R.Nott Magazine Issue #07

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julho de 2014

ISSUE#07

Interrogando Nego Miranda - Ensaio Un Chien andalou - tradução::política::afeto - Direita e Esquerda nas revoluções musicais - Sobre o deslumbramento Interrogando Alvaro Villa


WHO ARE THESE PEOPLE?

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ISSN 2358-0127

VINICIUS FERREIRA BARTH

RAFAELA LAGARRIGUE

SE AUTO-INTITULA: EDITOR CHEFE

SE AUTO-INTITULA: DIRETORA DE ARTE

NA VERDADE É: Mestre em Literatura pela UFPR. Estudante de fotografia e desenho.

NA VERDADE É: Produtora de moda, excêntrica.

vinicius.rnott@gmail.com

rafaela.rnott@gmail.com

JULIANO SAMWAYS

GUILHERME GONTIJO FLORES

SE AUTO-INTITULA: COLABORADOR

SE AUTO-INTITULA: COLUNISTA

NA VERDADE É: Professor de filosofia, autor, músico, estudante, ex-enxadrista, ex-filatélico.

NA VERDADE É: Poeta, tradutor e professor no curso de Letras da UFPR.

jspetroski@hotmail.com

ggontijof@gmail.com

Até aqui já são 7 meses na labuta! Mas a revista continua linda, confesse. Vinicius Ferreira Barth

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PROPOSTA DA REVISTA

U

n Chien Andalou: nossa edição número 07 estampa em seu rosto uma produção em preto e branco, feita em uma casa meio abandonada no bairro da Boca, em Buenos Aires. Mais uma parceria bem-sucedida com a fotógrafa Ailin Cordoba, mais uma produção que nos deixou contentes. Uma das últimas com um pezinho no estilo de editorial de moda. No pequeno município de Francisco Álvarez, partido de Moreno, Buenos Aires, encontramos o desenhista e ilustrador Alvaro Villa para realizar o Interrogatório em vídeo dessa edição Mais do que um passeio pelo Lejano Oeste, foi uma entrevista memorável para estes editores. Já em contexto brasileiro/paranaense, interrogamos o reconhecido fotógrafo Nego Miranda, o que rendeu uma linda galeria em nossas páginas, e palavras que vão muito além da fotografia – bem como nós gostamos. Obviamente recomendamos muito essa leitura. Juliano Samways, na coluna Ruído, tratou da noção de Direita e Esquerda nas Revoluções musicais; Guilherme G. Flores, em Literatura, fala da ligação criada com um texto a partir da atividade tradutória; e eu, que por aí me encarrego de falar de artes visuais, falo do Deslumbramento frente a uma obra de arte, e nos efeitos causados por esse contato.

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SUMÁRIO

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INTERROGATÓRIO

Interrogando Nego Miranda

O

fotógrafo paranaense respondeu às nossas perguntas e contou um pouco do seu incrível trabalho, de como é fotografar paisagens, cidades, intervenções humanas nos infinitos cenários proporcionados pela natureza. Confira.

[20]

G

LITERATURA

tradução:: política::afeto

uilherme Gontijo Flores trata à sua maneira da tradução, esse ato de política e de amor, esse re-cuidado com uma matéria estética com a qual nos ligamos definitivamente através da reescrita.

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[36]

[28] UN CHIEN ANDALOU

[24]

É

VISUAIS

Sobre o deslumbramento

O

deslumbramento e a falta. O que, afinal, representa estar frente à frente com uma obra de arte? Como encaramos e o que vemos nesse contato tão indecifrável? Já pensou nisso?

RUÍDO

Direita e Esquerda nas revoluções musicais

possível reconhecer posições de direita e de esquerda dentro do universo musical? É o que se pergunta Juliano Samways na coluna Ruído deste mês. Clique aqui e pense no assunto.

[42]

INTERROGATÓRIO EM VIDEO

Interrogando Alvaro Villa

A

R.Nott foi até Francisco Álvarez, em Moreno, Buenos Aires, para entrevistar o desenhista e ilustrador Alvaro Fernandez Villa. Conheça-o aqui, junto com suas formas, texturas e personagens, e se encante também.

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INTERROGANDO

NEGO MIRANDA por Vinicius F. Barth

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INTERROGATÓRIO

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omo, quando, onde e por quê?

