Revista Ecológico - Edição 116

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COM O OLHAR NO FUTURO

Conscientizar e mobilizar as pessoas é o primeiro passo para alcançarmos o desenvolvimento sustentável. Uma das iniciativas socioambientais da Usiminas, desenvolvida em parceria com as comunidades onde atua, é o programa Todos Pela Água. Nele, a empresa disponibiliza agregado siderúrgico para a pavimentação de ruas, avenidas e estradas e, em contrapartida, as cidades desenvolvem projetos de recuperação das fontes de água da região. Já são mais de 1.400 nascentes recuperadas nos 54 municípios participantes do programa. Trabalhar em parceria com as comunidades para preservação da água é estar em dia com o futuro.

usiminas.com

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25/03/2019 16:35


1 IMAGEM DO MÊS

FOTO: EVANDRO RODNEY

REGISTRO da exuberância vergel e atlântica do Parque Estadual Serra do Brigadeiro, na Zona da Mata mineira

ESPERANÇA ATLÂNTICA Os primeiros termos de parceria para fortalecer os Conselhos Municipais de Meio Ambiente de Minas Gerais, por meio dos Planos de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica, foram assinados oficialmente no fim deste mês, durante audiência pública da Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em BH. Essas parcerias serão importantíssimas para garantir a preservação do bioma. Nos últimos cinco anos, o estado tem sido presença constante na lista dos que mais degradam a Mata Atlântica no país: em levantamento realizado pela Fundação SOS Mata Atlântica em 2018, Minas ocupou o segundo lugar, com 3.128 hectares devastados. Leia mais em souecologico.com!

MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  03


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EXPEDIENTE

“Vejo a natureza como uma poesia. Não perdi, graças a Deus, a minha capacidade de contemplação.” Hugo Werneck

Em toda lua cheia, uma publicação dedicada à memória de Hugo Werneck

DIRETOR-GERAL E EDITOR Hiram Firmino hiram@souecologico.com

REPORTAGEM Bia Fonte Nova, J. Sabiá e Luciana Morais

PROJETO GRÁFICO-EDITORIAL Ecológico Comunicação em Meio Ambiente Ltda.

DIRETORA DE GESTÃO Eloah Rodrigues eloah@souecologico.com

MÍDIAS DIGITAIS Bruno Frade

REDAÇÃO Rua Dr. Jacques Luciano, 276 Sagrada Família - Belo Horizonte - MG CEP 31030-320 Tel.: (31) 3481-7755 redacao@revistaecologico.com.br

COLUNISTAS (*) Andressa Lanchotti, Marcos Guião e Maria Dalce Ricas

EDITOR-EXECUTIVO Luciano Lopes luciano@souecologico.com

REVISÃO Gustavo Abreu

EDITORIA DE ARTE André Firmino andre@souecologico.com CONSELHO EDITORIAL Fernando Gabeira, José Cláudio Junqueira, José Fernando Coura, Maria Dalce Ricas, Mario Mantovani, Patrícia Boson, Paulo Maciel e Sérgio Myssior

EMISSÕES CONTABILIZADAS

CONSELHO CONSULTIVO Angelo Machado, Célio Valle, Evandro Xavier, Fabio Feldmann, José Carlos Carvalho, Roberto Messias Franco, Vitor Feitosa e Willer Pos

CAPA Arte: Sanakan DEPARTAMENTO COMERCIAL comercial@souecologico.com

(*) Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não expressam necessariamente a opinião da revista.

MARKETING marketing@souecologico.com ASSINATURA assinatura@souecologico.com IMPRESSÃO Gráfica OLPS

2,24 tCO2e Dezembro de 2018

EDIÇÃO DIGITAL www.revistaecologico.com.br

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/revistaecologico


{

conhecimento + tecnologia

{

gestão da sustentabilidade 1

O CLIMAS é um sistema de gestão de Indicadores de sustentabilidade (GEE, Energia, Resíduos, Água) que coleta, organiza, gerencia e comunica informações, com recursos focados em Business Intelligence. As empresas ganham eficiência, escalabilidade e segurança de dados, permitindo que foquem no que mais importa: bons resultados.

risco climático 12

O Model For Vulnerability Evaluation (MOVE) é uma plataforma computacional integrada que utiliza análise espacial e estatística para avaliação da vulnerabilidade e riscos associados à mudança do clima. O modelo foi desenvolvido pela WayCarbon e contou com recursos da FINEP, FAPEMIG e CNPq.

licenciamento ambiental 3

O LicenTIa é a plataforma que facilita, barateia e agiliza o processo de licenciamento ambiental. Trazemos tecnologia da informação para a otimização do planejamento, aumentamos a eficiência no compartilhamento de documentos e melhoramos a gestão dos processos com boas práticas de PMO. O LicenTIa é um spinoff da WayCarbon.

estudos estratégicos 4

Por meio de uma equipe multidisciplinar e com ampla experiência, integramos a sustentabilidade na estratégia corporativa e no desenho de políticas públicas. Nosso desafio é apoiar a transição para uma Economia de Baixo Carbono.

responsabilidade climática 1

5

O Programa Amigo do Clima é uma iniciativa voluntária para a compensação de emissões de gases de efeito estufa (GEE). A plataforma conecta projetos de compensação brasileiros a empresas, garantindo transparência e rastreabilidade na transação de créditos de carbono.

Inteligência para sustentabilidade. www.waycarbon.com


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ÍNDICE

Capa

DECLARAÇÕES POLÊMICAS MARCAM OS PRIMEIROS MESES DE RICARDO SALLES À FRENTE DO MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. CONHEÇA ALGUMAS DELAS NA SEÇÃO “PERFIL”.

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

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PÁGINAS VERDES

O GESTOR AMBIENTAL E MESTRE EM SUSTENTABILIDADE HIURI METAXAS FALA À ECOLÓGICO SOBRE EXTRATIVISMO SUSTENTÁVEL NO NORTE DE MINAS

E mais... IMAGEM DO MÊS 03 CARTAS DOS LEITORES 07 CARTA DO EDITOR 08 ECONECTADO 10 GENTE ECOLÓGICA 12

FOTO: DIVULGAÇÃO

Pág.

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OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (10)

ILHA DA MADEIRA LUTA PARA RESGATAR SUAS BELEZAS NATURAIS E SUPERAR O PASSADO DE DEGRADAÇÃO AMBIENTAL E SOCIAL

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ECOLÓGICO NAS ESCOLAS INTELIGENTES E SOCIÁVEIS, OS GOLFINHOS SÃO MAMÍFEROS AQUÁTICOS E VÊM SOFRENDO COM A POLUIÇÃO DAS ÁGUAS

BLOG DO HIRAM 14 DIA MUNDIAL DA ÁGUA 22 ESTADO DE ALERTA 32 O VIÉS MÉDICO NA OBRA DE GUIMARÃES ROSA (11) 33 OPINIÃO PÚBLICA 38 INFORME ESPECIAL 40 ESPAÇO ABERTO 46 NATUREZA MEDICINAL 58


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FA L E C O N O S C O

CARTAS DOS LEITORES

Envie sua sugestão, opinião ou crítica para cartas@revistaecologico.com.br

Por motivo de clareza ou espaço, as cartas poderão ser editadas.

acredito que esse tempo foi suficiente para pensar novas alternativas econômicas para o município e a região. Ninguém pensa na mineração quando ela acaba. Recursos naturais são finitos.” Ana Daniela Souza, por e-mail l OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (9) Ilha de Maré, em Salvador (BA), padece com a poluição e o adoecimento de crianças por exposição ao chumbo e a outros metais pesados “Imaginem a situação: você mora e sobrevive da pesca. Aí chegam empresas petroquímicas que se instalam no lugar onde você passou a vida inteira e começam a poluir a água. As crianças começam a adoecer e ver a natureza ser poluída. Temos de vencer essa guerra silenciosa contra a ganância!” Luiz Antônio Neto, por e-mail

l MATÉRIA DE CAPA - A TRAGÉDIA DA VALE Reportagem especial aborda o impacto socioambiental causado pelo rompimento da barragem da mineradora em Brumadinho (MG) “Recebam minhas congratulações pelo excelente número 115 da Revista Ecológico, focalizando a tragédia da Vale. Queira Deus que os responsáveis pela hecatombe venham a ser punidos, na medida da responsabilidade assumida pelo trágico acontecimento.” Aristoteles Atheniense, advogado e e fundador da Aristoteles Atheniense Advogados

“Tragédia, não. Assassinato!” Sandro Martins, via Facebook “Essas tragédias que se repetem mostram o quanto Minas Gerais e o Brasil falharam na fiscalização e no monitoramento das barragens de rejeitos.” Daniel Cláudio Miranda, via e-mail l PÁGINAS VERDES - DUARTE JÚNIOR “O prefeito Duarte Júnior vive um momento muito delicado politicamente. Sabe que a mineração é importante economicamente para Mariana, pois gera milhares de empregos, mas não tem como deixar de culpar o setor pelo desastre que abalou a região em 2015. Não queria estar na pele dele. No entanto, já se passaram mais de três anos do acidente da Samarco e

l CUMPRIMENTOS “A Ecológico é uma sobrevivente. Louvável como ainda se mantém relevante no mercado editorial impresso, que mingua a cada dia. Tenho visitado quase que diariamente o Portal Sou Ecológico e gostaria de parabenizá-los pelas matérias exclusivas. Estão no caminho certo!” Marcos Vieira, por e-mail

“Foi uma surpresa e uma alegria imensas receber a Ecológico no teatro e ter aquela prosa depois. Isso me fortaleceu como artista, me mostrou que estou num bom caminho. Obrigada! Agora, a revista... que primor! Estou me abastecendo com ela. Gostosa de ler, apesar das tristes matérias. Bonita, bem feita. Espero que possamos ter mais prosas... e quem sabe, versos. Falando em versos, fiz esse no dia em que o ciclone atingiu Moçambique: ÁGUAS DE MARÇO SEM POESIA. CHORA MOÇAMBIQUE, CHORA MIA. DE CÁ, ME DÓI. DE LÁ, DÓI MAIS. INUNDA. IMUNDA O MUNDO.” Cida Mendes, atriz que interpreta a personagem "Concessa", por e-mail MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  07


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CARTA DO EDITOR HIRAM FIRMINO | hiram@souecologico.com

O ESTRANHO NO NINHO

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uando Eike Batista e sua MMX chegaram a substituídos por outros que, descontinuamente, Conceição do Mato Dentro, no interior de farão o mesmo: Minas, para implantar o Minas-Rio – hoje, Mais sábia que os humanos, a história resio segundo maior projeto de mineração no país, comprado e tocado pela Anglo American –, eles co- liente da natureza confirma uma lógica inversa. meteram um pecado mortal de ecologia humana: A natureza é sempre contínua, uma somação, não ouvir as pessoas, os cidadãos que nasceram e como tudo na vida. Justamente o que o novo mimoram no lugar. Resultado: perderam uma gran- nistro, dizendo-se autorizado por Jair Bolsonade chance de se comunicar com eles. Preferiram, ro, continua negando por meio de suas atitudes de troco, a natural rejeição da população bélicas e frases de efeito nada associatilocal, em vez de aprender com os vas, nem ecológicas. Josés e Marias de uma memória e sabedoria sem fim. Nos bastidores, o que se fala é isso É mais ou menos isso que mesmo. Que, por meio do ruralista segue acontecendo com o confesso Salles, o presidente está atual ministro do Meio Amsimplesmente cumprindo o que biente, Ricardo Salles. Estranho no ninho, em vez de prometeu na campanha e conchamar os ambientalistas firmou nas urnas: acabar com o (que não mordem) para Ministério do Meio Ambiente e conversar, receber pessoala indústria de multas do Ibama, já mente os 27 superintenque, diante da opinião pública, não dentes regionais do Ibama – saber de suas vitórias, dificonseguiu anexá-los subservientes ao culdades e desafios, de suas Ministério da Agricultura. singularidades e exO que o novo ministro pensa, periências no cargo –, enfim, sobre a questão amSalles fez o contrário. biental? Sobre a sustenSem esclarecer os motivos, exonerou 21 tabilidade, a bandeira deles, sem um mínimo apartidária que mais de respeito e considedeveria ser empunharação com a história da pelos políticos e de casa um. Preferiu a ignorância. E não a estadistas do planeta? sabedoria acumulada E pode significar a salque eles tinham para SALLES: ainda sem abraçar as cores da natureza vação da humanidade lhe passar. É o mesmo junto do planeta, incluindo ele mesmo, mais o que acontece e sempre aconteceu com a maioria dos velhos políticos e administradores públicos presidente e todos os ruralistas que hoje nos goem cargos de confiança na história brasileira: vernam, com tanto desprezo à natureza que iguala cegueira de acharem que a história começa e mente nos protege? termina com eles. E com isso, levam dois anos É o que o que você pode conferir nesta edição. destruindo o que encontram pela frente, toda a Boa leitura! memória e projetos de seus antecessores. E os Até a lua cheia de abril.  outros dois anos, se preparando para sair e serem 08  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


O AMOR AO NINHO Simples e emotiva, tal como a natureza que ele amava. Foi assim, no último domingo de março, na Paróquia Santa Rita de Cássia, em BH, a missa realizada pelo padre Toninho em lembrança ao centenário de nascimento do ambientalista Hugo Werneck. Um dos precursores da consciência ecológica na América Latina, é a ele que a Revista Ecológico é dedicada a cada nova lua cheia no céu. Considerado um dos pais do ambientalismo brasileiro, ele foi o fundador do Centro para a Conservação da Natureza em Minas Gerais, uma das primeiras ONGs do país, cuja sede fixa era o seu concorrido gabinete de dentista no centro de BH. E como sede móvel, uma velha kombi que o levava “Imagine se a procurar passarinhos e matássemos ou se encantar com as borboletas pelos Geraes afora aprisionássemos retratadas por Guimarães todas as larvas de Rosa. Graças à sua luta, borboletas, por serem acham-se hoje preservados tanto o Parque Estadual do feias e nocivas nesse Rio Doce, no Vale do Aço, estágio? Não existiram considerado a “Amazônia borboletas adultas, em mineira”; quanto o Parque Nacional da Serra do Cipó, sua leveza e graça.” entre tantas áreas verdes. Além da Revista Ecológico, o “Prêmio Hugo Werneck de Sustentabilidade & Amor à Natureza”, hoje na sua 10a edição, foi criado para manter viva a sua memória. O ambientalista nasceu no dia 30 de março de 1919 e nos deixou em novembro de 2008, aos 89 anos. Ele acreditava que só o amor, a educação e a democratização da informação ambiental poderiam mudar a atitude do ser humano em relação à natureza. Foi essa a sua mensagem, na forma de um “santinho” com sua foto, que seus familiares distribuíram ao final da cerimônia religiosa, devoto çantes em sua beleza, leveza e graça. Não existie ajudante da paróquia que ele era. De um lado, ram ‘cores que voam’ a nos encantar, como um a justificativa sutil e maior de sua luta: “Só a bele- criança um dia me ensinou a vê-las”. Obrigado, mestre!  za do mundo deveria bastar para preservarmos a natureza”. E de outro, a mais colorida: “Imagine se matássemos ou aprisionássemos todas as lar- EM TEMPO: para rever alguns dos seus ensinavas de borboletas, por serem feias e nocivas nesse mentos, ao som de “Metamorfose Ambulante”, de estágio? Não existiram borboletas adultas, esvoa- Raul Seixas, acesse youtu.be/y14AP4Ca-Yc MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  09


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ECONECTADO

NA REDE #SouEcológico Confira as matérias mais acessadas em nosso portal:

WWF estima impacto ambiental da tragédia de Brumadinho Análise preliminar aponta que reflexos serão sentidos por anos Link: goo.gl/5mCuA4 Defesa Civil contabiliza mais de 27 mil toneladas de alimentos doados a Brumadinho Em entrevista ao Portal Sou Ecológico, profissional explica logística de recebimento e distribuição dos donativos Link: goo.gl/7oYhJG Tiradentes vai além da história e da gastronomia Bem estruturada e conectada com a natureza, cidade mineira garante experiências de aventura para amadores e profissionais de todas as idades Link: goo.gl/7oYhJG Saiba se seu corpo está precisando de um detox Início do ano é ótima época para adotar hábitos mais saudáveis Link: goo.gl/j3aYVZ 10  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019

RUNKEEPER Para quem gosta de uma boa caminhada ou corrida, o RunKeeper vai transformar o seu smartphone em um personal trainer. O app ajuda a calcular todo o trajeto percorrido e o usuário consegue visualizar o ritmo, a distância e o tempo! Os benefícios não param por aí. Você também acompanha a evolução por meio do histórico, progresso das metas definidas, planos detalhados e dicas para melhorar o rendimento das atividades. Sempre que alcançar um novo recorde receberá notificação na hora! \o/ Além disso, o RunKeeper possibilita conectar com outros aplicativos de saúde que ajudam no rendimento físico e outras funções do corpo. Disponível em Android (goo.gl/LxDoAx) e iOS (goo.gl/pPNEHx).

