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A PANDEMIA E O ACESSO A JUSTIÇA

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CASA & CIA

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O momento de crise e angústia generalizada em que vivemos desencadeou uma busca, inicialmente, por mecanismos capazes de conter a disseminação da Covid-19 e remédios capazes de aliviar seus efeitos. Os múltiplos impactos da pandemia no funcionamento da sociedade, porém, ampliaram a demanda por soluções alternativas e criativas a todos os setores, inclusive o Poder Judiciário. Passados alguns meses da crise sanitária no Brasil, é fato que parte dos serviços do Judiciário foram reorganizados e encontraram formas de seguir sua rotina. Os trâmites processuais continuam seus fluxos graças ao trabalho remoto de servidores, amplamente

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adotado, e as audiências por videoconferência que foram incentivadas pelos magistrados. Essas são adequações elogiáveis, dentro do contexto de imprevisibilidade, mas vejo como preocupante os reflexos decorrentes de um prolongamento dessas novas práticas institucionais, especialmente na primeira instância com potencial prejuízo ao acesso à Justiça. Além dos aspectos técnico-jurídicos, como a preservação da prova oral sem contaminação, a vedação legal de quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte e a garantia da efetiva liberdade de quem depõe fora do ambiente judicial, é preciso levar em consideração o impacto que a simples imposição de novos instrumentos tecnológicos pode causar nos jurisdicionados. Se o próprio Poder Judiciário, com recursos financeiros e humanos do Estado, enfrenta dificuldades para se adequar à realidade, o que dizer das partes. Nem mesmo a advocacia está plenamente habilitada à imposição imediata de aderir ao ambiente tecnológico estabelecido como novo padrão. Como ignorar que 33 milhões de pessoas não têm moradia e um em cada quatro brasileiros não tem acesso à internet? Que acesso e acessibilidade à Justiça terão essas pessoas neste momento? É preciso compatibilizar a inovação tecnológica com a função primordial do Poder Judiciário, na sua relevância para a efetivação do Estado de Direito ao estar acessível para todo cidadão. Não se trata de minimizar o desafio imposto pela pandemia, mas de um alerta para a necessidade de se observar, no mínimo, o devido tempo para adaptação a tais condições. Em momentos como esse, muitos repetem o lugar-comum de que as crises trazem oportunidades. Talvez, para o Brasil, seja uma chance de promover a inclusão social de grupos vulneráveis e hipervulneráveis. Para o Judiciário, especificamente, caberá refletir sobre seu papel na proteção dessas pessoas, na redução das desigualdades e, essencialmente, no acesso à Justiça. Afinal, como bem disse o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin, “quanto mais democrática uma sociedade, maior e mais livre deve ser o grau de acesso aos tribunais (...). Ao se proteger o hipervulnerável, a rigor, quem verdadeiramente acaba beneficiado é a própria sociedade”. Continuemos com a esperança de dias melhores e de que uma sociedade melhor em todos os sentidos emergirá se tivermos espírito de cooperação e de solidariedade. *Mariana Mársico é advogada previdenciária e professora universitária.

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