Revista Ecológico - Edição 115

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© Lucas Bustamante

A GENTE NÃO TEM PREGUIÇA PRA CUIDAR DA NATUREZA Conheça nosso trabalho: ConservacaoInternacional

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1 IMAGEM DO MÊS

SACRIFÍCIO ANIMAL

FOTO: RICARDO STUCKERT

Uma vaca acabou virando ícone na cobertura jornalística da tragédia da Vale, não tendo a mesma sorte de outros mais de 300 animais resgatados com vida pelos bombeiros. Ela até que lutou. Recebeu água e ração, teve também ajuda de veterinários e ambientalistas. Mas não conseguiu vencer a lama, que endureceu após quatro dias seguidos. Foi abatida com um tiro de “rifle sanitário” disparado por agentes da Polícia Rodoviária Federal.

JAN/FEV DE 2019 | ECOLÓGICO  03


EXPEDIENTE

“Não há sentido na vida do homem sem a sua interação com a natureza. Ambos são gerados pelo mesmo Criador. A natureza vive sem o homem. O homem não vive sem ela.” Hugo Werneck

Em toda lua cheia, uma publicação dedicada à memória de Hugo Werneck

DIRETOR-GERAL E EDITOR Hiram Firmino hiram@souecologico.com

REPORTAGEM Bia Fonte Nova, J. Sabiá e Luciana Morais

DIRETORA DE GESTÃO Eloah Rodrigues eloah@souecologico.com

MÍDIAS DIGITAIS Bruno Frade EDITORIA DE ARTE André Firmino

EDITOR-EXECUTIVO Luciano Lopes luciano@souecologico.com

COLUNISTAS (*) Andressa Lanchotti, Marcos Guião e Maria Dalce Ricas

DIRETOR DE ARTE Sanakan Firmino sanakan@souecologico.com CONSELHO EDITORIAL Fernando Gabeira, José Cláudio Junqueira, José Fernando Coura, Maria Dalce Ricas, Mario Mantovani, Patrícia Boson, Paulo Maciel e Sérgio Myssior CONSELHO CONSULTIVO Angelo Machado, Célio Valle, Evandro Xavier, Fabio Feldmann, José Carlos Carvalho, Roberto Messias Franco, Vitor Feitosa e Willer Pos EMISSÕES CONTABILIZADAS

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REVISÃO Gustavo Abreu DEPARTAMENTO COMERCIAL Sarah Caldeira sarah@souecologico.com MARKETING Janaína De Simone janaina@souecologico.com ASSINATURA Ana Paula Borges anapaula@souecologico.com

2,24 tCO2e Dezembro de 2018

IMPRESSÃO Gráfica OLPS PROJETO GRÁFICO-EDITORIAL Ecológico Comunicação em Meio Ambiente Ltda. REDAÇÃO Rua Dr. Jacques Luciano, 276 Sagrada Família - Belo Horizonte - MG CEP 31030-320 Tel.: (31) 3481-7755 redacao@revistaecologico.com.br EDIÇÃO DIGITAL www.revistaecologico.com.br (*) Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não expressam necessariamente a opinião da revista.

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conhecimento + tecnologia

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gestão da sustentabilidade 1

O CLIMAS é um sistema de gestão de Indicadores de sustentabilidade (GEE, Energia, Resíduos, Água) que coleta, organiza, gerencia e comunica informações, com recursos focados em Business Intelligence. As empresas ganham eficiência, escalabilidade e segurança de dados, permitindo que foquem no que mais importa: bons resultados.

risco climático 1

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O Model For Vulnerability Evaluation (MOVE) é uma plataforma computacional integrada que utiliza análise espacial e estatística para avaliação da vulnerabilidade e riscos associados à mudança do clima. O modelo foi desenvolvido pela WayCarbon e contou com recursos da FINEP, FAPEMIG e CNPq.

licenciamento ambiental 3

O LicenTIa é a plataforma que facilita, barateia e agiliza o processo de licenciamento ambiental. Trazemos tecnologia da informação para a otimização do planejamento, aumentamos a eficiência no compartilhamento de documentos e melhoramos a gestão dos processos com boas práticas de PMO. O LicenTIa é um spinoff da WayCarbon.

estudos estratégicos 4

Por meio de uma equipe multidisciplinar e com ampla experiência, integramos a sustentabilidade na estratégia corporativa e no desenho de políticas públicas. Nosso desafio é apoiar a transição para uma Economia de Baixo Carbono.

responsabilidade climática 15 1

O Programa Amigo do Clima é uma iniciativa voluntária para a compensação de emissões de gases de efeito estufa (GEE). A plataforma conecta projetos de compensação brasileiros a empresas, garantindo transparência e rastreabilidade na transação de créditos de carbono.

Inteligência para sustentabilidade. www.waycarbon.com


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ÍNDICE

Capa

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18 FOTO: RICARDO BARBOSA / ALMG

PÁGINAS VERDES PREFEITO DE MARIANA, DUARTE JÚNIOR, FALA DO DESAMPARO SOCIAL E DO CAOS FINANCEIRO QUE ASSOMBRAM A CIDADE, DESDE A TRAGÉDIA DA SAMARCO EM 2015

OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (9)

FOTO: DIVULGAÇÃO

E mais...

IMAGEM DO MÊS 03 CARTAS DOS LEITORES 08

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ILHA DE MARÉ, EM SALVADOR (BA), PADECE COM A POLUIÇÃO E O ADOECIMENTO DE CRIANÇAS POR EXPOSIÇÃO AO CHUMBO E A OUTROS METAIS PESADOS

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ECOLÓGICO NAS ESCOLAS/RETROSPECTIVA

FOTO: REPRODUÇÃO

Pág.