PL@NTNET Sabe aquela plantinha que você encontra e não sabe o nome? Temos a solução! O Pl@ntNet ajuda a identificar espécies de todo o planeta por meio do reconhecimento visual. O processo é simples: é só tirar uma foto e inserir na plataforma. O app integra um sistema de identificação automática a partir de um banco de dados atualizado constantemente. Os resultados permitem encontrar o nome botânico da planta e suas características. E tem mais: se o usuário identificar corretamente uma espécie que está sendo procurada, ele pode encaminhar a contribuição para ser avaliada pela equipe do aplicativo. A ferramenta é gratuita e está disponível no Google Play. Link: goo.gl/HUJHif

MAIS LIDA A matéria “A tragédia da Vale” foi a mais acessada deste mês no site da Revista Ecológico. A reportagem especial destacou o impacto socioambiental do rompimento da barragem da mineradora, em Brumadinho (MG), que contabilizou mais de 300 pessoas soterradas vivas. O texto também aborda a atitude da empresa em não pagar as multas ambientais decorrentes de tragédias como a de Mariana, em 2015. Para ler o conteúdo na íntegra, acesse: goo.gl/C26FvJ

FOTOS: DIVULGAÇÃO

ECO LINKS



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GENTE ECOLÓGICA

“Escravo é aquele que não pode dizer o que pensa.”

FOTO: REPRODUÇÃO INSTAGRAM

EURÍPEDES, poeta grego

“Quanto mais claramente pudermos concentrar a nossa atenção nas maravilhas e realidades do Universo sobre nós, menos gosto teremos pela destruição.”

“Nós, artistas, temos de usar nossa fama em prol da liberdade, dos direitos humanos e da causa ambiental, que é uma das mais urgentes. Vivemos uma era em que ou a gente faz algo para diminuir o aquecimento global ou já era.”

RACHEL CARSON, ambientalista norte-americana e autora do livro “Primavera Silenciosa” FOTO: VICTOR SOARES / ABR

LETÍCIA SPILLER, atriz

“A água é a única bebida para um homem sábio.” HENRY THOREAU, filósofo, naturalista e escritor norte-americano 12  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019

“A vida é um processo, é como subir uma montanha. Mesmo que no fim não se esteja tão forte fisicamente, a paisagem visualizada é melhor.” LYA LUFT, escritora


ANDRÉ TRIGUEIRO, jornalista

Em mais um "Dia Mundial da Água", a modelo e ambientalista usou suas redes sociais para fazer mais um alerta ecológico: "Se quisermos ter água limpa, precisamos cuidar do nosso ecossistema. E parar de desperdiçar, poluir e cortar nossas árvores, agora." MÁRIO WERNECK

O parecer do secretário municipal de Meio Ambiente de BH sobre o uso futuro da área da Mineração Lagoa Seca, na Serra do Curral, venceu a votação por 10 a 3 na última reunião do Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comam). Após analisar o processo, Mário entendeu que a empresa deve recuperar ambientalmente toda a área, explorada por mais de 50 anos e destiná-la para uso público. A definição também barrou uma possível expansão imobiliária do bairro Belvedere. FOTO: GLÁUCIA RODRIGUES

FLÁVIO ROSCOE, presidente da Fiemg

FOTO: FABIO GOMES

“A ecologia é hoje a única bandeira universalista no campo das grandes políticas. Cada vez que um ecologista é chamado de chato, uma esperança se acende.” JOÃO PAULO CUNHA, jornalista

CRIS GUERRA, escritora e palestrante

MINGUANDO FOTO: BETO NOVAES / EM

“Extrativistas por natureza, flutuamos por anos no mar da abundância. Reaproveitar era palavra esquecida no dicionário. Mas a realidade vem mudando rapidamente, embora tenhamos preguiça de acordar. Papel, florestas, água, comida. Tudo segue escasseando, como é escassa a nossa consciência.”

GISELE BÜNDCHEN

FOTO: LILI FERRAZ

FOTO: LEANDRO DITTZ

FOTO: DIVULGAÇÃO

“A conscientização ambiental por parte dos empresários evoluiu muito. Mas, precisamos avançar ainda mais.”

“Por mais assustadora que seja a tempestade, ela sempre passa. Se hoje te parece desagradável e angustiante, espera e confia. A melhor saída é a vida.”

CRESCENDO

ONYX LORENZONI

O ministro da Casa Civil enviou ofício ao Ministério do Meio Ambiente recomendando análise de "extinção, adequação ou fusão" de 23 comissões, comitês, conselhos e grupos de trabalho ligados à pasta ambiental. Ele propõe o encerramento de colegiados que não se reuniram nos últimos 30 meses. Mas apenas dois não o fizeram. MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  13


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BLOG DO HIRAM

Tragédias (e soluções) acompanham o novo presidente da Vale

VINTE E TRÊS ANOS ATRÁS... Estamos em Juatuba, município mineiro distante 50 km de BH. Quase a mesma distância entre a capital mineira e Brumadinho. Nessa época, Inhotim ainda não existia. A Revista Ecológico se chamava Estado Ecológico e circulava, em toda lua cheia, como um suplemento impresso encartado no jornal "ESTADO DE MINAS". Era início de 1996, quatro anos depois da ECO/92, no Rio de Janeiro, a conferência que mais reuniu estadistas na história da humanidade. Mais um ano, enfim, em que ninguém conseguia decifrar a causa de tanta mortalidade de peixes a cada chuva forte que caia em Juatuba, na 14  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019

FOTO: DIVULGAÇÃO

O

viés ambiental na carreira profissional do engenheiro Eduardo de Salles Bartolomeo, escolhido para comandar interinamente a Vale diante da tragédia que ela causou e continua negando em Brumadinho, repetindo Mariana, vem de longe. Como está descrito em seu currículo de executivo sênior, já há 10 anos na mineradora, com “expertise em liderar operações complexas e estabelecer uma cultura de excelência operacional”, ele sabe disso. Se não se lembra, após ter sido membro do Conselho de Administração e do Comitê de Governança, Conformidade e Risco da Vale, no período de 2016 a 2017, Eduardo Bartolomeo vai ser lembrado aqui. Ainda mais que a escolha de seu nome foi alinhada e anunciada, oficialmente, “para garantir estabilidade às operações da empresa e dar continuidade ao processo de indenização, reparação e mitigação dos efeitos do rompimento da Barragem 1 da Mina do Córrego do Feijão”. Onde morreram e desapareceram mais de 300 pessoas, não podemos esquecer, seres humanos, na sua maioria funcionários e prestadores de serviços da Vale. Acompanhe, com exclusividade, essa sua história ambiental. E, agora, desafiadora ao extremo:

EDUARDO BARTOLOMEO: o novo rosto da Vale

Grande BH. E geralmente à noite, no já poluído Ribeirão Céu Azul, afluente do Rio Paraopeba, Bacia do São Francisco. Um verdadeiro mistério, perante a opinião pública. E derrotas sucessivas dos ecologistas e órgãos ambientais. Até que um velho ditado, que a gente aprendia na escola quando criança, se fez respeitado: “A verdade é como azeite, sempre fica à tona d'àgua”. Uma denúncia anônima revelou que quem matava os peixes a jusante e na surdina, era uma bem-quista fábrica da Cervejaria Brahma no município. Nessa época, fazia sucesso a memorável campanha publicitária: “Brahma, a Número 1”. E


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o que essa fábrica fazia em Minas? Para fugir da fiscalização ambiental e do olhar humano, em vez de tratar, ela acumulava os seus rejeitos industriais. E os lançava de madrugada, quando a população estava dormindo e chovia forte, de forma que eles se misturassem com outras fontes de poluição menores. Foi o que o Estado Ecológico reportou, com

exclusividade, no dia três de abril de 1996, com a chamada de capa: “Matando na fonte”. E dentro: “A Número 1... em degradação”. Graças à denúncia, a fábrica foi autuada duas vezes, também por poluir uma nascente e um córrego outrora cristalino e afluente do Ribeirão

Céu Azul, ao redor de sua planta industrial. Os fiscais da Feam (Fundação Estadual do Meio Ambiente) logo confirmaram dois parâmetros fora dos padrões de qualidade hídrica do Copam (Conselho Estadual de Política Ambiental): “Demanda química de oxigênio (DQO)” e “presença de amônia”, que a cervejaria também utilizava no seu sistema de refrigeração, em dosagens “12 vezes acima” do permitido pela legislação ambiental federal. Bastante tóxica, a amônia é um gás incolor que se dissolve bem na água. Quase dois meses depois, em três de maio de 1996, saíram os resultados da causa “mortis” em profusão dos peixes. Segundo as análises, eles morriam de hemorragia. Ou seja, de “derramamento de sangue para fora dos vasos que deveriam contê-lo”. Ao lado da autuação também pelo Ibama, encaminhada ao Ministério Público para instauração de processo, se confirmou mais: “A Brahma faz do local (parte dos 10 hectares da sua área verde, o seu 'lixão industrial particular'. Queima, a céu aberto, montanhas de tampinhas, vidros, rótulos e outras embalagens de seus produtos. Pra completar, ela ainda jogava os resíduos fedorentos de cevada em APP (Área de Preservação Permanente)". A Brahma, enfim, não teve como fugir. Mesmo depois de ter instalado um sistema de controle de efluentes exigidos pela legislação em sua fábrica, ela reconheceu o dolo. O problema, garantiram os ecologistas na época, liderados pela Amda (Associação Mineira de Defesa do Ambiente), estava na falta de gestão ambiental permanente. A empresa precisava investir mesmo, com consciência e vontade política, na operação sistemática do processo de controle, o que os fatos confirmaram. E o que, afinal, o novo presidente interino da Vale tem a ver com isso? Tudo. Antes de trabalhar na mineradora, entre os anos 1994-2003, Eduardo Bartolomeo foi diretor de Operações da Ambev. E em 1998, quando a Brahma deu a volta por cima, tornando-se a primeira cervejaria do mundo a receber a Certificação Ambiental ISO 14001, graças às mudanças na ex-poluidora fábrica de Juatuba, quem era seu gerente? Ele mesmo: Eduardo Bartolomeo. É o que a Revista Ecológico continua reportando a seguir: MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  15


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BLOG DO HIRAM

QUASE TRÊS ANOS DEPOIS de ser enquadrada pela legislação brasileira como responsável pela morte de milhares de peixes, a Brahma continuou alegando que o vazamento de amônia foi um acidente, não intencional. Dizia, primeiro: “que errar é humano”. E, segundo: “que aprender e melhorar com o erro é ecológico”. Pois foi isso que aconteceu e a Ecológico também anunciou com exclusividade: “A Número 1... em dar a volta por cima”. Nada de graça, é claro. Para cumprir todas as exigências do processo e receber o selo comprobatório de seriedade no trato com o meio ambiente, a Brahma teve de investir R$ 810 mil, entre os anos 1996/1998, na compra de equipamentos antipoluentes, em consultoria externa e treinamento para todos os seus funcionários. Ela ainda buscou as tecnologias limpas existentes no Brasil e no exterior desde a denúncia, promovendo mudanças estruturais na sua antiga fábrica, como a destinação correta e reciclagem de 95% dos resíduos ali gerados, criando áreas específicas para armazená-los e dar-lhes destinação também correta. Chegou a construir uma plataforma para medir a emissão de gases da chaminé das caldeiras. A certificação do seu novo Sistema de Gestão Ambiental (SGA) interno foi recomendada pelo órgão inglês Bureau Veritas Quality International. Segundo comemorou seu gerente, Eduardo Bartolomeo, nessa época, a Brahma também conseguiu estender sua preocupação ambiental à comunidade em volta, até então seus inimigos e críticos naturais. Face, é claro, à 16  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019

poluição que causava. Foi quando desenvolveu vários projetos ecológicos: o plantio de 10 mil mudas de espécies nativas e ornamentais. A recuperação das matas ciliares às margens do Ribeirão Céu Azul, de onde retirava água para uso industrial e consumo humano. E investimento no aterro sanitário do município. A consciência “ecológica” da Brahma, destacou Bartolomeo, não se restringiria a Minas Gerais. Outras três unidades de cervejaria – em Lages, Águas Claras do Norte e Águas Claras do Sul – também estavam buscando a Certificação ISO 14000: “Toda a experiência que tivemos em Juatuba será repassada às demais fábricas da empresa” – disse ele. Com capacidade instalada para a produção de 500 milhões de litros de cervejas e refrigerantes, a Unidade de Juatuba passou a gerar quase mil empregos diretos e indiretos, ocupando uma área de mais de 200 mil metros quadrados: “Tudo e todos” – concluiu a reportagem – “agora ecologicamente corretos”. E Eduardo Bartolomeo? Sua última declaração, como gerente da filial Minas Gerais foi: “Investir em meio ambiente é uma forma de garantir não somente o nosso futuro, mas também a nossa própria sobrevivência em um mercado cada vez mais competitivo e globalizado”. E repetiu: “Investir em meio ambiente é, definitivamente, uma forma de se melhorar o desempenho econômico/financeiro de qualquer empresa”. Continua sendo este o pensamento do agora presidente interino da Vale? É o que Brumadinho e Mariana aguardam saber.


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Olha como são as coisas. Seis anos depois que Eduardo Bartolomeo deixou o cargo de diretor de Operações da Ambev, na ”Semana Mundial da Água” deste ano, a fábrica de Juatuba voltou às manchetes. E não mais como o exemplo de sustentabilidade para as demais cervejarias do mundo. Foi o que toda a mídia noticiou: o fechamento da fábrica da Ambev em Minas por falta de... higiene! Segundo os fiscais do Serviço de Inspeção de Produtor de Origem Vegetal (Sipov), a unidade que fabrica cervejas e chope das marcas Skol, Caracu, Antarctica Sub Zero, Original, Brahma e Serrana nem tinha registro oficial do governo, além de todas as irregularidades encontradas. Em nota para o mercado, a Ambev, que faz parte da multinacional belga Anheuser-Busch Inbev, explicou que as operações da cervejaria de Juatuba estavam temporariamente suspensas para a realização de pequenas

O FOTOS: REPRODUÇÃ

A última performance da Brahma em Juatuba

reformas de estrutura”. Nem uma linha, ela informou, do que já foi um dia, de ruim e bom para a natureza e às pessoas à sua volta, além do economicamente viável.

