Revista Jornalismo e Cidadania 33

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Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 1 Jornalismo Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade | PPGCOM/UFPE | ISSN 2526-2440 | e cidadania nº 33 | Novembro e Dezembro de 2019

JORNALISMO E CIDADANIA

Expediente

Editor Geral | Heitor Rocha professor PPGCOM/UFPE

Editor Executivo | Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE

Editor Internacional | Marcos Costa Lima

Pós-Graduação em Ciência Política/UFPE

Revisão | Laís Ferreira / Bruno Marinho

Mestre em Comunicação / Mestrando em Comunica;áo

Articulistas |

PROSA REAL

Alexandre Zarate Maciel

Doutor em Comunicação

MÍDIA ALTERNATIVA

Xenya Bucchioni

Doutora PPGCOM/UFPE

NO BALANÇO DA REDE

Ivo Henrique Dantas

doutorando PPGCOM/UFPE

JORNALISMO E POLÍTICA

Laís Ferreira

Mestre em Comunicação

JORNALISMO AMBIENTAL

Robério Daniel da Silva Coutinho

Mestre em Comunicação UFPE

JORNALISMO INDEPENDENTE

Karolina Calado

Doutora PPGCOM/UFPE

MÍDIA FORA DO ARMÁRIO

Rui Caeiro

Doutorando em Comunicação

MUDE O CANAL

Ticianne Perdigão

Doutora PPGCOM/UFPE

COMUNICAÇÃO NA WEB

Ana Célia de Sá

Doutoranda em Comunicação UFPE

NA TELA DA TV

Mariana

Mestre em Comunicação

Alunos Voluntários | Lucyanna Maria de Souza Melo

Nathália Carvalho Advíncula

Matheus Henrique dos Santos Ramos

Colaboradores |

Alfredo Vizeu Professor PPGCOM - UFPE

Túlio Velho Barreto Fundação Joaquim Nabuco

Gustavo Ferreira da Costa Lima Pós-Graduação em Sociologia/UFPB

Anabela Gradim Universidade da Beira Interior - Portugal

Ada Cristina Machado Silveira Professora da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM

Antonio Jucá Filho Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ

Auríbio Farias Conceição Professor do Departamento de Letras e Humanidades – DLH/ UEPB

Leonardo Souza Ramos

Professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC –Minas Gerais e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Potências Médias (GPPM)

Rubens Pinto Lyra

Professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas  da UFPB

Editorial

Prosa Real

Comunicação na Web

Opinião | Abdias Vilar

Opinião | Camilo Soares

Opinião | Gustavo Costa Lima

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Banja
Índice
Opinião | Marcelo Travassos
Moab Duarte Opinião | Francisco Dominguez Opinião |Marcos Costa Lima Opinião |Francisco Dominguez Opinião |Rubens Pinto Lyra | 3 | 4 | 6 | 8 | 10 | 12 | 14 | 16 | 18 | 20 | 22 Acesse: facebook.com/ Jornalismoecidadania | issuu.com/revistajornalismoecidadania
e

Por Heitor Rocha

Repetidas vezes o jornalismo brasileiro registra a utilização de emendas parlamentares para comprar o voto de congressistas, seja incorrendo em indiscutível obstrução de justiça, como nas duas votações sobre a autorização para investigação do então presidente Temer, seja para aprovação da reforma da previdência, o que também configura evidente crime contra a honorabilidade da representação política e uma afronta à consciência nacional.

Como salienta Elizabeth Noelle-Neumann na teoria da Espiral do Silêncio, quando o jornalismo não condena com veemência o não cumprimento da lei, torna-se cúmplice desses crimes, uma vez que o seu posicionamento não articula o tribunal da opinião pública para ameaçar com isolamento social os que praticam o ilícito e para cobrar providências das instituições democráticas incumbidas de garantir a obediência ao arcabouço jurídico-constitucional, como deveria ser, sem expressar interesse político casuístico, o papel do Judiciário e do Ministério Público na condenação dos desvios.

Por conta disso, vêm, recentemente, se amontoando denúncias de insatisfação entre os congressistas devido à inadimplência no pagamento desses recursos públicos. Neste sentido, coluna política de veículo pernambucano considerou a informação de que o governo Bolsonaro pensa em desacelerar as reformas em 2020 “a maior desculpa esfarrapada desses último 11 meses”, porque, na verdade, “o governo ainda não cumpriu as promessas que fez aos parlamentares pela aprovação da reforma da previdência. Muito dinheiro de emendas ainda não foi liberado.”

Segundo a coluna, devido a essas dívidas, “o governo também teme sofrer muitas derrotas (no Congresso), por causa das eleições municipais do próximo ano.”

Também é escandalosa a omissão da grande mídia noticiosa diante da descarada política colocada em prática pela equipe econômica do governo de beneficiamento dos setores privilegiados e de perversidade com a esmagadora maioria da sociedade brasileira. Recente pacote econômico do ministro Paulo Guedes afagou os privilegiados desonerando os empregadores que aderirem ao programa do pagamento de sua cota previdenciária de 20%, quando no mesmo pacote estabeleceu a taxação dos desempregados “para financiar um programa de estímulo ao emprego”, segundo o comentário de Elio Gaspari (17/11/2019), uma voz rara no mar de cumplicidade geral. Em seguida, o colunista lembra que “tomar dinheiro dos miseráveis era coisa comum no tempo da escravidão. Em 1734, para combater a ociosidade dos negros forros e dos vadios em geral a Coroa cobrava quatro oitavas de ouro a cada bípede livre que vivia na região das minas. Em 1835 a Assembleia da Bahia tomava dez mil réis de todos os negros libertos nascidos na África. Esse imposto rendia um bom dinheiro, algo como 7,6% do or-

çamento da província.”

Devido a esta política econômica imposta há séculos, o Brasil foi identificado como o país que mais perde posições no ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), caindo 23 posições no último relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (PNUD), ao apresentar a segunda maior concentração de riqueza no mundo – 1% dos mais ricos tem 28,3% da renda, só ficando atrás do Qatar (29%).

A lembrança desses fatos engrandece o mérito de recente decisão judicial embargando a indicação do governo Bolsonaro para a Presidência da Fundação Palmares de um cidadão que incorreu em injúria racial ao afirmar que a escravidão foi boa para os negros e que o movimento negro deve ser extinto. Esse tipo de provocação às pessoas civilizadas parece se constituir no critério para escolha dos representantes do governo, tendo em vista recentes declarações do presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte) Dante Mantovani: sobre a relação dos Beatles com Adorno, disse que os músicos ingleses colocaram em prática as ideias da Escola de Frankfurt para destruir a cultura ocidental; sobre o rock, afirmou que este tipo de música “ativa o sexo que ativa a indústria do aborto, que, por sua vez, alimenta uma coisa muito mais pesada que é o satanismo.”

Além desse “Febeapá – festival de besteira que assola o país”, como dizia Stanislaw Ponte Preta depois de 1964 -, o descaso com os direitos humanos continua provocando mais tragédias todos os dias. O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) denunciou o assassinato de dois indígenas – o cacique Firmino Prexede Guajajara, da Terra Indígena Cana Brava, e Raimundo Belnício Guajajara, da Terra Indígena Lagoa Comprida. Segundo o documento do CIMI, “tais crimes têm acontecido na esteira dos discursos racistas e ações ditadas pelo governo federal, como o incentivo a invasões às terras indígenas”.

Em face da gravidade dos problemas que estão se verificando no Chile e na Bolívia, a Revista Jornalismo e Cidadania nº 33 publica dois artigos do acadêmico chileno Francisco Dominguez comentando a situação nestes países.

Heitor Costa Lima da Rocha, Editor Geral da Revista Jornalismo e Cidadania, é professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.

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Editorial

Prosa Real

Livro-reportagem, jornalismo e contexto

Por Alexandre Zarate Maciel com colaboração especial

Jornalistas escritores nordestinos: relações diferenciadas com o livroreportagem

Nesta edição especial da Prosa Real, os leitores terão acesso, em primeira mão, a um recorte dos resultados da primeira rodada de entrevistas da pesquisa “Jornalistas-escritores de livros-reportagem no Nordeste: perfis profissionais, obras e rotinas produtivas”, coordenada pelo autor desta coluna e desenvolvida em conjunto com quatro acadêmicas e um acadêmico entre bolsistas e voluntários, todos do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), campus de Imperatriz.

A meta da pesquisa é entrevistar autores de livros de não ficção nordestinos abordando três linhas de força: relação com os entrevistados e rotina produtiva; estilo de narrar e mundo editorial. Participam do “debate”, Nelson Melo, autor do livro “Guerras Urbana: morrendo pela vida loka”, que trata da disputa entre facções criminosas no Maranhão; Lícia Loltran, jornalista baiana que publicou “Famílias homoafetivas: a insistência em ser feliz”; Emmanuel Montenegro, que elaborou “Tramas de Calçada”, com histórias de moradores de Iguatu, sua cidade natal no Ceará; Joaldo Cavalcante, alagoano escritor de “17 de julho - a gameleira, as lembranças e a história decidida à bala”, narrativa que trata do dia 17 de julho de 1997, quando cerca de dez mil manifestantes se reuniram para exigir o afastamento do governador Divaldo Suruagy. E Nortan Rafael, autor do livro-reportagem “Ivan, o terrível”, tendo como foco a carreira do ex-jogador e atacante do time de futebol ABC do Rio Grande do Norte. Até meados de 2020 a intenção é ampliar o leque de entrevistados para pelo menos 30 jornalistas escritores nordestinos.

Rotinas produtivas dos escritores de livros-reportagem nordestinos (Gislei Moura e Yanna Duarte)

Com base nas respostas dos autores entrevistados, notou-se que os diálogos com os personagens para produzir os livros-reportagem surgiam, em muitos casos, de conversas triviais, sem necessariamente possuir um padrão de entrevistador-fonte. Lícia Loltran relatou que é necessário ter sensibilidade e perceber se o entrevistado está ou não à vontade para falar. “Tem gente que você já sabe, coloca o gravador na frente da pessoa, contou a vida toda. Mas tem gente que é muito mais fechada”. Já Norton Amorim precisou recorrer a materiais oficiais, como jornais antigos e documentos, para validar o que sua fonte havia contado. “Consultei muito material de jornais de fora. E eu ia confrontando informações. Foi um trabalho meio que de formiguinha para tentar achar todos esses dados, mas acabou dando certo”. Entre todos os entrevistados, uma dificuldade comum é a transcrição do áudio e a organização do material recolhido para uma ordem que faça sentido. Geralmente, os obstáculos se apresentavam quando havia muitas vozes contando o mesmo fato, como afirma Emmanuel Maia: “Chega um momento, por exemplo, em que o personagem Marcondes trabalhou na Tribuna do Ceará. Aí tem a história dele, a história da pessoa que trabalhava com ele, a do fotógrafo, tem a do jornalista e todos falando sobre a Tribuna. Então tenho que reunir tudo aquilo e transformar em um texto que fique ideal de se ler”.

