Explanans, vol. 2, núm. 1, enero-junio 2013, pp. 75-99
Como os webleitores do “Portal Estadão” comentaram a eleição de Dilma Rousseff em 2010: uma discussão sobre os participantes do debate público em campanhas eleitorais nos novos meios de comunicação
Emerson Urizzi Cervi* Resumo A eleição presidencial de 2010 no Brasil teve grande participação dos novos meios de comunicação no debate político. Foi a primeira com regulamentação de propaganda pela internet. O estudo proposto aquí apresenta resultados de análises sobre os comentários dos internautas aos posts publicados no portal “O Estadão” (Estadao.com) sobre os três principais candidatos à presidência. Ao todo, o portal publicou 1,7 mil noticias sobre as eleições entre julho e outubro de 2010. Estas noticias geram mais de 17 mil comentários de internautas. O trabalho analisa as principais características desses comentários, em especial os formatos e as valências para os candidatos. O principal achado é que os internautas usaram o espaço para debater entre si, distanciando-se do objeto original do post. Palabras claves: eleição presidencial, debate político, candidatos à presidência.
Cómo los internautas del “Portal Estadão” comentaron la elección de Dilma Rousseff en 2010: una discusión respecto de los participantes del debate público en campañas electorales; en nuevos medios de comunicación Resumen La elección presidencial de 2010 en Brasil tuvo una grande participación de los nuevos medios de comunicación en el debate público. Fue la primera con regulamentación de publicidad en internet. El estudio propuesto aquí presenta los resultados del análisis acerca de los comentarios de los internautas en los textos publicados en el sitio ´O Estadão´ (Estadao.com) sobre los tres principales candidatos a presidencia. En su totalidad, el portal publicó 1,7 mil noticias sobre las elecciones desde julio hasta octubre de 2010. Las noticias tuvieron más de 17 mil comentarios de internautas. El trabajo hace el análisis de las principales características de estos comentarios, en especial de los formatos y de la validez de los comentarios hacia los candidatos. El principal resultado de la investigación es que los internautas utilizarán el espacio para debatir entre ellos, quedándose lejos del objeto original de los textos. Key words: elección presidencial, debate público, candidatos a la presidencia. *Professor do programa de pós-graduação em Ciência Política e do programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná. Coordenador do grupo de pesquisa Comunicação Política e Opinião Pública (Cpop/UFPR). Contato: ecervi7@gmail.com. Este trabalho é um dos resultados obtidos no projeto de pesquisa “Uso de Novas Tecnologias em Eleições”, financiado pela Fundação Araucária de fomento à pesquisa. O autor agradece a bacharel em Ciências Sociais Natalia Panis por ter trabalhado como pesquisadora de iniciação científica na etapa de coleta de dados dessa pesquisa.
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Introdução Debate público, entendido como o ponto de partida para a formação da opinião pública é o tema geral desse paper. Mais especificamente, trata-se de uma análise sobre como se deu um tipo específico de debate público no que diz respeito ao tema e à forma como ele foi conduzido. O tema é a disputa eleitoral para presidência do Brasil em 2010. A forma diz respeito às manifestações públicas de leitores do portal eletrônico “Estadão” de informações em comentários a posts publicados sobre os três principais candidatos à presidência da república naquele ano: Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV). O objetivo principal é verificar como se dá a participação desses leitores no debate público sobre os candidatos a partir das notícias publicadas pelo veículo de comunicação em seu portal eletrônico. Portanto, trata-se de uma análise sobre o debate público travado entre eleitores comuns em um espaço de livre manifestação – o destinado aos comentários sobre as notícias postadas no portal. Não pretendemos estudar o conteúdo das notícias publicado pelo jornal em suas páginas eletrônicas durante a campanha. Não é nosso objetivo verificar se houve viés na cobertura eleitoral feita pelo Estadão. Também não desconsideramos que se existir algum direcionamento, este pode interferir no debate de seus leitores. No entanto, partimos do pressuposto que o jornal tem suas preferências ideológicas e que ao identificar isso, os leitores mais próximos da visão do jornal tendem a participar mais do debate através da postagem de comentários (Dader, 1992). Consideramos, porém, que as campanhas eleitorais alteram esse modelo de comunicação baseado na identidade dos atores. Em períodos de disputas políticas a sociedade é naturalmente dividida entre simpatizantes e não-simpatizantes dos candidatos e isso faz com que mesmo sem se identificar com a cobertura jornalística de determinado veículo de comunicação, os eleitores tendem a comentar. Os comentários nos portais de notícias podem ser basicamente sobre o conteúdo do post, dirigido diretamente ao veículo de comunicação. Também pode ser em relação ao tema abordado no post, independente da forma. Outro tipo de comentário é aquele dirigido a outro comentarista. Muitas vezes, esses comentários afastam-se do tema do post e até mesmo dos próprios candidatos, gerando um debate paralelo. Partimos do pressuposto que os eleitores que expressam suas opiniões publicamente o fazem independente dos conteúdos postados pelos veículos de comunicação, pois ao invés de formar uma opinião eles estão em busca de meios públicos para reforçar sua posição a respeito dos candidatos ou dos temas abordados durante a campanha. Assim sendo, os comentários serviriam mais para manter visões de mundo previamente estabelecidas do que para moldar uma opinião a partir do debate eleitoral.
