Revista Ecológico - Edição 93

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FOTOS: MARCOS GUIÃO

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NATUREZA MEDICINAL

MARCOS GUIÃO (*) redacao@revistaecologico.com.br

"Nóis viemo pra cá pra sê feliz. Deus num tem tristeza..."

RAPÉ DE SABEDORIAS P assei uma semana no município de Morro da Garça (MG) tomando ciência das plantas da região e dos muitos raizeiros e benzedores, homens e mulheres, que vivem ali. Lá me arranchei num antigo casarão na praça principal, que já serviu de pensão nos tempos de dona Zoé e Pretinha (que Deus as tenha). Mas as muriçocas me tocaram de lá depois da primeira noite. Num me alembro de ter tomado tanta ferrada numa noite só... Pra tentar melhorar o ânimo no dia seguinte, fui em busca da benzeção de dona Maria Xonada, mulher de alma leve, que se parece mais um beija-flor de tantas delicadezas. Proseamos uma tanteira sobre as plantas, a vida e Deus. Apesar do calor alucinante, saí dali com a alma leve. Os dias foram se passando e, já nas horinhas de voltar pra casa, deu-se de formar uma roda de prosa com vários personagens locais dotados de grande sabedoria. Teve um deles, Geraldo de Lúcia, que num esquentou o lugar, ficou só peruando no entorno. De pronto, ele soltou uma receita infalível pra abrandar cólica de recém-nascido: basta a mãe espremer um pouco de seu leite por riba da barriguinha do bebê e massagear. De acordo com testemunhagem, num demora um tim pra melhorar. Outro que falou bonito foi Tico Brito, homem de grande fé e forte poder de benzeção. Os casos de depressão tratados por ele invariavelmente têm indicação para o vivente mudar a cama de lugar e virar o colchão, além de caçar 76  ECOLÓGICO | OUT/NOV DE 2016

um jeito de sair pra dança, contar umas histórias, tomar um gulinho, arrumar um violão e cantar, jogar uma água fria no lombo, arejar a alma. “Nóis viemo pra cá pra sê feliz, Deus num tem tristeza... e pode escrevinhar que a fé cura, mas a cisma mata!” Já o Tonho do Dino contou um caso de ofensa de cobra, dizendo que “a melhor benzeção pra isso é soro na veia lá no hospitar. Uma jaraquinha daquelas miudinha picou meu pé e quase que eu fui...”. Mas ficou a recomendação de que o cabra ofendido de bicho mau num pode pular cerca e nem cruzá corgo. Aquilo o veneno se esparrama num átimo. A certa altura da prosa, todos os raizeiros tiraram do bolso uma latinha de rapé e se seguiu uma sessão infindável de cheiros e espirros. Seu Joaquim, com o rosto sereno, a tudo ouviu sem dar palpite. Mas questionado, discorreu em fala mansa e compassada a fazeção do rapé que trata das sinusites e rinites: primeiro se dá uma torrada nas sementes de girassol, tirando as cascas. Depois se elege outras plantas, que pode ser imburana, hortelã, eucalipto, alecrim, essas plantas de cheiro. Todas devem ser bem secas e torradas levemente antes de pilar e obter o pó. A mistura pode ser variada, aumentando um tanto aqui, diminuindo outra acolá, a gosto do freguês. Sabedoria e saúde sempre andam de mãos dadas. Inté a próxima lua cheia!  (*) Jornalista e consultor em plantas medicinais.


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