Mas, ainda que seja um trabalho árduo, os autores desenvolveram técnicas para facilitar a escrita e não perder aquilo que era fundamental para a história, como relatado por Nelson Melo: “Eu acompanhava um personagem de uma facção e a partir dele eu criei um enredo, não fictício, mas real, porque ele viveu”. Por se tratar de muito material apurado é também necessária uma atenção maior para o armazenamento de todo o conteúdo. Joaldo Cavalcante contou que encontrou uma maneira para não perder nada: “Adotei um mecanismo muito simples: envelo -

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pes com etiqueta de identificação do conteúdo (recortes de jornais, imagens fotográficas, documentos oficiais etc), numa sequência lógica aos capítulos inicialmente planejados”.

Narração e sedução no livro-reportagem nordestino (Viviane Reis e Ana Campos)

Ao apurar e escrever, o escritor jornalista percebe que todo texto reflete as singularidades, a visão de mundo e características de determinado autor. Nesse sentido, Lícia Loltran se considera uma pessoa sensível. “Eu sou uma pessoa que me sensibilizo muito fácil com o outro. Sempre gostei muito de contar histórias”. Ela ressalta, ainda, que teve o cuidado na construção da narrativa para não misturar realidade com ficção: “Mesmo a melhor ficção, a história real, pelo menos pra mim ainda vai ser melhor”. Quando se trata de jornalismo e literatura, Joaldo Cavalcante diz que ambos se unem como num processo de simbiose. “Sempre cultivei o entendimento de que ambos possuem longa estrada de convivência mútua, encontrando-se com maior ou menor intensidade pelas esquinas da vida”. Já no quesito leitor, Norton Rafael, como trabalhou com o tema futebol, que tem público e linguagem específicas, propôs uma narrativa dinâmica. “Eu tentei não fazer muito rebuscado. Tentei fazer um texto muito direto, com períodos curtos, para que as pessoas também tivessem facilidade na leitura”. Os autores, apesar de partirem de um pressuposto de atingir determinado público-alvo, acabam se deparando com outros consumidores do seu trabalho. Como é o caso de Nelson Melo. “Dos dois públicos que mais leram o meu livro um deles foi o policial: delegados, investigadores, escrivães, policiais militares. E outro foi o público acadêmico”. Percebe-se que o livro-reportagem contribui também para a formação e desenvolvimento de leitores críticos, apresentando-os a universos muitas vezes desconhecidos até então. “É algo que você lê e aquilo te faz meio que acordar pra um determinado assunto”, ressalta Emmanuel Montenegro.

Perspectivas e desafios de publicar um livro-reportagem no Nordeste (João Marcos dos Santos)

Os escritores jornalistas no Nordeste se veem em um contexto difícil para produção de livros-reportagem, conforme relataram em suas entrevistas. Nelson Melo custeou todo o processo das obras. Assim como Emmanuel Montenegro,

que transformou em livro um trabalho de conclusão de curso (TCC). Já Lícia Loltran somente publicou sua obra após ganhar um concurso literário. Joaldo Cavalcante teve patrocínio cultural do Sebrae do seu estado. Norton Rafael escreveu “Ivan, o terrível” a convite de uma editora. Nenhum dos autores entrevistados se sustenta apenas com o livro-reportagem. Para Nelson Melo, “no Brasil é muito complicado patrocínio para questão cultural”. Mesmo para casos mais raros, como o do escritor Norton Rafael, que escreveu a convite de uma editora, a ideia de viver do livro-reportagem é algo distante. “Na primeira remessa de livros, eu recebi R$ 120 e não paga nem os ‘uber’ que eu usei para me deslocar”. Emmanuel Montenegro pontua, ainda, a situação de quando o escritor necessita abrir mão de algo para divulgar o seu trabalho: “Você precisa deixar a sua história, sua marca, o seu nome nos locais sem se preocupar se vai ter retorno imediato ou não” Já Lícia Loltran considera que o mercado editorial não é fácil. “E eles não apostam em novidades, principalmente as que vêm de longe”.

Referências:

CAVALCANTE, Joaldo. 17 de julho: a gameleira, as lembranças e a história decidida à bala. Salvador: Editora Viva, 2017

LOLTRAN, Lícia. Famílias homoafetivas: a insistência em ser feliz. São Paulo: Autêntica, 2016.

MELO, Nelson. Guerra urbana: morrendo pela vida loka. São Luís: BBB Graf, 2017

MONTENEGRO, Emmanuel. Tramas da calçada: uma novela jornalística. Fortaleza: Edições BPM, 2014. RAFAEL, Nortan. Ivan, o terrível. Natal: Primeiro Lugar, 2018.

Elaborada pelo professor doutor do curso de Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz, Alexandre Zarate Maciel, a coluna Prosa Real traz, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, os principais autores, títulos e a visão do leitor

Colaboração especial dos acadêmicos do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) de Imperatriz: Ana Carolina Campos dos Santos, Gislei Nayra Soares Moura, João Marcos dos Santos Silva, Viviane Reis Silva e Yanna Duarte Arrais.

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Comunicação na Web

Jornalismo, Sociedade e Internet

Por Ana Célia de Sá

Jornalismo e memória no ciberespaço

Ojornalismo pode ser considerado um construtor de memórias, mesmo que esta atividade profissional esteja diretamente vinculada ao tempo social presente. Na web, este potencial é ampliado devido aos recursos digitais de armazenamento, organização e recuperação de conteúdos, características constitutivas das bases de dados, as quais são estruturas que possibilitam o arranjo informacional em bancos de dados.

Palacios (1999 apud PALACIOS, 2003) identifica cinco características do webjornalismo: multimidialidade/convergência, interatividade, hipertextualidade, persona -

lização e memória. O autor acrescenta ainda como característica a instantaneidade do acesso, que proporciona a atualização contínua do material informativo. Esta descrição não significa uma formatação exata das práticas profissionais relacionadas ao material jornalístico na web, mas indica potencialidades da internet que podem ser exploradas pelos meios de comunicação para construção de produtos noticiosos compatíveis com o contexto atual, o que não indica necessariamente oposição aos padrões do mundo off-line.

“Com efeito, é possível argumentar-se que as características elencadas anteriormente como constituintes do Jornalismo na Web podem, de uma forma ou de outra, ser encontradas em suportes jornalísticos anteriores, como o impresso, o rádio, a TV, o CD-Rom” (PALACIOS, 2003, p. 81). São percebidas, assim, continuidades e poten -

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Pixabay

cializações no jornalismo desenvolvido na web, embora haja rupturas, a exemplo da quebra das barreiras espaço-temporais no ciberespaço.

Uma especificidade desta caracterização do jornalismo on-line diz respeito à memória. No webjornalismo, a memória pode ser recuperada, pelo produtor e pelo público, mediante arquivos digitais providos com motores de busca que permitem a indexação. Potencializada pelo espaço virtual ilimitado, veloz, interativo, hipertextual e tecnologicamente habilitado à disponibilização e ao armazenamento de informação praticamente infinitos, cria-se a primeira forma de uma memória múltipla, instantânea e cumulativa do jornalismo (PALACIOS, 2003).

Segundo este autor, mesmo que exista uma continuidade em relação aos suportes do mundo off-line, como os arquivos físicos mantidos por jornais impressos e os materiais de áudio e vídeo das emissoras de rádio e TV, a internet dá nova dinâmica à memória. “Na Web, no entanto, a conjugação de Memória com Instantaneidade, Hipertextualidade e Interactividade, bem como a inexistência de limitações de armazenamento de informação, potencializam de tal forma a Memória que cremos ser legítimo afirmar-se que temos nessa combinação de características e circunstâncias uma Ruptura com relação aos suportes mediáticos anteriores” (PALACIOS, 2003, p. 83).

O aprofundamento da notícia está diretamente ligado à memória. Na web, a partir de camadas informativas costuradas por hiperlinks, o público realiza uma leitura não linear e associativa do conteúdo, sendo conduzido a novas informações e a novos formatos a cada “clique”. Esta fragmentação digital remodela a maneira de consumir a notícia, pois ativa caminhos interativos e personalizados adequados à natureza relacional do ciberespaço.

A memória é ferramenta narrativa de produtores e também do público para construção de contextos para a notícia graças aos conteúdos arquivados e disponíveis nas bases de dados. “Presentemente, mais e mais arquivos vão sendo digitalizados, indexados, tornados públicos e abertos, equalizando as condições de uso da memória, não só na produção, mas também na recepção. O usuário final pode também recorrer ao passado arquivado para, fácil e rapidamente, situar e contextualizar a atualidade que lhe

é apresentada através do fluxo midiático” (PALACIOS, 2014, p. 96).

Assim, mudam as rotinas produtivas do jornalismo, que aglutinam a tecnologia on-line na apuração e no aprofundamento da notícia; os modelos de negócios para acesso à informação de arquivo de um veículo de comunicação; a produção de narrativas, as quais incorporam a memória em seus diversos formatos; e a relação com o público, tornada mais interativa (PALACIOS, 2014).

No cenário conectado, caracterizado por espaço simbolicamente ilimitado, instantaneidade, liberdade, horizontalidade, atualização em fluxo contínuo e fluidez, é comum ater-se às imagens do presente, saturar a mente diante da avalanche informativa do ciberespaço e, consequentemente, perder referências da vida social, deixando-as cair no esquecimento. Para evitar a perda desta historicidade coletiva, os recursos jornalísticos de memória apresentam-se como importantes elementos constitutivos da notícia on-line de qualidade.

Referências:

PALACIOS, Marcos. Jornalismo online, informação e memória: apontamentos para debate. In: FIDALGO, António; SERRA, Paulo (Orgs.). Informação e Comunicação Online: jornalismo online. V. 1. Covilhã: LabCom, 2003. 3 v. [e-book]. Disponível em: <http://www.labcom-ifp.ubi.pt/ficheiros/20110829fidalgo_serra_ico1_jornalismo_online.pdf>. Acesso em: 17 nov. 2019.