FOTO: RICARDO STUCKERT

ECOLÓGICO REVISITA A TRAGÉDIA DA VALE EM BRUMADINHO (MG), QUE DEIXOU MAIS DE 300 MORTOS E DESAPARECIDOS, E DEVASTOU O RIO PARAOPEBA.

SAIBA COMO O CONSUMO CONSCIENTE, A RECICLAGEM E A DESTINAÇÃO CORRETA DAS EMBALAGENS PLÁSTICAS EVITAM A DEGRADAÇÃO AMBIENTAL

CARTA DO EDITOR 10 ECONECTADO 12 MUNDO EMPRESARIAL 13 GENTE ECOLÓGICA 14 BLOG DO HIRAM 16 ESTADO DE ALERTA 22 OPINIÃO PÚBLICA 48 MUNICÍPIOS MINERADORES 50 EMPRESA & MEIO AMBIENTE 58 NATUREZA MEDICINAL 66


UM ESPAÇO INIGUALÁVEL André Firmino / Ecológico

EM MEIO À NATUREZA COM CONFORTO E REQUINTE

EVENTOS AO AR LIVRE | TREINAMENTO EMPRESARIAL CONGRESSOS | WORKSHOPS | PALESTRAS | CONFRATERNIZAÇÕES

LOCALIZADO EM NOVA LIMA, VIZINHO DO VALE DOS CRISTAIS, A APENAS 10 MINUTOS DO BH SHOPPING, COM UMA EXUBERANTE ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. AV. DO CONTORNO, 7450 | LOURDES | BELO HORIZONTE - MG | (31) 3292-6160 @ | WWW.NATURE.COM.BR


CARTAS DOS LEITORES

Por motivo de clareza ou espaço, as cartas poderão ser editadas.

'Ecológico nas Escolas' e 'Memória Iluminada' são as minhas preferidas.” Lucas Miranda, por e-mail l ERRATA A foto (veja abaixo) que ilustrou a matéria “Rejeitos da Salvação”, publicada na página 72 da edição 114 (dezembro de 2018) da Revista Ecológico, saiu com o crédito errado. O autor da foto é o ambientalista Flávio Passos e ela mostra o PaviECO - Pavimento Ecologicamente Correto intertravado, produzido a partir do rejeito de mineração depositado em barragens, córregos, rios e ribeirões. Foi desenvolvido por Flávio por meio do projeto “Bacia Viva”. Sua expertise teve início em 1969, após o rompimento de uma barragem de mineração de ferro, na região de Nova Lima, que assoreou e degradou completamente o Córrego Alegria. Proprietário de um terreno nesta região, Passos começou a pesquisar formas de revitalizar o córrego e o ambiente em seu entorno. Desenvolveu, enfim, um processo de aproveitamento industrial do rejeito de mineração. Os sedimentos retirados nas atividades de desassoreamento do Córrego Alegria passaram a ser transformados em artefatos de cimento, os blocos de pavimentação, na forma de peixes, que foram então batizados de PaviECO. Em 2003, a iniciativa ganhou mais visibilidade ao ser apresentada no programa Globo Repórter, da TV Globo. Em 2006, o PaviECO foi agraciado, em terceiro lugar, com o 5o Prêmio Furnas Ouro Azul, na categoria Comunidades. O projeto continua em andamento, conta Passos. “O rejeito sedimentado transformado pelo Bacia Viva em PaviECO, um produto de excelência, vai se consolidando como uma solução técnica sustentável, simples, viável e um rotor no processo de revitalização e desassoreamento.” 

l PRÊMIO HUGO WERNECK 2018 Reportagem especial trouxe cobertura completa da entrega dos troféus da maior premiação ambiental do Brasil “Que beleza foi a solenidade. Todos convergentes pela causa ambiental, celebrando conquistas, parcerias e mostrando que o Brasil está cheio de bons exemplos sustentáveis.” Álvaro Lira, por e-mail l MEMÓRIA ILUMINADA - ROBERT HAPPÉ “O texto de Happé desperta a nossa consciência para a cura de nossas angústias, dos medos. Parece que devolve a gente para a liberdade que perdemos. Confesso que me senti bem mais leve depois de ler a matéria e refletir sobre quem sou e o que quero para a minha vida.” Antônia Lopes Moura, por e-mail l OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (8) População de Paracatu (MG) denuncia impactos sobre a água e a saúde humana na região por exposição ao arsênio “Cenário corriqueiro nesse Brasil. Grande empresa que vem, destrói o meio ambiente e faz a população adoecer. E tem governante ainda achando que isso é ótimo para economia.” Magda Martinelli, por e-mail l CUMPRIMENTOS “Linda a última edição da revista. As seções 08  ECOLÓGICO | JAN/FEV DE 2019

Para saber mais, acesse www.baciaviva.com.br FOTO: FLÁVIO PASSOS

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FA L E C O N O S C O

Envie sua sugestão, opinião ou crítica para cartas@revistaecologico.com.br


A RÁDIO DA PADROEIRA DE MINAS GERAIS

NOSSA SENHORA DA PIEDADE

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CARTA DO EDITOR

HIRAM FIRMINO | hiram@souecologico.com

QUANTO VALE O MEIO AMBIENTE PARA A VALE?