Meu percurso até chegar na fotografia é um pouco tortuoso. No curso médio me formei em técnico eletrônico pela antiga Escola Técnica Federal do Paraná que virou a UTFPR. Trabalhei na Copel, na NCR, onde fui fazer um curso no Rio e aproveitei para fazer também um curso de cinema no MAM, pois sempre adorei uma telinha. Voltei para Curitiba e fui fazer Filosofia na UFPR. Larguei no segundo ano e fui para o Rio em busca de trabalhar com cinema. Trabalhei na Xerox como técnico por dois anos até conhecer o Billy Davis que era produtor e diretor e estava montando uma produtora com o Roberto Faria, a Abracam Filmes. Lá trabalhei inicialmente na montagem e na pós-produção. Fiquei amigo do Pedro Pablo Lazzarini, argentino que era o diretor de fotografia da produtora. Finalmente cheguei na fotografia, ufa! Comecei a aprender fotografia de cinema e ser assistente do Lazzarini. Nas voltas da estrada, como sempre, voltei para Curitiba. Eu sempre volto para lá. Então fui trabalhar na Zap Fotografias, um estúdio de fotografia publicitária. Na prática, aprendi a dominar a técnica, mas foi na produção de livros de fotografia documental que encontrei a linguagem. O meu primeiro encontro com uma máquina fotográfica foi na infância, uma máquina de fole dos meus pais. Lembro também que ganhei uma caixa de brinquedo que vinha com umas químicas para revelar fotos, o meu primeiro encontro com a mágica de revelar imagens. - Fale um pouco sobre a sua carreira e sobre seus principais livros. Na pergunta anterior falei do meu percurso até chegar na fotografia, mas a minha carreira em si não foi no cinema nem na publicidade, e sim a partir de quando publiquei meu primeiro livro com a Teresa Urban, Engenhos e Barbaquás, que abordava a história da erva mate no Paraná. Gosto de todos meus livros, todos são principais, cada um à sua maneira, cada um com sua história, com o seu jeito. É como com os filhos...

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INTERROGATÓRIO

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A natureza exige contemplação, sintonia e equilíbrio para atingir os seus mistérios, com os olhos e o coração bem abertos. Ela é o que é, independente da vontade e desejos dos homens.

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Interrogando Nego Miranda Meu segundo livro, Paraná de Madeira, em parceria com Maria Cristina Wolff de Carvalho está esgotado, nasceu de minhas lembranças das casas que morei na infância em Londrina. O terceiro, Igrejas de Madeira do Paraná, também em parceria com a Maria Cristina, nasceu a reboque do Paraná de Madeira. Sentimos que o tema era rico e merecia um livro à parte. Em Morretes, Meu Pé de Serra, de novo com a Teresa Urban, me ocorreu a necessidade de continuar documentando o Paraná e voltar os olhos para o litoral. Achava Morretes uma cidade com muito potencial histórico e fotogênico, optei pelo tema. Finamente cheguei na literatura no quinto livro. Achei que o próximo passo seria Curitiba, a minha cidade natal, para onde sempre retornei. Cheguei à conclusão que Dalton Trevisan era quem entendia a alma do porão curitibano. Resolvi abordar este universo. Selecionei, junto com a Leticia Magalhães, minha filha, frases de sua obra. Frases que resumissem a personagem principal do vampiro: Curitiba. Saí pelas madrugadas e manhãs de serração em busca das imagens desta cidade densa. Finalmente chegamos em Puxando o Fio: histórias de armarinhos, ideia da Teresa, esta parceira, amiga e ser humano raro. Foi nosso último livro e o último dela em um universo de quase quarenta. Que currículo! Ela era apaixonada pelo tema e eu achava que seria uma tarefa difícil, fora do meu cotidiano de paisagens e operários. Ela se foi três meses antes do lançamento do livro e eu fiquei com a tarefa de acabar. Acho que ficou um belo livro, na altura do seu talento. - Cidade x natureza. Como se dá esse confronto em sua obra? Para mim as cidades são personagens, como a Curitiba de Dalton Trevisan, a Macondo de Garcia Marques. Possuem todas as características humanas, são complexas, apaixonantes e contraditórias. Para nós fotógrafos, cabe aguçar o olhar e descobrir as facetas inesgotáveis que elas expõem. Uma aventura fantástica. A natureza exige contemplação, sintonia e