_________________. Memória: Jornalismo, memória e história na era digital. In: CANAVILHAS, João (Org.). Webjornalismo: 7 carater í sticas que marcam a diferença. Covilhã: LabCom, 2014. [e-book]. Disponível em: <http://www.labcom-ifp. ubi.pt/ficheiros/20141204-201404_webjornalismo_ jcanavilhas.pdf>. Acesso em: 25 dez. 2017.

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Ana Célia de Sá é jornalista e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM-UFPE).

Opinião

Pátria amada, Brasil

Com o slogan “Pátria amada”, o Governo Federal pretendia comemorar o dia da Pátria. Só que lojas tinham o mesmo slogan e vendiam o Brasil como uma mercadoria, seguindo o exemplo daqueles que vendem o país em leilões a empresas estrangeiras. Triste país!

Os discursos do presidente da República e seus asceclas têm o mesmo endereço: combater a esquerda, a democracia, o poder legislativo, a justiça brasileira.

Os discursos de Jair Bolsonaro têm o condão de atacar a esquerda, Cuba e Venezuela. Com isso, ele vai alimentando a direita, que responde com mais acenos e apoios.

Os filhos de Bolsonaro atacam pelas redes sociais,

falsificam informações, pois não têm o mesmo poder do pai, que valendo-se do cargo é divulgado em toda mídia. Entretanto, têm eles o poder de influenciar muito o Bolsonaro.

Não nos esqueçamos uma coisa: as hostes de Bolsonaro estão desunidas e brigando entre elas, porém, continuam aliadas no campo da direita. Isso é sumamente importante.

Outro fato que não pode nos iludir: em cada pesquisa de opinião pública cai sempre a avaliação pessoal do Bolsonaro enquanto presidente da República. No entanto, a direita continua valendo e na primeira posição. As pesquisas indicam cada vez mais uma ascensão do ministro Moro. Não nos deixemos cair em tentação, usando um termo

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religioso: o apoio pessoal a Bolsonaro parece forte, inclusive entre os mais pobres, negros e gays.

Não adianta o que diga o presidente, o importante para a direita é o que ele faz. O ativismo deita raiz no nazismo, da mesma forma, a cegueira. Enfatizo a palavra “ativismo”, e dela retiro lições para o nosso país, pois há em toda a sociedade uma concepção favorável, entendida em sua dimensão técnica, oposta à política; sinônimo de operativo, e mais particularmente sob o bolsonarismo, que não importa o que ele diga, o fundamental é ser ativo, fazer.

A privatização ganha destaque nas sociedades e nos países capitalistas e é tida e dita como oposta ao público. Nada estatal presta e nada funciona a contento. Não esqueçamos que estamos em plena vigência da iniciativa privada, cantada e louvada pelas associações e sindicatos patronais, bem como pela mídia.

O Presidente bem sabe disso e apela agora para o diapasão da soberania nacional. Pouco importa os discursos e iniciativas, as queimadas na Amazônia servem de biombo às práticas governamentais favoráveis à extinção do índio, à exploração inescrupulosa, fora da lei e da Constituição, das reservas florestais. Apelando para a soberania nacional, Bolsonaro esconde o verdadeiro “laisser-faire” nas áreas de reserva florestal. Pouco importam as exonerações na esfera governamental; elas serão saudadas como vacilações ou incongruências.

O secretário Marcos Coimbra foi demitido ao defender a CPMF, defesa tão logo retomada pelo ministro da economia. Bolsonaro sabe que precisa de Paulo Guedes. Da mesma maneira, precisa do apoio do ministro Sérgio Moro, cada vez mais desacreditado entre os seus comandados da PF, que continuam eles mesmos à direita. Atenção, se Bolsonaro não conseguir lançar sua candidatura à reeleição, o que acho pouco provável, indicará Moro, se não for antes para o STF, ou Paulo Guedes.

E por falar em Paulo Guedes, continuemos de olhos bem abertos porque a inflação está em baixa, os juros da SELIC continuam caindo e se conseguir baixar o índice do desemprego – basta um milhão – a panaceia será grande e aí ninguém sustentará a mídia, a exemplo que faz hoje com a reforma da previdência e aponta para a reforma tributária.

E a oposição? No meu entender, permanece desunida e sem iniciativa propositiva. Em minha opinião, só há um caminho para a esquerda defender a democracia: é a união em torno de um programa mínimo que se comprometa a continuar na luta contra a corrupção, que

proponha medidas eficazes de combate à violência e refaça, no que for legalmente possível, os atos nocivos de Bolsonaro.

Por que o apoio de parte das classes populares ao Presidente da República? Lembremos-nos que elas conseguiram com o PT elevar significativamente o seu padrão de consumo: carro, apartamento, viagens, boa alimentação, universidade e escola para os filhos. Pouco importa se em módicas prestações e se o apartamento é cada vez mais apertado, parecendo, no dizer deles, um apertamento. Agora, num novo contexto de severas restrições, se apegam a defender o que têm. A esse respeito, não se pode minimizar o fato que, nesse mesmo momento, tais classes populares são objeto de uma profunda influência das igrejas evangélicas. A teologia da prosperidade reforça, sem dúvida, o mesmo desejo de consumo, porém, política e ideologicamente, se situa no campo oposto ao projeto do PT. Para mim, são as igrejas evangélicas que fazem a mediação entre Bolsonaro e as classes populares, criando, assim, as bases sociais do bolsonarismo.

Enquanto parte da classe média continua lutando e saindo às ruas por uma democracia, os mais de baixo estão sufocados com as dificuldades para pagar suas contas e fazer frente ao risco eventual da retomada de inflação. Ouvi de um motorista de taxi sobre a possível volta da CPMF, que a mídia trata de novo imposto, a seguinte frase: “0,14 pode parecer pouca coisa, no entanto, para quem vive de salário mínimo, é muito, depois dos descontos”. E hoje, dia 10/10, ouvi de manhã cedo, dois jovens, estacionando as motos e conversando; um dizia para o outro, “são 30 paus, é uma fortuna”. O outro concordou. São exemplos que comprovam a frase inicial. Quantos exemplos cada um não tem!

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Abdias Vilar de Carvalho é Doutor em Ciências Sociais e pesquisador social.

Opinião

O terraplanismo estético versus a expressão social no cinema (1)

Omês de agosto tem marcas dramáticas na nossa história. Nada como a Coringa, filme de Todd Phillips, vencedor inesperado do último Leão de Ouro em Veneza, sobre o famoso vilão dos quadrinhos, é uma dessas obras que não passa desapercebida. Ultrapassando o mero divertimento, adentra no terreno movediço entre a percepção individual de uma obra e sua potencial leitura coletiva, ou seja, uma certa, mesmo que difusa, experiência social. Não por acaso, vem provocando grande polêmica sobre se nele haveria ou não conteúdo político, o que ganha ensejo diante da crise econômica, social e ética mundial. No entanto, diante da celeuma, a discussão extrapola o filme e acaba questionando as possibilidades do cinema em fazer o público refletir sobre a realidade.

Afinal, um personagem que vira, através da violência de seus atos, um líder inconsequente de revoltosos contra a elite de Gotham City tem algum teor político? Não. Definitivamente, Arthur Fleck, um comediante depressivo e psicótico, não possui motivações políticas. Mas daí dizer se o filme tem potencial político através de sua forma e narrativa é outra história. A possibilidade de leituras distintas de uma obra, essa sim, pode abrir ao espectador uma percepção dialética do tema tratado. Mas o curioso é que reações contrárias a tal possibilidade política parecem encobrir ambições e ideologias de seus interlocutores.

Exemplo claro disso está em uma entrevista cedida ao repórter Felipe Vieira, do Jornal do Commercio, pelo cineasta Josias Teófilo, que atribui a leitura política do filme Coringa a uma “certa obsessão que existe atualmente por filmes que passem uma mensagem, que influenciem a realidade social”. Para ele, a relação do filme com a questão das armas seria um exemplo disso, pois depois de Arthur apanhar na rua, um colega de trabalho na agência de palhaços o presenteia com uma arma (dá-se a entender que ele já esperava a derrapada do rapaz), o que será o gatilho das primeiras reações assassinas do futuro Coringa. Mas para Josias, as mortes por armas de fogo apenas atrapalham a utopia da esquerda: “Os caras querem viver num

mundo cor-de-rosa sem armas e ficam chocados com um filme onde o personagem principal tem uma espécie de libertação (mesmo que dentro do seu mundo doentio) através de assassinatos com arma de fogo”. Tal negativa desencontrada diante do que a arma representa no filme (a possibilidade de qualquer um usá-la para resolver seus problemas e frustrações) apenas ressalta o campo ideológico de um cineasta que fez um filme sobre o ideólogo conservador Olavo de Carvalho e agora se encontra na pré-produção de um filme sobre a ascensão de Jair Bolsonaro a partir das jornadas de junho de 2013.

Mas isso não é o pior. Pelo menos, em relação a sua percepção do filme. Para ele, o problema é que “as pessoas hoje querem ver política em tudo, esquecem de questões estéticas – o que emociona no Coringa é a excelência da atuação, da direção de arte, da imagem, a trama […]; a possível mensagem só fazem sentido por estarem em harmonia com esses aspectos.”

Mesmo que tente harmonizar valores técnicos e mensagem, como um efeito do acaso, a clara divisão traçada por ele entre estética e política é que está em harmonia com a desconfiança em relação à cultura pelo governo atual (a extinção do Ministério dessa pasta é o exemplo mais claro), além de dissimular (ao fingir que não vê expressões políticas no filme) o alinhamento a um negacionismo histórico que chama o golpe militar de 64 de Revolução ou enquadra o nazismo como movimento de esquerda. Desvios dessa natureza é o que está em jogo quando se defende que a História (assim como a estética) deve ser destituída de conteúdo político, para não fomentar questionamentos a leituras oficiais ou hegemônicas. Afinado com as declarações do atual presidente, assim como as tentativas de implementação de uma escola sem partido, tal posicionamento flerta perigosamente com princípios de repressão ao livre pensamento. Mas que diabos isso tem a ver com Coringa? Será que o filme é para tanto? Abordaria ele diretamente questões políticas e polêmicas? Não e sim. Não é uma obra de viés claramente político, como um filme de Ken Loach, mas justamente porque sua narrativa, ritmo,

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imagens e atuações são capazes de estimular interpretações de contextos históricos, sociais e éticos não ficcionais, verificamos que sua feitura não se limita apenas em desdobramentos técnicos desconexos da realidade. A estética ultrapassa as margens da obra, ao ligar o racional à imaginação, o concreto ao impalpável, o senso coletivo à intimidade das emoções.