O

engenheiro de produção Fabio Schvartsman assumiu a presidência da Vale – que já não traz mais o Rio Doce no seu nome – em maio de 2017, um ano e meio após o rompimento da Barragem de Fundão. E uma das suas condições para aceitar o cargo foi “Mariana, nunca mais”. A Ecológico tentou se certificar, junto à Vale, se alguma vez o executivo havia se dignado a visitar Mariana, o distrito de Bento Rodrigues. A sua assessoria de imprensa não respondeu. Quanto vale o meio ambiente para a maior mineradora do país e segunda do mundo? Já valeu muito, hoje quase nada. Quando ainda era estatal e tinha o dever socioambiental no topo da sua governança, como obrigação de estado – e não apenas voltada a pagar dividendos aos seus acionistas –, a Vale era afetiva, orgulhava seus funcionários. Conversava com os ambientalistas. Todo mundo sabia quem era seu presidente, os nomes de seus diretores, conhecia seus rostos. Esse relacionamento de mão dupla acabou com a chegada da gestão Roger Agnelli. Investidor e banqueiro, ele ficou 10 anos na mineradora. De 2001 a 2011. O bastante para rebaixar as áreas de Meio Ambiente e Comunicação Social a seu nível mais baixo. 10  ECOLÓGICO | JAN/FEV DE 2019

Tornaram-se apêndices, sem orçamento, prestígio e autonomia, vide as surras e perdas crescentes de reputação mundo afora. O que Eliezer Batista, fundador da Vale, chamava de investimento socioambiental, dever humanístico, Agnelli via somente custos, despesas sem retorno. O resultado atual disso é o que aconteceu em Brumadinho, repetindo Mariana. Quando ocorreu o rompimento da Barragem de Fundão, que soterrou 19 moradores de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, o sentimento uníssono foi de perplexidade: “Logo com a Samarco”, que tinha a sustentabilidade como princípio e prática? E um presidente engajado no discurso ambiental? Com a tragédia de Brumadinho, ocorreu o inverso. O lado distante, autoritário e arrogante da Vale – é o que se comenta inconfidentemente pelos Geraes – precisava passar por isso. E infelizmente, para ela descer do pedestal da impunidade e respeitar mais, conviver com os seus iguais e aprender a lidar com os diferentes. A Vale precisava mesmo dessa dor pedagógica para decidir mudar suas sabidamente frágeis barragens a montante. Ainda mais agora, quando já se confirmou e propagou, para novo espanto dos atingidos, e da opinião pública mundial, que a Vale tem como “po-


lítica interna” jamais pagar qualquer multa, mes- Schvartsman, tanto proclama quanto nega, a memo justa, contra ela. Pelo contrário, faz parte de nos que a sua Vale comprove o contrário, ainda é sua “política interna” judicializar sempre qualquer tão somente um exercício de linguagem. É desaação indenizatória. O objetivo mor mesmo, escancarado. Tem dessa prática, comprovada pelo a cor marrom, sanguinolenta e Segundo seus Ibama, é cruel: ganhar tempo e espessa de rejeito. E a dor maior "Relatórios de “empurrar com a barriga” o que, da nossa tristeza e rejeição pela eticamente, ela deveria fazer com Sustentabilidade", os mineração insustentável. o coração verde e social. Desta vez, foram muitas mortes, Quando seu presidente decla- gastos socioambientais presidente Schvartsman! ra, solenemente, na Câmara dos Por que o senhor, de cabeça er(e não investimentos) Deputados, na já fria Brasília, guida, e não abaixada, não conda Vale vêm que a Vale é “uma joia brasileira voca seus acionistas, mexe no e não pode ser condenada por coração e no bolso dos seus exeencolhendo desde um acidente, por maior que tecutivos, e paga o que a Vale deve 2014, quando foram ao meio ambiente e à natureza de nha sido a tragédia”, é para todos nós desconfiarmos. Deus? O que deve também à mede US$ 1,13 bilhão. Desconfiados da indiferença mória dos mais de três centenas Em 2017, a cifra bancária de não ter pago até hoje de seres vivos incluindo os seus as multas referentes ao crime da caiu para a metade, próprios empregados soterrados Samarco que ela ajudou a comevivos na “lama nunca mais” de US$ 612,8 milhões ter, meio a meio com a BHP BilliBrumadinho? ton, em Mariana. O senhor tem essa coragem O “ir além” do que já manda a legislação am- (do latim, “agir com o coração”)? biental brasileira, que Hugo Werneck chamava É o que a Ecológico pergunta, revisita, e busca rede amor ecológico, traz em si o mesmo senti- portar, com esperança, nesta edição. mento do mundo de Drummond. Já o “além” que Boa leitura! Até a lua cheia de março. 

FOTO: TOMAZ SILVA /

FOTO: DIVULGAÇÃO

A Revista Ecológico dedica esta sua Edição Especial à memória do jornalista Ricardo Boechat (foto à esq.). Ele era chefe de Redação do JORNAL DO BRASIL, quando o suplemento Estado Ecológico, que circulou no ESTADO DE MINAS se transformou na Revista JB Ecológico. Naquela época, o presidente dos Estados Unidos, George Bush, fez uma declaração infeliz, nos mesmos moldes da que foi feita agora pelo presidente da Vale: “Somos o maior poluidor do mundo. Mas, se for preciso, vamos poluir ainda mais para evitar uma recessão na economia americana”. Quem aprovou a capa (à dir.) de estreia da JB Ecológico foi o próprio Boechat. Disse-me ele, com seu estilo direto: “Você está muito mineiro. Pode aumentar o rosto desse Bush. E não afirme, no título, que ele é terrorista ambiental. Melhor colocar um ponto de interrogação. Isso vai despertar e instigar a curiosidade. Os nossos leitores vão saber quem ele é, de verdade, e o estrago que os EUA estão causando ao planeta”. Grande Boechat!

AGÊNCIA BRASIL

LEMBRANDO RICARDO BOECHAT

SCHVARTSMAN E BUSH: qualquer semelhança pelo desenvolvimento econômico e insustentável não é mera coincidência?