FOTOS: DIVULGAÇÃO

O boulevard engavetado do Arrudas Nessa mesma época, como forma de também compensar ecologicamente a capital mineira e dar visibilidade à marca Brahma, instalada na Bacia Hidrográfica do Velho Chico, Eduardo Bartolomeo entrou em contato com os ambientalistas e a Prefeitura de BH, por meio da Secretária Municipal de Meio Ambiente. O secretário era o jornalista Paulo Lott. E Célio de Castro, o prefeito. Bartolomeo prometeu patrocinar os estudos de um projeto ambiental executivo final para a capital dos mineiros, a ex-“Cidade Jardim” do Brasil. E o fez, a um custo, à época, de R$ 150 mil. Assim nasceu o Projeto de Recuperação Urbana, Ambiental e Paisagística – intitulado “Boulevard do Arrudas” (à dir.) - à semelhança das margens artísticas e floridas do Rio Sena, em Paris, e das “ramblas” de Barcelona. Um sonho que nunca foi realizado por questões politiqueiras. A entrega oficial do

projeto executivo final, com apoio e participação democrática da população, ocorreu festivamente, nas margens poluídas e sem arte do Arrudas, tendo a Igreja de Santa Tereza ao fundo, durante as comemorações de mais um “Dia Mundial do Meio Ambiente”. Bartolomeo financiou e entregou o projeto pronto para a prefeitura que, por questões partidárias, ainda o mantém arquivado, semimorto nas gavetas da Secretaria Municipal de Obras e Serviços Urbanos de BH. Alô Alexandre Kalil (foto), ressuscita-o!  MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  17


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PÁGINAS VERDES

“O EXTRATIVISMO SUSTENTÁVEL É POSSÍVEL” Luciano Lopes

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

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HIURI METAXAS: "A valoração ambiental já é disciplina em cursos de mestrado" 18  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019

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ntre 2016 e 2017, o gestor ambiental Hiuri Metaxas, 26 anos, visitou várias comunidades da zona rural de Januária, no Norte de Minas, nos limites da Área de Proteção Ambiental (APA) Cavernas do Peruaçu. Em uma delas, a de Areião, fica a sede da Cooperativa dos Agricultores Familiares e Agroextrativistas do Vale do Peruaçu (Cooperuaçu), onde ele realizou uma série de pesquisas para valorar serviços ambientais na APA. Na cooperativa trabalham mais de 60 pessoas, a maioria mulheres. Além da extração de frutos como pequi, cagaita e buriti, elas produzem geleias, doces, polpas e vários outros produtos que são comercializados em todo o estado. “Os cooperados são conscientes de que a preservação ambiental é essencial para a sobrevivência e o trabalho. Respeitam e conhecem os serviços ambientais que a natureza oferece a eles”, afirma o pesquisador. O trabalho, que foi tema da dissertação de mestrado de Hiuri, é um dos poucos já realizados na área, uma Unidade de Conservação (UC) de Uso Sustentável gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A área do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu tem 143.355,59 hectares. Integra o Mosaico Grande Sertão Veredas – Peruaçu e também é conhecida por abrigar cavernas e sítios arqueológicos e paleontológicos. Nesta entrevista à Ecológico, Hiuri ressalta a importância da preservação ambiental para a manutenção das comunidades rurais e tradicionais e como as áreas prioritárias de conservação têm sofrido com ações antrópicas, como queimadas e desmatamento, que impactam os serviços oferecidos pela natureza. Confira:


H I U R I M E TA X A S

FOTO: IZABELA TASSAR

Mestre em Sustentabilidade e Tecnologia Ambiental e consultor

“Você chega no Norte de Minas e acha que é uma região seca e pobre. Mas, se andar um pouquinho, consegue entrar nas várzeas, nas veredas. A paisagem é impactante.” Por que você escolheu o tema valoração ambiental como objeto de pesquisa? Antes de iniciar este trabalho no Norte de Minas, havia começado um estudo de valoração em uma área da capital mineira. Neste espaço, infelizmente, havia um conflito político e ambiental muito grande. Fui impedido pelos próprios moradores, por questão de segurança, de entrar no local. Então, fui buscar outro objeto de estudo. Conheci alguns produtores rurais da região da APA Cavernas do Peruaçu que participavam de uma feira de agricultura familiar em BH, vendendo frutos, e me informei a respeito. O tema ainda é muito pouco estudado? Sim. Do ponto de vista científico e preservacionista, é muito interessante. Se você fizer

uma busca na plataforma do SisBio [sistema que permite a pesquisadores solicitarem autorizações para coleta de material biológico e para a realização de pesquisa em unidades de conservação federais e cavernas], verá que há um número pequeno de pesquisas realizadas. Na APA Cavernas do Peruaçu, uma área prioritária à conservação, por exemplo, não havia nenhum estudo sobre valoração ambiental. Outra questão é que a APA não possui Plano de Manejo. Desse modo, estudos que são desenvolvidos lá podem ser utilizados como base para se construir o material. Qual serviço ambiental foi valorado? O da produção de frutos e comercialização dos produtos gerados por meio deles, como geleias, polpas, sorvete, doce,

pasta, sucos, licores... Na época da pesquisa, eram 32 produtos. Hoje já são mais de 40. Eles não têm conservantes ou corantes. São de origem natural e extrativista, de frutas nativas do Cerrado. Por isso, têm, inclusive, durabilidade menor. E o valor real do serviço ambiental pesquisado? O Valor Econômico Total (VET) foi de R$ 189,5 milhões. A estimativa poderia ser maior, uma vez que esse número leva em consideração apenas 12 espécies vegetais como provedoras dos serviços. Pequi, araticum, buriti, coquinho azedo e cagaita estão entre elas. No âmbito da pesquisa, o coquinho azedo, inclusive, foi responsável por quase 70% do faturamento da cooperativa. No período analisado, foram coletadas mais de 10 toneladas de frutos.

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PÁGINAS VERDES

Quantas pessoas fazem parte da Cooperuaçu? São mais de 60 sócios-cooperados (80%, mulheres), de 14 comunidades localizadas nos limites da APA. Essa cooperativa é recente, foi fundada em 2013 (antes disso, eles trabalhavam de maneira informal) e regulamentada em 2016. A cooperativa é carente de recursos administrativos e não tinha uma forma estruturada de arquivo e mensuração de números. A planilha de peso que eles utilizam hoje, por exemplo, foi desenvolvida durante a pesquisa. Os produtos são comercializados apenas pela cooperativa? Há três meios de comercialização. A primeira é em nível regional, em que compradores de cidades próximas vão à sede da cooperativa, que fica na Comunidade do Areião, na zona rural de Januária. Em âmbito estadual, a venda dos produtos acontece através das feiras que eles participam. Fora de Minas, ela é realizada com a ajuda de parceiros, como a ONG WWF Brasil, e o Sebrae. Em Pinheiros (SP), eles vão pessoalmente levar os frutos para serem comercializados. A cooperativa já exportou até creme de pequi para o Japão. Qual é a renda média dos cooperados? Antes de ter a atividade extrativista, a renda deles vinha da agricultura familiar. Já a renda extrativista média é de até um salário. O valor para cada cooperado depende da quantidade de frutos que ele coleta e entrega à cooperativa. É importante ressaltar que, após a instalação da Cooperuaçu, a qualidade de vida dos cooperados melhorou. A instituição faz um trabalho sério. A prova disso é que vem 20  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019

atraindo parcerias e dá mais visibilidade ao trabalho que é desenvolvido na comunidade. Por meio dessas parcerias, como as do WWF Brasil e do Sebrae, eles participam de debates e fazem cursos e capacitações. Mais de 80% dos cooperados são mulheres. Por que a participação de homens é pequena? Acredito que seja pelo fato de elas serem maioria. Mas isso não é um limitador para que novas pessoas entrem na cooperativa. Todos trabalham para o fortalecimento da Cooperuaçu, mas o provimento é individualizado. Como disse, quem colhe mais, ganha mais. A preocupação maior, entretanto, é com o futuro da instituição, pois os jovens das comunidades têm pouco interesse em trabalhar com extrativismo sustentável. Você identificou nos cooperados a preocupação com as questões ambientais? Sim, e isso é um dos pontos-chave da pesquisa. Há bibliografias que dizem que o extrativismo pode não ser bom porque atrapalha a propagação das espécies vegetais. Mas se a extração for feita com responsabilidade, pensando na manutenção biológica e ecológica, dá certo. Poderia dar um exemplo? Você tem uma árvore no ecossistema local com 100 frutos. Existem extrativistas que tirariam os 100 frutos. Não é o caso da cooperativa. Eles tirariam 30, porque sabem que os outros 70 são para alimentar a fauna. Também há os frutos que precisam amadurecer e cair no solo para reprodução da espécie. Os cooperados são conscientes de que a preservação ambiental é essencial para a sobrevivência e o trabalho. Res-

QUEM É

ELE

Graduado em Gestão Ambiental pelo Centro Universitário UNA e mestre em Sustentabilidade e Tecnologia Ambiental pelo Instituto Federal de Minas Gerais – IFMG, Hiuri Metaxas atua nas áreas de Educação Ambiental, Sustentabilidade, Tecnologia Ambiental, Estatística Ambiental, Sistema de Gestão Ambiental, Valoração e Pagamento por Serviços Ambientais. Como educador e mobilizador, trabalha na elaboração e implantação de Programas de Educação Ambiental (PEA) para iniciativas pública e privada e tem experiência na realização de treinamentos de meio ambiente para o público interno de empresas. Contato: metaxashiuri@gmail.com

peitam e conhecem os serviços ambientais que a natureza oferece a eles. A cooperativa é um exemplo de que o extrativismo sustentável é possível. A região sofre muito com ações antrópicas? Entre 2016 e 2017, houve uma queimada em uma das veredas. Foram quase 60 hectares destruídos. O prejuízo para a cooperativa foi de quatro toneladas de buritis, que deixaram de ser coletadas. O trabalho dos cooperados é ambientalmente colaborativo. Para manter a identidade cultural sertaneja, eles buscam valorizar alimentos tradicionais e preservar os ecossistemas locais. No caso do trabalho com comunidades, o que é preciso destacar?


H I U R I M E TA X A S

FOTOS: COOPERUAÇU

Mestre em Sustentabilidade e Tecnologia Ambiental e consultor

DEPOIS da colheita, os cooperados fazem o beneficiamento dos frutos e a produção de polpas, geleias e doces

Para esse tipo de pesquisa, você tem de se deslocar várias vezes para a área de estudo. O acesso, às vezes, é muito difícil. É preciso também fazer um processo de sensibilização e interlocução antes de entrar na comunidade. Por mais gentis que as pessoas sejam, às vezes elas são resistentes à entrada de novas pessoas. É essencial conversar antes com as lideranças e cadastrar a pesquisa no ICMBio. Antes de me dedicar à dissertação, eu já havia começado a contatar a Cooperuaçu. Já tinha experiência em trabalhar com comunidades rurais, mas da forma como busquei trabalhar, foi inédito. Os cooperados foram muito solícitos, hospitaleiros.

Qual o desdobramento que você vê da pesquisa? De orientação. Hoje, a Valoração Ambiental já é disciplina específica em cursos de mestrado. A pesquisa serve de base para novas turmas de pesquisadores que queiram trabalhar com o tema. Ao divulgar os resultados, podem surgir pessoas interessadas em conhecer a cooperativa e também auxiliar os cooperados, porque este também era um dos objetivos da pesquisa. Outro é dar à área de proteção Cavernas do Peruaçu um estudo que pudesse embasar políticas públicas socioambientais.

pesquisador? Ela me mostrou como a natureza é riquíssima e essencial para todos nós. No caso do Norte de Minas, há um certo preconceito quando se fala nele. Você chega lá, acha que é uma região seca e pobre. Mas, se andar um pouquinho, consegue entrar nas várzeas, nas veredas. A paisagem é impactante. Sempre trabalhei com gestão ambiental e o que posso dizer é que a proximidade com a natureza muda a gente por dentro. E, principalmente, nos faz enxergar que os recursos naturais são finitos e devem ser preservados. 

O que a pesquisa mudou no seu olhar como ser humano e

SAIBA MAIS:

facebook.com/cooperuacu MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  21


1 DIA MUNDIAL DA ÁGUA

O RECADO HÍDRICO

DE NAIRÓBI O

mundo preparou o terreno para uma mudança radical por um futuro mais sustentável, em que a inovação pode ser fomentada para enfrentar os desafios ambientais, o uso de plásticos descartáveis será significativamente reduzido e o desenvolvimento não irá mais custar tanto para o planeta. Após cinco dias de conversas na Quarta Assembleia Ambiental das Nações Unidas, em Nairóbi, os ministros de mais de 170 países membros das Nações Unidas

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entregaram um plano audacioso por mudança. Comunicaram que o mundo precisa acelerar os movimentos para um novo modelo de desenvolvimento a fim de respeitar a visão estabelecida pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para 2030. Preocupados pelas crescentes evidências de que o planeta está cada vez mais poluído, rapidamente se aquecendo e perigosamente esgotado, os ministros prometeram atender os desafios ambientais por meio do avanço

de soluções inovadoras e da adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo. “Reafirmamos que a erradicação da pobreza, mudando aquilo que é insustentável, promovendo padrões sustentáveis de consumo e produção e protegendo a gestão dos recursos naturais, que são base para o desenvolvimento social e econômico, são os objetivos fundamentais e as exigências essenciais para o desenvolvimento sustentável”, afirmaram eles em


Ministros de 170 países acordam um novo modelo para proteger os recursos degradados do planeta, incluindo a água, na 4ª Assembleia Ambiental da ONU

sua declaração final. “Iremos melhorar as estratégias de gestão de recursos naturais integrando perspectivas que englobem o ciclo completo da vida e análises que concretizem economias de baixo carbono e eficientes em relação aos seus recursos.” Mais de 4.700 delegados, incluindo ministros do meio ambiente, cientistas, acadêmicos, líderes empresariais e representantes da sociedade civil estavam presentes na Assem-

bleia. Eles são o corpo mais importante de meio ambiente em nível global, cuja decisão irá definir a agenda das nações, antevendo a Cúpula de Ação Climática da ONU, em setembro próximo. O evento também resultou no comprometimento dos ministros em promover sistemas de alimentação encorajando práticas de agricultura resilientes, enfrentar a pobreza por meio da gestão sustentável de recursos naturais, promo-

ver o uso e compartilhamento de dados ambientais, e reduzir sensivelmente o uso de plásticos descartáveis. “Nós vamos endereçar o dano causado a nossos ecossistemas pelo uso insustentável de produtos plásticos, promovendo a redução significativa de descartáveis desse tipo de material até 2030, e iremos trabalhar com o setor privado para encontrar produtos ambientalmente amigáveis e financeiramente acessíveis”, disseram.

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FOTO: GREENPEACE © / CARÈ © / MARINE PHOTOBANK

1 DIA MUNDIAL DA ÁGUA

UM DOS principais focos da Assembleia foi a necessidade de proteger oceanos e ecossistemas frágeis. Os ministros adotaram uma série de resoluções sobre lixo marinho plástico e microplásticos