Tais escolhas técnicas representam variações visuais ou sonoras que podem mudar sutilmente a percepção do filme, amplificando o sentido da obra quando isso é bem feito. A escolha, por exemplo, de um formato digital mais largo do que o 35mm padrão permitiu o uso de focais abertas próximas ao personagem, sem perder a leitura do espaço, reforçando sua presença graças a uma profundidade de campo reduzida. Captar a opressão desenhada no espaço era importante, mas, “quando se tem um ator atuando do nível de Joaquin [Phoenix], você quer ficar colado a ele, para captar todas as nuances”, afirma o diretor de fotografia Lawrence Sher, numa entrevista ao site Film School Rejects. Para enfatizar a impressão de solidão do personagem, ele enquadrava Arthur de maneira a deixá-lo parecendo pequeno e insignificante nesse espaço, mostrando, por exemplo, muito teto sobre sua cabeça ou o empurrando entre objetos na cena.

Ainda quanto ao espaço, o cineasta diz que iluminava uma área vasta para dar ao ator a maior liberdade possível. Ele conta que uma cena emblemática do filme, depois que Arthur assassina os rapazes engravatados que o agridem no metrô e corre para um banheiro público, a decupagem do roteiro previa cinco plano em que ele escondia a arma. Finalmente, Joaquin executa uma dança que marca a transformação do personagem no Coringa. Aliás, foi por razão dessa possibilidade de improvisação que eles mudaram de última hora a opção de filmar em película 35mm para digital 65mm. A iluminação ainda ajudou a construir a evolução do personagem, na passagem de uma luz mais frontal do começo para uma iluminação mais lateral e sombreada no final. Uma cena chave em que ele corre na cidade, sua sombra parece anteceder o personagem como um sinal sutil de que agora é seu lado sombrio que o está conduzindo. E o que dizer das cores, que separam o personagem de um fundo frio, pouco acolhedor. Não seriam, portanto, apenas escolhas técnicas destituídas de significados? Para o diretor de fotografia, o filme humaniza o personagem sem justificar sua violência. “Cresci assistindo a filmes onde até extras civis eram mortos indiscriminadamente no fun -

do da cena, sem sequer serem personagens. E as pessoas não viam nada de errado com isso. Aqui estamos falando sobre como a sociedade perde nossas pessoas [para o crime, para a violência]”, pondera Sher.

Certamente, para quem busque um sentido político articulado, uma convicção claramente defendida vai se decepcionar com o filme. O próprio diretor Todd Phillips disse numa entrevista coletiva que Coringa não é filme político, talvez para se desviar de tamanha polêmica. Mas quando o próprio fala, numa entrevista para o canal indiano NDTV, que o filme é sobre a construção de vilões numa sociedade marcada pela falta de empatia entre as pessoas. É difícil não lembrar do radicalismo de direita no mundo atual, violentamente contrário às minorias: “Se continuamos assim, teremos os vilões que merecemos”, afirma Phillips. O atual movimento conservador contra medidas includentes e a favor de armas parece dar veracidade ao personagem do filme: o serviço psicológico que o atendia gratuitamente é extinto; quando é atacado por jovens delinquentes na rua, ele recebe uma arma para se proteger dos “selvagens”. O discurso tão atual de ódio (e medo) parece atormentar essa velha Gotham City. Filmes podem ser exemplos do que Hannah Arendt (2002, p. 183) chamava de oásis, que nos permite viver no deserto sem nos reconciliar com ele, mantendo vivas no peito a capacidade de sofrer, a virtude de suportar e a coragem para agir. Senão, é puro escapismo. (Continua…).

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Camilo Soares é Professor de Cinema da UFPE, fotógrafo e doutor pela Université Paris 1 PanthéonSorbonne

Opinião

Viva Greta Thunberg e os ativistas do clima!

Por Gustavo Costa Lima

“Vocês roubaram os meus sonhos e infância. Estamos no início de uma extinção em massa e a única coisa que vocês falam é sobre dinheiro e o conto de fadas de crescimento econômico eterno. Como se atrevem?”

Greta Thunberg em discurso na ONU, 2019.

Gustavo Costa Lima

O economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994), considerado o pai da Economia Ecológica, trouxe um contribuição pioneira ao pensamento econômico, ao associar conhecimentos da física, a termodinâmica e a lei da entropia, à relação entre a economia e a sustentabilidade.

A lei da entropia afirma que a sobrevivência dos sistemas biológicos e econômicos supõe uma transformação de matéria e energia que passa de um estado ordenado a um estado desordenado. Ou seja, nos processos vivos e econômicos se dá uma transformação qualitativa onde uma parcela da matéria e energia envolvida no processo se perde por dissipação, não podendo mais ser utilizada. Isso significa que, para manter sua ordem interna e sobrevivência, os sistemas vivos e econômicos precisam retirar da natureza externa recursos de baixa entropia devolvendo à natureza resíduos de alta entropia sob a forma de energia dissipada e resíduos, ou seja, emissões de carbono e lixo (CECHIN, VEIGA, 2010).

O autor partiu desse princípio para demonstrar que a economia não é um sistema autônomo nem fechado, mas um sistema que depende de recursos naturais, energia e de espaço para depositar os resíduos que produz em sua reprodução. Conclui, portanto, que diferente do que pensam os economistas ortodoxos, a economia é um subsistema da ecologia sem a qual não pode sobreviver. A outra consequência de sua reflexão é a constatação, já bem demonstrada de que, no longo prazo, não é possível manter o crescimento ilimitado num planeta finito e de que, em algum momento futuro, será necessário reconhecer a necessidade do decrescimento em substituição ao crescimento.

Com base na relação entre a economia, a ecologia e a sustentabilidade, o autor formulou oito princípios básicos capazes de reduzir o impacto e os danos socioambientais para as gerações futuras e de garantir uma sobrevida mais longa à espécie humana na Terra (VEIGA; ZATZ, 2008). Listou, portanto, oito princípios como: 1. Acabar com as guerras e os instrumentos de guerra; 2. Ajudar os países pobres a atingir um padrão de vida digna; 3. Diminuir progressivamente a população até um nível em que a agricultura orgânica fosse capaz de alimentar a todos; 4. Evitar todo o desperdício de energia

até que a energia solar se torne viável; 5. Parar com o consumo supérfluo e desnecessário; 6. Acabar com a moda e a obsolescência programada; 7. Estimular o conserto de bens duráveis; 8. Reduzir o tempo de trabalho e redescobrir o lazer como um meio de melhorar a vida.

Ponderou, contudo, que não seria realista acreditar que a humanidade e as elites econômicas estivessem dispostas a tamanho sacrifício em nome de um benefício futuro intangível e de um compromisso ético com as gerações futuras. Considerava mais plausível a escolha, ainda que pouco refletida, por uma vida de opulência, elevado e acelerado consumo, ainda que breve, a uma vida mais modesta e parcimoniosa de longo prazo.

Parece que esse é um dos dilemas centrais de nosso tempo que tem evocado debates sobre escolhas éticas e políticas diante da escalada das crises ambiental e climática e dos alertas produzidos pela comunidade científica. Ou seja, as elites econômicas e políticas mundiais vão insistir em um padrão de crescimento ilimitado até que a degradação ambiental e social atinja um nível caótico e irreversível, ou serão capazes de rever essa trajetória de colapso socioambiental em nome de uma vida mais justa, sustentável e digna para as gerações presentes e futuras?

As reações mais frequentes às crises mencionadas demonstram inércia e apatia a esses desafios, que oscilam entre a negação completa e a minimização de sua ocorrência, como se fosse um problema de pouca importância ou que apenas ganhará relevância em um futuro remoto.

Inúmeros estudos, realizados a partir de diferentes perspectivas disciplinares e teóricas, dão conta de que estamos, enquanto espécie, nos aproximando de um ponto de virada onde as condições ecológicas começam a ultrapassar o limite seguro de sobrevivência humana no planeta, incorrendo em riscos de difícil reversão (ROCKSTROM, 2009; PÁDUA, 2015). Isto é, a civilização ocidental atual é claramente insustentável e insustentável porque produz degradação social e degradação ambiental numa extensão que ameaça as condições da biosfera, a continuidade da vida humana, a paz e justiça social e a possibilidade de uma convivência democrática.

Essas pesquisas estão indicando que já é tempo de mudar os rumos da atual civilização predatória e de alta aceleração que caracteriza a modernidade ocidental. Supõem a necessidade de elaborar e pôr em prática políticas de transição energética na direção de uma matriz mais renovável, de preservação da água potável e dos mananciais, de conservação dos serviços ecossistêmicos indispensáveis à manutenção da vida, de renovação da agricultura e da produção de alimentos

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mais saudáveis, de reduzir o desmatamento e promover o reflorestamento, de priorizar o transporte coletivo e de reduzir o consumo de longa distância, de redução dos desperdícios, de rever os estilos de vida e os padrões de produção e consumo. Mas como todos esses são temas inconvenientes e incômodos, adota-se a estratégia da avestruz fazendo de conta que nada disso existe e podemos seguir acelerando adiante.

A Pegada Ecológica é uma metodologia de contabilidade ambiental que avalia a pressão do consumo das populações humanas sobre os recursos naturais. Ela contabiliza a quantidade de terra e água necessárias (biocapacidade) para produzir o conjunto de recursos naturais e energéticos que um indivíduo, família, comunidade e nação precisam para satisfazer um determinado padrão de consumo. Seguindo esse princípio, é possível estimar qual o tamanho da demanda anual da humanidade em relação à capacidade ecológica do planeta. Em 2018, a Rede Global da Pegada Ecológica (Global Footprint Network) calculou que a humanidade usou recursos naturais equivalentes a 1,7 planeta Terra de biocapacidade. Quando se considera que as pegadas ecológicas dos diversos países são imensamente desiguais, é possível constatar que a situação global só não é pior porque enquanto alguns países e grupos sociais mantêm um padrão de consumo excessivo, outros têm como prática o subconsumo. Dados da mesma rede mostram que a pegada ecológica mundial média atual é de 1,7 planetas Terra de biocapacidade, o que significa que a humanidade, em média, está consumindo mais recursos do que a Terra pode oferecer e que esse sobreconsumo resulta em uma dívida social e ecológica com os países e populações que consomem menos que a média e também com as gerações futuras que, a se manter essa tendência, se confrontarão com uma situação de escassez. Mostra também que se todos os 7,7 bilhões de pessoas que compõem a população mundial hoje (ONU, 2019) tivessem um padrão médio de consumo como os dos norte-americanos, precisaríamos de 5 planetas Terra de biocapacidade. Se todos tivessem um padrão médio equivalente ao da Índia, precisaríamos de 0,7 planeta Terra de biocapacidade. A pegada ecológica média do Brasil hoje é de 1,8 planetas Terra (WWF-Brasil, 2018). Ou seja, com exceção da Índia, todos os outros estão em débito com o planeta e com seus vizinhos mais pobres.