JAN/FEV DE 2019 | ECOLÓGICO  11


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ECONECTADO

NA REDE #SouEcológico Confira as matérias mais acessadas em nosso portal:

[eBook] Plantas medicinais para cuidar da sua saúde Descubra como elas podem ajudar no tratamento de doenças Link: goo.gl/PsFTPG Pesquisador analisa campanhas que desacreditam mudanças climáticas Tese foi premiada pela Capes, do Ministério da Educação Link: goo.gl/7pcZph Museu da Natureza é aberto no sul do Piauí Complexo foi construído em região com maior concentração de sítios arqueológicos do país Link: goo.gl/mbLpXU Peruaçu é santuário único Parque nacional localizado no Norte de Minas abriga cavernas colossais e pinturas rupestres que remontam à ocupação humana ocorrida há 12 mil anos Link: goo.gl/3GoEeZ

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NOSSO TRANSPORTE Dar dicas de locomoção para incentivar escolhas conscientes, economizando energia e cuidando do meio ambiente. Esse é o objetivo do app “Nosso Transporte”, idealizado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e pelo Instituto Akatu. Quarto aplicativo sobre consumo consciente idealizado por meio de parceria entre as duas entidades, ele é gratuito e está disponível no Google Play/ Play Store para aparelhos com sistema Android (goo.gl/mxbzSe). Por meio do “Nosso Transporte”, o usuário também tem acesso à Calculadora Transporte Consciente. Basta inserir o preço do combustível em sua região, o valor do transporte público e o endereço de destino. A ferramenta compara gastos financeiros, emissão de carbono e calorias gastas pelo usuário caso ele escolha percorrer um determinado percurso de carro, usando transporte público, de bicicleta ou a pé.

SLEEP TIME Para quem gosta de uma noite bem dormida, o aplicativo “Sleep Time” é um aliado e tanto: avalia a qualidade do seu sono para não acordá-lo naquele momento em que você está mais relaxado! Isso é possível por meio de um algoritmo, que faz com que o aplicativo identifique os estágios, os movimentos e acorda o usuário no horário em que o seu organismo está mais disposto a levantar da cama. Para dar aquele empurrãozinho, a ferramenta ainda disponibiliza “sons” que vão ajudar você a dormir como um anjo. Antes de se deitar, é importante que o app esteja aberto. Também é preciso colocar a tela do smartphone sobre o colchão para que tudo seja monitorado e depois o usuário possa analisar por meio de gráficos a qualidade e os ciclos do sono. Disponível na App Store (Link: goo.gl/zocHak).

MAIS LIDA A matéria “O Eldorado da discórdia”, que faz parte da série “Os maiores crimes ambientais do Brasil”, foi a mais acessada de dezembro de 2018 e janeiro último. A reportagem retratou a polêmica que ronda a maior mina de ouro a céu aberto do mundo, em Paracatu (MG). A população denuncia e cobra providências em relação aos impactos sobre a água e aos riscos à saúde por conta da exposição ao arsênio. Para ler o conteúdo na íntegra, acesse: goo.gl/voxLQQ

FOTOS: DIVULGAÇÃO

ECO LINKS


1 MUNDO EMPRESARIAL

A PRESENÇA DO INOX

Da indústria de base à utilidade doméstica

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ste foi o título de uma simples e feliz comunicação feita pela Aperam (antiga Acesita e, posteriormente, ArcelorMittal), na passagem do ano, sobre a quase onipresença do inox em nossas vidas. No Brasil, pontuou o informe, “o inox está presente nos meios de transportes, nos equipamentos cervejeiros e indústrias de alimentos, em academias ao ar livre em algumas capitais, no veleiro Kat da Família Schurmann. Também está nas profundezas do Oceano Atlântico, na camada do pré-sal, em edifícios e estádios de futebol, como o Castelão, em Fortaleza, e no Allianz Parque, em São Paulo”. O texto continua: “Faz parte do dia a dia nas peças e utilidades domésticas, no agronegócio, em vagões de trem que carregam minério, em betoneiras e em caminhões coletores de lixo. Está até mesmo em 100% da rede de distribuição de água de Tóquio, no Japão, com grande impacto positivo na eficiência do sistema”. E conclui: “Altamente resistente ao desgaste, quimicamente inerte, pois não reage ao contato de alimentos e bebidas, o inox impede a adesão de substâncias e bactérias, possui longa durabilidade e exige pouca manutenção. Tem, ainda, performance superior a materiais tradicionais, sobretudo em condições severas de uso em ambientes corrosivos e abrasivos”.

FOTO: DIVULGAÇÃO

“O aço faz parte do dia a dia nas peças e utilidades domésticas, no agronegócio, em vagões de trem que carregam minério, em betoneiras e em caminhões coletores de lixo."

HASTE de limpeza e canudos em aço verde, produzidos com energia limpa e 100% sustentável pela Aperam JAN/FEV DE 2019 | ECOLÓGICO  13


GENTE ECOLÓGICA FOTOS: DIVULGAÇÃO

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“A obesidade será para este século o que o cigarro representou para o século XX.” DRÁUZIO VARELLA, médico e escritor

“O homem é a mais insana das espécies. Adora um Deus invisível e mata a Natureza visível, sem perceber que a Natureza que ele mata é o Deus invisível que adora.”