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Utilizamos uma metodologia quantitativa, com aplicação de testes estatísticos, para verificar a relação entre tipos de comentários (mais ou menos abertos ao diálogo) ao longo da campanha e em postagens que citam cada um dos três principais candidatos. Nossos achados indicam que o debate eleitoral medido a partir dos comentários às postagens do portal Estadão não é homogêneo ao longo do tempo. No início da campanha os leitores citam mais os candidatos e estão mais abertos ao diálogo. No final, o debate entre os autores dos comentários ganha espaço, reduzindo inclusive a citação dos próprios candidatos à presidência. Além disso, depois de um tempo, cai a possibilidade de diálogo e há um predomínio da participação para reforço de posição. Analisamos todos os comentários às postagens no portal eletrônico “Estadão” que citavam pelo menos um dos três principais candidatos à presidência do Brasil em 16 semanas de campanha, indo da primeira semana de julho até a última semana de outubro. Ao todo, foram mais de 17 mil comentários publicados no período. A opção pela análise do portal Estadão justifica-se por se tratar de um dos principais grupos de comunicação jornalística do Brasil. Além disso, é o único portal entre os grandes que abre a possibilidade de publicar comentários nos posts para qualquer leitor. Não há necessidade de ser assinante do portal para opinar sobre os posts publicados lá e existem apenas filtros automáticos para evitar publicação de palavras inadequadas nas páginas eletrônicas. Não existe editor para filtrar os comentários em função dos conteúdos. Por esses motivos consideramos o portal “Estadão” o mais democrático entre os grandes veículos jornalísticos do país. Sobre o contexto eleitoral, em 2010 a disputa para presidência da república não teve candidato à reeleição. A candidata Dilma Rousseff (PT) apoiada pelo então presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT), venceu os dois turnos da disputa, fazendo 47,6 milhões de votos no primeiro turno e 55,7 milhões no segundo turno. Em segundo lugar ficou o candidato do PSDB, José Serra, com 33,1 milhões de votos no primeiro turno e 43,7 milhões no segundo turno. A terceira colocada foi Marina da Silva, com 19,6 milhões de votos. A partir daqui o texto está dividido em três partes: na próxima apresentamos a discussão conceitual mobilizada na literatura especializada em debate público e opinião pública. A seguir, detalhamos o objeto empírico de análise, os métodos utilizados e os principais resultados encontrados na pesquisa. Por fim, traçamos alguns apontamentos a título de notas conclusivas. Discussão conceitual No final dos anos 1950, Davison definia opinião pública como a posição de um integrante de um público sobre um assunto que também é público, esperando
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que outros integrantes do mesmo público tenham orientação parecida com a dele sobre o assunto (Davison, 1958). Então, para ele, opinião pública é coletiva por natureza. Não apenas por ser expressa por alguém que integra um público, mas, também, porque esse alguém espera um efeito coletivo dessa expressão (Cucurella, 2001). Ele imagina que os demais integrantes do público compartilhem com ele posições parecidas a respeito do assunto. Para Kinder (1998), a opinião pública depende de modo sistemático e inteligível de como são moldados os assuntos, ou seja, de como se dá o debate público. Assim, o debate público que se forma a respeito de temas de interesse comum seria o momento em que os participantes do público estão “testando” suas opiniões frente às dos demais (Berelson, 1986; Manza, 2002). Eles usam o debate não apenas para expor, mas para medir a proximidade em relação aos demais integrantes do público e, com isso, reformular suas posições. Essa definição nos aponta a existência de diferentes públicos, se consideradas as posições coincidentes no debate como definidoras do público e não apenas um. Nesse caso, a opinião pública não será a opinião de todos, mas sim a majoritária, a que é expressa pelo grupo de maior tamanho a respeito de um tema que interesse aos integrantes de todos os grupos (Gomes, 2006). Fica claro que o momento anterior à exposição e consolidação da opinião pública é tão importante quanto ela. Entender o debate público é fundamental, em especial devido às rápidas mudanças geradas pelos avanços tecnológicos, que facilitaram a interação entre pessoas no debate, apresentação de posições e conformação de opiniões. Kinder & Sears (1985) falando sobre opinião pública e ação política, afirma que no debate público as pessoas utilizam determinados critérios para formar suas posições. Ele apresenta cinco critérios: 1) a busca dos próprios interesses (selfinterest); 2) a autoidentificação com grupos sociais salientes, cujas posições públicas podem afetar as decisões políticas (group identificacion). 3) a influência dos líderes de opinião, principalmente os candidatos quando o debate é eleitoral (leadership); 4) a afirmação de valores fundamentais durante o debate (values) e 5) as inferências a partir dos desdobramentos históricos da política (history). Os pontos coincidentes com Davison aqui são que há um interesse individual no debate que oscila entre manter sua identificação própria e aproximar-se de grupos com grande visibilidade social a partir das opiniões sobre temas públicos. A questão a se analisar no debate público passa a ser como se define o tema central desse debate? A partir de que ponto ele é público? Que etapas o debate deve cumprir para a formação da opinião pública. Embora Davison tenha proposto uma sequência de etapas há 60 anos, portanto, antes dos principais impactos das novas tecnologias para o debate público, não temos motivos para acreditar que o modelo apresentado por ele e outros autores precursores dos estudos
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sobre formação de opinião pública tenha sido superado. Para Davison (1958) o debate passaria por três fases principais: i) início nos grupos primários, onde os assuntos emergem por haver menor risco de discordância entre os integrantes desses grupos; ii) o posicionamento de líderes de opinião (não vinculados aos grupos primários) a respeito do tema; e iii) a expansão para um debate que seja público de fato, não restrito aos grupos primários. De acordo com essas etapas, as pessoas integram o debate se percebem que existem condições favoráveis a elas, ou seja, se tiverem a garantia de que outros participantes têm opiniões na mesma direção. Por isso a importância dos grupos primários. O papel dos líderes de opinião é captar os temas que estão presentes no debate restrito aos grupos primários e expandir a presença deles para os demais grupos. Com isso, os líderes se transformam em uma espécie de “ponte” do debate restrito à face-a-face para o debate sem a interação física (Davison, 1958). Por fim, os temas são difundidos publicamente. Com os avanços tecnológicos podemos dizer que agora a difusão é mais rápida e heterogênea do que antes da existência dos meios eletrônicos. Ainda a respeito do debate público, a expectativa de todos os participantes, seja os comuns ou os líderes de opinião, é contribuir para uma reconfiguração da opinião do outro. Como vimos anteriormente, as opiniões individuais têm maior chance de coincidência quando limitadas aos grupos primários. No momento em que os temas se expandem socialmente, aumentam a heterogeneidade de posições, que podem passar a ser antagônicas entre os debatedores. Uma das estratégias mais comuns dos participantes do debate ampliado para manter alguma segurança na expressão de suas opiniões é aproximá-las das opiniões que estão disponíveis nos meios públicos de comunicação e informação. A presença massiva desses meios no debate dá a eles maior possibilidade de representar a opinião majoritária . Davison (1958) chama esse processo de “personal sampling”, que é a identificação de uma posição pública esperada como majoritária a partir de uma amostra de opiniões presentes no debate. Dependendo de como se dá a participação, mais ou menos atenta ao debate, essa amostra será mais ou menos enviesada. Se mesmo antes do desenvolvimento tecnológico, quando o debate era majoritariamente face-a-face, o debate não era desprovido de posições prévias, agora, com o distanciamento físico entre os debatedores permitido pelas novas tecnologias, fica ainda mais fácil participar para manter sua posição anterior e tentar convencer o outro. Na definição de Kinder (1998), o debate político não se dá como em um debate entre colegiais onde os oponentes concordam antecipadamente em uma definição comum dos assuntos. A definição dos aspectos relevantes do assunto que devem ser debatidos é um instrumento de exercício de poder político, pois dependendo da forma como o tema é apresentado, as posições de determinados grupos de debatedores serão favorecidas em detrimento de outros.