Naturalmente que essa desigualdade no metabolismo social e no consumo de recursos naturais é produto da enorme desigualdade socioeconômica que, no entanto, não para de crescer. O documento da Oxfam “Uma Economia para os 99%”, de 2017, traz evidências demolidoras ao demonstrar que oito pessoas possuem a mesma riqueza que 3 bilhões e 600 milhões de pessoas, isto é, próximo da metade da humanidade. Constata, portanto, que a concentração de riqueza é crescente e que o crescimento econômico realizado beneficia aqueles que já são ricos ou muito ricos (OXFAM, 2017).

Em suma, constata-se que a crise climática não é uma prioridade na agenda internacional e não tem o reconhecimento que lhe é atribuído pela comunidade científica, que o trata como principal problema ambiental mundial e, para alguns analistas, o principal problema em todas as agendas para

além da ambiental.

Por isso, e para a surpresa geral, os movimentos sociais mais significativos e esperançosos hoje parecem ser aqueles protagonizados pelos coletivos de adolescentes e jovens que tomaram forma a partir da iniciativa de Greta Thunberg e sua “Sextas pelo Futuro”. Eles conseguiram em pouco tempo um impacto social, institucional e midiático que a comunidade científica não conseguiu em décadas de alertas, e com isso abrem uma possibilidade a novos caminhos para sair desse labirinto.

Referências

CECHIN, A. D.; VEIGA, J. E. da. A economia ecológica e evolucionária de Georgescu - Roegen. Revista de Economia Política, 30 (3), 2010.

OXFAM INTERMON (2017) Una economía para el 99%. Es hora de construir una economía más humana y justa al servicio de las personas. OXFAM, 2017.

PÁDUA, J. A.Vivendo no antropoceno: incertezas, riscos e oportunidades. In: Oliveira, L. A. Museu do amanhã. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2015. Disponível em: < https://museudoamanha. org.br/livro/10-vivendo-no-antropoceno.html>. Acesso em: 07 mar. 2016.

ROCKSTRÖM, J. et al. Planetary boundaries: exploring the safe operating space for humanity. Ecology and Society, v. 14, n. 2, p. 32, 2009. Disponível em:< https://www.ecologyandsociety. org/vol14/iss2/art32/>. Acesso em: 08 jun. 2010.

VEIGA, J. E.; ZATZ, L. Desenvolvimento sustentável, que bicho é esse? Campinas, SP: Autores Associados, 2008.

WWF. Dia da Sobrecarga da Terra de 2018 é em 1º de agosto. Disponível em:<https://www.wwf.org. br/?66763/Dia-da-Sobrecarga-da-Terra-de-2018-eem-1-de-agosto>. Acesso em: 12. Set.2019.

Gustavo Costa Lima é Doutor em Sociologia (UNICAMP) e Professor Associado da Universidade Federal da Paraíba.

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Opinião

Notícias de Superman

Por Marcelo Travassos da Silva e Moab Duarte Acioli

Nos últimos anos, vem aumentando cada vez mais o número depessoasconectadascomainterneteatecnologiadeforma geral. Assuntos sobre aplicativos e dispositivos são comuns entre crianças e jovens, formando um público diferenciado e antenado em 2019.Aomesmotempo,ohábitodelerlivroserevistasdiminui,dificultando aformaçãodeleitorescomolhardiferentesobredeterminadosassuntos.Este artigosepropõealançarumolharquepartedeoutraperspectivasobreoprimeirosuper-heróicriadonoambienteficcionaldashistóriasemquadrinhos, Superman. Mesmo sendo um personagem multimídia da cultura pop, a compreensão de suas mensagens deve se iniciar nas páginas com texto visualdequadrinhos.

Antesdetudoéimportantesaberque,deacordocomEisner,ashistórias emquadrinhossepopularizaramcomforteajudadaimprensa,passandoa fazer parte da cultura de massa, sendo publicadas em muitos jornais, antes derevistasindependentes.Essaspublicaçõessetornarampopularesemuitas vezes são de preço acessível à maioria da população. Segundo Goidanich (2014),ashistóriasemquadrinhos(HQs),comoseconhecehoje,sãofrutos dojornalismomoderno.

A leitura de gibi pode parecer inocente e despretensiosa num primeiro momento,masnãoé,emboramuitaspessoasnãocompreendamisso.No casodo“HomemdeAço”esuasrevistaspublicadashámaisdeoitodécadas, umaleituracríticaécapazderevelarmuitosaspectosenvolvendoessepersonagem e a realidade social. Considerando que as histórias em quadrinhos fazem parte de um gênero textual específico e nem sempre devidamente valorizadopelosacadêmicosemgeral,aleituradessasnarrativasmuitasvezes ésuperficial.

Para ler e entender Superman criticamente, é preciso reconhecer que não se trata apenas de um personagem pensado e produzido para o públicoinfantil.Desdesuaprimeirarevista,okryptonianoéapresentadocomoo herói com super poderes capaz de salvar pessoas envolvidas em problemas sociais.

Antes disso, também é importante saber que todo texto é contextual. Foram dois adolescentes judeus que pensaram, escreveram e desenharam o primeiro super-herói do universo fantástico das histórias em quadrinhos. Seusnomes:JerrySiegeleJoeShuster,oprimeirocomoroteiristaeosegundo como desenhista. Eram amigos de escola e se pareciam em muitas coisas. Ambos eram filhos de imigrantes judeus que foram morar nos Estados Unidos e tinham hábitos em comum, como ler Nietzsche e revistas sobre halterofilismo.

Para esses dois adolescentes, a realidade cheia de frustrações e dificuldades na escola não era atrativa como o mundo ficcional das histórias em quadrinhos criadas por eles próprios. Isso foi uma das motivações para a criaçãodoSupermanem1933,inicialmentecomoumvilão,masquesófoi publicadoem1938comoumheróicomsuperpoderes,contandoahistória doimigrantedoplanetaKrypton,reunindocaracterísticasdecirco,alémdo conceito do Além do homem, trazido por Nietzsche no livro Assim falava Zaratustra.

Aindanadécadade1930,ocontextodecrisepolítica,econômicaesocial nos Estados Unidos, depois da quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, gerava um cenário com aumento da criminalidade, desemprego, fome e muitos outros problemas sociais que contrastavam com a ideia do AmericanWaypropagadaentreosamericanosnadécadaanterior.

Nesse contexto, Jerry Siegel, em parceria com Joe Shuster, criou Superman, um personagem que não foi pensado com a intenção de representar tantas ideias, mas seu discurso de superação e salvação foi reconhecido, difundido e assumido pelas pessoas que precisavam superar um período de grandesdificuldadestrazidopelacrise.

Por isso, a conotação que o Homem de Aço representa esperança e salvaçãoparapessoasemdificuldades.Okryptonianoutilizaseussuperpoderesparaajudaroshumanosemmomentosdeperigo,defendendoaverdade, justiça e o jeito americano, que pode ser entendido como o american way,citadoanteriormente.

Além da sua identidade de herói, o kryptoniano também possui uma identidade humana utilizada como disfarce, o jornalista Clark Kent. Pacato eatrapalhado,orepórterinvestigativodoatualjornalPlanetaDiáriotrabalha emparceriacomatambémjornalistaLoisLane,seuinteresseamoroso.Juntos,muitasvezessãoenviadosparafazeracoberturadeSuperman.

Entre esses três personagens existe um triangulo amoroso, observado por Eco. Clark Kent ama Lois Lane, que não se interessa pelo seu companheirodetrabalho,maséapaixonadaporSuperman.Essasituaçãocriauma tensão nas situações em que a jornalista se encontra com o super-herói, que porsuaveznãopoderevelarsuaidentidadesecretacomaintençãodeprotegersuaamada.Poressemotivo,enquantoClarkKent,elemudasuapostura, voz,usaroupaslargaseóculos.

Resumidamente, essa pode ser considerada uma apresentação do primeiro super-herói do universo fictício das páginas das revistas em quadrinhos.SuaprimeiraapariçãofoinarevistaActionComicsnº1,comumtotal de12páginas,sendoofertadapelopreçodedezcentavosdedólar,valoracessível para a maioria da população, inclusive operários e imigrantes que não sabiamleringlês.Em2014,umdospoucosexemplaresoriginaisdessarevista foileiloadonainternetpelovalordeU$3,2milhõesdedólares,oequivalente aR$7milhõesdereais.

Considerando a importância dessa revista em quadrinhos para a cultura pop em geral, este texto se propõe a apresentar e refletir uma sequência dessa narrativa em que é possível perceber a relação de Superman com jornalismoecidadania.

Paraisso,aseguinteimagemselecionada:

A situação acima mostra Clark Kent recebendo ordens de trabalho do seu chefe no jornal. Sua missão é cobrir Superman, mas antes de começar seu texto surge uma notícia urgente de espancamento em determinada residência. Nisso, o jornalista muda de planos e vai cobrir o caso de violência, mas quem chega ao local e resolve o problema é Superman. O texto dessa sequênciasedivideem5quadrinhos,comosegueabaixo:

Otextodessasequênciaselecionadarevelaumdosproblemasso-

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meio de análise, é possível perceber que toda a situação representada nosquadrinhosexpõearelaçãodepoderentreospersonagens.

Nosdoisprimeirosquadrosjáéperceptívelarelaçãodehierarquia entre o editor chefe do jornal e o repórter Clark Kent, que respeita o poderprofissionaldoseusuperiordiretoeaceitaordensrelacionadasa profissão,dotipo“Estoudesignandovocêparaestetrabalho.”

Enquantoisso,emoutrolugar,umhomemusaseusmúsculos para espancar uma mulher de tal forma que a deixa no chão, reafirmando seu poder sobre a mesma a partir da força bruta. Dentrodisso,quemcheganaresidênciaparaaveriguarocasonãoéClark Kent, mas Superman, que impõe sua força para defender a vítima e ensinarumaliçãoaoagressor,atravésdeumanovarelaçãodepoder.

Além desse aspecto, também é possível perceber a relação entreojornalistaClarkKentesuapráticaprofissional.EleinvestigaSupermaneaomesmotempoparticipadaproduçãodanotícia.AinterferênciadeSupermandeterminaodesfechodasituação.Ojornalem quetrabalhaacompanhaosuper-heróiepublicatextosescritosporele próprio.Mesmocominteressenobem-estardocidadão,seráqueessa posturaprofissionalécorretadopontodevistaético?Seráqueojornal EstrelaDiária,futuroPlanetaDiário,éimparcial?