“Para quem tem fé, a vida nunca acaba.” RICARDO BOECHAT (1952-2019), jornalista e apresentador de TV

“Não fazemos amor suficiente para combater o ódio.” STEVEN SPIELBERG, cineasta e diretor do filme “A Lista de Schindler” 14  ECOLÓGICO | JAN/FEV DE 2019

FOTO: FERNANDA MANN

FOTO: BRIAN BOWEN SMITH

HUBERT REEVES, astrofísico canadense

“A engrenagem que aciona a pobreza é a mesma que impulsiona o uso predatório dos recursos florestais e a destruição da natureza.” JOSÉ CARLOS CARVALHO, ex-ministro do Meio Ambiente


FOTOS: DIVULGAÇÃO

“Quando alguém acha que a natureza não é importante e não está dentro da cada um, eu tento explicar. O leite não nasce no saquinho, a água não é produzida por uma indústria. Sem as abelhas, não teríamos 70% dos alimentos do mundo. Sem as chuvas, você teria sido até agora uma ameba sem alça. Então se atualize e reverencie a natureza.”

CRESCENDO

FAFÁ DE BELÉM

“A intenção do ministro Ricardo Salles de que vai fazer da Amazônia um grande celeiro do agronegócio é grave. Se acabar com esse ecossistema, vai desertificar o lugar. Só quem sabe disso somos nós, que nascemos no Pará.” Foi o que declarou, na sabedoria dos seus 62 anos, a cantora e ex-musa das "Diretas Já".

VANESSA DA MATA, cantora e compositora

FOTO: GLÁUCIA RODRIGUES

COPASA

“É mais ecológico ouvir as comunidades. Elas não mordem. Nós somos mais perigosos.” CLÁUDIO LANGONE, ex-secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente

A Copasa encerrou 2018 equilibrada do ponto de vista econômico-financeiro. Outro ponto positivo ao longo do triênio 20152018 foi o avanço significativo no licenciamento ambiental de suas unidades operacionais. O número de Estações de Tratamento de Água licenciadas saltou de 60, em 2015, para 465 até julho de 2018. Em relação às Estações de Tratamento de Esgoto, as instalações licenciadas aumentaram de 66 (em 2015) para 197 até julho de 2018. MINGUANDO

TEREZA CRISTINA

“A nossa espécie será expulsa do planeta.” SEBASTIÃO SALGADO, ambientalista e fotógrafo

“Eu tenho uma história repleta de falhas e fracassos. E é por isso que eu sou um sucesso.” MICHAEL JORDAN, ex-jogador de basquete e atual dono da equipe Charlotte Hornets, da NBA/EUA

A ministra da Agricultura incorreu em mais uma deselegância política. Incluiu a top model Gisele Bündchen no rol de “maus brasileiros que metem o pau no país lá fora”. E assim, “degradam a imagem do setor produtivo, sem conhecimento de causa”. Se a ministra ler o livro “Aprendizados” da ambientalista defensora da Floresta Amazônica e um dos mais vendidos no país hoje, vai passar a amá-la, além de lhe pedir desculpas. JAN/FEV DE 2019 | ECOLÓGICO  15


BLOG DO HIRAM

www.blogdohiram.com.br

FOTO: ALAN SANTOS - PR

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JAIR BOLSONARO NA SUÍÇA: fake news internas contra ele mesmo

O CAPITÃO E O MEIO AMBIENTE Deu na coluna do Ancelmo Gois, em "O Globo". Até os próprios militares, quem diria, também estão apostando em uma impensável conversão ecológica do presidente Jair Bolsonaro. É o que está pra ser publicado no livro “Para pensar o Exército Brasileiro no Século XXI”, fruto de uma pesquisa feita pelos historiadores Eduardo Raposo, Maria Resende e Sarita Schaffel. Eles entrevistaram exatos 2.726 oficiais. Destes, 49% se disseram contra a presença das Forças Armadas na repressão ao tráfico de drogas e armas. E, ao contrário de Bolsonaro, 68,5% dos oficiais ouvidos se disseram contrários à diminuição do controle ecológico-ambiental para impulsionar o crescimento econômico do Brasil, o único país com nome de árvore. O que nos faz crer: depois que o capitão conseguiu trazer o juiz Sérgio Moro e a Operação Lava-Jato para o colo do seu governo, só falta ele convocar as Forças Armadas para a defesa in loco da Amazônia e o que mais nos resta de natureza pátria. Anote aí. Se isso acontecer, o Exército, a Aeronáutica e a Marinha brasileira passariam a ser vistos pela população como "Forças Amadas". 16  ECOLÓGICO | JAN/FEV DE 2019

MICO DESNECESSÁRIO A tragédia causada pela Vale em Brumadinho deveria servir para Bolsonaro desconfiar de certos auxiliares seus, como o que o levou a dizer, em Davos, na Suíça, a informação manipulada de que “somos o país que mais preserva o meio ambiente no mundo”. Nunca fomos, infelizmente. Ainda. No mesmo dia em que rompeu a Barragem do Feijão, o Observatório do Clima, rede de ONGs de combate às mudanças climáticas, publicou uma checagem do que anda dizendo de asneira o diretor da Embrapa Territorial, Evaristo de Miranda. Espécie de eminência parda de Bolsonaro na área ambiental, ele instiga o novo governo eleito a acreditar que o Brasil é o campeão em áreas ecologicamente protegidas. Não é verdade, presidente. Segundo o Observatório, uma comparação com outros países mostra que, pelo contrário, não temos nada de tão extraordinário no percentual de áreas preservadas. Segundo o Banco Mundial, diz a ONG, “há 51 nações com mais áreas naturais protegidas do que nós”. Somos, sim, o país que não aprendeu a lição, como os do Primeiro Mundo, hoje sem árvores, rios e ar puro. O Brasil que não conseguiu, isso sim, diante da força da natureza, devastar todo o verde que temos. Ainda. 