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Quando o debate público se dá em torno das opções eleitorais em uma disputa majoritária, ele ganha algumas características específicas. As opiniões dos participantes do debate sobre os candidatos em uma eleição podem ser divididas em dois momentos principais, segundo Kinder & Sears (1985). No primeiro momento o eleitor toma a decisão individual sobre em quem ele deve votar, considerando todas as possibilidades. No segundo momento ele analisa como os demais eleitores decidiram, tentando antecipar o comportamento dos demais. Só depois é que ele define mesmo seu candidato. Segundo esse procedimento, em um debate eleitoral os posicionamentos públicos a respeito dos candidatos não são desprovidos de opiniões anteriores. Ao contrário, eles servem para identificar como pensam os demais eleitores e tentar convencê-los de sua posição. Ou seja, parte da escolha do candidato é individual e outra parte é coletiva. Parte da participação no debate é para mostrar a posição individual, parte é para influenciar os demais participantes. O público que participa do debate contemporâneo deve ser entendido como um conjunto de indivíduos que não se conhecem entre si, mas que consideram a possibilidade de que a ação ou opinião do outro seja próxima à sua. Ao conjunto dessas expectativas sobre temas públicos damos o nome de opinião pública. Como resultado desse debate, a opinião pública é um fenômeno transitório, pois depende de sentimentos, percepções e comportamentos próprios e dos outros. Qualquer mudança em um dos elementos integrantes do debate, como entrada de novos integrantes, de novas informações sobre o tema ou até mesmo de novos temas, são suficientes para influenciar a opinião individual e por consequência alterar a opinião pública. Para o que nos interessa nesse estudo, o incremento de informação sobre o debate a respeito de candidatos à presidência é um fator gerador de mudanças de opiniões. Como as campanhas são espaços destinados à oferta incremental de informações, devemos esperar como consequência natural desse processo uma constante alteração de posições sobre o tema. No debate político moderno, as fontes informação sobre posições políticas são variadas e não apenas vinculadas ao debate em si. Kinder & Sears (1985) lembra que antes de tudo a opinião política é consequência do local de pertencimento social do indivíduo. Assim, as opiniões individuais refletem determinadas características sociais como etnia, religião, gênero e características de formação cultural de longo prazo. Porém, também refletem valores sociais, tais como posições sobre igualitarismo ou individualismo (Kinder & Sears, 1985). Nem sempre as opiniões são explicadas por influências de longo prazo. Suas origens podem ser temporárias, pois, como já discutido, o incremento informacional é capaz de oferecer novos indicadores para o posicionamento mais adequado do participante do debate. Temas públicos agudos como guerras e crises econômicas são aqueles que mais apresentam condições para mudança conjuntural de
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opinião. Porém, essa lógica não e aplica a todos. Aplica à maioria, mas sempre existirá uma minoria que dirigirá suas opiniões desconsiderando o incremento informacional e questões conjunturais. Vão se posicionar publicamente a partir de valores mais arraigados pessoalmente. São as pessoas que dirigem suas opiniões por ideologia. Normalmente, por serem desprovidas de elementos factuais, as opiniões por ideologia são sustentadas por ideias abstratas sobre a natureza geral do governo ou da sociedade (Kinder & Sears, 1985). Como apenas uma minoria age ideologicamente no debate público, podemos considerar que a maioria dos debatedores é sensível às posições dos outros e às novas informações, portanto, pouco coerentes e pouco ideológicos. Em um debate eleitoral, os cidadãos reagem às alternativas políticas apresentadas a eles durante o debate. Por exemplo, se considerarmos os candidatos como alternativas políticas, a decisão a ser tomada é se o eleitor apoia ou rejeita cada um dos concorrentes. Essa decisão depende da forma como as propostas políticas são apresentadas pelos candidatos, mas, mais do que isso, da forma como candidatos e suas propostas são “publicados” no debate. Além disso, os participantes também consideram avaliações anteriores, tais como o desempenho dos candidatos em governos anteriores ou os resultados das políticas executadas até o momento da campanha. De uma forma ou de outra, mais histórica ou mais conjuntural, posicionamentos públicos são resultados principalmente de experiência política, ou seja, de como o integrante do debate avalia os aspectos experimentados por ele até então. Assim, Kinder (1998), lembra-nos que o debate que ocorre durante as campanhas eleitorais é menos um espaço para começar a tomar posição e mais um conjunto de manifestações de posições individuais pré-moldadas com o objetivo de convencer os demais participantes do debate sobre qual é a melhor posição – a do próprio participante. A partir dos conceitos apresentados até aqui, o trabalho pretende identificar padrões de comportamento dos participantes no debate eleitoral brasileiro a partir dos comentários em posts sobre a disputa presidencial em um portal eletrônico de conteúdo jornalístico. Não desconsideramos os efeitos que os enquadramentos adotados pelo veículo de comunicação tem sobre o volume e tipo de manifestações dos participantes, porém, como nosso objetivo é verificar a forma de participação do eleitor comum, nosso foco está na forma como os comentários são publicados no portal. Para tanto, o gráfico 1 a seguir mostra a relação bidimensional que usaremos para propor dois comportamentos polares: a disposição para conversa, quando o eleitor apresenta posições prévias menos consistentes e oferece melhores condições para o diálogo, ou reforço de posição, quando o eleitor/comentador no portal mostra-se já com posição prévia e além de não estar disposto a dialogar com quem tem opiniões em outra direção, pretende desqualificar as posições diferentes da dele.
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Gráf. 1 – Tipos ideais de comportamento no debate público
Gráf. 1 – Tipos ideais de comportamento no debate público
Fonte: Elaboração própia.