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INTERROGATÓRIO equilíbrio para atingir os seus mistérios, com os olhos e o coração bem abertos. Ela é o que é, independente da vontade e desejos dos homens. - Não se veem muitos rostos nas suas fotos, mas sim muitos lugares, e muitas interferências do humano sobre o natural. Quando existe um alguém fotografado por você, quem ele é? Quais

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são os seus personagens? Estes personagens normalmente não têm rosto, estão escondidos atrás das cortinas, mas estão lá nas casas que construíram e vivem, nas marcas que deixaram na natureza, nos becos escuros do centro das cidades, os vampiros esgueirando nas madrugadas. Quando expõem o sorriso como as operárias do

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Interrogando Nego Miranda Sempre inicio com um projeto pensado, montado e com um tema paranaense com inspiração em fatos da infância e juventude, enfim da minha história. O único que foge á regra é um projeto futuro que se chama Veredas com imagens que fiz pelas andanças no mundo. O tema central são caminhos, estradas, pontes, ruas, becos, alamedas, simplesmente veredas. Adoro esta palavra! A ideia veio de uma rumba lá dos anos cinquenta: Vereda Tropical. - Conte um pouco sobre A eterna solidão do Vampiro. Como foi o processo de criação desse livro? Ademais, qual a influência que outras áreas como a literatura e a filosofia exercem sobre o seu trabalho? Como já falei o projeto nasceu do anseio de fazer um livro sobre Curitiba. Fiquei pensando de que maneira abordar a minha cidade natal. A primeira lembrança foi Dalton Trevisan, a eterna Curitiba, seu personagem principal. Fizemos uma pesquisa, eu e minha filha Leticia Magalhães, em sua obra em busca de frases que fossem citados locais ou que fosse possível ilustrar. O mais difícil foi conseguir a autorização. Só consegui quando o livro estava finalizado e pronto para ser impresso. Na procura das imagens foram muitas madrugadas e manhãs de nevoeiro em busca de imagens para as frases escolhidas. Usei várias técnicas: pin role digital, fotos em movimento, infrared e outras mais comuns. tabaco em Cuba, o olhar terno dos homens verdes nos barbaquás são pessoas simples e verdadeiras que valem a pena serem retratadas. - Como surgem os seus projetos? Você sai para fotografar com uma temática em mente ou as séries se formam depois?

A literatura, a música, as histórias em quadrinhos, o cinema e as artes plásticas sempre me influenciaram. É aí que garimpo o aprimoramento e a renovação da linguagem, uma atmosfera dinâmica. Com filosofia é diferente, é mais estático, é o norte, é o farol, o caminho determinado. Aprendi com Nietzsche que o tempo não passa, somos nós que passamos por ele eternamente. - Como foi para você a transição do

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Interrogando Nego Miranda

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INTERROGATÓRIO

analógico ao digital? Conte um pouco sobre as suas técnicas preferidas. Foi uma transição gradual, lenta e sofrida, porque quando surgiu, o digital não tinha a qualidade que tem hoje. Foi também difícil mudar depois de trinta anos trabalhando com filmes e confinado no escuro dos laboratórios, fazendo o acabamento. Hoje ficamos horas sentados em frente ao computador: a nova sala escura. Difícil foi também aposentar os velhos equipamentos e a certeza que tuas fotos durariam pelo menos cem anos, se bem conservadas. Atualmente ainda não se sabe o quanto dura um DVD, ou um HD, é preciso estar sempre atualizando os originais. A grande vantagem do digital é a resposta instantânea do clic e estar livre das químicas. Agora estou esperando o pós-digital, vamos ver o que vem pela frente.

Em relação às técnicas, gosto muito de fazer fotos em movimento de câmera com baixa velocidade. Os resultados são sempre surpreendentes, foi a técnica da minha primeira exposição Nuvimento. Sempre que estou com tripé arisco fazer um pin role digital. A descoberta de novas técnicas sempre me entusiasma a encontrar outros resultados. - Quando é preto & branco e quando é colorido? Colorido só quando a cor for essencial para o objeto fotografado, valorizando o resultado final. Se com as cores não se ganha nada, prefiro o preto & branco; é quando a foto condensa a informação, a composição e as formas. Está tudo concentrado sem a distração da cor. - Principais influências e heróis? Na fotografia, Robert Frank e Walker Evans em primeiro plano. Na literatura, Guimarães Rosa, Borges, Dalton Trevisan e García Márques. Na música, são muitas, Leonard Cohen, Luiz Gonzaga, Patativa do Assaré e por aí afora. Sou tarado por música cubana e por tango. No cinema, Kurosawa, Fellini, Glauber, Arthur Penn e Monicelli. Nas histórias em quadrinhos, Will Eisner, Hal Foste e Hugo Pratt. Nas artes plásticas, Edward Hopper, Van Gogh e Andersen. Na filosofia, Nietzsche estourado em primeiro lugar, depois vem os filósofos anarquistas, Bakunin e Noam Chomsky. Meus heróis são dois, Nietzsche e Che Guevara. - Quais são os seus projetos neste momento?