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PÁGINAS VERDES

"MIREM-SE EM MARIANA" Bia Fonte Nova

FOTO: RICARDO BARBOSA / ALMG

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DUARTE JÚNIOR: "Em Brumadinho, infelizmente, o pesadelo só está começando"

18  ECOLÓGICO | JAN/FEV DE 2019

D

esde a tragédia de Mariana, ocorrida há mais de três anos, ele é um dos rostos mais vistos e uma das vozes mais ouvidas no noticiário nacional e internacional. Sempre direto e firme, ele não usa meias palavras para resumir a sensação de desamparo social e dimensionar o caos financeiro que assombram o município desde novembro de 2015, quando a Barragem de Fundão se rompeu, matando 19 pessoas. Diante de mais uma tragédia protagonizada pela Vale – controladora da Samarco, ao lado da

gigante anglo-australiana BHP Billiton –, desta vez em Brumadinho, o prefeito Duarte Júnior afirma, categórico: “Fomos enganados e enrolados. Permanecemos com um grande problema nas mãos. Não apenas pela questão da perda de vidas e do impacto ambiental, mas principalmente pelo desamparo social. Mariana não serviu de exemplo. Infelizmente, a Fundação Renova, constituída para reparar os danos da tragédia, virou advogada da Vale e da BHP.” É o que você confere, a seguir:

Qual é a situação em Mariana hoje, passados mais de três anos do rompimento da Barragem de Fundão? O sentimento que temos é que a tragédia de Mariana teria de ter ensinado ao Brasil que a extração/atividade mineral é necessária. Mas, o que deve vir em primeiro lugar é o respeito ao ser humano e ao meio ambiente. Isso não aconteceu. Mariana não serviu de exemplo.

perdas de vidas muito maior.

Como se sentiu e se sente diante de mais esta tragédia em Brumadinho? O primeiro ponto é o seguinte: isso não poderia ter voltado a acontecer em hipótese alguma. Mas, infelizmente, aconteceu. E, desta vez, com uma proporção de

E o segundo? Diz respeito à Vale e à BHP Billiton, controladoras da Samarco. Nós, de Mariana, continuamos extremamente insatisfeitos com tudo o que aconteceu aqui após a tragédia. Fomos enganados e enrolados. Permanecemos com um grande problema nas mãos. Não apenas pela questão da perda de vidas e do impacto ambiental, mas principalmente pelo desamparo social. Está se referindo aos atingidos ou à população em geral? Ao município como um todo. As pessoas precisam entender que os atingidos não são apenas aqueles que morreram e


DUARTE JÚNIOR

Prefeito de Mariana

QUEM É

ELE

Formado em Direito, o prefeito Duarte Júnior, mais conhecido como “Du”, deu seus primeiros passos na política de Mariana em 1996, quando, aos 16 anos de idade, filiou-se ao PSB. Disputou sua primeira eleição em 2000, tendo sido então eleito, aos 19 anos, como o vereador mais jovem do Brasil. Em 2016, foi eleito prefeito, com 26.078 votos. E vencedor do "6º Prêmio Hugo Werneck de Sustentabilidade & Amor à Natureza", na categoria "Destaque Municipal", por sua atuação frente à tragédia da Samarco.

seus familiares. É óbvio que a perda deles é irreparável. Mas toda a cidade foi e ainda continua sendo impactada pela tragédia ocorrida aqui. No entanto, a maioria das pessoas não percebe isso. Temos de lidar com uma série de questões, sobretudo com as empresas responsáveis pelo acidente, que tentam forçar negociações para dar resposta aos seus donos e acionistas.

Quanto Mariana perdeu de receita com a paralisação da Samarco? Tivemos mais de 30% de receita perdida e nenhuma resposta à altura. O que é tratado não é colocado em prática. Tudo depende das Câmaras Técnicas, do Comitê Interfederativo (CIF) [que supervisionam e deliberam sobre os 42 programas socioeconômicos e socioambientais previstos no Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC), firmado após o acidente].

FOTO: CORPO DE BOMBEIROS MG

Saiba mais www.mariana.mg.gov.br

“Infelizmente, na tragédia da Samarco em Mariana, quem decide o que é importante ou não para a cidade e as pessoas, o que deve ser feito ou não, são a Vale e a BHP, através da Fundação Renova.” Que dificuldades e entraves a prefeitura enfrenta? Nossa primeira revolta é com o fato de esse TTAC ter sido assinado somente entre o governo federal, o governo estadual e as mineradoras. Eles não ouviram nem integram os municípios atingidos. Isso é um absurdo, uma falta de respeito. Infelizmente, na tragédia da Samarco em Mariana, quem decide o que é importante ou não

para a cidade e as pessoas, o que deve ser feito ou não, são a Vale e a BHP. Afinal, por meio da Fundação Renova, que tem assento no CIF, ambas estão representadas. Com esse TTAC, entregou-se às empresas o direito de decidir e tomar conta da tragédia que elas mesmas causaram. Não estão tendo o respeito que deveriam ter com Mariana. Espero que, em Brumadinho, façam diferente.

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JAN/FEV DE 2019 | ECOLÓGICO  19


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PÁGINAS VERDES

E quanto ao andamento dos programas previstos pela Renova? Estamos à espera de várias determinações que já foram votadas e aprovadas no CIF. Além do projeto “Escola em Tempo Integral”, que já existia no município, antes ao acidente, e que só conseguimos retomar em setembro do ano passado, com recursos da prefeitura, várias promessas estão paralisadas. Entre elas, questões relativas ao georreferenciamento do município, ao laticínio (Cooperativa dos Produtores de Leite) e ao distrito industrial. Nada disso saiu do papel. Fomos totalmente enrolados. Houve algum avanço concreto? A única coisa que caminha a passos lentos, até agora, é a questão dos atingidos. Eles recebem aluguel e ajuda de custo. E as obras de terraplanagem do novo distrito de Bento [Rodrigues] já foram iniciadas. Estão atrasadas, é verdade, mas pelo menos estão em andamento. Em relação às demandas do Fórum de Prefeitos dos municípios atingidos pelo rompimento de Fundão, qual é a situação do pagamento dos gastos extraordinários decorridos do acidente? Essa é a parte mais chocante. Temos esse fórum permanente, com 39 prefeitos [sendo 35 em Minas e quatro no Espírito Santo]. Nos reunimos e demonstramos que, entre novembro de 2015 e abril de 2016, tivemos despesas extras que precisavam ser ressarcidas, num valor estimado em R$ 83 milhões. A Renova não concordou e a questão foi levada à Câmara Técnica, do CIF, que determinou, então, o paga20  ECOLÓGICO | JAN/FEV DE 2019

mento de R$ 53 milhões. Mas, até agora, Mariana não recebeu um real sequer.