As duas posições antagônicas representadas no gráfico 1 acima são modelos ou tipos ideais, portanto, não pretendemos encontrá-las em suas formas puras no mundo empírico. Elas servem para classificar os comportamentos reais. Para tanto, são compostas por duas dimensões conceituais que serão transformadas em variáveis empíricas para as análises da próxima seção do paper. Tais variáveis foram apresentadas e testadas por Sampaio, Marques e Maia (2010) em outro objeto de análise. Aqui, adaptaremos as mesmas para o debate no portal eletrônico de conteúdos sobre a campanha presidencial. A primeira dimensão é chamada por justificativa externa, que indica quando o debatedor usa informações e elementos do próprio debate para justificar suas posições. O oposto à justificativa externa é o uso de elementos da própria pessoa, seus valores, princípios e ideologias – desconectadas das informações conjunturais – para justificar suas posições. Fica evidente que em um debate público com predomínio de justificativa externa há uma tendência de disposição para conversa e quando há redução desse tipo de justificativa, o que predomina é o reforço de posição. A segunda dimensão é chamada de relação direta, identificada quando um comentador cita outro em um comentário. Quanto maior a relação direta, mais interação entre os comentadores no debate, portanto, mais disposição para a conversa. Se, por outro lado, os comentários tendem
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a ser generalizantes ou dirigidos aos autores dos posts, sem citar os demais participantes do debate, isso é um indicador de baixa disposição para a conversa e favorável ao reforço de posição. A próxima seção do trabalho apresenta uma definição dos conceitos que dão origem às variáveis empíricas e os resultados das principais análises para testar as hipóteses apresentadas no início do paper. Materiais e análises As categorias de análise aqui são adaptações do trabalho de Sampaio; Maia e Marques (2010) que também propõe uma análise de comentários na internet. Dentre as diversas categorias utilizadas, duas delas ajudam a analisar os comentários aos post sobre campanha eleitoral para presidência do Brasil: tipo de relacionamento entre os comentários, que indica se o comentário está totalmente relacionado, relacionado indiretamente ou não relacionado a outro comentário. A ideia desta categoria é mensurar se os comentários são de reciprocidade ou monológicas, isto é, “Inicialmente, é avaliada a Reciprocidade (1), ou seja, se os usuários demonstram estar lendo as mensagens e respondendo a elas. É um nível mais elementar, que não exige elaboração da réplica, mas apenas o ato de responder a outro usuário ou ao assunto em pauta. As mensagens que não apresentarem respostas serão classificadas como Monológicas (2).” (Sampaio; Maia e Marques, 2010).
A segunda é o tipo de justificativa que o eleitor usa para defender seu argumento no comentário. A categoria Justificativa original tem quatro opções que são: justificativa externa, justificativa interna, posição e outros. Essa categoria permite entender que tipos de argumentos estão sendo mobilizados pelos internautas, ou seja, de acordo com a citação a seguir, é possível verificar se os internautas buscam argumentos factuais, de valores pessoais ou apenas de posicionamento: (...) depois, é avaliada a justificativa, ou seja, se os participantes estão apresentando razões para apoiar seus argumentos. Jensen (2003) apresenta três possibilidades de justificação: a Justificação Externa (3) é aquela em que o usuário se utiliza de fontes externas para manter seu argumento, sejam fatos, dados, notícias etc. A Justificativa Interna (4) é baseada no próprio ponto de vista do usuário, que utiliza explicitamente seus padrões e valores e histórico pessoal (testemunho) para apoiar seu argumento. “Finalmente, Jensen (2003) afirma que é possível ter uma alegação, ou seja, a pessoa afirma sua posição, mas não apresenta sua justificativa ou algum fato, o que chamaremos, simplesmente, de Posição”. (Sampaio; Maia e Marques, 2010).
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O primeiro passo para a análise do interesse dos internautas pelo debate sobre a campanha eleitoral no portal Estadão é a contagem do número de comentários que citam pelo menos um dos candidatos durante a campanha. Percebe-se um crescimento consistente ao longo da semana no número de comentários postados no portal, passando de 1,9 mil na primeira semana de julho, quando começa a campanha eleitoral, e chegando a mais de 12,3 mil na terceira semana de outubro, quando ocorre o segundo turno (ver tab. 1). A última semana pesquisada, entre final de outubro e início de novembro – pós-segundo turno - apresenta uma queda significativa no número de comentários. Se considerarmos a diferença entre o início e o final da campanha, o crescimento será de aproximadamente 500% no número de comentários sobre os candidatos à presidência. Isso seria um indicativo de que houve um crescimento no interesse pelo debate. No entanto, não é possível considerar esse crescimento real, ou, como indicador de um maior interesse por participar do debate, pois ao mesmo tempo há um crescimento no número de posts sobre a campanha eleitoral. Sendo assim, podemos imaginar que o maior número de comentários seja uma das consequências do maior estímulo gerado pelo crescimento no número de posts sobre a campanha de 2010. Ele começa com 49 postagens na primeira semana se julho e chega a 288 postarem na semana do segundo turno eleitoral, um crescimento de mais de 400% entre o início e final da disputa. Tab. 1 – Distribuição do nº de posts e comentários ao longo da campanha Mês
Julho
Agosto
Setembro
Outubro
Semana
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
Posts
49
68
48
70
112
75
135
52
202
103
132
196
132
109
288
11
Coment. 1.917 1.342 1.675 2.233 2.492 1.789 6.321 1.054 5.866 3.254 6.020 6.381 7.273 8.046 12.301 499 Média
39,1 19,7 34,8 31,9 22,2 23,8 46,8 20,2 29,0 31,5 45,6 32,5 55,0 73,8
42,7 45,3
Fonte: Elaboração própia.
