parte da minha vida na cidade, mas me vejo constantemente me aventurando por aí em mini excursões que me levam através de desertos, do mar, de montanhas e das florestas da Califórnia. Minha família vive em uma pequena cidade que fica a apenas 3 horas e meia ao norte de onde estou – agarro minha câmera e pulo no carro, seguindo a Highway 1 até alcançar os pastos ondulados e a paz... o silêncio, o puro cheiro do ar, que me lembram de todas as coisas que eu amei na Itália – um país em que passei 3 anos entre os meus vinte e poucos, circulando pelo desconhecido. Agora, dez anos depois, ainda busco esses momentos em que posso descobrir aquilo que é despercebido em meio a tão vasta beleza – para inserir evidência de um eu num mundo mágico reinterpretado.

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A reintepretação de um mundo mágico

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ainda busco esses momentos em

que posso descobrir aquilo que é

despercebido em meio a tão vasta

beleza – para inserir evidência de um

eu num mundo mágico reinterpretado.

desfruto dessa maneira de conhecer melhor os meus sujeitos. Há uma sensibilidade pessoal nesse momento, que julgo importante honrar, e que permite uma interação única...

Não pretendo esquecer da escuridão com toda essa magia, a escuridão é necessária e real. Carnal. ... Destemida, busco o momento de confrontar a tensão, seja agarrando-a ou deixando-a ir. Quando fotografo alguém, sinto que essa é uma colaboração em que nos confrontamos... se esse alguém é tímido, serei ainda mais tímida, permitindo-o que se fortaleça. Se esse alguém é forte, devo vencê-lo ainda que de uma maneira tranquila, e assim eu

Eu amo essa ideia de que o que vemos nesse mundo pode ser um reflexo de como o nosso cérebro deseja interpretar as coisas... fotografias são uma documentação de momentos e coisas desse mundo... mas e se a grama não for realmente verde, e se tudo o que vemos não for realmente o que vemos... Eu quero criar imagens que desafiem a realidade e que nos levem a uma alternativa pessoal. Pegue o filme infravermelho, por exemplo. Esse é um filme que foi feito para documentar a vida vegetal, tornando essa vegetação viva em vermelho através da visibilidade da luz infravermelha refratada, que é invisível ao olho humano. Esse conceito ecoa através das minhas fotografias em um jeito metafórico, já que estou mostrando como as coisas podem ser sentidas ao invés de como elas são percebidas. Umas semanas atrás algumas moças vieram comigo para uma escapada de fim de semana... Uma lua minguante estava sobre nós e o nevoeiro se assentava sob as estrelas. Quando acordamos no dia seguinte, eu via

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R.YOU apenas colinas cor de rosa, sabendo aí que precisava tirar algumas fotos. Trouxe comigo alguns tecidos vintage e saí com cada uma delas... o vento soprava com força e cada espaço fornecia um fresco refúgio enquanto fazíamos a nossa exploração, apesar do ar gelado. Saindo pelos campos, por cadeiras aleatórias e rochas talhadas, conchas como tapaolhos e troncos deslocados, tudo vinha a este momento enquanto todo o resto fugia. 36 exposições depois, eu retirei o rolo da câmera usando a minha maleta e guardei-o na geladeira – esse é um dos meus últimos rolos Kodak infravermelho colorido, vale ouro pra mim. Além apenas da sensação estética que o filme possa oferecer, é também o desafio de encontrar um material tão raro para se poder usar, e a sensibilidade que se deve ter ao manejá-lo, e ainda a possibilidade de que nada disso saia bem por ser um produto já muito vencido, tudo isso são coisas que me causam grande interesse... Eu tenho controle até certo ponto e o resto é deixado à sorte, e com tamanho investimento, o risco é algo que me excita. Quando cheguei em casa, peguei meus químicos e processei o rolo, rezando

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para que a data de validade não tenha levado dessa vez o melhor que ele tinha a oferecer. Depois de dez minutos de revelação do rolo na minha cozinha, espiei antes de lavá-lo e finalmente exalei ao perceber que o filme havia sido exposto corretamente. Como alguém que ama o processo de cozinhar, o ato de se revelar filmes é para mim bastante similar, já que me ponho a misturar os diversos ingredientes para produzir um deleite final. Eu gosto de fazer parte de tudo o que se ligue ao projeto até que se chegue ao resultado final. Quanto mais afeto eu puder ter com relação a uma peça, melhor, e o toque é uma grande parte disso. Às vezes eu sinto que a fotografia não pode me satisfazer por causa disso, porque muito do que se alcança vem por meio de um mecanismo. Mas acho também que sempre haverá um mecanismo envolvido, seja um pincel ou um instrumento musical. O que me lembra de algo... Falando em produzir imagens, eu tenho que dizer que não gosto de encaixar minhas fotos em palavras... as palavras possuem um tipo

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A reintepretação de um mundo mágico de permanência, mas sinto como se tudo fosse efêmero, como se a maior parte de mim e simplesmente algo que eu tenha visto hoje possam mudar e estarem diferentes amanhã, então palavras me assustam um pouco. Não posso explicar por que uso uma cor em determinada composição, eu sinto as coisas enquanto avanço, como um compositor infundindo-se em cada nota. Eu não posso perguntar a alguém o porquê de se ter escolhido um Si bemol em uma canção, e nem me importa, estou apenas ouvindo e deixando que isso me percorra até que eu sinta algo e nos conectemos. E, em essência, é daí que eu realmente venho.

Mais em: Página oficial: http://brandyevephotography.com/ Tumblr: http://brandyevephotos.tumblr.com/ Vimeo: https://vimeo.com/user1652268 Facebook: https://www.facebook.com/pages/Brandy-Eve-AllenPhotography/136741633163309

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INTERROGATÓRIO EM VIDEO 44│n.05 2014│R.Nott

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Interrogando CarneHueso

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ireto de Buenos Aires, entrevistamos Leo e Mariano, os dois responsáveis pelo projeto Carne Hueso, que desenha, constrói e reforma figuras de carrossel. Conheça a magia da construção dos seus cavalos e de tudo o que envolve essa mecânica de cor e nostalgia.

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