O ponto de vista de Clark Kent defendido na matéria que escreve sobre Superman, salvando uma mulher de espancamento, para um jornal fictício, estabelece alguma conexão com a realidade. Seráqueessetipodepráticaexistenomundoreal?

NoBrasilde2019,adiscussãosobreotipodecomunicação em várias plataformas cresce diariamente. As notícias que circulam nemsempresãoreais,abrindoespaçoparaaficçãonaschamadasfake News,cujadimensãoideológicaégrande,nouniversodeSuperman enomundoreal.

Dentro disso, enquanto ficção, Superman cumpre seu papel no entretenimento,comunicaçãoeeducação,porexemplo.Eleémodelo de conduta moral para os leitores de suas revistas. Isso se estende para cidadaniaedemaisassuntosquedizemrespeitoaosocial.

Referências

BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar História: das origens do homem à era digital. São Paulo: Moderna, 2011.

DC COMICS. Action Comics n. 1 (1938). Revista. Estados Unidos da América: DC Comics. Junho de 1938.

EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Editora Perspectiva, 2011.

GOIDANICH, Hilton Cardoso. Enciclopédia dos quadrinhos. Porto Alegre: RS: L e P, 2014.

Marcelo Travassos da Silva é Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade Católica de Pernambuco.

Moab Duarte Acioli é Graduado em Medicina, Especialista em Psiquiatria e Mestre em Antropologia Cultural (UFPE), Doutor em Saúde Pública (UNICAMP) e Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade Católica de Pernambuco.

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ciaisdaculturaamericana,aviolênciacontraamulher.Alémdisso,por

Opinião

The Battle for Chile

It all started with a minor misdemeanour by school students who collectively refused to pay fares on the Santiago metro in rejection of a price hike (to 830 pesos: US$1.17). This was part of a brutal austerity package, decreed by Chile’s President, Sebastián Piñera on 6th October 2019.

On October 18-19, 78 metro stations, some banks, 16 buses and a few public buildings were set on fire by mysterious hooded men who were able to operate with impunity. On October 19, Eric Campos, President of the Metro Workers’ Union, declared, “strange that the Police who were supposed to have been guarding the stations, were not there when they were set on fire.” (1)

On Oct 18, Piñera declared a state of emergency (not used since 1987 under Pinochet), which included a curfew and, in typical neoliberal fashion, brutal police repression. He deployed the army against the civilian population. Next day Piñera promised to freeze the metro price hike hoping, unsuccessfully, to defuse the protests. Demonstrations kept growing, so on October 20 he expanded the state of emergency to most of the country. He said his government was “at war against a powerful and implacable enemy”. Repression intensified massively, with many killed by both police and the military. This infuriated Chileans thus making the demonstrations stronger, larger, more militant and spreading the length of the country.

No matter how brutal the repression, defying state of emergency and curfew, they continued to demonstrate in ever-larger numbers and involving growing sections of the middle class. Actors, pop artists, celebrities, and football players joined.

Mainstream journalists spread fake news, broadcast lies, attributing all violence and the crisis to vandalism, delinquency and ‘external forces.’ They became the target of hostility from protestors. Grotesquely, Luis Almagro, Secretary General of the Organization of American States, issued a statement blaming Venezuela and Cuba for the events in Chile. (2)

Soldiers and police officers perpetrated gross violations of human rights, including shooting demonstrators at point blank, beating them to death, firing live ammunition, and torturing, denigrating, degrading, beating and raping women and detainees. There are thousands of videos filmed by bystanders, protestors, and the victims themselves of these atrocities (videos show, for example, police officers

stacking a patrol car’s boot with plasma TV sets; another shows soldiers throwing the body of a dead detainee from a moving police van, and threatening neighbours not to look). (3) Chileans were not intimidated and continued to stage demonstrations defying the curfew, the military, the police, and the government.

On October 23, a thoroughly deflated Piñera, went publicly to apologise for “not having understood” that millions of Chileans were complaining about the unacceptable levels of social and economic inequality. He announced the suspension of the austerity package and the implementation of some palliatives.

This ‘Chilean model’ involves some impressive macroeconomic figures such as a GDP per capita of around US$19,000 and a reduction of poverty from 38,6% in 1990 to about 8% in 2019. However, this rather than being an “oasis” is in fact, a mirage.

Most Chileans have very low pensions; in 2013, 1,031,025 pensioners got an average pension of 183.213 pesos (87% of the minimum wage). Women pensioners are paid even less. Meanwhile, pension companies continue to extract contributions monthly from about 10 million workers.

Inequality in Chile is gross: the richest fifth of households receive 71% of GDP, whilst four fifths receive the remaining 29%. (4) Half of salary earners in Chile take home 350.000 pesos monthly (US$481), with 74.3% earning less that 500.000 pesos (US$688). (5)

Health is privatized through a health insurance system with highly restrictive policies that benefit powerful companies. In 2018, through price hikes the key six companies made as much profit in one quarter as they did in the whole of 2017.

The public system of health serves 80% of the population, but is ramshackle, deficient, short of resources, and has extremely long waiting lists for operations and/or specialised treatment. Three national chains of pharmacies control 92% of the sales (6), charge prices arbitrarily and, illegally collude to fix prices to the detriment of consumers, patients and the poor.

The transport system is one of the most expensive in Latin America, is inefficient and unable to resolve the transport needs of Santiago (city of six million); it generates annual deficits for being linked to a private bus service that

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gets most of the proceedings. Water, gas, electricity, and telephone have been privatised leading to constant and arbitrary price increases.

There is a recent gratuity for university education for about 60% of the population, but the system remains elitist. Working class kids go to poor schools, get poor-quality education, and are unlikely to be equipped to get into higher education. Thus, there is little social mobility leading most people to end up in the 80% that earn less than 500.000 pesos.

People find a way out by getting into debt, irresponsibly and widely available at exorbitant interest rates. Supermarkets and retail chains issue credit cards for purchases in their stores. Thus in 2019, 55% of household national debt is from consumption (21% from mortgages). (7)

Chileans have also seen how easy is for the rich to evade taxes; have witnessed major corruption scandals among politicians (mainly, but not exclusively from the right), but also the massive embezzlements in the Army and Police Force, with generals pocketing millions of public money.

No wonder Chileans were on the move. On October 23 Chile’s trade unions declared a general strike, and on Friday 25, people staged the largest demonstration in Chile’s history with 1.2 million in Santiago plus huge rallies in cities throughout the country. They demanded Piñera resign.

On Saturday 26 October Piñera announced he had asked for the resignation of all his ministers pointing out that a new cabinet (and government) was being formed, promising to lift the state of emergency. The defeat of his austerity package was complete and the question is how will the change of the neoliberal model be carried out. The mass movement has no apparent leadership, and it has no tangible political vehicle to articulate its demands. Even more interesting, Allende’s generation, their children, and their grandchildren marched and resisted together.

Allende’s image became common in thousands of the mobilizations, and the people adopted Victor Jara’s beautiful song “The right to live in peace” that he composed back in 1971 in homage to Ho Chi Minh and the people of Vietnam, as their hymn. Allende’s dream is very alive and the masses have not forgotten the moral debt Chile’s Pinochetista Right owes society for the coup in 1973, the assassination of their president and, the 17 years of atrocities under their dictatorship.

They will not forget the atrocities committed in October 2019 either, and Piñera is likely to face a constitutional accusation over them. The latest toll is 25 dead; 41 gravely wounded by firearms, 23 people gravely wounded by having been run over by police or army vehicles; 62 with severe eye trauma; more than 1700 injured; and 5845 ar-

rested.

Chileans came onto the streets to bring the oppressive, abusive and exploitative neoliberal model to an end, but it is not yet clear what they will replace it with. A reasonable proposal involves a Constituent Assembly to replace Pinochet’s constitution, nationalization of all utilities and natural resources, punishment for corruption, respect for the ancestral land of the Mapuche, and decent health, education and pensions.

One of the biggest effects has been the well-deserved demystification their mobilisation brought on Chile’s “neoliberal miracle”. The dent they have inflicted on the already diminished prestige of neoliberalism (especially after Macri’s Argentine catastrophe and Moreno’s defeat in Ecuador) is irreparable. The New Battle for Chile will be tough and difficult, but their victory will help us the world over. All our solidarity with the struggle against neoliberalism of the Chilean people!

NOTAS

(1) https://www.soychile.cl/Santiago/ Sociedad/2019/10/19/620920/Sindicato-delMetro-Es-extrano-que-Carabineros-haya-estadoen-las-estaciones-y-cuando-las-queman-no-esten. aspx (visited 27 October 2019).

(2) Voice of America, 25 October 2019 (https://www.voanoticias.com/a/luisalmagro-oeavenezuela-cuba-latinoamerica/5140013.html –visited 27 October 2019).

(3) El Comercio, Peru, 24 October 2019 (https://www.youtube.com/watch?v=IzLLl0247ZA – visited 27 October 2019).

(4) F.Martínez & F.Uribe, Distribución de la Riqueza No Previsional de los Hogares Chilenos, Banco Central de Chile, 2017, p. 8.

(5) G.Durán & M.Kremerman, Los bajos salaries en Chile, Fundación Sol, Ideas para el Buen Vivir, No14, April 2019, p. 3.

(6) J.A. Chillet, “Collusive Price Leadership in Retail Pharmacies in Chile”, Semantics Scholar, 2018, p.6 (https://pdfs.semanticscholar.org/f536/ e84f29a75f0cd4afb219ca830be20d4b556d.pdf –visited 27 October 2019).

(7) Thomas Croqueville, Indebtedness in Chile, Chile Today, 7 August 2019 (https://chiletoday.cl/ site/indebtedness-in-chile-its-all-about-switchingthe-bicycle/ – visited 27 October 2019).

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Opinião

A Amazônia e a Banalidade do Mal

Trata-se de um governo banal, que pratica regularmente atos banais. Trata-se da banalidade do mal: obedecer cegamente ao Estado, tornar-se um ser humano que não questiona; que busca manter um status social ou cujo objetivo de vida é o enriquecimento; que pode matar ou mandar matar sem pestanejar, caso o outro atrapalhe seus interesses. Tudo isso nos remete à história moderna, à natureza do homem e dos seus atos, sem esquecer que «sob condições de terror a maioria das pessoas obedece, mas algumas não», assim escreveu Hannah Arendt .