Por quê? Porque, nesse ínterim, venho tentando receber, em favor da prefeitura, o tributo cessante, ou seja, o que o município deixou de arrecadar em consequência da tragédia. Afinal, perdemos a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). A Samarco alega que, pela lei brasileira, esse tributo não é devido nem está previsto. Como não, se ela minera em Mariana há 44 anos? Só entre 2007 e 2015, a Samarco deu lucro – para a Vale e a BHP – de mais de R$ 30 bilhões. Decidimos, então, impetrar uma ação coletiva junto à Justiça da Inglaterra, que é sede de um dos braços da holding BHP Billiton. Quando essa ação foi impetrada? Em novembro do ano passado. Quando a empresa causa algum dano ou acidente, ela não pode se esquecer da sua responsabilidade social. Mas, infelizmente, a Fundação Renova, constituída para reparar os danos da tragédia, virou advogada da Vale e da BHP. Com base em que situações o senhor afirma isso? Eles me procuraram e disseram: ‘Só vamos te pagar o gasto extraordinário dos primeiros meses, se você retirar a ação na Inglaterra’. Fizeram isso comigo e com prefeitos de várias outras cidades atingidas. Qual foi a reação de vocês? Acuados, 20 cederam à pressão da Renova e retiraram a ação. Nós não cedemos e, por isso, não recebemos um real sequer. Decidimos, então, recorrer à

Justiça Federal de Belo Horizonte – considerada foro universal para dirimir impasses relativos ao acidente.

O que aconteceu então? O juiz determinou que a Renova é que decide quem ela vai pagar ou não. Ou seja, na prática, ficamos de pés e mãos atados, sempre prejudicados. E a Renova ainda foi além. Afirmou que eu não precisava abrir mão das ações impetradas na Justiça brasileira. Apenas desta, na Inglaterra. Parece brincadeira, mas é falta de respeito total, inclusive com o nosso Judiciário. Se Mariana até hoje vive um caos financeiro, a culpa é da Vale e da BHP. Respeito muito o poder Judiciário, mas discordo totalmente da forma como essa situação vem sendo conduzida. Por isso, repito: não vamos retirar a ação na Inglaterra. E quanto à realidade dos moradores afetados e que ainda não foram reassentados? Mesmo recebendo ajuda de custo e aluguel, a situação deles é totalmente insatisfatória. A maioria se sente perdida, isolada. Querem voltar para suas casas, retomar suas vidas de maneira independente. Imagine pessoas acostumadas à vida na roça, onde as crianças corriam pela rua e brincavam nos quintais, obrigadas a viver presas em apartamento... As queixas são muitas. Incluindo problemas psicológicos e psiquiátricos que causam impactos sérios na vida e na saúde deles. As pessoas sonham reaver suas casas e propriedades o quanto antes. Agora, com a tragédia da Vale em Brumadinho, eles certamente também se perguntam: ‘Por que quem morre e mora em Brumadinho tem um


DUARTE JÚNIOR

Prefeito de Mariana

valor, e quem morre e mora em Mariana tem outro?’.

O senhor diz isso pelo fato de a Vale ter anunciado “doações” a parentes de vítimas e produtores rurais de Brumadinho? Exatamente. Por que não há o mesmo tratamento aqui? Não acho que Brumadinho tenha recebido o ideal. Foi pouco. Mas a Vale poderia ter feito o mesmo aqui em Mariana. Poderia ter entrado em contato com as famílias, com os produtores e pequenos agricultores atingidos. Mas não, tudo aqui em Mariana só funciona na base da cobrança. É muito difícil e doloroso. Essas empresas são movidas pelo capitalismo. Tudo visa dinheiro, lucro. Não dá mais para admitirmos isso. O Brasil precisa levantar a voz. Qual é o seu recado para o prefeito e a população de Brumadinho? Primeiro, todo cuidado é pouco. Coloquem tudo no papel. O que é falado pelas empresas, na maioria das vezes, não é cumprido. Quanto ao prefeito, ele deve se preparar. E entender que o pesadelo só está começando; ele não vai acordar fácil. Daqui a pouco Brumadinho terá pessoas desempregadas, verá o comércio fechando as portas e a prefeitura ouvirá a Vale dizer que só os familiares das vítimas precisam ser atendidos. A mineradora fará tudo para ganhar tempo. No início, haverá muitas promessas, porque eles são treinados para falar tudo o que as pessoas querem ouvir. E as comunidades, que cuidados devem tomar? Precisam criar suas próprias comissões de representantes. Não podem deixar que ninguém fale por eles, têm de decidir o que

“As empresas precisam ter um pouco mais de Deus, de compaixão. Entenderem que tudo aqui é passageiro e que não adianta juntar fortuna na Terra.” querem e precisam. Muitos também aparecerão prometendo ajuda, representação, mas, na verdade, só estarão interessados em levar alguma vantagem. O apoio do Ministério Público e de entidades sérias é bem-vindo, para que tenham as orientações necessárias. Mas não podem permitir que ninguém decida nada por eles. Em Mariana, a comissão de Bento e de Paracatu de Baixo é muito presente. Ainda que sejam igualmente enrolados pelas empresas, eles cobram muito. Se não estivessem, eles mesmos, à frente da defesa de seus direitos, certamente a situação aqui estaria muito pior. Já teriam sido atropelados.