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Interrogando Nego Miranda

Tenho um projeto pela Lei Rouanet sobre os cemitérios rurais do Paraná, chamado Silêncio a sombra dos pinheirais. Aqueles cemitérios no fundo das igrejinhas, perdidos nos Campos Gerais, ao lado do que restou de matas de araucárias. Geralmente em colônias polonesas ou ucranianas. Eu sempre tive sina de fotografar cemitérios mesmo antes de ser fotógrafo. Basta passar ao lado de um, acompanhado de uma máquina, entro e faço a festa. Pedindo licença para os Exus da Kalunga, é claro. Estou participando de dois projetos da Maria Cristina Wolff de Carvalho: Rumo a Navegantes, sobre a história desta cidade catarinense e Rumo ao norte do Paraná sobre a colonização no Norte pioneiro.

- Existe alguma pergunta que você sempre quis responder e nunca te perguntaram? Acho que você fez esta pergunta, é a que fala dos rostos, da interferência humana na natureza, dos personagens. Das pessoas que conhecem o meu trabalho, a maioria se lembra mais das paisagens, das fotos de arquitetura, mas gosto muito das fotos dos Homens Verdes e dos trabalhadores do tabaco em Cuba. Prezo também as imagens que o homem marca sua passagem por este mundão, sem destruí-lo. Tudo isso nunca antes me foi perguntado e amei responder.

Mais em: http://www.negomiranda.com.br/

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f e t o Por Guilherme Gontijo Flores

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LITERATURA

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(porque não existe nem não nunca jamais haverá

s

tradutor invisível)

empre achei que a tradução poderia ser enquadrada como um ato delirante de amor.

não toda tradução/não qualquer tipo de amor. então depois da afirmação brega e das escusas posso falar algumas coisas no mais sucinto dos possíveis.

de um amor delirante daqueles em que desejamos ser o amado “Transforma-se o amador na coisa amada” (o velho camões via petrarca?) mas assim também usurpa porque ama & por fim também transforma a coisa amada em seu amante (porque não existe nem não nunca jamais haverá tradutor invisível) mas são dois amores o outro é com o possível outro leitor

vejamos.

porque toda escrita é escrita para

eu me interesso muito pelas traduções eletivas (esqueçam tudo que não é literatura) (esqueçam quase tudo que não é poesia, de um modo ou de outro [não, eu não gosto da divisão entre prosa & poesia])

(onde haveria escrita-em-si?) o outro então o tradutor acaba – sem saber talvez – nesse amor pelos desconhecidos enquanto entrega a eles o resultado usurpador & delirante

fora do a priori do mercado

do seu amor por outro texto

nesses casos o que acontece?

& recapitulando

um leitor decide verter um texto provavelmente porque o ama

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o texto em que o tradutor se transformou

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tradução::política::afeto

para também transformar o texto em si para por fim dar o texto ao outro por isso o afeto da tradução — como todo afeto — é político aquilo que move a traduzir é uma relação uma relação crítica com o texto uma leitura específica uma transubjetividade(?) que move o passado e o distante geográfico para o presente (por que motivos? ninguém saberá dizer) & provoca um movimento entre textos na chegada & (certamente) na partida the translator imports new and alternative options of being (george steiner dixit)

porque transforma-se no que importa e importa aquilo que ele mesmo transforma numa espécie de convite amoroso à tribo que ao mesmo tempo fura/ quebra/parte aquela unidade ficcional da tribo por isso mesmo por ser afeto & política a tradução importa

post-scriptum: a imagem é uma tabuleta bilíngue (sumério-acádio), datada entre os séc. IV-I a.c., com a inscrição cuneiforme de uma balag, poema cantado de lamentação. nele vemos inanna, deusa suméria da fertilidade, lamentar a decadência de seus templos. o sumério já era uma língua morta desde pelo menos o séc. XXI a.c.