O fundamental no conceito de banalidade do mal, no que diz respeito aos efeitos, é a capacidade altamente devastadora da ausência de profundidade dos agentes; no que diz respeito à sua dinâmica, desafia a convicção generalizada de que toda maldade resulta do ceder à tentação.

A “banalidade do mal” configura-se sobremaneira como um mal ético/político. Se, por um lado, ela diz respeito a uma sempre possível ausência de reflexão, ao abandono do indivíduo por si próprio em sua recusa a pensar, concerne ainda, por outro lado, ao desamparo das massas, concebidas tanto como resíduo da produção capitalista quanto como produto da dominação totalitária. Importante para Arendt é indicar que o caráter frequentemente inócuo na política da ausência de pensamento torna-se devastador nas condições das sociedades de massas, nas quais tal irreflexão é fomentada e o adesismo dos que meramente se deixam levar é zelosamente canalizado como força motriz da estruturação burocrática do Estado moderno, modelado pela grande mídia como se verdade fosse.

Ainda que o cuidado de si não redunde em cuidado com o mundo, nas condições das sociedades modernas de massas, o descuido de si é sempre potencialmente devastador para o mundo.

No prefácio de As origens do totalitarismo (1989), Arendt indica que a tarefa do seu livro é enfrentar com coragem o fardo de nosso tempo, notadamente o desafio que os tempos sombrios apresentam à compreensão.

É o estabelecimento de vínculos entre a ascensão do totalitarismo e elementos centrais à modernidade política europeia, como o antissemitismo, o imperialismo, a sociedade de massas e o individualismo. Ainda que bastardo, por assim dizer, o totalitarismo é filho da modernidade política e não pode ser assimilado sem mais à pura barbárie.

Existe algo de comum entre os campos de extermínio nazistas, o extermínio dos indígenas no Brasil e na Bolívia; a estigmatização de árabes, palestinos e africanos, como párias. O modus operandi em diferentes localidades do planeta: trata-se da redução da vida política à condição de mera vida, de vida não digna

de ser vivida, de um excedente descartável, da exclusão decidida a cada vez pelo poder soberano.

Falência da ética

É a exposição permanente à morte – exclusão – que define as formas atuais de ocupação do espaço político, mas também a geração de medo, de terror. No colapso dos Estados-nação, a estruturação do campo político faz-se pela exceção, por uma lei que se aplica ao suspender-se e, assim, faz do ‘abandonado’, do excluído, um homo sacer: alguém, como o refugiado, que é capturado no vácuo da lei, na ‘forma’ vazia de uma lei vigente em sua suspensão, uma vigência sem realização. São os pobres, os indigentes, os indígenas, os sem teto, os sem terra, os negros, todos aqueles subjugados pela violência do cotidiano que estão a mercê de estados discricionários.

São muitas as formas e expressões, diferentes espécies de totalitarismo no século XX, a dizimação étnica em diferentes localidades do planeta, a destruição ambiental praticada pela conivência do poder com grupos de interesses: trata-se da redução da vida política à condição de mera vida, de vida não digna de ser vivida, de um excedente descartável, da exclusão decidida a cada vez pelo poder soberano, que não é de um indivíduo, um grupo, um partido, mas própria do funcionamento da máquina sistêmica, engrenagem dos dispositivos capitalistas.

A destruição da Amazônia

A exacerbação do poder e a ausência da ética, acima apontadas, cabem como uma luva no que vivemos hoje na Amazônia. Queimam-se ali vidas, humanas, não humanas e as florestas. Como se tudo ali fosse possível. Terra de ninguém.

Os dados do Prodes - Programa de Monitoramento do Desflorestamento da Amazônia Legal -, que fiscaliza a floresta juntamente com o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), são anunciados uma vez por ano e utilizados também como referência pelos países doadores do Fundo Amazônia (Noruega e Alemanha), programa atualmente suspenso, que já captou R$ 1,1 bilhão para ações de prevenção e combate ao desmatamento e para construir inventários de emissões de gases estufa, que atestaram o desempenho brasileiro em metas internacionais para enfrentar as mudanças climáticas (Marques, 2019: 33).

Os dados do Deter emitem os alertas encaminhados ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e tem sido e foram usados para orientar ações de seus fiscais e estão na raiz da queda das taxas de desmatamento neste século. Em 2004 foram desmatados 27,7 mil quilômetros quadrados (km²), número que caiu para de 4,5 mil km² em 2012, nos governos do PT. A média dos últimos três anos subiu para cerca de 7 mil km² (ver gráfico evolução de per-

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da da floresta).

O sistema que controla o desmatamento da Amazônia desenvolvido pelo atual governo demitiu o diretor-geral do Inpe - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais -, Ricardo Galvão, um cientista muito respeitado de uma instituição altamente reconhecida nacional e internacionalmente, quando os dados do Deter indicaram um aumento de 88% na destruição de vegetação amazônica quando se compara o mês de junho de 2019 ao mesmo mês de 2018. Galvão havia informado o crescimento dos focos de desmatamento tanto ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), ao qual o Inpe é subordinado, bem como e também ao MMA, que é o cliente do Deter, mas não foi ouvido devidamente. É importante destacar que o INPE formou boa parte dos profissionais da área de geoprocessamento no Brasil, quando em 1987 o Brasil nada possuía. A formação de recursos humanos nos programas de pós-graduação do Inpe levou ao desenvolvimento de duas plataformas: o Sistema de Tratamento de Imagens (Sitim) e o Sistema de Informações Geográficas (SGI), que deram suporte a projetos ambientais como o levantamento de remanescentes da Mata Atlântica Brasileira e o mapeamento das áreas de risco para plantio de culturas de milho, trigo e soja realizado pela Embrapa (Marques, 2019, 32:35)

da, não há interferência no ciclo da água. A soja, não. A plantação de grãos em larga escala ocupa uma vasta área desflorestada, o que pode alterar o regime de chuvas”, alerta Abramovay.

A banalidade do mal é o que vive hoje a floresta Amazônica e seus habitantes.

REFERÊNCIAS:

Um grande marco do esforço dos pesquisadores do Inpe foi o Sistema para Processamento de Informações Geográficas (Spring), que unifica o tratamento de imagens de sensoriamento remoto, mapas, redes e modelos numéricos de terreno

Uma das estratégias do Governo Bolsonaro foi o desmonte dos controles sobre a floresta, pois a intenção deste governo é reduzir as áreas de mata, sobretudo para a pecuária, mas também para soja e a mineração. Foi o que faltava para que os incêndios criminosos surgissem por toda parte e os fazendeiros chegaram mesmo a escolher um dia, o 10 de agosto, para fazerem “o dia do fogo”. A omissão do governo só fez estimular o processo, quando produtores rurais da região Norte do país iniciaram um movimento conjunto para incendiar áreas da maior floresta tropical do mundo.

O economista Ricardo Abramovay, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP e autor do relatório A Amazônia precisa de uma economia do conhecimento da natureza (Abong e Ed. Terceira Via), nos informa que o extrativismo vegetal ou o cultivo de espécies que já existem na floresta reduzem muito os danos ambientais e podem ser até mais lucrativas que a produção de grãos.

Como exemplo o especialista cita um estudo do colega Raoni Guerra Lucas Rajão, da UFMG, que comparou a produção da soja e do açaí no Pará entre 1996 e 2015. “O valor por hectare do açaí alcançou 26 mil reais em 2015, ao passo que o da soja era de pouco mais de 3,2 mil reais. Mas o benefício não era apenas econômico. Como o açaí é colhido em uma superfície floresta-

ABRAMOVAY, Ricardo, A Amazônia precisa de uma economia do conhecimento da natureza, São Paulo, dezembro de 2018, Instituto de Energia e Ambiente/Programa de pós graduação em ciência ambiental universidade de São Paulo. file:///I:/ Artigos%20a%20escrever/Desmatamento/ Relatorio_a_Amaz%C3%B4nia_precisa_de_ uma_economia.pdf

ARENDT, Hanna, As Origens do Totalitarismo: antisemitismo, imperialismo e totalitarismo. SP: Cia das Letras, 1989.

ARENDT, Hanna, Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do Mal. SP: Cia das Letras, 1999.

LOBATO, Alícia (2019), “A Amazônia precisa de uma economia do conhecimento da natureza”, 06/09/http://midianinja.org/news/a-amazoniaprecisa-de-uma-economia-do-conhecimento-danatureza/

MARQUES, Fabrício (2019). “Desmatamento na Encruzilhada”. Pesquisa Fapesp, set, ano 283.

Marcos Costa Lima é professor do Programa de PósGraduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco.

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Opinião

The Bolivian coup: what the mainstream media don’t tell you

Police detain a supporter of former President Evo Morales during clashes on the south side of La Paz, Bolivia, today

THE Comite Ciudadano (Citizens Committee), a right-wing coalition led by Bolivia’s ex-vice-president, Carlos Mesa, and Luis Fernando Camacho, a multimillionaire entrepreneur, leading the extreme right-wing pressure group Comite Civico (Civic Committee) of Santa Cruz, jointly launched a brutal wave of violence in many areas of the country aimed explicitly at ousting democratically elected president Evo Morales.

The violence is carried out by paid, armed thugs whose main target has been public buildings, organisations associated with the government (trade unions, co-operatives, poor communities and neighbourhoods suspected of being pro-Morales bastions, community radio stations and such like), individuals linked to the government (ministers, mayors etc), and especially persons of indigenous origin who have endured the brunt of their racism. They have targeted indigenous women the most.

This is a re-enactment of the racist wave of violence launched in 2008, aimed both at ousting democratically elected Morales and the partition of the state into two, seeking to set up a non-indigenous country in the territory’s eastern region, exactly where the rich gas and oil deposits lie.

At the time, US ambassador Phillip Goldberg played a central role in the operation. The US, as with the oil in Venezuela, has not abandoned laying its hands on such riches, with the additional incentive that Bolivia has the largest deposits of lithium in the world.

What prompted this was the electoral defeat Bolivia’s right wing suffered at the national election on October 20 2019. The results gave the victory to Morales’s Movement for Socialism (MAS) with 47.08 per cent, against Carlos Mesa with 36.51 per cent and another candidate who got 8.78 per cent. Additionally, MAS won absolute majorities in both the Congress and Senate. The right-wing opposition refused to recognise the results and, in typical Latin

American right-wing fashion, alleged fraud. Elections in Bolivia are entirely manual. So the right wing seized on the normal delay in Bolivian elections to give the definite results, due to the time it takes for the mainly indigenous, rural vote to be counted and its outcome to be sent to La Paz for the vote aggregation by the Supreme Electoral Tribunal (TSE), as evidence of foul play.