O MOMENTO É DE AÇÃO “O mundo está em uma encruzilhada, mas hoje escolhemos o caminho que iremos seguir” disse Siim Kiisler, presidente da Quarta Assembleia Ambiental da ONU e Ministro do Meio Ambiente da Estônia. “Decidimos fazer as coisas diferentemente. Desde reduzir nossa dependência dos plásticos de uso único a colocar a sustentabilidade no seio de todos os desenvolvimentos futuros, transformaremos a maneira que vivemos. Temos as soluções inovadoras que precisamos. Agora temos que adotar políticas que nos permitam suas implementações.” Ao final da Assembleia, os delegados adotaram uma série de resoluções não vinculantes, rumo à mudança para um modelo de 24  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019

desenvolvimento diferente. Entre elas, foi reconhecido que uma economia global mais circular, em que os bens podem ser reutilizados ou reaproveitados e mantidos em circulação pelo maior tempo possível, pode contribuir significativamente para o consumo e a produção sustentáveis. Outras resoluções indicam que os estados-membros poderiam transformar suas economias por meio de compras públicas sustentáveis e apoiar medidas para lidar com o desperdício de alimentos e para desenvolver e compartilhar as melhores práticas nas áreas de eficiência energética e de segurança para a cadeia de frio. As resoluções também abordaram o uso de incentivos, incluindo medidas financeiras, para promover o consumo sustentável e

acabar com incentivos para consumo e produção insustentáveis, quando apropriado. “Nosso planeta atingiu seus limites e precisamos agir agora. Estamos muito satisfeitos que o mundo tenha respondido, em Nairóbi, com compromissos firmes para construir um futuro em que a sustentabilidade seja o objetivo final em tudo o que fizermos”, afirmou Joyce Msuya, diretora-executiva Interina da ONU Meio Ambiente. “Se os países cumprirem tudo o que foi acordado aqui e implementar as resoluções acordadas, poderemos dar um grande passo em direção a uma nova ordem mundial. Nós não cresceremos mais às custas da natureza, mas veremos as pessoas e o planeta prosperarem juntos.” PROTEÇÃO MARINHA Um dos principais focos da Assembleia foi a necessidade de proteger oceanos e ecossistemas frágeis. Os ministros adotaram uma série de resoluções sobre lixo marinho plástico e microplásticos, incluindo o compromisso de estabelecer uma plataforma multissetorial dentro da ONU Meio Ambiente para tomar medidas imediatas para a eliminação a longo prazo de lixo e microplásticos. Durante a cúpula, Antígua e Barbuda, Paraguai e Trinidad e Tobago aderiram à campanha “Mares Limpos” da ONU Meio Ambiente, elevando para 60 o número de países adeptos da maior aliança mundial de combate à poluição marinha por plásticos, incluindo 20 da América Latina e do Caribe. DESAFIOS AMBIENTAIS A necessidade de agir rapidamente para enfrentar os desafios ambientais existenciais foi


ressaltada pela publicação de diversos relatórios durante a Assembleia. Entre as mais devastadoras, está uma atualização sobre a mudança do Ártico, que explica que mesmo que o mundo cortasse as emissões em consonância com o Acordo de Paris, as temperaturas do inverno no Ártico subiriam entre 3 a 5°C em 2050 e 5 a 9°C até 2080, devastando a região e desencadeando o aumento do nível do mar em todo o mundo. O relatório “Ligações Globais Um olhar gráfico sobre a mudança do Ártico” alertou que o rápido derretimento do permafrost poderia acelerar ainda mais a mudança climática e inviabilizar os esforços para cumprir o objetivo de longo prazo do Acordo de Paris: limitar o aumento da temperatura global a 2°C. Enquanto isso, o sexto “Panorama Global Ambiental”, visto como a avaliação mais abrangente e rigorosa do estado do planeta, alertou que milhões de pessoas poderão morrer prematuramente devido à poluição da água e do ar até 2050, a menos que medidas urgentes sejam tomadas. O estudo destaca que os poluentes em nossos sistemas de água potável farão com que a resistência antimicrobiana se torne a maior causa de mortes até 2050 e com que disruptores endócrinos afetem a fertilidade masculina e feminina, bem como o desenvolvimento neurológico infantil. Produzido por 250 cientistas e especialistas de mais de 70 países, o relatório mostra que o mundo tem a ciência, tecnologia e finanças necessárias para avançar em direção a um caminho de desenvolvimento mais sustentável, mas políticos, empresários e o público devem apoiar e incentivar essa mudança. l

Saiba mais l Segundo o "Relatório sobre o Desenvolvimento hídrico no mundo de 2019" da ONU, 2,1 bilhões de pessoas não têm acesso à água potável. E, acredite, 4,5 bilhões não têm instalações sanitárias gerenciadas com segurança. l Estima-se que 1,4 milhão

de pessoas (a maioria crianças) morrem anualmente em todo o mundo devido a doenças contraídas de água contaminada.

l Mais da metade das pessoas que bebem de fontes não seguras vivem na África Subsaariana, onde apenas 24% têm acesso a água limpa e 28% a saneamento que não é partilhado com outras famílias. Três quartos dos habitantes dos países dessa região procuram água com muita dificuldade, uma tarefa que cabe principalmente às mulheres, que levam em média mais de 30 minutos em cada viagem para ter acesso ao recurso natural. l A situação dos refugiados

e das pessoas deslocadas internamente nos próprios

países é dramática, uma vez que enfrentam frequentemente sérios obstáculos na obtenção de água e na utilização dos serviços de saneamento. Quase 70 milhões de pessoas foram forçadas a fugir de suas casas em 2017. Em média, mais de 25 milhões de pessoas migram todos os anos em consequência de catástrofes naturais, duas vezes mais do que no início da década de 1970, um número que se receia aumentar devido às mudanças climáticas em andamento. l Embora a procura pela água

tenha aumentado 1% por ano desde 1980, as guerras pela água também aumentaram: 94 de 2000 a 2009 e 263 de 2010 a 2018. Os conflitos para obter fontes de água triplicaram de uma década para outra.

l O relatório mostra que os

investimentos no abastecimento de água e no saneamento têm um excelente retorno económico; estima-se que o retorno global seja o dobro para os investimentos na água potável e mais de cinco vezes para o saneamento.

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PERFIL: RICARDO SALLES Ministro do Meio Ambiente

O estranho no ninho? Bia Fonte Nova

redacao@revistaecologico.com.br

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RICARDO SALLES na contramão do pensamento científico: “A discussão sobre se há ou não o aquecimento global é secundária” 26  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019

ara os ruralistas ele é o homem certo no lugar certo. Para os ambientalistas, no entanto, é um insensível no ninho. Foi candidato a deputado federal nas últimas eleições, pelo Partido Novo (PN), mas não se elegeu. Em seu site de campanha, os lemas de sua pauta não incluíram uma linha sequer sobre meio ambiente. Os focos escolhidos foram dois: a legítima defesa, nela incluída sua clara posição contra o desarmamento civil; e a tolerância zero com a impunidade e a corrupção. As informações acima certamente revelam parte da personalidade, das ideias e convicções do aual ministro do Meio Ambiente, o advogado Ricardo Salles. Aos 43 anos, ele foi secretário da pasta ambiental de São Paulo, na gestão de Geraldo Alckmin (PSDB), de julho de 2016 a agosto de 2017. Dias antes de ser nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro, seu nome ganhou grande repercussão na mídia – nacional e internacional – pelo fato de ser réu na Justiça por improbidade administrativa. Ele é acusado de ter alterado ilegalmente o Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) da Várzea do Rio Tietê para favorecer setores produtivos. O processo foi aceito pelo Tribunal de Justiça de SP e está em fase de sentença. O plano de manejo, por sua vez, está suspenso em razão dessa ação judicial. Na seara das mudanças climáticas, Salles ameaçou tirar o Brasil do Acordo de Paris, mas voltou atrás. E sentenciou – para espanto de ambientalistas e com direito a destaque em jornais como o britânico The Guardian – que o aquecimento global “é uma questão secundária”. Logo no começo de janeiro, um de seus primeiros atos foi realocar a Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas dentro do Ministério do Meio Ambiente (MMA), transferindo a agenda climática para uma assessoria especial ligada diretamente a ele – e com estrutura mínima. Sua alegação é de que a secretaria havia se transformado num “ajuntamento de pessoas que ficavam fazendo turismo internacional às custas do governo”. Uma fala improcedente e desrespeitosa com todos os ministros e servidores públicos que o antecederam. Para representantes de ONGs e cientistas, sua nomeação é sinal de retrocesso. Sobretudo diante do aumento do desmatamento na Amazônia e pelo fato, ainda, de Salles ser apoiado por ruralistas. Conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Ambientais (INPE), no auge da campanha que elegeu Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia aumentou nada menos que 36%, isso somente entre junho e setembro de 2018. Confira, a seguir, trechos de declarações contraditórias concedidas por Salles antes e depois de ser alçado ao cargo:


ELE

No site ricardosalles.com.br o currículo do novo ministro, recheado de adjetivos, destaca que ele é formado em Direito por “prestigiadas” universidades do Brasil e da Europa. Antes disso, já se dedicava a uma “prolífica” carreira jurídica, tendo atuado como diretor jurídico da Sociedade Rural Brasileira (SRB), diretor e conselheiro do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (Ibrac), além de secretário particular e ex-secretário de Meio Ambiente de São Paulo, na gestão de Geraldo Alckmin. É, ainda, fundador e presidente do Movimento Endireita Brasil.

FOTO: PAULO PEREIRA / GREENPEACE

QUEM É

Saiba mais: www.ricardosalles.com.br www.mma.gov.br

DESACORDO DE PARIS “Tem uma turma que prefere ir a Paris discutir como estará o mundo daqui a 300 anos. É muito mais gostoso. Pegam um avião na classe executiva, ficam em hotel e jantam em Paris por conta do governo, com cinco assessores. Em vez disso, agora eles têm de fazer o que eu fazia: sujar o pé, cheirar esgoto, fiscalizar o lixo in loco.”  “Minha proposta é cuidar do meio ambiente no Brasil. Enquanto isso, a Academia pode discutir esses temas de climate change (mudança do clima). Não estou me opondo a isso. Estou simplesmente dizendo que a pauta prioritária de um governo que tem tantas mazelas tangíveis para o brasileiro que mora ao lado esgoto não é discutir clima em Paris.”  “A discussão sobre se há ou não o aquecimento global é secundária. (Em relação ao Acordo de Paris), temos de lembrar que a soberania nacional sobre 

No auge da campanha que elegeu Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia - a última grande floresta tropical e refrigerador natural do planeta - aumentou 36%. O que parece não convencer nem comover o novo ministro: "Isso é algo a ser verificado", declarou ele o território não é negociável.”  “Esse papel (de monitoramento das metas de emissões de gases de efeito estufa pelo Brasil) será da Secretaria Especial de Clima, ligada diretamente a mim.  Não vamos nos comprometer com novas metas climáticas. Nosso papel é dizer: ‘Olha, a lição de casa está feita aqui. Quanto vale isso?’. Sem recursos não tem manutenção futura. Mas continuaremos fiscalizando. O Brasil é credor e já fez além do seu dever de casa nessa área.”

PRIORIDADES “A defesa do meio ambiente é um valor inegociável. Essa é a orientação do presidente Bolsonaro e assim será feito. O ponto principal é assegurar à sociedade, não só internamente, mas também internacionalmente, que o meio ambiente é prioridade e será muito bem cuidado por este governo.” 

DESMATAMENTO “Todas as organizações não-governamentais (ONGs), ambientalistas e organismos de conservação podem ficar tranquilos. O 

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PERFIL: RICARDO SALLES Ministro do Meio Ambiente

verbo de minha gestão será harmonizar, sem discriminações. Essa perseguição ideológica não é saudável para ninguém. Nem para a Agricultura e tampouco para o Meio Ambiente.”  “Quanto à questão específica do aumento do desmatamento, isso é algo que será verificado. A informação é muito genérica, é importante detalhar.” MULTAS “Houve um descontrole na aplicação da lei e da fiscalização ambiental. A prova disso é que um percentual muito pequeno de autos de infração se converte em multas e em punição.” 

FLORESTA X CIDADE “Temos de parar de inventar a roda na área do campo. A agricultura brasileira é exemplo para o mundo. Ponto. Na cidade, temos muita coisa por fazer.” 

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO “Você pode ter ferrovia passando nelas e a compensação econômica por ela ser o recurso

necessário para cuidar dos outros. Você pode ter uma linha de transmissão e o royalty que ela vai pagar poderá ser usado como recurso e, às vezes, até mesmo como know-how, porque você pode embutir monitoramento por sistema de câmera, por satélite, por drone etc. É essa dicotomia entre desenvolvimento e meio ambiente que tem matado as unidades de conservação.”

FOTO: DIVULGAÇÃO

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FUSÃO MEIO AMBIENTE E AGRICULTURA  “Não é verdade (que o Meio Ambiente seria reduzido a um apêndice da Agricultura). A orientação do presidente Bolsonaro é de que haja integração e diálogo entre todos os setores, sobretudo Agricultura e Meio Ambiente.”  “A Agricultura foi muito perseguida por órgãos ambientais em administrações passadas. Não haverá perseguição. Ao contrário.”

DURANTE A CAMPANHA para deputado federal, Salles sugeriu em um cartaz, publicado nas redes sociais (foto), o uso da munição de fuzil .30-06 (mesmo número que escolheu nas urnas) em favor da segurança no campo e contra a “praga do javali”, contra “a esquerda e contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)”. Além de revolta, a publicação motivou uma advertência de seu partido, esclarecendo não compactuar “com qualquer insinuação ou apologia à violência, de qualquer tipo, contra quem quer que seja”.

“Podemos transformar a Esplanada dos Ministérios num museu do desperdício, da ineficiência e da corrupção -  ou, então, depois da Lava Jato, numa grande prisão de segurança máxima, para servir de exemplo contra a impunidade.” 28  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019

RÉU/PLANO DE MANEJO DA APA DO RIO TIETÊ  “As medidas que tomamos para adequar o plano de manejo eram necessárias. Com razão, vários setores, como prefeituras, indústrias, comércio e habitação, afirmaram que havia erros muito sérios no plano de manejo e, portanto, precisavam ser corrigidos. O que fizemos foi colocar a questão técnica acima da ideológica.”  “Em certos lugares, onde diziam ser área de preservação, já havia estação de tratamento de esgoto, avenidas, conjuntos residenciais... Quer dizer, se deixássemos aquele plano de manejo ser aprovado da forma como estava, absolutamente desconectado da realidade, o prejuízo à sociedade, ao desenvolvimento econômico e ao

meio ambiente seria enorme”. “Sou réu, mas não há decisão contra mim. São todas favoráveis a mim. Todas as testemunhas foram ouvidas, todas as provas produzidas e o processo está concluso para sentença. Pode ser sentenciado a qualquer momento.” 


RECADO CLARO “O meio ambiente é uma pauta que foi sequestrada pela esquerda no Brasil e no mundo. No entanto, a preservação da natureza tem muito mais a ver com a direita do que com a esquerda. Uma prova disso foi a atuação que tive como secretário em SP. Fomos a equipe que mais defendeu, de fato, o meio ambiente, e sem ceder às pressões ideológicas de grupos esquerdistas.”  “Para começar, combatemos a máfia dos lixões, que contaminavam lençóis freáticos e atraíam moscas e urubus, além de causar outros problemas para as populações próximas. Em apenas um ano do ‘Programa Lixão Zero’, os 112 lixões paulistas foram reduzidos a 23. Quando assumimos o ‘Programa Nascentes’, a área de recuperação de matas ciliares era de 

FOTO: EURICO ZIMBRES

BRASÍLIA “Desde que a capital do Brasil se transferiu do Rio de Janeiro para Brasília, os políticos passaram a viver numa espécie de ilha da fantasia, longe do povo e da realidade brasileira. É uma cidade que só produz papel, burocracia, privilégios e escândalos. Lá, os políticos vivem às custas do cidadão, legislando em causa própria sem pensar no verdadeiro interesse da sociedade.”  “A solução é transferir a capital para São Paulo, cidade que acolhe brasileiros de todas as regiões do país, e onde se produz boa parte da riqueza que é desperdiçada pela classe política. Com isso, ainda podemos transformar a Esplanada dos Ministérios num museu do desperdício, da ineficiência e da corrupção  –  ou, então, depois da Lava Jato, numa grande prisão de segurança máxima, para servir de exemplo contra a impunidade.” 

“Eu não conheço o Chico Mendes e tenho certo cuidado de falar sobre coisas que não conheço. Escuto histórias de todos os lados. Do lado dos ambientalistas, mais ligados à esquerda, é um enaltecimento. Já as pessoas que são do agro dizem que ‘Chico Mendes não era isso que é contado', que usava os seringueiros para se beneficiar, fazia uma manipulação da opinião. É irrelevante. Que diferença faz quem é Chico Mendes nesse momento?” RICARDO SALLES, no Programa Roda Viva, da TV Cultura

900 hectares. Ao fim da gestão, chegamos a 7 mil hectares de mudas plantadas.”  “Combatemos a burocracia, que deixa o trabalhador brasileiro de mãos atadas. Lutamos contra o aparelhamento do Estado pela velha política e pela indústria das ONGs ecoxiitas,

que levavam cerca de R$ 3 milhões por mês em ‘consultorias’.” EM TEMPO: procurada pela Ecológico, a assessoria de imprensa do MMA não retornou ao nosso pedido de entrevista. FONTE:

Com informações do site/blog: ricardosalles.com.br; G1, agências Estado, Brasil e O Globo.

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PERFIL: RICARDO SALLES Ministro do Meio Ambiente

 Depois de afirmar que as ONGs ambientalistas podiam ficar tranquilas em relação às suas decisões e propósitos, com apenas duas semanas de governo, o ministro Ricardo Salles determinou o levantamento e a suspensão, por 90 dias, de todos os convênios e parcerias de órgãos ligados ao MMA, incluindo aqueles firmados com entidades do terceiro setor.

respeitadas e tradicionais ONGs ambientalistas do Brasil. “Acho lícito saber como os recursos são gastos, mas nem sequer fomos notificados”, lamentou Glaucia Drummond (foto), superintendente-geral da Biodiversitas.