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Direita e Esquerda nas revoluções musicais

Por Juliano Samways

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RUÍDO

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Podemos falar em Direita e Esquerda dentro do universo musical? Podemos traçar as ideias de conservadorismo e progresso dentro do mundo da criação artística?

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odemos falar em Direita e Esquerda dentro do universo musical? Podemos traçar as ideias de conservadorismo e progresso dentro do mundo da criação artística? Cunhou-se inicialmente o termo Direita e Esquerda no vocabulário político através dos estudos históricos e relatos da Assembleia Nacional Constituinte Francesa, que se estruturou logo após a Revolução popular daquele país na data de Maio de 1789. A Direita era representada pelos liberais girondinos, já a Esquerda pelos jacobinos que pregavam um Estado centralizador, dominado pelos menos favorecidos. Mais de dois séculos depois, este antagonismo político entre Esquerda e Direita parece ter perdido sua mística ideológica originária, parece ter sucumbido às várias teorias de desconstrução pósmodernas. Porém, deve-se ressaltar a tendência de se estabelecer uma classificação básica, abecedária até, da Direita e da Esquerda: discursos de Direita tendem a prezar muito mais pela liberdade individual e pelo conservadorismo; discursos de Esquerda clamam pela necessidade de uma maior igualdade entre as classes sociais através dos mecanismos do Estado, pregando a necessidade de um novo futuro, uma nova realidade, necessidade da mudança, necessidade de progresso. A partir destas perspectivas podemos delinear de forma geral os posicionamentos políticos, por mais que

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eles acabem sendo, por várias visões teóricas, impossíveis de categorizar, alguns até mesmo afirmando a inexistência de esquerdismos e direitismos. O traçado, o deslocamento dos posicionamentos políticos, Direita conservadora e Esquerda progressista, são aqui também, a nosso ver, musicais. Dãose pela tão desgastada palavra mudança. Muda a música através dos anos de forma relevante? De forma essencial? Músicos e músicas de Direita, em teoria, não apostam na mudança, apostam em uma tradição já estabelecida, idealizam esta tradição como o grande feito musical. A essência do estilo musical não muda para adeptos deste discurso. Talvez no máximo somente repaginem a tradição para subverter a mudança, uma pseudo-mudança, pois ela de fato não existe para eles. Tiram deste traço de imutabilidade seu maior combustível. Na música rock popular do século XX isso se evidencia. Para os músicos conservadores existem certos moldes, modelos que dão gênese a uma tradição que aqui postulamos desta forma: Elvis Presley e The Fab Four. De forma individual (Elvis) e coletiva (Os garotos de Liverpool), são os moldes que avançam na tradição,

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Direita e esquerda nas revoluções musicais mas avançam permanecendo na essência destes modelos: na aparência a beleza branca e europeia, nas ações as transgressões básicas de um rebelde sem causas, uma musicalidade de melodias e harmonias que se encaixam em determinadas formas populares do século XX. Surgem em nossa recente tradição cópias de mais cópias de Elvis beatlestificados, cópias e mais cópias deste estilo visual e musical. A carreira destes artistas é tão vasta e múltipla, que dentro de suas dadas obras podemos observar o blues, gospel, rockabilly, soul, psicodelia, baladas, entre outros. Tomamos aqui o exemplo do rock, mas muitos outros modelos poderiam ser citados. Músicos de esquerda, músicos progressistas, vez em quando aparecem: são aqueles que na teoria não cumprem ou refazem este modelo que se lança tradicional no século XX e XXI, escapando deste devir branco, europeu (norteamericano), heterossexual, melodias e harmonias de fácil ajuste à audição popular. Estabelecem na música uma subversão destes modelos e estereótipos. Podemos pensar em Johnny Cash, que escapa do modelo preslystico, mais do que isso, uma espécie de mundo bizarro do Elvis. O punk rock dos Ramones, Pistols, Dead Kennedy´s, são também espécies de quebra de um modelo, subvertendo o próprio modelo. Daí as nossas primeiras conclusões: - A Direita na música é uma forma contrária a traduções, ela aposta no original. - A Esquerda musical aposta nas novas possíveis traduções. - Mas tanto a Direita e Esquerda, na música, podem tornar-se populares.