The right wing launched an intoxicating media campaign (with full support of the world corporate media) that fraud had been committed.

Then the coup offensive began in earnest and by October 22, right-wing thugs went on the rampage and, among other barbarities, set fire to three electoral offices across Bolivia claiming “vote rigging.”

Their violence massively intensified when the TSE announced Morales’s victory on the constitutional principle that if any presidential candidate obtains over 40 per cent and at least 10 points above the runner-up there is no need for a second round.

In order to defuse the tense situation Morales asked the TSE to invite the Organisation of American States (OAS) to conduct an audit on the election. Mesa, Camacho and their followers rejected this outright, and instead demanded new elections and the resignation of Morales, whilst continuing to egg on the racist thugs to conduct a nationwide witch-hunt against MAS supporters.

Social media has been full of horrible images of racist violence against indigenous women and men, such as the case of the MAS Mayor of Vinto, in Cochabamba, Patricia Arce, who was detained by thugs who shaved her hair, doused her with red paint (the colour of the right wing in Bolivia), forced her to walk barefoot through the city, kneel down by and ask for forgiveness for supporting Morales’s government.

She, bravely, refused to apologise, stood her ground and was eventually rescued by law and order forces. In the meantime, other armed racist thugs set the Vinto Town Hall on fire.

Similarly, the Town Hall of Oruro was also

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set on fire by opposition thugs, so was the house of Victor Hugo Vasquez, Oruro governor, and the same fate met the house of Esteban Urquizo, MAS governor of Sucre in Chuquisaca.

Additionally, Victor Borda, president of Bolivia’s Congress, resigned his post and even his position as an MP because armed oppositionists in the city of Potosi kidnapped his brother.

He resigned to preserve his brother’s life and to contribute to the country’s peace. This is a technique that has been used against other prominent members of MAS, hence a number of resignations, presented as a crisis inside of MAS. Even Bolivia’s right-wing media are reporting this method.

In another racist outrage, the house of Esther Morales Ayma, Evo Morales’s sister, in the city of Oruro, was also set on fire.

Right-wing mobs violently occupied the premises of Bolivia TV and Nueva Patria Radio, both pro-government media, where they forcibly expelled all the workers. Not a whisper from the corporate media about this blatant attack on freedom of the press.

In another act of aggression, right-wing demonstrators took Jose Aramayo, director of the Peasant Confederation’s radio station, hostage after occupying the Confederation premises. He was brutalised and tied to a tree in the street.

The wave of violence is almost identical to the US-led coup attempts and extreme right-wing violence unleashed in Venezuela in 2014 and 2017 — and in Nicaragua in 2018.

What made it easier for the thugs to operate freely and with impunity is that important sections of the police force, in what appears to be a coordinated action, raised a number of economic demands (equalisation of salaries to the armed forces’ level), retreated to their barracks, and left the civilian population at the mercy of racist thugs going on the rampage. Communities and Morales supporters have organised their own defence, thus increasing the tension.

Most of the worst outrages have been carefully omitted by the world’s corporate media who are presenting the crisis as a rebellion against Morales’s government for the defence of democracy, a far cry from the reality on the ground.

The government has correctly characterised it as a coup attempt led by the country’s right wing with racist and fascist thugs perpe -

trating wanton violence with the sole aim of ousting Morales.

On November 10 Morales called for fresh elections with a totally renewed TSE aimed at bringing an end to the racist violence, and called the opposition to a dialogue.

However, Carlos Mesa in a public statement said that both Morales and his vice-president, Alvaro Garcia Linera, cannot continue in their positions and must resign — nor can they be candidates in any fresh election.

He also encouraged the opposition to continue and intensify the pressure in the streets that has already inflicted so much pain — primarily on the indigenous majority — and has brought the nation to the verge of a civil war.

This was the real game plan. Not since 2008 has Bolivian democracy been so much under threat. Then the army’s commander-in-chief called on Morales to resign. Now Morales and vice president Alvaro Garcia Linera have gone on TV and tendered their resignations, seeking to bring about peace. The coup has been consummated.

We call upon the British labour movement to condemn the right-wing coup and support democracy in Bolivia and Morales’s call for fresh elections as a democratic and peaceful means to resolve the crisis the coup has thrown the country into. No more Pinochets in Latin America!

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Esquerda e manifestações populares na ótica “bolsonarista”

Talvez seja mais difícil executar os Doze Trabalhos de Hércules do que conseguir identificar quais das afirmações e publicações - quase sempre acusatórias - do capitão reformado, ora investido na Presidência da República, e de sua progênie, são mais afrontosas. Visto por outro ângulo, quais delas são mais reveladoras de sua estratégia de tensionamento permanente das instituições, arraigada hostilidade aos setores políticos e sociais críticos do neoliberalismo e de suas concepções e práticas visceralmente autoritárias. A grande imprensa – que comunga com o ideário neo-liberal do militar - dá sempre mais destaque àquelas que envolvem as instituições, como as desferidas, no mês de outubro, especialmente contra o Poder Judiciário. Seus integrantes foram assemelhados, nas redes sociais, pelo filho preferido, “Carlucho”, às “hienas”, que estariam, covardemente, tentando dar cabo do “leão” Bolsonaro.

Ela deu também ampla repercussão a um ataque sem precedentes à democracia, vin -

da de um parlamentar, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, que não tinha ocorrido desde a promulgação da Constituição de1988. Com efeito, em entrevista televisiva, ele apostou na possibilidade de retorno à ditadura militar, mediante a reedição do Ato Institucional nº5 (AI-5), caso a esquerda venha se radicalizar, na esteira das manifestações ocorridas na América Latina. Aposta certamente afinada com a do pai, Jair Messias Bolsonaro, que já ameaçou convocar o Exército para reprimi-la no Brasil, caso a hipótese aventada pelo seu filho se concretize.

No entanto, em sentido oposto, o próprio Presidente atual do Chile, o conservador Sebastian Piñera, político de direita assumido, terminou por reconhecer a legitimidade das mobilizações populares que protestaram contra as políticas de seu governo. Pediu até mesmo desculpas aos seus compatriotas por não ter compreendido melhor seus anseios, que elas lhe permitiram melhor perceber.

Por contraste, o chefe da grei Bolsonaro

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- identificado como “vagabundo” pelo líder do seu próprio partido (PSL) no Senado, delegado Waldir, atribuiu exclusiva responsabilidade dos protestos no Chile a “terroristas”. Poder-se-ia, então, inferir que o atual Presidente do Chile tornou-se conivente com o “terrorismo”?

Impulsionado por teorias conspiratórias que lhe fazem sempre ver chifre em cabeça de cavalo, o capitão reformado associa esses atos a uma conspiração das esquerdas latino-americanas, que visaria à desestabilização dos governos do subcontinente. Anteriormente, inspirado nessa teoria, Bolsonaro já havia atacado a ex- Presidente do Chile Michelle Bachelet, Alta Comissária dos Direitos Humanos na ONU, desqualificando o seu pai, general da Aeronáutica Alberto Bachelet, preso, torturado e assassinado pela ditadura chilena, como “comunista”, ao tempo que elogiou Pinochet por ter, pretensamente, impedido o comunismo nesse país. Nesse mesmo diapasão, Bolsonaro afirmou que o pai do Presidente da OAB nacional, Fernando Santa Cruz, era terrorista e foi morto pelos seus companheiros na luta contra o regime militar, em frontal desacordo com as conclusões do próprio Exército e da Comissão Nacional da Verdade, que afirmam ter sido Fernando morto pelo DOI-CODI do Rio de Janeiro.

Em todos esses casos, mistura debates de natureza pública, suscitados pelo posicionamento dessas duas autoridades, com acusações falsas e mesquinhas, de ordem pessoal, transferindo às vítimas a responsabilidade pelas violências praticadas pelos opressores, ou às massas inconformadas com políticas públicas excludentes, inspiradas no “livre mercado”, a realização de atos de “terrorismo”.

Ademais, o chefe da extrema direita brasileira não hesita em comprometer as relações amistosas que o Brasil cultiva a nível internacional. Assim, Alberto Fernández e Cristina Kirchner, respectivamente, Presidente e Vice-Presidente eleitos da Argentina, quando ainda candidatos, receberam de Bolsonaro a inacreditável pecha de “bandidos de esquerda”. Vê-se que os posicionamentos do capitão reformado se caracterizam por um viés ideológico radical, em perfeito contraste com suas promessas de retirá-lo das ações de seu governo. Esse viés ideológico tem como pano de fundo a sua indisfarçada simpatia por ditaduras militares, que lhe pare -

cem necessárias em certas circunstâncias, quando a democracia, no seu entender, se mostra incapaz de resistir ao “comunismo”. Frise-se que essa construção ideológica é compartilhada pelos integrantes da família Olavo-Bolsonaro. Sabemos que a pregação favorável a um regime ditatorial, acompanhadas de repetidas afirmações de que ela não existiu durante o regime militar brasileiro, se aceita passivamente, legitimará um comportamento golpista do atual presidente. Além de que, sistematicamente, evocada, sem ser rebatida, fará com que muitos terminem por considerá-la verdadeira.

No entanto, o comportamento anti-institucional do bolsonarismo vem contribuindo, nolens volens, para algo da maior importância: a formação espontânea de uma frente de defesa da institucionalidade democrática. Ela envolveu, no episódio em que Eduardo Bolsonaro admite o retorno ao AI-5, personalidades expressivas do establishment do Legislativo e do Judiciário. Mas também, quase vinte partidos políticos, incluindo o do Presidente, além de importantes setores da sociedade civil, com destaque para a OAB. Eles se posicionaram com agilidade, e de forma contundente, contra as declarações do Deputado Eduardo Bolsonaro, consideradas “repugnantes” pelo próprio Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

Os episódios acima mencionados demonstram que não se trata de “caneladas”, atos equivocados ou condutas impensadas, mas de uma estratégia deliberada de confrontação com as instituições e com os movimentos sociais e da cidadania, visando intimidá-los. Se assim é, não se pode perder a ocasião para quebrar velhas arestas e tornar permanente, nos dizeres do Presidente da OAB, “essa trincheira de defesa da institucionalidade” que deve manifestar-se não somente quando as instituições forem agredidas, mas também – e principalmente – quando a mobilização do povo por mais justiça e democracia for ardilosamente confundida com violência e terrorismo.

Rubens Pinto Lyra é Doutor em Direito Público e Ciência Política e Professor Emérito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: rubelyra@uol. com.br

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