Para identificar o crescimento efetivo da participação medida no número de comentários por post sobre os candidatos à presidência, calculamos a média semanal de comentários por posts, com isso, neutralizamos o efeito da diferença no número de posts para a explicação do maior interesse no debate. Agora, na tabela acima, a linha “média” indica as médias semanais de comentários por posts e ainda que exista uma tendência de crescimento ao longo do tempo, percebe-se que a diferença entre início e fim da campanha é bem menor que quando consideramos os números absolutos. Enquanto na primeira semana de julho a média foi de 39,1 comentários por post, na última semana de campanha esse número foi de 42,7 comentários em média por post. O máximo foi de 73,8 comentários de média, na 14ª semana de campanha, entre o primeiro e segundo
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turnos. Se considerarmos os dois extremos, perceberemos que o crescimento real no número de comentários entre a semana inicial e a 14ª semana da campanha foi de cerca de 70%, bem abaixo do número anterior. O gráfico 2 a seguir representa a correlação que existe entre o número de posts por semana e o número de comentários no mesmo período. O coeficiente r2 é de 0,195, o que significa que a mudança no tempo explica 19,5% apenas das variações nos números de posts. Existem quatro semanas que ficam fora dos limites de erro, a 8ª e a16ª, para baixo e a 9ª e 15ª, para cima. A 16ª explicase pelo fato de já ter passado a eleição e ela fazer parte do período porque determinamos contar o número de comentários até uma semana depois da postagem. Portanto, ela foi inserida para permitir a contagem dos comentários dos posts publicados no dia do segundo turno. Os outros três pontos foram mesmo casos atípicos que precisam ser estudados caso a caso, o que não é objetivo deste paper. O importante aqui é perceber a mesma tendência crescente entre o número de posts e de comentários ao longo da campanha, o que pode indicar que o interesse pela participação no debate por parte de internautascomentaristas é uma consequência do volume de cobertura que o portal eletrônico oferece sobre o tema. Gráf. 2 – relação entre média semanal de posts e comentários ao longo da campanha
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Até aqui constatamos um crescimento na participação no debate a partir do número de comentários feitos aos posts sobre os candidatos à presidência do Brasil. É verdade que esse crescimento não é tão grande quando parecia inicialmente, mas indica uma forte relação entre volume de comentários e de postagens. Quanto mais posts sobre a campanha, maior a participação dos internautas. A questão é saber se isso acontece de maneira similar entre todos os principais candidatos, ou seja, se há o mesmo crescimento ao longo do tempo da citação dos nomes dos concorrentes nos comentários sobre os posts. Para evitar o efeito da diferença no número de posts entre as semanas e para reduzir as variações não-explicadas, os gráficos a seguir mostram as média móveis (MA) para três semanas das médias de todos os comentários por post e as MAs para cada um dos três principais candidatos: Dilma Roussef (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV). Também são apresentadas as principais estatísticas do teste de regressão para fins comparativos. O gráfico 3 mostra a variação temporal das médias móveis das médias de comentários por post sobre a campanha eleitoral no portal Estadão. O modelo explica 64,7% (com sig. de 0,002) das variações, ou seja, quase 2/3 do crescimento nas diferenças das médias de comentários é explicado pela variação de tempo. No modelo linear, o alfa, que indica o ponto inicial da reta é de 20,686, o que equivale dizer 20,686 comentários por post em média na primeira semana. Ao longo do tempo, para cada semana o modelo linear acrescenta 1,538 post de média (valor do coeficiente beta na imagem). No entanto, esse crescimento proporcional não é percebido no número de citações dos candidatos nos comentários. Em todos os três principais concorrentes, as estatísticas de regressão mostram coeficientes abaixo do anterior, embora eles apresentem diferenças significativas entre si. No caso de Dilma, a mudança de tempo explica 0,6% da diferença no número de citações dela nos comentários. Já para Marina Silva o modelo melhora um pouco, mas ainda assim fica com coeficiente de determinação de apenas 4,9% para as mudanças no número de citações da candidata entre as semanas. A explicação melhora um pouco no caso de Serra, onde o r2 é de 22,3%. Esses coeficientes mostram que Dilma e Marina tiveram suas médias de citações oscilando ao longo da campanha, enquanto Serra apresentou pequeno crescimento no final do período, quando comparado com o início. Porém, nos três casos os níveis de significância ficam acima do limite crítico, portanto, impossibilitando qualquer inferência sobre a relação entre as variáveis. Para o modelo de Dilma Roussef o alfa é de 2,595 comentários com citação de seu nome por post em média na primeira semana da campanha e o crescimento
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linear é praticamente nulo, com beta de 0,009 por semana. O gráfico mostra que no meio da campanha, notadamente no mês de setembro, houve uma queda no número de citações da candidata em comentários no portal.
3.1Média móvel de comentários para todos posts
3.2 Média móvel de comentários em posts Dilma
3.3 Média móvel de comentários em posts Serra
3.4 Média móvel comentários em posts Marina
Fonte: Elaboração própia.