capacidades criativas eles operam uma mudança, uma diferença de sentido em um original da música negra, gospel, blues, rockabilly. Transformam uma minoria musical negra em maioria e neste sentido democratizam a música! Pois o processo de democracia talvez seja nada mais do que a inclusão do valor de justiça e reconhecimento para uma classe que anteriormente era excluída. E, neste sentido, eles trazem uma voz que era minoria para uma maioria. Trazem a voz dos guetos para o mainstream. Assim como na política, vivemos a decadência ideológica entre Direita e Esquerda. Vivemos esta decadência porque a indústria, o público, a audiência, não sabem diferenciar o que seria conservador e o que seria progresso na música. A quantidade de artistas que se lançam a cada dia, multiplicados ainda mais com o universo virtual, esvaziam os antagonismos entre Direita e Esquerda, deterioram as possíveis traduções dos modelos no meio musical. Infinitas traduções das játraduções destes modelos pulverizam aquilo que antigamente chamávamos de criatividade, anunciando um novo modelo de criatividade que está por vir. Um leitor crítico e atento poderia questionar: a arte está além da política! Mas, se pensarmos por outro lado: estaria a arte além do conservadorismo e progressismo? Música é revolução. Por isso esperamos pela construção de novos modelos, pelo estabelecimento de uma nova Direita e Esquerda, por uma nova possibilidade do movimento da Democracia na música, esta verdadeira revolução dos sentidos.

Mas Elvis e os Beatles estavam operando uma verdadeira mudança? Estariam realmente estabelecendo um modelo, uma tradição, para designarmos de Direita e Esquerda? Através de suas

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Un Chien

andalou No hay banda! There is no band. Il n'est pas de orquestra. This is all a tape-recording. No hay banda! And yet we hear a band. If we want to hear a clarinette... listen. Un trombon "à coulisse". Un trombon "con sordina". Sient le son du trombon in sourdine. Hear le son and mute it... drop it. It's all recorded. No hay banda! It's all a tape. Il n'est pas de orquestra. It is an illusion.

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EQUIPE Fotografia e edição: Ailin Cordoba Produção e estilismo: Rafaela Lagarrigue e Jorgelina Pussetto Modelo: Sofi para Muse Management Maquiagem: Tali Korenvais Estilista : María Agustina Teruggi Locação: Hostel Sol (Buenos Aires CABA - Arg.)

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sobre o deslumbramento Por Vinicius F. Barth

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VISUAIS

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Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 2.0a traz, na entrada “deslumbramento”, as seguintes interpretações: 1. turvação da vista causada por excesso de luz, brilho ou por outros fatores (p.ex., vertigem); 2. estado de espírito de quem é tomado por viva admiração; encantamento; 2.1. objeto de admiração, aquilo que provoca fascínio ou sedução; encanto, maravilha. 3. perturbação do entendimento; alucinação, obcecação. Do mesmo modo, alguns dos significados possíveis para a entrada “deslumbrado” são: 2. que ou quem se deixa ingenuamente fascinar por algo que lhe falta (p.ex., riqueza, inteligência etc.); 3. que ou aquele que, por demonstrar excessivo entusiasmo por alguma coisa, é visto como pessoa tola, destituída de crítica.

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Quando pensamos no ato da apreciação de obras/ objetos artísticos, é difícil não pensarmos em termos de deslumbramento, esse sentimento que vai além da apreciação racional, que, como a própria entrada acima apontou, pode conotar um entusiasmo destituído de crítica. A crítica racional, por outro lado, valorizada mais fortemente – e principalmente – com a ascensão das vanguardas do início do século XX, deixou um legado de estranha assimilação em ambientes artísticos diversos, que parece inclusive continuar forte ainda hoje. Lembremos que essas vanguardas mantinham um discurso primordialmente meta-artístico, distorcendo valores transcendentais da arte, trazendo-a a encarar o seu próprio papel numa Europa turbulenta: o futurismo botava tudo abaixo, atacava

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a sacralidade do passado; Duchamp distorcia o discurso, discutia o status, seu lugar e seu significado. A Arte (com letra maiúscula, pensando o seu significado inerente em termos ainda um pouco genéricos, essa reflexão estética a respeito da condição humana, seu discurso e seu lugar) continuou segregando-se em guetos, espalhando-se de maneira controlada, em “escolas”, meios onde ela fosse discutida pelos e para os que a praticavam. Nosso colunista Guilherme Gontijo Flores, na entrevista que concedeu à edição de estreia desta revista, comentava acerca da situação da produção de poesia atualmente: não se pode, enfim, escapar da condição de Gênio. Produz-se para o discurso dos seus iguais. Ser aceito atesta favoravelmente a sua capacidade, enquanto não ser aceito implica em genialidade, não-compreensão do seu tempo e da sua época. Tal situação, se analisarmos com cuidados, se vê repetida em diversos dos “guetos” artísticos, o da poesia, o do teatro, o do cinema, o conceitual.