 Oito redes da sociedade civil e do setor privado – que, somadas, representam mais de 600 entidades – afirmaram que a medida “não apresenta qualquer justificativa e viola princípios constitucionais”.

 O ministro também afirmou, erroneamente, que a maior parte do desmatamento no Brasil ocorre em Unidades de Conservação. Mas, na prática, estudos e levantamentos comprovam que a devastação é maior em propriedades rurais privadas.

 As entidades afirmam que a decisão, “sem base legal e sem motivação”, trará “prejuízo ao meio ambiente que, em tese, Salles deveria proteger e também a populações vulneráveis em todo o país”.  A decisão de Salles afeta Minas Gerais por meio de pelo menos um projeto. É o que trata da recuperação de áreas de mananciais em bacias da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Com custo estimado em R$ 2,5 milhões, o projeto, em uma área de 410 hectares, visa beneficiar 300 agricultores, com financiamento pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente e execução a cargo da Fundação Biodiversistas, umas das mais 30  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019

 O Governo Bolsonaro tem o menor número de multas ambientais da última década. A queda, em comparação com os dois primeiros meses de 2018, foi de quase 28%. Esses números confirmam uma das promessas de campanha do então candidato Jair Bolsonaro, quando disse que o Ibama era uma “indústria de multas”. Em todo o país, em vez de ouvir e aprender, o ministro Ricardo Salles exonerou 21 dos 27 superintendentes regionais do Ibama. Especialistas ouvidos pelo jornal O Globo afirmaram que a retórica de afrouxamento da fiscalização é um sinal de que a impunidade e o número de infrações irá aumentar.

FOTO: RONNIE G. OLIVEIRA

Fique por dentro


FOTO: DIVULGAÇÃO / WWF BRASIL

Ele não, ele não.... “A destruição ilegal das nossas florestas na Amazônia e no Cerrado diminuem a competitividade dos produtos brasileiros diante de um mercado global que busca produtos livres de desmatamento. O MMA tem o papel de balancear as questões ambientais nas outras pastas do governo, zelando assim para que o Brasil tenha medidas necessárias para proteger de forma estratégica o nosso imenso patrimônio natural. É também essencial que o MMA tenha capacidade de dialogar com os diversos setores da sociedade, uma vez que o direito a um meio ambiente saudável se aplica a todos, desta e das futuras gerações.” Mauricio Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil

“Ao nomeá-lo, Bolsonaro faz exatamente o que prometeu na campanha e o que planejou desde o início: subordinar o Ministério do Meio Ambiente ao Ministério da Agricultura. Se por um lado contorna o desgaste que poderia ter com a extinção formal da pasta, por outro garante que o MMA deixará de ser, pela primeira vez desde sua criação, em 1992, uma estrutura independente na Esplanada. Seu ministro será um ajudante de ordens da ministra da Agricultura. O ruralismo ideológico, assim, compromete o agronegócio moderno – que vai pagar o preço quando mercados se fecharem para nossas commodities.”

“A principal função do novo ministro está sendo a promoção de uma verdadeira agenda antiambiental, colocando em prática medidas que vão resultar na explosão do desmatamento na Amazônia e na diminuição do combate ao crime ambiental. O que já está ruim, pode piorar.” Márcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil

“O ministro Ricardo Salles não assumiu para fazer a proteção e a gestão do patrimônio natural, mas para ser o da liquidação do Ministério do Meio Ambiente. Desastroso.” Marina Silva, ex-ministra de Meio Ambiente

“O Brasil tem credibilidade e importância não apenas para negociar o clima, mas todas as agendas, da economia à segurança. A questão climática no nosso país nunca foi uma política de governo, mas do Estado brasileiro. Nós ajudamos a construir a política mundial de clima. Isso é parte da nossa história.”

FOTO: PAULO DE ARAÚJO / MMA

Joaquim Adelino, vice-presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo

FOTO: MARCOS TAKAMATSU

“Trata-se de alguém incapaz de entender a importância da ciência para o esenvolvimento nacional e que já provou ter ligações com representantes de setores que não têm qualquer compromisso com a educação ambiental, a bioecologia e a conservação da natureza.”

FOTO: CAIO PAGANOTTI / GREENPEACE

FOTO: DIVULGAÇÃO ALSP

Nota do Observatório do Clima, coalizão de organizações da sociedade civil para discussão das mudanças climáticas

Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente e negociadora brasileira do Acordo de Paris  MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  31


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ESTADO DE ALERTA MARIA DALCE RICAS (*) redacao@revistaecologico.com.br

ENCONTRO VERDE

COM O GOVERNADOR

P

articipei de uma reunião recentemente, solicitada desde novembro de 2018, com o governador de Minas Gerais, Romeu Zema. Eu e mais cinco representantes de ONGs ambientalistas do Estado e Germano Vieira, secretário estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. O governador apareceu na sala vestindo roupa comum. Nada de terno. Ele me pareceu um pouco surpreso ao ouvir que as ONGs presentes não são contra, por princípio, as atividades econômicas. Citamos inclusive a mineração de ferro. Nossa luta é para que sejam implantadas e desenvolvidas com responsabilidade socioambiental. A surpresa, se verdadeira essa minha impressão, talvez se explique pela perversa e arcaica rotulação de que ambientalistas querem paralisar a economia do país e são contra “tudo e todos”. Foi bom mostrar que as ONGs presentes não comungam com isso. A reunião foi política. Mostramos ao governador que, mesmo de forma frágil, a sociedade está organizada em defesa do meio ambiente. Entregamos-lhe um documento apontando problemas, desafios e propostas. Destinar os R$ 100 milhões que a Vale pagou de multa ambiental ao progra-

ma de conversão de multas criado pela Semad, que prevê a aplicação dos recursos gerados por elas em projetos de recuperação de ambientes naturais. De forma gentil e educada, ele lembrou a situação financeira do Estado e não prometeu nada. Mas a solicitação foi formalizada e obviamente vamos lutar por ela. Ele ressaltou o interesse de seu governo em estimular uso de energia solar no Estado e de fazer com que as Unidades de Conservação gerem renda própria com ecoturismo, por meio de parceria em sua gestão com instituições privadas. Todas as entidades presentes concordam a princípio com isso, desde que as regras sejam claras e a parceria seja benéfica à proteção e conservação delas. A reunião prevista para 40 minutos pelo cerimonial durou bem mais, mostrando que foi bem aceita pelo governador. Ele afirmou seu interesse pela questão ambiental e aceitou proposta de reunião bianual com entidades ambientalistas. 

(*) Superintendente-executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente.

FOTO: DIVULGAÇÃO SEMAD

O GOVERNADOR afirmou seu interesse com a questão ambiental e em estimular o uso de energia solar no Estado


FOTO: MÁRCIO CABRAL

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ENCARTE ESPECIAL (XI)

O VIÉS MÉDICO NA LITERATURA DE

Guimarães Rosa


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ENCARTE ESPECIAL (XI)

Citações breves sobre

diversas enfermidades

Parte 3

Eugênio Goulart

redacao@revistaecologico.com.br

N

o livro “Sagarana”, no conto “São Marcos”, a palavra “hirsuto”, que significa pelos abundantes, deixa de designar apenas seres humanos para ser usada na descrição de uma folha: O meu caminho desce, contornando as moitas de assa-peixe e do unha-de-boi esplêndido, com flores de imensas pétalas brancas, e folhas hirsutas, refulgindo. No “Grande Sertão: Veredas”, o jagunço Treciziano, desafeto de Riobaldo, que teve de matá-lo para não morrer, era “fraco das paciências”, “padecia de erupções e dartros”, e era “homem zuretado”. Erupções cutâneas generalizadas são manifestações frequentes nos casos de dermatites alérgicas. “Dartro” é uma palavra de origem francesa (dartre), que significa mancha efêmera. É usada em medicina para identificar máculas hipocrômicas de fundo alérgico, que geralmente aparecem no rosto e nos membros superiores, que recebem o diagnóstico de dartro volante ou pitiríase alba. E “zuretado” é um nome popular para um indivíduo meio amalucado: Ali esse Treciziano era fraco de paciências; ou será que estivesse curtindo mais sede do que os outros - segundo esse tremor das ventas - e pegou a malucar? Diziam que ele criava dor-de-cabeça, e padecia de erupções e dartros. Ele estava falando contra comi-

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go, reclamando, gritou uma ofensa. Homem zuretado, esbraseia os olhos. Mais palavras técnicas da área médica, como “consumpção” e “marasmo” são utilizadas no conto “Páramo”, do livro “Estas Estórias”: E esse ia ser um tempo de deperecimento e consumpção, de marasmo. São empregadas no sentido de prostração, lassidão e imobilidade, que o autor sentiu antes de se adaptar às grandes altitudes nos Andes colombianos. Um indivíduo tolo, ou mesmo idiota, recebe a denominação de “pancrácio” no Sagarana, no conto “A hora e vez de Augusto Matraga”: Fora assim desde menino, uma meninice à louca e à larga, de filho único de pai pancrácio. Com o mesmo sentido é empregada a palavra “prascóvio” na primeira página do “Grande Sertão: Veredas”: Povo prascóvio. E também Riobaldo, mais adiante, a utiliza para se referir a um jagunço abobalhado: Que era que eu ia fazer, às fugas com aquele prascóvio, pelo sul e pelo norte, nos sertões da Jaíba? A palavra “sandeu”, que vem de sandice, é utilizada também com a conotação de palerma: Mas o Placidino, que o estivera olhando, mais que nunca boquiaberto e sandeu, fugia de questão [...]. O u t r a palavra do vocabulário médico,


recuando, fugindo, em duração e extensão, se a gente não resistir adianta-se para o trágico fácies. Detalhes do aspecto de animais, fazendo-se comparações anatômicas, são empregados na descrição de um polvo. Os termos “esfincteriano” e “traqueia”, presentes no conto “Aquário”, do livro “Ave, Palavra”, são palavras típicas do linguajar médico: Saindo de um saco, que pulsa igual, abre-se e reclui-se, esfincteriana, a boca: tubo amputado, coto de traquéia de um degolado. Assim como no conto “Zôo”, do mesmo livro, Guimarães Rosa usa a comparação de máculas acrômicas com o vitiligo, ao descrever as focas: Sarapintam-se de vitiligo ou de sinais de queimaduras. No conto “Sanga Puytã”, que é o nome de uma cidadezinha paraguaia, texto que faz parte do livro “Ave, Palavra”, Rosa usa a palavra “osmose”, no sentido de contato, proximidade com uma região e com um povo indígena. Tecnicamente, osmose é o nome dado ao movimento da água entre meios com concentrações diferentes de solutos separados por uma membrana semipermeável. O conto descreve a viagem que fez ao Pantanal mato-grossense, em 1947, e suas impressões iniciais sobre a fronteira do Brasil com o Paraguai: Distamos ainda, verdade, da zona de osmose, onde nos falará uma língua bizarra com vogais tecladas [...]. “Letargo” é usado fora do contexto humano, como se a natureza estivesse em sonolência. A comparação aparece no livro “Noites do Sertão”, no conto “Buriti”: O Brejão engana com seu letargo.  FOTO: DIVULGAÇÃO

atualmente pouco utilizada, é “tartamudo”, que significa gago. Aparece no livro “Sagarana”, no conto “A hora e vez de Augusto Matraga”: [...] interpelou-o o Zeferino, que multiplicava as sílabas, com esforço, e, como tartamudo teimoso, jogava, a cada sílaba, a cabeça para trás. Também no conto “Palhaço da boca verde”, do livro “Tutaméia”, a palavra “tartamudo” é empregada novamente em outro personagem. No poema “Roxo”, do livro “Magma”, a palavra “equimose” é usada para descrever a cor das fitas púrpuras colocadas nas coroas de flores que homenageiam um defunto: Passou pelas olheiras fundas, pousou nos ramalhetes de saudades, tocou nas fintas das coroas, longas como equimoses... No mesmo livro, no poema “Vermelho”, ao descrever uma pomba, usa as palavras “artéria” e “palpitação”: De debaixo das plumas, vem o jorro enérgico, da foz de uma artéria: e a mancha transborda, chovendo salpicos, a cada palpitação. Mais de uma vez é empregada a palavra “zigoma”, em uma referência ao osso malar, como no conto “Os chapéus transeuntes”, do livro “Estas Estórias”: Assomava dum claro-escuro a cara e cabeça, com muitos ossos - muito queixo, muito de crânio, muito de testa e arcadas sobre os olhos, muitos zigomas - muita caveira. E no conto “Cipango”, do livro póstumo “Ave, Palavra”, ao se referir aos imigrantes japoneses: [...] indescoráveis amarelos, cabelos ouriçados, caras zigomáticas, virgulados olhos obvexos. “Fácies” é um termo da semiologia médica que significa o aspecto geral de um paciente, ou de qualquer ser vivo. É citado no livro “Primeiras Estórias”, no conto “O espelho”: Parecer-se cada um de nós com determinado bicho, relembrar seu fácies, é fato. No conto “Darandina”, do mesmo livro, também aparece “fácies”, no comentário de um estagiário de Medicina sobre um indivíduo que estaria louco: Aspecto e fácies nada anormais. E ainda, em mais uma citação, agora para animais, a palavra é empregada na descrição da cascavel no conto “Bicho Mau”, do livro “Estas Estórias”: Tanto, que está quieta. Mas, se olhada muito, parece retroceder, vai

NÃO PERCA, na próxima edição, a quarta parte do capítulo “Citações breves sobre diversas enfermidades”.

APOIO CULTURAL:

MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  35




ANDRESSA DE OLIVEIRA LANCHOTTI* redacao@revistaecologico.com.br

FOTO: LUCIANO LOPES

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OPINIÃO PÚBLICA

A TRAGÉDIA socioambiental em Brumadinho comprovou a necessidade de uma nova Política Estadual de Segurança de Barragens

UMA NOVA LEI PARA A SUSTENTABILIDADE DA MINERAÇÃO

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uinta-feira, 5 de novembro de 2015, Mariana (MG): a barragem de Fundão, Complexo Minerário de Germano, pertencente à mineradora Samarco, cujas controladoras são Vale S.A. e BHP Billiton Brasil Ltda., se rompe, ocasionando o vazamento de aproximadamente 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Depois de destruir comunidades, matar 19 pessoas e causar um aborto, a lama segue por cerca de 663,2 km ao longo do rio Doce, deixando um rastro de destruição até a sua foz, no oceano Atlântico. Sexta-feira, 25 de janeiro de 2019, Brumadinho (MG): as barragens I, IV e IV-A da Mina Córrego do Feijão, Complexo Minerário Paraopeba, da mineradora Vale S.A., se rompem, liberando cerca de 13 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração e outras substâncias contaminantes, ocasionando a presença de diversos metais pesados, em concentrações críticas, ao longo do

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ribeirão Ferro Carvão e do rio Paraopeba. A onda de rejeitos e outras substâncias contaminantes atingiu inicialmente a área administrativa da companhia e parte da comunidade da Vila Ferteco. Estima-se que mais de 300 pessoas perderam suas vidas e quase duas centenas ficaram feridas, entre empregados e prestadores de serviços da Vale, moradores da região e hóspedes de uma pousada. Severos danos socioambientais de difícil reversão foram e estão sendo provocados ao longo de toda a bacia do rio Paraopeba. Ao lado disso, danos socioeconômicos gravíssimos vêm alterando, desde o momento do rompimento das barragens, a vida das pessoas e das comunidades atingidas. Em um intervalo de pouco mais de três anos, Minas Gerais sofreu com duas grandes tragédias ambientais e humanas decorrentes da mineração, atividade que é fundamental para a economia do estado que leva “Minas” até no nome.


“O descomissionamento e a descaracterização de barragens são atividades de risco. Devem seguir padrões técnicos rígidos e monitoramento constante.”