No caso de Serra, gráfico 3.3, o ponto de partida é praticamente o mesmo de Dilma: 2,288 citações comentários por post em média. O crescimento linear semanal é de 0,035, portanto um pouco superior ao da Dilma, e isso gera a
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diferença na capacidade explicativa do modelo. Percebe-se também que a linha temporal no gráfico de Serra é mais acentuada e próxima da reta do que no primeiro caso. A candidata Marina apresenta um comportamento distinto dos dois anteriores. O ponto de partida dela é de menos de uma citação por comentários em posts na média (alfa = 0,490) e o crescimento ao longo do tempo é praticamente nulo, com beta de 0,013 por semana. Isso significa que além de ser pouco citada nos comentários, a candidata do PV não apresentou crescimento real ao longo da campanha no que diz respeito ao espaço destinado para debate entre os internautas. Até aqui o que descrevemos nos permite dizer que houve um crescimento proporcional no número de comentários ao longo da campanha presidencial no portal Estadão em posts que citavam pelo menos um dos candidatos. No entanto, esse crescimento não foi percebido nas citações de Dilma e Marina nos comentários, ou percebido em menor proporção no caso das citações de Serra. Isso nos permite afirmar que existe a possibilidade de ao final da campanha o debate dos internautas ter se deslocado das personalidades dos candidatos para outros temas ou abordagens, ou seja, é possível pensar em certo deslocamento de atenção ou independência das candidaturas para o debate realizado pelos internautas sobre a campanha eleitoral. Ainda que no começo da disputa os comentaristas citem mais os candidatos, o crescimento no número de comentários e a estagnação das citações dos concorrentes indica que os comentários tenderam a falar mais de outros aspectos que não daqueles que estavam em disputa eleitoral. Para verificar se os internautas foram deslocando o debate eleitoral da figura dos candidatos para outros temas e para verificar se os comentários tendiam a um debate aberto ou a um reforço de posições pré-concebidas, no próximo tópico analisaremos algumas tipologias dos comentários, mas não as quantidades deles. Com isso esperamos complementar a informação quantitativa apresentada neste tópico do trabalho. A primeira característica analisada aqui é o tipo de relação que o comentário publicado tem com outros comentários. Aqui, são utilizadas duas categorias dessa variável: i) relação direta, quando o comentário está diretamente relacionado à opinião expressa por outro internauta a respeito do mesmo post. Ela indica reciprocidade por mostrar que o participante do debate está respondendo diretamente a outra pessoa. ii) relação indireta, quando o comentário não está relacionado diretamente à posição de outro internauta, mas pode ser entendido como uma manifestação com alguma relação – ainda que indireta – com o tema colocado em discussão no post. Existe ainda a possibilidade da inexistência de relação entre os comentários, porém, essa categoria será desconsiderada na análise por não ser capaz de indicar nenhum tipo de relação entre os
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comentadores dos posts sobre as eleições. Se houver predomínio da relação direta, significa que os internautas estão usando o espaço para debater suas próprias posições com outros internautas, inclusive com independência em relação ao conteúdo do post. Se houver predomínio da relação indireta, significa que os comentadores estão se dirigindo mais aos produtores dos conteúdos do portal, comentando os posts, e menos dialogando de maneira horizontal com outros internautas. De acordo com a tabela 2 a seguir, ao longo da campanha tivemos mais comentários com relação direta (total de 2.468) do que indireta (total de 1.371). O que indica uma reciprocidade entre aqueles que participam do debate. Além disso, se considerarmos todo o período, em média, cada post teve 1,28 comentário com relação direta e apenas 0,67 com relação indireta. Isso indica que os internautas usam os posts como ponto de partida, mas o interesse principal deles é se apropriar do espaço aberto para debater diretamente com outro internauta – nem sempre sobre o tema da postagem. A tabela também mostra uma variação ao longo do tempo, com certa estabilidade da média de relação direta por post ao longo do tempo e crescimento dos comentários com relação indireta nas últimas quatro semanas da campanha, quando acontece o segundo turno das eleições.
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Tab. 2 – Tipo de relação entre participantes nos comentários Semana Total Coment. Total Coment. Média Coment/post Média Coment/post Relação direta Relação indireta Relação direta Relação indireta 1 55 2,2% 58 4,2% 1,12 5,5% 1,18 11,0% 2 92 3,7% 16 3 58 2,3% 25 4 67 2,7% 26 5 104 4,2% 67 6 112 4,5% 7 7 278 11,3% 9 8 71 2,9% 3 9 246 10,0% 34 10 158 6,4% 35 11 217 8,8% 136 12 245 9,9% 92 13 167 6,8% 307 14 165 6,7% 239 15 433 17,5% 317 16 1 0,0% 0 Total 2.468 100,0% 1.371
1,2% 1,8% 1,9% 4,9% 0,5% 0,7% 0,2% 2,5% 2,6% 9,9% 6,7% 22,4% 17,4% 23,1% 0,0% 100,0%
1,35 1,21 0,96 0,93 1,49 2,06 1,37 1,22 1,53 1,64 1,25 1,27 1,51 1,50 0,09 1,28
6,6% 5,9% 4,7% 4,5% 7,3% 10,0% 6,7% 5,9% 7,5% 8,0% 6,1% 6,2% 7,4% 7,3% 0,4% 100,0%
0,24 0,52 0,37 0,60 0,09 0,07 0,06 0,17 0,34 1,03 0,47 2,33 2,19 1,10 0,00 0,67
2,2% 4,8% 3,5% 5,6% 0,9% 0,6% 0,5% 1,6% 3,2% 9,6% 4,4% 21,6% 20,4% 10,2% 0,0% 100,0%
Fuente: elaboración propia
Os gráficos a seguir mostram a diferença entre as Médias Móveis (MA) do número de comentários por post com relação direta e relação indireta. As imagens mostram a tendência ao longo das 16 semanas de campanha para todos os comentários e para quando cada um dos três principais candidatos é citado no comentário. Todos os gráficos mostram que os modelos não apresentaram mudanças significativas ao longo do tempo (sig. > 0,050), ou seja, a tendência inicial manteve-se até o final da campanha. Embora fique claro que até a oitava semana a diferença entre relação direta e indireta era crescente, ou seja, com mais comentários diretos do que indiretos e ela começa a cair a partir da nona semana para todos os candidatos. No caso de Marina, como o número de comentários é menor, as diferenças ficam sempre muito próximas de zero ao longo de toda a campanha.
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4.1Diferenças para todos os comentários
4.2 Diferenças para comentários sobre Dilma
4.3 Diferenças para comentários sobre Serra
4.4 Diferenças para comentários sobre Marina
Os gráficos acima mostram que os internautas tenderam a usar o espaço de comentários do portal Estadão para debater diretamente com outros internautas e não necessariamente para opinar sobre o conteúdo do post. Essa tendência começou a apresentar uma queda a partir da nona semana, embora até o final do segundo turno a média de comentários com relação direta a outros comentadores seja maior que a de relação indireta. Esse comportamento indica que no início da campanha os internautas “conversam” mais diretamente com outros participantes do espaço de comentários do portal Estadão. Com o passar da campanha os comentadores dirigem-se a outros internautas com menos intensidade e dedicam suas participações mais a comentários sobre o conteúdo do post ou sobre outros aspectos, que não apresentados pelos outros comentadores.