Ser um artista de sucesso parece significar, portanto, o equilíbrio entre a aceitação dos seus iguais + um moderado sucesso popular, que seja ainda capaz de manter o seu status de pensador qualificado. É, no fim das contas, uma situação bastante engraçada.

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Sobre o deslumbramento A arte, produzindo-se para si mesma, implicaria então em não ser feita para um grande público? Parece mais que óbvio que sim. Exige-se um título, uma qualificação técnica para a apreciação de certas obras, de certos meandros da arte. Ironicamente, o Gosto, aquele que não se discute, não pode ser aceito nesse sistema. Não faz sentido que exista Gosto na apreciação analítica e racional da arte. Portanto, é lógico pensar que o não-gostar implique em não-entender, argumento comumente utilizado por artistas que se deparam com o fracasso “de bilheteria”, com o baixo ibope. Pensando ainda nesses termos, o artista de grande êxito popular se debate com a não aceitação dos seus iguais pelo mesmo motivo. Ser popular praticamente significa ser raso, ser desprovido da qualidade crítica e da profundidade de significado. Ser um artista de sucesso parece significar, portanto, o equilíbrio entre a aceitação dos seus iguais + um moderado sucesso popular, que seja ainda capaz de manter o seu status de pensador qualificado. É, no fim das contas, uma situação bastante engraçada. O deslumbramento não parece ser aceito nesse sistema. Por acaso, ao reler as entradas citadas acima, o deslumbramento me pareceu representar o significado mais íntimo do que é a apreciação de arte: o entusiasmo, a demonstração ingênua da fascinação provocada por aquilo que falta – e não é o caso da falta de riquezas, de inteligência, de beleza ou quaisquer outros bens palpáveis e contabilizáveis. A falta aliada ao deslumbramento representa o indizível, a comoção, o motivo primeiro de se postar frente a uma obra atemporal. A sequela maior deixada pela arte do século XX sobre nossas gerações é o medo constante e inacabável da pura e simples apreciação, o tormento constante exigido pela apreciação analítica, o medo do brega, da ironia, da lágrima e da falta de palavras numa época em que firmar-se frente aos seus iguais é fazê-lo com palavrórios, com mumbo-jumbo.

Mais. Existe ainda toda uma esfera do contato com a arte como acontecimento social, a representação de um status, a câmera que te registra ao lado do Hard Rock Café, da Torre Eiffel e, por fim, da Mona Lisa. Dentro da Capela Sistina, apenas 15 minutos são concedidos a cada grupo de visitantes, o que traz um dilema de grandes proporções entre se fotografar ou se deixar deslumbrar – em caso de deslumbramento, são apenas 15 minutos. O portfolio pessoal que montamos ao longo da vida, esse curriculum vitae dos lugares que percorremos pelo mundo (turismo=prédios velhos, museus, comida nativa) afeta seriamente a apreciação da arte ao longo do processo, a não ser que sua viagem seja prioritariamente de apreciação artística. Museus como o Louvre são hits da grande arte canônica, parada obrigatória do turismo, tal como a Torre Eiffel, e no fim nada disso faz muito sentido. A arte canônica não causa o deslumbramento por ser turismo; a nova arte não o causa pela situação de desinteresse fora de sua esfera própria, de seu discurso interno. Mas talvez, apenas talvez, esteja faltando quem chore frente a uma obra, a uma sinfonia, a uma tela, a um poema. E não pelo sentimentalismo kitsch do choro fácil hollywoodiano, mas pela falta, pelo reconhecimento da beleza naquele objeto-outro, produzido por alguém tão outro e de outro tempo, e que ainda assim nos reconheceu em nossa esfera mais íntima, nos interpretou e formou esse laço entre a pessoa e a obra de arte, esse organismo vivo que espelha tantos de nós. Talvez esse seja o deslumbramento, a apreciação da arte, essa fascinação ingênua causada por uma falta, que não nos alcança e nos torna tão frios. Arte é brincadeira, é jogo. Sejamos tolos e destituídos de crítica, ao menos uma vez.

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