Diante desse quadro, surge um enorme e urgente desafio: conciliar a atividade de mineração com a segurança da população e a preservação do meio ambiente e dos recursos naturais. Exatamente um mês após o desastre do rompimento das barragens da Vale, em Brumadinho, um novo marco regulatório para a segurança de barragens trouxe a exigência de regras mais rígidas e abrangentes para o licenciamento e a atividade de disposição dos rejeitos de mineração. A Lei Estadual 23.291, de 25 de fevereiro de 2019, fruto de construção coletiva que envolveu Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), representantes da sociedade civil, deputados estaduais e servidores da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), além de representantes de outros órgãos públicos, entre eles o Ibama, contempla os principais pontos e aprimora o projeto de lei de iniciativa popular “Mar de Lama Nunca Mais”, capitaneado pelo MPMG e apresentado à ALMG em julho de 2016, com cerca de 60 mil assinaturas. A nova lei traz avanços concretos com impacto imediato na disposição dos rejeitos de mineração, entre os quais: a exigência de adoção das melhores tecnologias disponíveis para a disposição de rejeitos; a proibição da construção ou alteamento de barragens em locais onde forem identificadas populações nas zonas de autossalvamento (ZAS) - área a jusante (abaixo) da barragem para onde vertem os rejeitos em caso de desastre. As tragédias recentes mostram que, em regra, não há tempo hábil para que as pessoas que estão nas ZAS se mantenham em segurança, frente à rapidez da onda de inundação. Há ainda a proibição de construção ou alteamento de barragens pelo método a montante e a determinação de descomissionamento e descaracterização de todas as barragens com essa espécie de alteamento existentes no estado. O método de alteamento a montante é considerado por especialistas como obsoleto e menos seguro e está relacionado a diversos desastres envolvendo barragens de mineração, no Brasil e no mundo. As empresas responsáveis pelas barragens a montante terão prazo para apresentarem cronograma e para concluírem

as obras de descaracterização das estruturas. Em relação a este ponto, a sociedade deve ficar atenta. O descomissionamento e a descaracterização de barragens são atividades de risco. Portanto, devem seguir padrões técnicos rígidos e monitoramento constante por parte dos órgãos públicos fiscalizadores. Como reza o velho ditado, “a pressa é inimiga da perfeição”. Neste caso, a imperfeição pode custar vidas. PREOCUPAÇÃO AMBIENTAL Outro ponto importante da nova lei refere-se ao licenciamento ambiental das barragens, que agora deve ser trifásico (Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação). Para cada etapa há exigências específicas, tais como a apresentação de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), diferentes estudos sobre cenários de rupturas (dam break), entre outros. Até então, em Minas Gerais, era possível que as três licenças fossem concedidas ao mesmo tempo. Com a mudança, só se passará para a etapa seguinte do licenciamento se as condicionantes de mitigação de danos e as compensações ambientais impostas na fase anterior forem devidamente cumpridas. Por fim, outro grande avanço da lei é a exigência de caução ambiental. O empreendedor deverá garantir, desde o início, os custos futuros referentes ao descomissionamento e à descaracterização das barragens. Também o valor para a reparação dos eventuais danos socioambientais e socioeconômicos que um desastre envolvendo as barragens possa ocasionar deverá ser caucionado. Nossa expectativa é que a nova Política Estadual de Segurança de Barragens de Minas Gerais se torne um paradigma nacional, que estimule o advento de novas iniciativas legislativas, administrativas ou mesmo do setor privado, em busca de real sustentabilidade da atividade de mineração no Brasil. Sigamos firmes nesse caminho!  (*) Promotora de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  39


INFORME ESPECIAL

A CHAGA EXPOSTA

DA PIEDADE Depois de longo diálogo com órgãos ambientais, do patrimônio e Ministérios Públicos federal e estadual, a AVG Empreendimentos Minerais recebe aval do governo para minerar e recuperar a cratera do Morro do Brumado, abandonada próxima à Serra da Piedade

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uem sobe a Serra da Piedade, no limite dos municípios de Sabará e Caeté, o ponto geográfico mais alto e visitado de toda a Região Metropolitana de BH, rumo ao Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade, só vê beleza e natureza exuberante preservada a seus pés. Não sabe que, fora dessa hoje Unidade de Conservação, a apenas 1,2 quilômetro dali, no Morro do Brumado, seguindo a cumeeira da serra em direção à capital mineira, ainda existem dois horrores antigos, pouco mostrados pela mídia conven-

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cional. E, portanto, bastante desconhecidos da opinião pública: uma cratera medonha abandonada, talvez a maior de Minas, pela então Mineradora Brumafer. E, ao seu lado, o que sobrou deste morro, que também teve a sua exploração mineral predatória interrompida, completando a atual paisagem lunar. É justamente nesses dois pontos, e não na Serra da Piedade propriamente dita, já delimitada e protegida ambientalmente por força de lei, que a antiga e criminosa mineração da ex-Mina do Brumado (Bruma-

fer) causou, ao longo de 60 anos, esse cenário hoje de feiura e risco iminente para os povoados, sítios e comunidades à sua jusante. E agora, fruto de um acordo judicial [e também de seu licenciamento ambiental recentemente aprovado pelo Conselho de Política Ambiental do Estado (Copam)], pode se transformar num case inédito de mineração sustentável: sem qualquer tipo de barragem de rejeitos, coexistindo e preservando mais ainda o entorno da Serra e da Basílica da Padroeira de Minas, assunto deste informe:


operava a área, Brumafer Mineração, foram paralisadas em 2005 por decisão conjunta dos Ministérios Públicos do Estado de Minas Gerais (MPMG) e Federal (MPF), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), por meio de uma ação civil pública. Isso porque o passivo ambiental do empreendimento – composto por duas cavas e duas pilhas de rejeitos, em uma área de aproximadamente 100 hectares – gerou várias situações de instabilidade no terreno. E, consequentemente, riscos para o meio ambiente local e para a vida humana, a jusante das suas estruturas operacionais. Em 2007, indicada pela sua experiência e capacitação técnica, a AVG Empreendimentos Minerários foi convidada para solucionar o passivo ambiental deixado no Morro do Brumado. A empresa adquiriu a Brumafer em virtude da não aplicação de técnicas adequadas de descomissionamento da mina, bem como da recuperação de áreas degradadas pelo antigo proprietário. Após isso, teve início um longo

processo de diálogo com órgãos públicos competentes, sobre as alternativas de recuperação ambiental e estabilização emergencial da área. Isso culminou em um acordo judicial federal, homologado em 2012 e celebrado entre a nova proprietária da área e os seguintes atores, algo inédito na história ambiental e mineral de Minas, tamanha a necessidade e grandeza do desafio: MPMG, MPF, IPHAN, Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), Instituto Estadual de Florestas (IEF), Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), hoje Agência Nacional de Mineração (ANM), e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA). O objeto do acordo foi a concretização de medidas emergenciais para garantir, primeiro, a segurança da cratera em seu processo de desmonte natural, principalmente na época de chuvas, com o carreamento de rejeitos na natureza local. Depois, a realização dos trabalhos de recuperação das áreas degradadas. E o custeio de medidas compensatórias em decorrência dos danos FOTO: GOOGLE EARTH

A ex-Mina do Brumado, localizada no distrito de Ravena, em Sabará, na Grande Belo Horizonte, começou a ser explorada ainda nos idos de 1950, quando o mundo ainda não falava em meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Em função da extração desordenada e sem controle ambiental permitida nessa época, as atividades da empresa que

FOTO: ECOLÓGICO

VISTA GERAL da Serra da Piedade, da cratera e do Morro do Brumado, em Sabará

SANTUÁRIO NOSSA SENHORA DA PIEDADE

CRATERA MORRO DO BRUMADO

MINERAR e recuperar de maneira responsável ou deixar como está: o que é melhor para a natureza da Serra?

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MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  41


INFORME ESPECIAL

PARTE DA CRATERA vista de baixo. Segundo os ecologistas não existe nada pior para o meio ambiente que uma mina abandonada e sem controle, carreando seus resíduos e comprometendo nascentes e comunidades a jusante

ambientais à geografia, flora e fauna locais deixados pela Brumafer. Um dos pontos mais preocupantes diz respeito às duas pilhas de rejeitos que, no caso de um deslizamento, podem trazer um impacto socioambiental já anunciado para as comunidades vizinhas abaixo. Para dar início à recomposição da área, a AVG formalizou, primeiro, o processo de licenciamento ambiental na Semad, requerendo a licença prévia (LP) em maio de 2013. Quatro anos depois, após serem formalizados todos os estudos necessários para análise da fase de LP e mediante uma alteração na legislação estadual pelo Decreto Estadual 47.137/2017, que passou a permitir que empreendimentos de grande porte pudessem requerer as licenças prévias (LP) e de instalação (LI) de forma concomitante, a AVG solicitou a reorientação do seu processo para LP+LI. Descomissionamento de rejeitos Em 2017, por motivos de segurança

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emergencial, detectados pela fiscalização ambiental do Estado, foi expedida uma decisão judicial autorizando a AVG a iniciar imediatamente o processo de descomissionamento das pilhas de rejeito. Ou seja, a retirada prevista de mais de seis milhões de toneladas de rejeitos oriundos da extração de minério de ferro na Mina de Brumado. O foco dessa ação é justamente reduzir o risco de deslizamento das pilhas. Nesse processo, a AVG também acatou os pedidos da Arquidiocese de Belo Horizonte – responsável pelo santuário – e de associações de moradores da região, sobre a logística da retirada dos finos de rejeitos, respeitando dias e horários sugeridos, para que a ação não impactasse essas comunidades. Muito menos as atividades religiosas no alto da serra. Uma quantidade de rejeito considerável já foi retirada com a implantação dessa medida emergencial, aumentando o nível de segurança dessas pilhas e, consequentemente, sua estabilidade.

Recuperação total Ainda sob o escopo do acordo judicial firmado em 2012, foram traçados quatro cenários de aproveitamento mineral e de recuperação ambiental da área, todos contemplando a futura recomposição do local, concomitantemente com a lavra reaberta. O cenário adotado, com anuência democrática e necessária de todos os órgãos envolvidos, foi o de número 3. Ele define o início da recuperação ambiental da área, agora de maneira sustentável e respeitável, na direção oposta ao Santuário de Nossa Senhora da Piedade e em faixas já alteradas na área da antiga mina. Isso totalizará uma área de atuação de aproximadamente 115 hectares. Desses, cerca de 30 ha de áreas não degradadas, mas necessárias para a estabilização e sucesso da recuperação proposta no acordo, num cenário previsto de 15 anos de atividades, gerando segurança, controle e recuperação ambiental, impostos e empregos (600 diretos


FOTOS: AVG

e indiretos) para os municípios de Sabará e Caeté. Ao longo dos anos em que a AVG assumiu a responsabilidade de recuperar o passivo ambiental deixado no Morro do Brumado, foram realizadas diversas reuniões entre: MPMG, MPF, SEMAD, IEF, IPHAN, IEPHA, Arquidiocese de Belo Horizonte, comunidades e municípios da área de influência, para melhor compreensão do projeto e garantia, em paralelo, de proteção contínua da Serra da Piedade. No escopo do projeto de recuperação estão previstos trabalhos de retaludamento das áreas já degradadas para recomposição cênica do conjunto paisagístico, incluindo parte da cava e das erosões provocadas pela antiga Brumafer. A AVG já deu em garantia o valor de R$ 8 milhões como caução ambiental do negócio. Durante os 15 anos, o projeto será minuciosamente acompanhado, periodicamente, por uma comissão técnica especifica, composta por um representante indicado por cada um dos partícipes do presente acordo judicial federal. Tecnologia de ponta No início de 2019, a AVG obteve as licenças prévia (LP) e de instalação (LI), concedidas pela Câmara de Atividades Minerárias do Copam, podendo dar sequência ao projeto de exploração e de recuperação ambiental da nova Mina de Brumado. Buscando as melhores práticas na área de mineração da atualidade, a AVG decidiu adotar uma planta de concentração de minérios, utilizando tecnologias inovadoras, algumas trazidas da China, o que irá minimizar a geração de rejeitos, diminuindo mais ainda o impacto ambiental. Também vai adotar um sistema de filtragem de rejeitos, que retira e faz recircular aproximadamente 90% da água no processo produtivo, uma das tecnologias mais inovadoras e

ESTA é a proposta de solução restauradora para a Mina do Brumado, prevista no acordo judicial

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MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  43


INFORME ESPECIAL

FOTO: ECOLÓGICO

FOTO: AVG

limpas do mundo. Com este método, não é necessária a construção de barragens de rejeitos, tornando-se um exemplo para o setor. Nem a montante nem a jusante. Um dos itens mais emblemáticos do acordo judicial, do ponto de vista da natureza local, diz respeito à recuperação do verde paisagístico pós-recuperação do passivo ambiental, onde hoje é só cratera, paisagem lunar. Sem nascentes, árvores, plantas e bichos. Ao final do novo modelo de exploração mineral, não apenas o Morro do Brumado, mas toda a Serra da Piedade, tombada ou não, terá sua geografia de volta e melhorada. Se de um lado será preciso desmatar uma área de aproximadamente 30 hectares ao redor da atual cratera, para descomissioná-la, do outro, a AVG se compromete a doar/repassar para o Estado (IEF) mais de 500 hectares de florestas (equivalente a 500 campos de futebol), matas e cerrados, incluindo o que já existe e o que será restaurado, com novos plantios. Tal como aconteceu com o Parque das Mangabeiras que, pouca gente sabe, já foi uma mineração e hoje é a maior área verde e de visitação pública da capital mineira. Aí sim, garante o acordo: não existirá mais chaga mineral alguma em todo o entorno geográfico da Serra da Piedade. Nada do horror lunar e feio que ainda se avista hoje, tanto da cratera quanto do Morro do Brumado.  SAIBA MAIS: www.avg.com.br/negocios-mineracao.php

Conteúdo de Marca:

A PAISAGEM LUNAR deixada pela Brumafer no Morro do Brumado. E a imagem de Nossa Senhora da Piedade, a Padroeira de Minas, esculpida no alto da Serra da Piedade: promessa de diálogo à vista

44  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


ARTE, CULTURA E ESPIRITUALIDADE EM UM SÓ LUGAR! O Bispo Auxiliar da Arquidiocese de BH, Dom Vicente Ferreira, espera por você na emissora da Padroeira de Minas Gerais. Domingo, às 10h30, na TV Horizonte ou pelo aplicativo “Rede Catedral”.

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BACHARÉIS EM ENGENHARIA

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comportamento mais sensato, e certamente o mais certo, deve ser apenas chorar e orar muito por tantas perdas. A dor das famílias que se despedem de seus entes queridos, de seus sonhos, suas rotinas, seus pertences, não tem mensuração. A indignação de todo um país diante do inconcebível e a dor dos que vivem de perto a tragédia levam a emoções humanas, buscar culpados e penalizá-los. Afinal, se houve um crime, e o cenário é de um, deve haver o castigo. A cautela não combina com o que as imagens e depoimentos demonstram. Mas, para entender bem as causas e daí apontar com justeza culpados, muitas perguntas precisam de respostas, como: - O que foi aprendido e aplicado, ou não, pós-Mariana? - Por que ainda deixamos unidades que reúnem pessoas, como refeitórios e escritórios administrativos, instalados a jusante dessas estruturas que contêm um grau de risco (baixo ou elevado, não importa) de colapsar? - Quais parâmetros estão sendo avaliados para garantiar a estabilidade dessas barragens, ao ponto de técnicos do bem se sentirem seguros? - Quais parâmetros não estão incluídos na avaliação e deveriam? - Como empresas que empregam o que há de mais top na área de segurança podem ser protagonistas de mais um drama ecológico e humano de grandes proporções? - Como estarão as que não têm mesmo padrão de excelência operacional e de controle? - O que fazer agora com tantas barragens com as mesmas características físicas ou operacionais? - O que será de Minas, que tem na atividade da mineração, além do nome, toda uma cultura, história e riquezas decorrentes? Diante de tantas incógnitas, não me dou o direito, como tantos, de sair atirando pedras. Assim, aproveito esse espaço para propor uma reflexão, que talvez não aplaque a ira, legítima na maioria das vezes, de corações e mentes indig-

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nados. Mas pode ajudar na busca de respostas minimamente consistentes, e assim, quem sabe, garantias de que, efetivamente, não tenhamos que viver esse drama novamente. Título de um artigo que li recentemente a respeito do rompimento da barragem, sobre o qual não consegui identificar o autor, resume bem minhas reflexões: “Excesso de gestão e falta de engenharia”. Leis, normas, comandos e controles e atividades de compliance não são suficientes para entender e solucionar problemas de engenharia. Não só neste caso das barragens, mas em todos os casos que envolvam estruturas, de todos os tipos e funções. Entretanto, nos últimos 20 anos, o país optou por privilegiar as carreiras, funções e profissões normativas e de controle, como se a solução nelas se concentrasse, abandonando todas as demais carreiras, funções e profissões de execução, operação e fiscalização técnica. Aliás, são tantas soluções traduzidas em novas regras e novas normas que possíveis soluções inovadoras de engenharia ou de processos ficam totalmente engessadas, sem qualquer espaço que estimule a engenhosidade e a inovação. Sendo mais precisa, técnicos especialistas, os poucos que sobreviveram e ainda atuam no poder público, que poderiam estar pensando, desenvolvendo e aplicando alternativas tecnológicas para bem exercerem suas funções públicas, embora integrem uma estrutura que em nada os ajuda (que não os paga e finge), ficam ainda acuados, com medo de serem constrangidos, até fisicamente. Para que fique bem entendido, apenas comparem as carreiras (salários, privilégios e acessos) dos órgãos de controle com aquelas dos órgãos executores e operacionais. Simplificadamente, comparemos as carreiras dos que fazem, e, por isso mesmo, sujeitos a falhas, com os que apenas vigiam, cobram. Essa escolha não se restringe ao poder público, embora nele as consequências negativas, como se vê, sejam piores. Em verdade, a esquizofrenia é geral. A mídia, por exemplo, sobre o colapso da


FOTO: REPRODUÇÃO

“Como sairemos desse assombro aterrorizante, não sei. Mas havendo saída, e há, ela está nas mãos da engenharia.”

