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AFRORELIGIAO Acolher para pertencer

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POTÊNCIA NEGRA

POTÊNCIA NEGRA

Mulheres pretas relatam como religiões de matrizes diferentes impactaram nos sentimentos de valores e crenças

S“Se você quer estragar a cultura do povo preto, é só deixar o branco entrar”. A declaração de Raylla Santos Rosa da Silva, 22, mulher preta e fortalecida do conhecimento de suas raízes, resume a sensação de uma parcela da comunidade negra quando o assunto é intolerância religiosa contra as crenças de matrizes africanas no Brasil.

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A acadêmica de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) relata que nunca se sentiu acolhida completamente dentro da religião evangélica. “Eu só entrei na Igreja Universal do Reino de Deus por conta da minha mãe, que é obreira há 15 anos. A única coisa lá que me estimulava era o Ministério da Dança, uma atividade que permitia um pouco mais de liberdade. Mesmo após ter sido batizada, a sensação de não pertencimento continuou, daí eu senti que precisava mudar de ares”, comentou.

Raylla, conta que entrar para umbanda, uma religião afro-brasileira, foi como resgatar um pouco das suas raízes. É ali, naquele meio religioso, que sente conexão com seus ancestrais. Dentro do terreiro se relaciona com a cultura que não viveu. Assim como se manteve por um tempo dentro da Igreja Universal, Raylla encontrou na capoeira uma forma de acolhimento den- tro da comunidade. “Através da capoeira, me conectei com a África, mesmo nunca estando lá, recuperei minha cultura”.

As religiões de matrizes africanas no Brasil sofreram um grande embranquecimento ocasionado pelo catolicismo. O racismo religioso é resultado de uma longa trajetória nacional, marcada pela escravidão da população negra e pela negação de suas tradições culturais, que acarretaram no racismo estrutural no Brasil. Faz parte de uma sociedade que foi moldada a seguir padrões europeus, demonizando a história da população africana.

Quais as diferenças entre o Candomblé e a Umbanda?

Apesar de suas semelhanças, apresentam muitas diferenças entre si, como origem, a relação com os orixás, rituais, o fenômeno da incorporação, entre outros. O Candomblé veio da África e trazido ao Brasil por meio dos negros africanos escravizados. Aqui, sofreu adaptações, sendo considerada uma religião afro-brasileira. Já a Umbanda é uma religião propriamente brasileira e seus fundamentos foram revelados por Zélio Fernandino de Moraes, considerado o anunciador da Umbanda, marcada pelo forte sincretismo entre catolicismo, espiritismo e religiões afro-

-brasileiras. Embora compartilhem a matriz africana, uma é genuinamente brasileira, trazendo influência de cultos africanos e de outras crenças, enquanto a outra é feita de rituais legitimamente africanos.

Mário Sá, doutor em antropologia ligada às religiões afro-brasileiras, ressalta as dificuldades enfrentadas pela população negra no Brasil. Para o estudioso, o preconceito em religiões europeias colabora para que os negros busquem conforto em religiões de matrizes africanas. “Eu acredito que a pele negra no Brasil vive uma realidade muito difícil. Vocês [comunidade negra] crescem ouvindo como têm que andar na rua, que gestos tem que fazer, como tem que se comportar diante da polícia. Acredito que essa pressão faz com que as pessoas busquem outros formatos de religiões que atendam às mesmas lógicas. O preceito das religiões afro-brasileiras e o neopentecostalismo é parecido: é um fenômeno da magia, o Espírito Santo vem, ele se revela, ele cura, ele salva, ele transforma, ou seja, são modelos muito parecidos e a diferença é que você bota um terno e não é criticado nem ofendido. Então, muitas pessoas sucumbem a essas realidades que se transformam, chamados orixás”, diz o estudioso.

Sincretismo imposto

O marco da chegada das religiões afro no Brasil foi a escravidão, com africanos arrancados de seus continentes para serem escravizados por mais de 300 anos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 4 milhões de homens, mulheres e crianças foram trazidos da África e atualmente, cerca de 56% da população do Brasil é de negros, mas apenas 0,3% de brasileiros se declara seguidores dessas crenças. Conforme o Instituto, a maior parte da população negra do país cultua uma religião que anula suas tradições e costumes.

Dentro do c ristianismo se vê uma quantidade excessiva de pessoas negras demonizando uma religião que precisaria ser símbolo de representatividade,consequentemente, enxergamos modificações das culturas africanas pela branquitude, como exemplo podemos usar a representação de Yemanjá (Iyemanjá) branca, como prova de uma violência no processo de sincretismo religioso muito romantizado.