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Embora o tipo de relação dos comentários seja importante para indicar o padrão de comportamento dos participantes do debate público, isso não é suficiente. Para complementar a informação, usaremos a variável tipo de justificativa para o comentário. Ela indica qual a origem do argumento usado pelo comentador em sua participação no espaço do portal de conteúdos. Aqui serão comparadas duas justificativas: i) justificativa externa, quando o internauta usa argumentos de terceiros, a partir de notícias, dados ou fatos externos para manter seu argumento. E ii) justificativa interna, quando o comentador recorre a sua própria posição, crença, conceitos sem citar nenhuma fonte externa para sustentar a opinião. Assim, justificativa externa representa participações mais voltadas ao debate público, com apresentação de argumentos de terceiros e a possibilidade de reformar a opinião prévia enquanto a interna indica participações para reforço público de posição prévia, com pouca possibilidade de considerar informações externas, sustentando as posições em crenças previamente estabelecidas. A tabela 3 a seguir mostra a distribuição dos dois tipos de justificativa ao longo das 16 semanas da pesquisa. Em primeiro lugar, percebe-se que a justificativa interna (11.777) esteve muito mais presente nos comentários do que a externa (3.368) com uma proporção de mais de três justificativas internas para cada comentário com justificativa interna ao longo da campanha. Mais comentários foram justificados a partir das próprias crenças e valores dos comentadores do que de informações postadas pelo portal. Além disso, diferente do tipo de relação, as justificativas apresentaram padrão bem definido ao longo das semanas de campanhas. As diferenças de médias das justificativas internas em relação às externas foram aumentando ao longo do tempo, com maior vantagem para as últimas. Enquanto nas primeiras oito semanas de campanha a média de comentários com justificativa externa por post ficou em torno de 2,0 e a média de comentários com justificativa interna em torno de 5,0 por post, na segunda metade do período as justificativas externas mantiveram a média de presença de 2,0 comentários por post, enquanto as justificativas internas passaram para média de 6,0 por post. Ou seja, com o desenvolvimento da campanha, ainda que os meios de comunicação e os candidatos ofereçam mais informações para o debate, os comentadores do portal Estadão intensificam as manifestações sustentadas por crenças e valores próprios, deslocando-as das informações vindas de fontes externas.
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Tab. 3 – Tipos de justificativas nos comentários ao longo da campanha Semana 1
Média post Justifica interna 6,39 6,7%
2 3
53 102
1,6% 3,0%
125 233
1,1% 2,0%
0,78 2,13
2,9% 7,9%
1,84 4,85
1,9% 5,1%
4 5
150 232
4,5% 6,9%
260 507
2,2% 4,3%
2,14 2,07
7,9% 7,7%
3,71 4,53
3,9% 4,7%
6 7 8 9
88 69 28 512
2,6% 2,0% 0,8% 15,2%
450 1220 343 1123
3,8% 10,4% 2,9% 9,5%
1,17 0,51 0,54 2,53
4,3% 1,9% 2,0% 9,4%
6,00 9,04 6,60 5,56
6,3% 9,4% 6,9% 5,8%
10 11 12
197 282 166
5,8% 8,4% 4,9%
588 1007 1295
5,0% 8,6% 11,0%
1,91 2,14 0,85
7,1% 7,9% 3,1%
5,71 7,63 6,61
6,0% 8,0% 6,9%
13 14 15
270 410 711
8,0% 12,2% 21,1%
1195 1128 1980
10,1% 9,6% 16,8%
2,05 3,76 2,47
7,6% 13,9% 9,1%
9,05 10,35 6,88
9,5% 10,8% 7,2%
0,0% 10 100,0% 11.777
0,1% 100,0%
0,00 27,05
0,0% 100,0%
0,91 95,64
1,0% 100,0%
16 Total
Comentários Comentários Média post Justifica externa Justifica interna Justifica externa 98 2,9% 313 2,7% 2,00 7,4%
0 3.368
Fonte: Elaboração própia.
Os gráficos a seguir mostram as tendências temporais das Médias Móveis (MA) para as diferenças de médias por post de justificativa externa por justificativa interna. O primeiro gráfico mostra a tendência para todos os comentários e os outros três para cada um dos candidatos. É possível perceber que todos os modelos têm capacidade explicativa acima de 50%, com r2 de 58% para comentários que citam Dilma, 62% para os de Serra e 73% nos de Marina. Isso indica que para todos os casos houve crescimento proporcional ao longo do tempo da presença de justificativas internas nos comentários sobre eles em comparação com as externas. Percebe-se também um movimento similar em todos os casos de tendência decrescente de justificativas externas até a oitava semana, quando ocorre um ponto de inflexão e as justificativas internas começam a ter uma participação menor no conjunto de comentários. Porém, a partir da 11ª semana, ou seja, no final do primeiro turno, há outro ponto de inflexão e a tendência temporal volta a favorecer as justificativas internas em detrimento das externas no conjunto de comentários.
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5.1 Diferenças de justificativas para todos comentários 5.2 Diferenças de justificativas para comentários sobre Dilma
5.3 Diferenças de justificativas para comentários sobre Serra 5.4 Diferenças de justificativas para comentários sobre Marina
No que diz respeito às justificativas percebe-se que os comentadores de posts no portal de notícias subaproveitam os conteúdos de terceiros em suas manifestações públicas. Eles preferem sustentar suas posições em relação aos demais participantes do debate com base em crenças pessoais, ainda que estejamos analisando as manifestações em um portal de notícias. Essas duas variáveis, relação e justificativa, podem indicar, juntas como se deu a dinâmica do debate público nos comentários dos posts sobre os candidatos à presidência do Brasil em 2010. Partimos do pressuposto que podemos identificar maior disposição para a conversa sobre a campanha em comentários com relação direta a outros comentadores e cujo conteúdo apresenta justificativa externa, ou seja, dispõe-se a conversar aquele que se dirige diretamente ao outro participante do debate e usa como argumentos informações e dados de outras fontes que não si mesmo. A outra categoria aplica-se àqueles que usam os comentários para reforçar suas posições pré-estabelecidas. Identificamos esses participantes do debate como aqueles que apresentam uma relação indireta com outros comentadores e têm
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justificativas internas, ou seja, não se dirigem diretamente a ninguém e não usam informações internas em seus argumentos, apenas crenças e conceitos pré-estabelecidos. Como estamos analisando a dinâmica agregada do debate ao longo do tempo, o gráfico 6 a seguir indica as semanas por período de campanha que aparecem em cada um dos quadrantes principais: “disposição para debate” (para comentários com relação direta e justificativa externa) e para o quadrante “reforço de posição” (para comentários com relação indireta e justificativa interna). Os pontos azuis indicam as oito primeiras semanas da campanha eleitoral e os pontos verdes mostram as semanas seguintes. Gráf. 6 – Comparação entre tipos de comentários por período da campanha
No gráfico acima é possível perceber que a principal diferença temporal está na variável tipo de justificativa. Enquanto as semanas do primeiro período tendem a concentrar-se na parte superior das justificativas externas, as semanas do segundo período tendem a ficar na parte inferior, onde estão os menores