ROMPIMENTO da barragem da Vale em Brumadinho (MG): o que foi aprendido, aplicado ou não, pós-Mariana?

Barragem de Feijão, convida, como “especialistas”, todos os que entendem de processos administrativos relacionados ao tema, normas, regras, punições possíveis, capitalismo, socialismo, humanismo, etc. Raros os engenheiros de barragem, os geólogos, hidrólogos, hidrogeólogos, etc. Precisamente os que realmente podem contribuir para equacionar, pensar tecnicamente sobre a situação problemática, fazer avaliações consistentes e tentar encontrar uma solução. Se nada mudar, ao fim e ao cabo, além de uma ferida que talvez nunca cicatrize, vamos assistir a fogueira das vaidades de quem faz discursos mais inflamados e condenatórios, de quem propõe e aprova normas ainda mais restritivas, sem qualquer lastro na ciência e na tecnologia, de quem culpa e penaliza mais pessoas, culpadas ou inocentes, não importa. Mas nesse contexto, a instabilidade física das estruturas permanecerão. No Brasil, se há advogados de sobra (quando Deus formou o mundo, para castigo dos infiéis, deu ao Egito gafanhotos e ao Brasil bacharéis) em contrapartida, tem um déficit de 100 mil engenheiros. O problema deveria ser uma das grandes pautas nacionais para discussão, inclusive por esse flagelo brumado

que encobre. Mas, infelizmente, não conseguimos sensibilizar para esse olhar urgente de recuperação da engenharia nacional, nem em nossas entidades profissionais, que, tal qual o senso comum, preferem condenar os engenheiros antes mesmo de um processo conclusivo. Triste! Não poderia deixar de comentar o admirável comportamento do nosso Corpo de Bombeiros, muito bem representado pelo tenente Pedro Aihara. Mesmo não estando em carreira pública glamorosa, privilegiada por salários acima do mercado, e em dia, estão fazendo um serviço público gigante. Louvável também, nunca é tarde, a imediata ação da Vale, no anúncio do descomissionamento de todas as suas barragens de rejeito. Como sairemos desse assombro aterrorizante, não sei, mas havendo saída, e há, ela está nas mãos da engenharia, não nas dos bacharéis e suas resoluções, portarias e todo cipoal de regras, quase sempre anacrônicas, data venia. 

(*) Engenheira civil, ex-secretária-executiva de Empresários para o Meio Ambiente na Fiemg e conselheira da Revista Ecológico. MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  47


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OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (FINAL)

DILEMA HISTÓRICO: a proximidade com a Baía de Sepetiba favorece o desenvolvimento de atividades econômicas, enquanto a população denuncia o aumento da degradação ambiental na Ilha da Madeira

FIO DE ESPERANÇA NA

ZONA DE SACRIFÍCIO LOCALIZADA EM ITAGUAÍ, NA REGIÃO METROPOLITANA DO RJ, A ILHA DA MADEIRA LUTA PARA RESGATAR SUAS BELEZAS NATURAIS E SUPERAR O PASSADO DE DEGRADAÇÃO AMBIENTAL E SOCIAL IMPOSTO PELA EXPANSÃO PORTUÁRIA E INDUSTRIAL Neylor Aarão

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TRISTE METÁFORA Nascido e criado na pesca, Rafael Garcia fala das mudanças

que vem testemunhando ao longo dos anos. “Muito pescado que tinha antes aqui agora sumiu: tainha, anchova, sororoca, xaréu, sardinha... Nada disso mais a gente pesca nessa baía. Camarão, polvo e corvina tem pouco também agora.” Assim como Rafael, o morador Roberto Barbosa relembra a infância em meio à fartura de peixes e à água limpa e de qualidade. “Eu me lembro de um médico, que era muito amigo do meu pai. Ele coletou amostras e analisou a água daqui. Segundo ele, era a melhor que havia em toda essa região. Não tinha poluição, esgoto, nada”, detalha Roberto. Essa realidade de abundância e de conservação ambiental é anterior à chegada de diferentes empreendimentos, entre eles o Porto Sudeste, que opera um túnel que atravessa a ilha. Concluído em setembro de 2011, o túnel tem 1,8 quilômetro de extensão, 11 metros de altura, 20,5 metros de largura e capacidade para movimentar até 100 milhões de toneladas de minério de ferro/ano. Outra empresa, a Companhia Mercantil e Industrial Ingá, insFOTOS: DIVULGAÇÃO

destino da última reportagem de nossa série é a Ilha da Madeira. Localizada no município de Itaguaí, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, ela foi assim batizada nos idos do século 18, quando um cidadão nativo da Ilha da Madeira, em Portugal, aportou por aquelas terras. Logo na chegada, percebemos que a movimentação de barcos é intensa. O morador Roberto Barbosa explica que o forte, na história da ilha, sempre foi a pesca artesanal, sustentada pela grande abundância de peixes. “Hoje, tudo está motorizado”, compara, referindo-se às embarcações usadas. Estendendo a vista para áreas um pouco mais distantes, é possível ver indústrias espalhadas por todos os cantos, o que resulta em um forte conflito entre as atividades portuárias e o dia a dia dos pescadores artesanais. A proximidade entre a Ilha da Madeira e a Baía de Sepetiba favorece o desenvolvimento de diversas atividades econômicas na região. Segundo relatos da população, a degradação e os impactos ambientais vêm aumentando desde o começo da ocupação industrial, sobretudo a partir da década de 1960. O resultado foi a criação de uma ‘zona de sacrifício’, expressão usada por integrantes de movimentos ambientalistas para designar locais marcados pela superposição de empreendimentos e instalações industriais, acarretando graves impactos ambientais e também sociais.

talou-se ali na década de 1960 e produzia zinco. Seus proprietários foram condenados por crime ambiental em razão do despejo e de vazamentos de metais pesados. A companhia faliu em 1998. “Antes da instalação da Ingá, a água era limpa, pura. Depois, acabou tudo”, afirma Roberto, mostrando a área onde antes era um manguezal e outra, totalmente degradada, usada para o armazenamento de minério de ferro. “Essas áreas foram todas destruídas pela Ingá. Não nasce mais nada aqui”, lamenta. Roberto usa uma metáfora para descrever o impacto ambiental provocado pela falida companhia. “É como se você fizesse um café e jogasse toda a borra no quintal. Os resíduos foram se acumulando na área da empresa e transbordaram, atingindo a baía.” O professor do Departamento de Oceanografia Química da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Friedrich Wilhelm Herms, explica que a Ingá começou a extrair zinco na ilha em 1966 e, em 1974, cádmio. Os dois elementos eram obtidos a partir do beneficiamento do minério e geravam um rejeito.

NEYLOR AARÃO: testemunha do impacto socioambiental causado por vazamentos e a contaminação por metais pesados na ilha

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OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (FINAL)

“Nos anos 1970, houve acidentes marcantes, em função das chuvas. Em um deles, o dique da empresa se rompeu e todo o rejeito, com altas concentrações de cádmio e zinco, foi carreado para dentro da Baía de Sepetiba.” PASSAGEM DE UM FURACÃO De acordo com o ex-professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Jailson Barboza, a Ingá devastou áreas de Mata Atlântica e manguezais. Como filho de pescador, ele relata que, antes da chegada da empresa, nunca faltavam peixes, camarões e ostras na região. “Tínhamos fartura desses alimentos. As boas lembranças da infância ficaram para trás. Depois que a Ingá se instalou, o ar se modificou (ficou poluído) e uma lama com cor de tijolo invadia indiscriminadamente a nossa baía. Antes fértil em moluscos, crustáceos e peixes, a baía começou a ficar pobre.” Com a falência da Ingá, em 1998, a Ilha da Madeira e a Baía de Sepetiba também ficaram re-

féns de seu passivo ambiental, considerado um dos maiores do Brasil. Segundo registros, os metais pesados se espalharam por mais de 300 quilômetros ao longo da baía que, até hoje, registra altas concentrações de poluição. O químico João Alfredo Medeiros, colaborador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), conta que foi convidado a visitar a fábrica da Ingá, na tentativa de propor ações capazes de sanar o impacto causado pelos rejeitos industriais. “Quando chegamos à fábrica, em 1996, parecia que havia passado um furacão por lá. Lamentei muito quando a Justiça decretou a falência da unidade, porque fechar uma fábrica que armazena produtos perigosos – como cádmio e trióxido de arsênio – é muito diferente de fechar um escritório.” Segundo Medeiros, naquela ocasião, havia vários latões, já corroídos, com 50 quilos cada, cheios de trióxido de arsênio, um subproduto altamente tóxico do processamento de miné-

PARA o morador Roberto Barbosa, o turismo pode ser a ponte rumo a um futuro mais sustentável para toda a ilha

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rio. “Uma dose letal, única, desse composto é capaz de matar 400 mil pessoas”, compara. O projeto proposto por Medeiros previa que em 5 anos, no máximo, com escalas diárias de oito horas de trabalho, seria possível reciclar todo o material existente na fábrica. “Chegamos a processar 35 toneladas de rejeitos nos grandes reatores de madeira que eles tinham lá. Tudo funcionava bem até que foi decretada a falência e fomos todos mandados para a rua.” A responsabilidade pela descontaminação das áreas impactadas pela Ingá foi assumida pela Usiminas, que adquiriu parte da massa falida da empresa, por meio de leilão, em 2008. De acordo com informações divulgadas pela Usiminas, em seu site, o terreno em questão totaliza 850 mil m². Após a remoção da antiga estrutura de galpões da Ingá, foi desenvolvido o projeto executivo de engenharia para a recuperação ambiental, conforme aprovado pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea/ RJ), em outubro de 2010. Na ocasião, foi adotado o método de encapsulamento geotécnico, com o confinamento do rejeito no próprio local. Ainda de acordo com a Usiminas, a principal vantagem desse método, amplamente adotado na Europa, Estados Unidos e Canadá, é o fato de gerar menor impacto ambiental, uma vez que evita a criação de novo passivo ambiental em um segundo terreno. A área do confinamento equivale a 67 campos de futebol. MODELO DESENVOLVIMENTISTA Além dos desafios ligados à degradação ambiental, a Ilha da Madeira também foi palco de


FOTOS: DIVULGAÇÃO

ALÉM DE CONFLITOS ligados à degradação ambiental, a ilha também sofre com a desapropriação de terrenos destinada a abrir caminhos para a expansão industrial

conflitos ligados à desapropriação de terrenos e remoção de comunidades locais, em razão da forte expansão industrial. Um dos locais mais impactados é a Vila do Engenho, onde moradores chegaram a sofrer pressões e ameaças feitas por homens armados. O pescador Marco Antônio relata que, em áreas pertencentes às empresas, eles e também os moradores e pescadores de outras ilhas não podem nem passar perto. “Para pescar, só entrando mar adentro mesmo. Os pesqueiros que a gente tinha aqui próximo, agora são área deles, das empresas. A gente não consegue se aproximar. Se alguém fizer isso, vai preso. Somos uma classe que só se ferra.” O procurador da República Renato de Freitas Souza Machado vê semelhanças entre as rea-

lidades da ocupação industrial ocorrida nas baías de Guanabara e de Sepetiba. “O que ocorreu na Guanabara vem se intensificando em Sepetiba, com base num mesmo modelo desenvolvimentista e que não respeita o meio ambiente nem as populações tradicionais”, alerta. De acordo com o procurador, as baías, que têm grande importância ecossistêmica, por abrigar áreas de reprodução de diferentes espécies, estuários e manguezais, são também estratégicas para a instalação de complexos portuários e indústrias interessadas em escoar sua produção. “O problema é que cada processo de licenciamento ambiental geralmente só considera o impacto de um determinado projeto, de forma isolada e sem uma visão holística dos problemas e da realidade do entorno.”

GALINHA DOS OVOS DE OURO Para o presidente da Associação de Pescadores e Lavradores da Ilha da Madeira (Aplim), Sérgio Hiroshi, a ‘culpa’ pela degradação ambiental causada pelo complexo portuário e industrial não pode ser atribuída exclusivamente aos empreendimentos locais. Parte dela recai sobre as sucessivas administrações municipais. “Entrou e saiu prefeito, mas o passivo infelizmente se manteve. Muitos viam nesse passivo uma galinha dos ovos de ouro, pois, em razão dele, conseguiam verbas emergenciais para, por exemplo, resolver problemas de vazamento de rejeitos na temporada de chuvas, sem resolver, de fato, o problema.” “É muito difícil, porque não temos autonomia para autuar. A gente tenta fortalecer a atuação dos cerca de 180 pescadores

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OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (FINAL)

JAILSON BARBOZA faz um lamento: "As boas lembranças da infância ficaram para trás"

artesanais da Madeira, mas eles não conseguem ser ouvidos. Por meio do Conselho Municipal de Meio Ambiente, Agricultura e Pesca também procuramos levar as demandas existentes ao Ministério Público. Estamos respondendo várias ações judiciais, mas o trâmite é muito lento. Atuamos também em parceria com as empresas, mas, infelizmente, não vemos resultados concretos”, justifica a secretária de Meio Ambiente de Itaguaí, Patrícia Kajishima. Enquanto os órgãos municipais ambientais se eximem da ‘culpa’, os problemas na Ilha da Madeira se avolumam. São inúmeras as empresas que simplesmente viram as costas e não pagam as multas ambientais que lhes são aplicadas. No que se refere aos licenciamentos ambientais, também fica claro que boa parte dos processos foi e continua sendo conduzida sem a devida participação da comunidade, por meio de audiências públicas e reuniões. O procurador da República Renato de Freitas Souza Macha52  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019

PROCURADOR RENATO FREITAS: "A atuação dos órgãos ambientais sofre influências políticas"

do sintetiza: “O componente social dos licenciamentos ambientais é deixado em segundo plano. E a legislação vem sendo totalmente flexibilizada e alterada no sentido de reduzir ainda mais a participação popular.” Para ele, como têm pouco poder de mobilização e acesso restrito aos meios de comunicação, os pescadores são os que mais saem prejudicados. “A atuação dos órgãos ambientais também é permeada por influências políticas. Não é raro vermos licenças ambientais serem concedidas de forma contrária ao parecer técnico.” TURISMO E ESPERANÇA Nessa acirrada queda de braço entre os interesses sociais, ambientais e econômicos, a força do capital tem sido a grande vitoriosa. “Destruíram a fauna, a flora, a pesca e a vida da Ilha da Madeira. Eles (os donos das empresas) estão lá, em seus apartamentos na Zona Sul do Rio, enquanto os pescadores vivem confinados entre a poeira de minério e resíduos tóxicos. O

dinheiro está falando mais alto”, desabafa o ex-professor Jailson Barboza, da UFRJ. Perguntado sobre o que pode ser feito para restabelecer o equilíbrio das forças sociais e econômicas, bem como resgatar a qualidade ambiental e de vida na Madeira, o químico João Alfredo Medeiros, da UFRJ, afirma: “Como químico, não me volto para a questão econômico-financeira. Apenas digo que daria para ter feito um grande projeto, capaz de recuperar completamente a ilha.” “Todo mundo chama isso (o crescimento industrial e econômico) de progresso. Infelizmente, a gente tem que engolir”, diz, resignado, Sérgio Hiroshi, presidente da Aplim. Mas para o morador Roberto Barbosa, o turismo pode ser a ponte para mudar o destino da Ilha da Madeira, resgatando a sua vocação natural. “Temos belas praias e, no passado, todos os que nos visitavam ficavam admirados, porque não havia poluição.” Fica registrada aqui a esperança de que, assim como a mitológica Fênix, a Ilha da Madeira também possa renascer. E consiga transmutar as suas cinzas de hoje em mais vida, mais verde e mais água – num futuro próximo!  ASSISTA À SÉRIE!