O candomblé e umbanda têm sido, até hoje, ferramentas de resistência para o povo preto que necessita recriar suas histórias em um ambiente hostil, sendo obrigados a catequizar-se sob violência. Os terreiros, que hoje chamamos de Candomblé, têm a importância de ressaltar a reexistencia desses espaços, com o intuito de manter, de certo modo, a identidade do povo preto.

Professor Mário, quando questionado sobre onde estariam esses terreiros, foi muito assertivo em dizer que as religiões afro-brasileiras estão presentes no Brasil da mesma forma, inteiro abundantemente, mas invisibilizadas. “As pessoas que chegam em Dourados buscando informações sobre religiões afro-brasileiras, comumente imaginam que irão encontrar terreiros e símbolos em todos os lugares. A realidade é que esses espaços e figuras são marginalizados e se encontram, na maioria das vezes, em regiões periféricas da cidade.” vezes, em regiões periféricas da cidade.”

O bem-estar da religião

É importante ressaltar que indede negra, marcada pela violência e

É importante ressaltar que independente da religião, o sentimento de acolhimento deve ser um dos marcos principais para o encontro com a sua verdadeira fé. Quando se fala da questão racial, o amparo à comunidade negra, marcada pela violência e falta de reciprocidade, é fundamental para se reconhecer como pessoa merecedora de amor e respeito.

Tawani Alves, 32 anos, mulher preta, técnica em enfermagem, confessa que sua tentativa em conhecer outras religiões fora da sua bolha social foram fortemente influenciadas pelos estereótipos advindos do pentecostalismo. Relata que sua experiência na umbanda não foi positiva, mesmo sua família paterna tendo referências umbandistas, como avó e tia. Porém, sua família materna é em grande maioria evangélica. Conforme se envolveu com o samba, que possui origens na cultura afro, voltou a se interessar com os sambas enredo falando dos Orixás, e começou a pesquisar mais sobre o assunto.

“Conheci um pai de Santo que me motivou a ir em em umterreiro. Chegando lá, não me senti tão bem.

Não sei se foi pela influência negativa de tudo o que ouvia no passado de uma religião para outra, mas acabei desistindo da umbanda.”, afirmou. É nesse sentido que a visão de Tawani é tão importante e singular como exemplo da interferência da pessoa branca na percepção sobre as crenças e culturas africanas. A questão do acolhimento de Raylla também foi sentida por Tawani, mesmo tendo buscado outros coletivos religiosos. Durante a procura por uma conexão espiritual mais atrelada aos dogmas cristãos, ela se sentiu cobrada em aspectos físicos e comportamentais. Algumas denominações de igrejas evangélicas são muito tradicionais e veem o uso de tatuagens e piercings como pecado, realidade enfrentada por Tawani. No primeiro momento, a técnica de enfermagem diz que foi muito bem acolhida. Porém esse sentimento durou pouco quando precisou agir de maneira que não se sentia bem - e nem se sente atualmente para comentar sobre elas Hoje, encontra-se em um templo religioso que anteriormente enxergava como negativo por ser liberal em seus costumes, mas agora, com conforto e acolhimento, sem julgamentos ou cobranças em relação a sua vestimenta e demais adereços. Desde então, Tawani mantém sua fé nessa comunidade e consegue estabelecer ligação com o respeito e receptividade do terreiro, mesmo não o frequentando. “Era do acolhimento que eu gostava na umbanda quando estive por um tempo”.

A religião é um sistema de crenças, regras e valores morais estabelecido por meio de práticas que caracterizam um grupo de indivíduos. Seja qual for a crença que escolher seguir, que o objetivo seja um só: o anseio pela plenitude.

Glossário:

Ânima: Forças da natureza, as Pedreiras, as tempestades, mar e rios.

Sincretismo: Fusão de diferentes cultos ou doutrinas religiosas, com reinterpretação de seus elementos.

Orixás: Orixás são deuses cultuados pelas muitas crenças africanas, sendo ligados à família e aos clãs. No Brasil, são cultuados os seguintes orixás: Exú, Ogum, Omulu, Xapanã ou Abaluaiê, Xangô, Yasan, Oxossi, Nanã, Yemanjá, Oxum, Oxumarê, Ossain e Oxalá. Os orixás detêm axés vinculados à natureza.

A equipe de reportagem solicitou dados referentes a ocorrências de intolerância religiosa no estado para a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). No entanto, não obteve devolutiva até o encerramento da matéria. de o como liberal seus

Yemanjá: Iemanjá é um orixá (divindade africana) feminino das religiões Candomblé e Umbanda. O seu naome tem origem nos termos do idioma Iorubá (língua nigero-congolesa) “Yèyé omo ejá”, que signi ca “mãe cujos lhos são como peixes”. É considerada a mãe de todos os adultos e a mãe dos orixás.

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