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indicadores de justificativa externa. Já a variável tipo de relação mostrou-se menos informativa (como já descrito anteriormente), pois praticamente todas as semanas posicionam-se na metade superior do eixo, indicando mais relação direta. De qualquer maneira, se olharmos para os dois quadrantes principais, veremos que na porção destinada aos maiores índices de justificativa externa e relação direta encontram-se mais casos do primeiro período da campanha do que do segundo. O inverso ocorre no quadrante de “reforço de posições”, onde estão mais casos do final da campanha e apenas um do primeiro período analisado. Notas conclusivas As análises desenvolvidas na seção anterior nos permitem chegar a algumas conclusões parciais, pois os resultados encontrados em um único portal não são suficientes para permitir generalizações a todo o debate público sobre eleições mediado por meios eletrônicos de informação. De qualquer maneira, já nos permite descartar algumas hipóteses presentes na literatura ensaística a respeito do debate público atual. Em primeiro lugar pudemos perceber que a proximidade da eleição não é responsável pelo aumento real no número de comentários no portal “Estadão”. Na verdade, ao longo de toda campanha a média de comentários por post girou em torno de 40, com uma variação muito grande. O que acontece ao final da disputa é que aumenta o número de posts sobre o tema, estimulando mais participações, pois os temas são tratados de maneira mais heterogênea e os candidatos citados com mais frequência. Ou seja, esse tipo de debate precisa ter, como ponto de partida, o estímulo da produção de conteúdos pelos portais informativos – no caso em forma de posts. Quanto maior a cobertura jornalística, maior a interação dos participantes do debate na forma de comentários. O segundo achado ainda no campo das análises quantitativas foi o de que o número de citações dos candidatos nos comentários diminui ao longo da campanha, embora o número de comentários apresente um crescimento em função do aumento no volume de postagens, como descrito acima. Em média, o modelo linear indicou um crescimento constante de comentários por semana entre o início e o fim da campanha. No entanto, quando analisamos os números de citações dos candidatos nos comentários por semana, percebemos uma manutenção dos padrões ao longo de toda a campanha. Isso nos permite concluir que conforme a campanha se desenvolve, há mais eleitores dispostos a se manifestar publicamente, porém, essas manifestações citam diretamente cada vez menos os candidatos. É como se os comentários começassem a ganhar autonomia dos candidatos e passassem a tratar de assuntos relativos à campanha por conta própria.
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Além da quantidade de debate, as análises nos permitem também algumas conclusões a respeito das características qualitativas do mesmo. Quanto ao tipo de relação entre os comentaristas, ao longo de toda a campanha tivemos quase o dobro de relação direta entre comentários (2,4 mil) do que indireta (1,3 mil). Isso significa os participantes do debate estavam se dirigindo mais diretamente aos demais. No entanto, quando olhamos para os resultados por semana, percebemos que há um crescimento da diferença em favor de relação direta até a oitava semana de campanha, exatamente a metade. A partir de então a diferença começa a diminuir e as médias vão se tornando mais favoráveis à relação indireta. Ou seja, em termos de relação, os comentaristas começam citando mais diretamente os demais e terminam “falando mais sozinhos”. Outra característica dos comentários que nos permite desenvolver análises sobre o “espírito do participante do debate público” é a justificativa para as posições expressas publicamente. Nesse caso, as análises mostraram uma clara vantagem às justificativas de ordem interna (11,7 mil), que não se preocupam em relacionar a posição adotada com fontes externas de informações, do que as justificativas internas (3,3 mil). Essa relação de quase três vezes mais internas do que externas demonstra que o participante do debate eleitoral não chega ao espaço público desprovido de posição, em busca das melhores informações para só depois do debate tomar sua decisão. Ele já chega decidido e usa justificativas próprias e internas para reforçar essa posição. Além disso, os gráficos de tendência linear semanal mostram um aumento das diferenças negativas entre justificativas externas e internas, quer dizer, conforme a campanha se desenvolve, ainda que exista uma oferta maior de informações no espaço público, os comentaristas dos posts relacionados às eleições tendem a aumentar as justificativas internas, desconsiderando os argumentos factuais. Com isso temos que (conf. demonstrado no gráfico 6) o debate eleitoral nos espaços de comentários aos posts sobre candidatos à presidência da república em 2010 no “Estadão” tende a se fechar e não se abrir ao longo da campanha. Mais comentários são publicados para reforçar posição já tomada pelo eleitor, com menos justificativa externa e relacionando-se menos diretamente com os demais comentaristas. Além disso, devemos considerar a redução proporcional do número de citações dos candidatos nos comentários ao final da campanha. Ainda que provisórios esses resultados nos permitem pensar alguns elementos para pesquisas futuras no campo do debate público em meios eletrônicos: i) os meios de comunicação importam mais pelo estímulo que geram para o debate e menos pelo direcionamento de conteúdo. Os comentaristas de posts do “Estadão” mostraram uma relativa autonomia à forma como se comportar ao longo da campanha, porém, ficaram “presos” ao volume de informações/posts publicados pelo veículo; ii) o debate público não segue uma linha incremental
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ao longo do tempo de opiniões transformadas por novas informações. Ao contrário, a partir de determinado momento os integrantes do debate pararam de recorrer a justificativas externas e a se relacionar diretamente com outros comentaristas, para manter suas posições já estabelecidas. Nesse sentido, o debate público parece apresentar pelo menos duas grandes etapas: a primeira é a de definição das posições e compartilhamento de informações e a segunda é a fixação de posições, independente da oferta de novas informações no espaço público. E iii) ainda que o debate gire em torno dos candidatos, a partir de determinado momento as posições individuais começam a se sobrepor sobre a defesa ou ataque aos concorrentes. Por esse motivo que o número de citações dos candidatos não cresceu na mesma proporção da cobertura eleitoral do “Estadão” para presidente em 2010. Como afirmado no início dessa conclusão, as afirmações feitas aqui servem mais como ponto de partida para futuras pesquisas do que para estabelecer novos pressupostos a respeito do debate público mediado por meios digitais.
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Recibido: 9 de septiembre de 2013 Aceptado: 9 de noviembre de 2013
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