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E MAIS:

entrevista com José Martins da Silva Júnior, oceanógrafo e coordenador do Projeto Golfinho Rotador

ECOLÓGICO

NAS ESCOLAS

GOLFINHOS

Inteligentes e sociáveis, a exemplo das baleias, eles são mamíferos aquáticos da ordem Cetartiodactyla. Como o ser humano, esses animais necessitam de água limpa - e não de plástico - para sobreviver em seu hábitat natural

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1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - GOLFINHOS

A crescente degradação ambiental da zona costeira, a construção de portos e indústrias no litoral e a poluição dos ambientes marinhos e costeiros são as principais ameaças à conservação dos golfinhos Luciana Morais

redacao@revistaecologico.com.br

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om suas águas marinhas declaradas santuário de baleias e golfinhos por decreto publicado em dezembro de 2008, o Brasil ocupa posição de destaque entre os países que mais adotam estratégias para a conservação desse grupo de animais. Eles são os cetáceos, que incluem algumas das mais carismáticas e, ao mesmo tempo, desconhecidas espécies aquáticas do planeta. O termo “cetáceo” deriva do grego ketos, que significa baleia ou monstro marinho. Os golfinhos são encontrados em todos os ambientes marinhos do mundo, com exceção dos polos. Algumas espécies vivem em rios, na costa entrando em estuários, em alto-mar e em alguns casos têm ampla distribuição. No Brasil, os golfinhos mais facilmente encontrados são bo 54 XX  ECOLÓGICO ECOLÓGICO || MARÇO MARÇO DE DE 2019 2019

to-cor-de-rosa, toninha, tucuxi, boto-cinza, golfinho-nariz-de-garrafa e golfinho-rotador. Das 51 espécies existentes, três estão em perigo de extinção: a toninha, o boto-cinza e o boto-cor-de rosa. A toninha ou franciscana (Pontoporia blainvillei) atinge cerca de 1,75m e tem cor parda-cinza. Seu bico (ou rostro) é comprido e fino, com cerca de 250 dentes pequenos e também finos, chegando a viver até 20 anos. Típica das áreas costeiras, a toninha é encontrada desde o Espírito Santo, no Brasil, até a Província de Chubut, na Argentina, sempre em águas rasas que, em geral, não passam dos 30 metros de profundidade. Embora difícil de ser avistada, em alguns locais a toninha é mais facilmente encontrada, como na Baía de Babitonga, próxima da cidade de Joinville

e da Ilha de São Francisco do Sul, em Santa Catarina. A toninha se alimenta de diferentes espécies de peixes, lulas e camarões. A morte devido à captura acidental em redes de pesca é a principal ameaça à conservação dessa espécie. As demais ameaças, também comum aos golfinhos em geral, são a crescente degradação ambiental da zona costeira, a construção de portos e indústrias no litoral, o intenso tráfego marítimo/colisão com embarcações, a prospecção e a exploração sísmica nas áreas de migração e de reprodução, bem como a poluição e a degradação dos ambientes marinhos e costeiros. O boto-cor-de rosa ou boto-vermelho (Inia geoffrensis) é o maior dos golfinhos de rio e tem visível dimorfismo sexual. Os ma-


chos adultos atingem 2,55m de comprimento e 200 kg de peso. Fêmeas chegam a medir 2,25m e pesar 155 kg. Este boto só ocorre nos rios da Bacia Amazônica, mas em grandes quantidades e por quase toda a região. Assim como os demais golfinhos de rio, os botos-cor-de-rosa são impactados pela competição de recursos hídricos e de peixe com os humanos. As mais recentes ameaças a essa espécie são a pesca da piracatinga, que usa o boto como isca, e a construção de hidrelétricas na região. HISTÓRIAS EVOLUTIVAS De acordo com o “Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Mamíferos Aquáticos – Pequenos Cetáceos”, publicado em 2011 pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), os pequenos cetáceos formam um grupo com várias origens e histórias evolutivas, totalizando 69 espécies, distribuídas em nove famílias. Eles estão presentes em todas as bacias oceânicas e mares do mundo, bem como em bacias hidrológicas da América do Sul e da Ásia. Incluem desde a orca (Orcinus orca), cujo macho atinge nove metros de comprimento e tem ocorrência cosmopolita, ou seja, em todo o globo terrestre, até o tucuxi (Sotalia fluviatilis), que atinge 1,7 metro de comprimento

e é restrito à Bacia Amazônica. Além das ameaças relativas às atividades econômicas e à ação humana, um dos gargalos para a conservação dos pequenos cetáceos é o fato de a maioria das espécies desse grupo de animais ainda carecer de pesquisas e de informações científicas sobre a sua história de vida, sua distribuição e abundância na natureza. Conforme dados da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), 40 das 69 espécies de pequenos cetáceos existentes são classificadas como deficiente em dados, ou seja, simplesmente não há informação suficiente disponível para determinar se elas estão ou não ameaçadas. Do ponto de vista dos serviços ambientais, os pequenos cetáceos desempenham papel essencial nos ecossistemas que habitam, estabilizando e garantindo uma dinâmica produtiva saudável. São, ainda, protagonistas do turismo de observação (whale and dolphin watching), atividade que movimenta cerca de US$ 1 bilhão por ano, em 492 comunidades, de 87 países. Desde 1998, o Brasil lidera, junto com países da América Latina e da África, a proposta de criação do Santuário do Atlântico Sul, uma área na qual se manteriam apenas atividades voltadas para o turismo sustentável e a pes-

ENTENDA MELHOR l O boto-vermelho, boto-da-amazônia ou ainda, como é mais conhecido no restante do Brasil, boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) tem sete vértebras cervicais não-fusionadas e, por isso, consegue mover a cabeça em todas as direções. A cor do corpo varia com a idade, limpidez da água, temperatura e localização. Em águas frias, a cor rosada pode desaparecer. l O golfinho-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus), quando encontrado em águas costeiras de Santa Catarina ao Rio Grande do Sul, é chamado de boto. l Sociáveis, excelentes nadadores e acrobatas, os golfinhos podem atingir velocidade de até 40 km/h em seu nado e saltar até cinco metros acima da água. l Os golfinhos têm um sistema de orientação e localização conhecido como ecolocação. Através dele, sons de alta frequência, inaudíveis ao ouvido humano, são produzidos pela vibração dos dutos de ar e dirigidos para o meio externo através do “melão” (protuberância na parte frontal da cabeça), que atua no direcionamento das ondas sonoras e altera a frequência e o comprimento delas. l Quando os sons atingem um objeto, o eco retorna ao golfinho, que os capta pela mandíbula e pelo ouvido. E, assim, são transmitidos ao cérebro, que os analisa quanto à localização, forma, textura e constituição.

quisa de mamíferos marinhos, protegendo assim as 51 espécies de baleias e golfinhos aqui existentes. Essa iniciativa, porém, foi mais uma vez vetada pelos países pró-caça, durante a Conferência Global 2018, realiza em setembro, em Florianópolis (SC). MARÇO DE 2019 | ECOLÓGICO  55


FOTO: JOSÉ MARTINS SILVA JR. / ICMBIO

1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - GOLFINHOS

SAIBA MAIS!

GOLFINHOS-rotadores em Noronha: eles atingem até dois metros de comprimento e 75 kg

l Um dos principais atrativos do arquipélago de Fernando de Noronha, em Pernambuco, é o golfinho-rotador (Stenella longirostris longirostris). Ele tem esse nome porque, quando salta fora d’água, consegue girar até sete vezes em torno de seu próprio eixo. l Com tempo de vida que varia de 20 a 30 anos, o golfinho-rotador atinge 2 metros de comprimento, pesa 75kg e apresenta padrão tricolor: cinza-escuro no dorso, cinza-claro nos flancos e branco no ventre. É a terceira espécie de golfinho mais abundante do mundo. Nunca entra em rios e raramente é observada perto da costa continental. l Devido à complexidade de suas estruturas sociais, dos seus sistemas de comunicação e das características morfológicas e fisiológicas de seu cérebro, os golfinhos são animais muito inteligentes. Proporcionalmente, em relação ao peso e ao tamanho do animal, o cérebro do golfinho-rotador é o terceiro maior, com cerca de 1,5kg, sendo que o cérebro humano é o sexto. l Criado em 1990 para conservar o comportamento natural dessa espécie, o Projeto Golfinho Rotador (golfinhorotador.org.br) atua em diferentes áreas: promove ações de pesquisa, de educação ambiental, de mobilização/envolvimento comunitário e de sustentabilidade em Fernando de Noronha, com patro-

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cínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental. l A Baía dos Golfinhos e a Enseada Entre Ilhas, no Parque Nacional Marinho, são os pontos de maior concentração de grupos de indivíduos da espécie em Noronha. Mas estudos revelam que, nos últimos 10 anos, outras áreas também estão sendo ocupadas. A frequência de animais na Baía dos Golfinhos, local preferido para descanso, amamentação e reprodução, vem diminuindo; mas tem aumentado na Enseda Entre Ilhas e na Baía de Santo Antônio. l Outras duas áreas de observação – Mirante do Boldró (entre 2012 e 2016) e Forte de Nossa Senhora dos Remédios (entre 2016 e 2018) – registram maior frequência dos rotadores. A nova configuração na área de ocupação implica medidas de controle de atividades humanas, tais como o tráfego de embarcações e a instalação de equipamentos que produzam ruídos e outras fontes de impacto sobre esses animais. FONTES/PESQUISA BIBLIOGRÁFICA Projeto Golfinho Rotador (www.golfinhorotador.org.br)/ Manual de Ecossistemas Costeiros e Marinhos para Educadores (Rede Biomar)/Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Mamíferos Aquáticos - Pequenos Cetáceos (MMA/ICMBio), Laboratório de Biologia da Conservação de Mamíferos Aquáticos (LABCMA/USP).


FOTO: DIVULGAÇÃO

QUATRO PERGUNTAS PARA...

JOSÉ MARTINS DA SILVA JÚNIOR

Oceanógrafo do Núcleo de Gestão Integrado de Fernando de Noronha/ ICMBio, idealizador e coordenador do Projeto Golfinho Rotador

Envolvimento da comunidade

Poderia citar alguns desses prêmios? Vale destacar a conquista do 1º lugar no “Prêmio Procel de Eficiência Energética” (2006), concedido ao projeto arquitetônico da sede do Projeto Golfinho Rotador, na categoria “Edificações”. Além, ainda, do prêmio Okayama Award 2016, de educação para o desenvolvimento sustentável, no qual fomos um dos 10 finalistas de todo o mundo. Esse prêmio é promovido pela cidade de Okayama, no Japão, uma das parceiras da Unesco no Programa de Ação Global para efetivação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Em 2018, o arquipélago recebeu 103.548 turistas, segundo dados oficiais da Autarquia Territorial do Distrito Estadual de Fernando de Noronha (ATDEFN). Desse total de turistas, cerca de 80% fizeram passeios de barco para observar golfinhos. Como a média de custo por passeio é de R$ 100 (por pessoa), em 2018, o turismo de observação movimentou, no mínimo, R$ 8.283.840. O senhor é um dos idealizadores do Projeto Golfinho Rotador. O que mais lhe motiva na convivência com os golfinhos? O convívio com a natureza de Fernando de Noronha e com os golfinhos, bem como a minha formação acadêmica e a perseverança no trabalho, certamente são as minhas maiores inspirações. Foi graças a isso que criamos um dos maiores programas de conservação de golfinhos do mundo.  FOTO: JOSÉ MARTINS SILVA JR. / ICMBIO

Um dos destaques do Projeto Golfinho Rotador é o foco em ações de educação ambiental. Que balanço faz dos principais avanços ocorridos nessas quase três décadas de atividade? Como um dos principais objetivos do projeto é envolver as pessoas na conservação da biodiversidade marinha, nos dedicamos muito a promover ações de sensibilização com este foco específico. Felizmente, a mudança do discurso da comunidade e das autoridades locais – de contra ou neutra para veemente pró-conservação –, é um resultado palpável do projeto. Em relação à educação ambiental, os prêmios nacionais e internacionais relacionados às nossas atividades também indicam que estamos no caminho certo.

Quanto o turismo de observação movimenta, por ano, em Noronha?

Nós apoiamos essa ideia!

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NATUREZA MEDICINAL MARCOS GUIÃO (*) redacao@revistaecologico.com.br

SURRA DE MARIA-PRETA

E ALECRIM NO DEFUNTO

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FOTO: MARCOS GUIÃO

essas andanças pelo sertão já ouvi um bocado de histórias, algumas fantasiosas, outras refletindo as durezas da vida. Dia desses ouvi uma deverasmente curiosa acontecida dos antigamentes na região central dos Gerais. Quem me contou foi Zé Malaquias, cabra dotado de grandes olhos esverdeados enfeitando o rosto redondo vincado de rugas. Um chapéu de palha desgastado cobria a cabeça se apoiando nas orelhas de abano, completando sua figura altiva e tranquila. Estávamos numa turma grande, onde todos conversavam animadamente sobre as plantas de remédio, quan-

do de repente o assunto esbarrou na morte. Cada qual deu seu palpite, até que o assunto foi se esfriando. Foi aí que Malaquias puxou, dos seus mais de 70 anos, a memória do que ocorria naqueles tempos em que ele ainda era um garoto morador da comunidade do Engenho. Quando morria alguém por lá era um “Deus nos acuda”, pois no distrito num tinha cemitério e o enterro se dava na sede do município distante 18 km. Num tinha carro e o falecido era literalmente carregado nos braços até lá. Em geral, o defunto era devidamente preparado, chorado e velado pelos amigos e familiares ainda na comunidade, para depois então ter seu caixão fechado e colocado por riba de uma espécie de padiola, que oito dos homens mais fortes da comunidade carregavam até chegar à cidade. Num importava se era chuva ou sol, o ritual era sempre esse. - “Já fiz isso demais no tempo que as forças ainda tavam nos meus braços. Nóis vinha naquela faina num batido só, até que os braços começavam a fraquejar. No meio do caminho tinha um pé de genipapo, que inté hoje inda tá lá, onde a gente arriava o morto, sentava na sombra da árvore, tomava um café, comia-se uma broa e ganhava fôlego. Enquanto isso os mais velhos que acompanhavam o cortejo passavam a mão numas varas de maria-preta ou de alecrim encontradas por ali mesmo e davam de ralhar com morto. Aquilo eles batiam por riba do caixão, gritando: ‘Ocê tem que se entregar, isso é ordem de Deus, ele tá te esperando, chegou seu dia’... Moço ainda, eu ficava oiando aquilo assombrado, sem dizer nada em sinal de respeito. Pois ocê acredita que daí em diante ele dava de ficar maneirinho novamente? Antão nóis tornava a levantar a padiola, jogava nos ombros e cabava de completar nossa tarefa de ‘entregar o morto no cemitério’.” Os recursos hoje são muitos e os costumes mudaram, mas histórias como essa ainda resistem e me causam espanto. Inté a próxima lua!  (*) Jornalista e consultor em plantas medicinais. Saiba mais em www.ervanariamarcosguiao.com

58  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2019


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