E dos governos federal e estadual, o que esperar? Temos uma nova gestão em Minas e espero que o governador Romeu Zema demonstre uma postura diferente. Em Mariana, a decepção é imensa. O ex-governador Fernando Pimentel esteve aqui, na Praça Minas Gerais, ou seja, no coração de Mariana, a primeira cidade de Minas, e anunciou que repassaria parte da multa – de R$ 120 milhões, aplicada pelo Estado à Samarco – à prefeitura. Resultado? O seu governo terminou e não chegou um real sequer aos nossos cofres; só conversa.

Nesse momento em que conversamos, há notícias sobre risco de rompimento de barragens em Barão de Cocais e Itatiaiuçu. Como se sente e o que tem a dizer? Eu me sinto muito angustiado. Com a experiência e o conhecimento que adquiri desde o acidente aqui, me sinto extremamente preocupado com o futuro de Minas Gerais. Por mais que, num primeiro momento – quando aconteceu o desastre em Brumadinho – ter me batido uma revolta e o ímpeto de dizer que temos de acabar com a mineração, não podemos fazer isso. Querendo ou não, a atividade minerária é uma das principais fontes da nossa economia. Mas, é óbvio que precisamos de mudanças urgentes. Que caminhos aponta ou vislumbra? Temos condições, sim, de ver a mineração respeitando o ser humano e o meio ambiente. A opção por barragens a seco é um caminho. É a saída mais óbvia, considerando os inúmeros exemplos de como esse método funciona em vários locais do mundo, onde também se respeitam as pessoas, a natureza e as leis. Basta que as empresas e seus acionistas lucrem um pouco menos. Minerar, sim, mas colocando em primeiro lugar o respeito às pessoas, à natureza e não permitir que mais acidentes aconteçam. As empresas precisam ter um pouco mais de Deus, de compaixão. Entenderem que tudo aqui é passageiro e que não adianta juntar fortuna na Terra. Se evoluirmos para esse nível de consciência, vamos conseguir minerar criando oportunidades de empregos e de sustento da economia. Mas, acima de tudo, valorizando e respeitando a vida, que é o mais importante.  JAN/FEV DE 2019 | ECOLÓGICO  21


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ESTADO DE ALERTA MARIA DALCE RICAS (*) redacao@revistaecologico.com.br

NÃO EXTINGUE, MAS

DESMONTA

N

FOTO: REPRODUÇÃO

o dia 03 de janeiro, o presidente Jair Bol- panhas contra a área ambiental, e autor de PL que sonaro publicou a Medida Provisória 870 tramita na Câmara liberando caça a animais silconcedendo poder à Secretaria de Gover- vestres. Casamento perfeito! Grileiros, posseiros e madeireiros intensificaram no da Presidência da República para “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as ativi- suas ações de invasões e desmatamento em terras dades e as ações dos organismos internacionais indígenas e unidades de conservação na Amazôe das organizações não governamentais no terri- nia. No mês de novembro de 2018, a derrubada da floresta foi quatro vezes maior do que tório nacional”. Observem bem os em novembro de 2017. Bolsonaro reverbos utilizados. A gestão das petiu diversas vezes que a fiscalização A MP é afronta descarada à Consflorestas é, “xiita” do Ibama iria acabar. tituição, que no Inciso XVII, ao art. O ministro do meio ambiente, Ri5º, assegura a plena liberdade de asantes de tudo, cardo Salles, ex-diretor da Sociedasociação para fins lícitos, vedada a ambiental. de Ruralista Brasileira, declarou sem de caráter paramilitar. E, no Inciso mudar a “cara” que “licenciamento VIII, que “a criação de associações Qualquer autodeclarativo é “para temas sime, na forma da lei, a de cooperativas exploração ples, como supressão de vegetação independem de autorização, sendo econômica tem para plantar agricultura”. Não precisa vedada a interferência estatal em de fiscalização. Só faltou dizer que toseu funcionamento”. de ser muito dos os ruralistas são “do bem” e que A área de clima do Ministério do bem avaliada não precisam ser fiscalizados. Meio Ambiente (MMA), que já era Florestas são lar de milhões de espéfrágil, foi praticamente extinta, pois o presidente não acredita em efeito estufa. cies animais e vegetais. E não estoque de madeira ou A Agência Nacional de Águas (ANA) foi transferi- terras “improdutivas”. Assim como a água, sua gesda para o Ministério de Desenvolvimento Regio- tão é antes de tudo ambiental. Qualquer exploração nal. Fechando o círculo, o Serviço Nacional de econômica tem de ser muito bem avaliada, pois sua Florestas foi entregue ao “bicho papão” ruralista, preservação tem a ver com o futuro do planeta. Fica alguma dúvida de que o presidente não vai fortalecido pela nomeação da chamada “Musa do Veneno”, Tereza Cristina, como ministra da Agri- parar enquanto “meio ambiente atrapalhar o decultura. E ela não perdeu tempo: nomeou, para senvolvimento”?  chefiá-lo, o ex-deputado federal Valdir Colatto (*) Superintendente-executiva da (MDB/SC), seu companheiro histórico nas camAssociação Mineira de Defesa do Ambiente.

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A TRAGÉDIA DA VALE GIGANTE E BILIONÁRIA, MINERADORA SUPERA O OCORRIDO EM MARIANA. CONTABILIZA MAIS DE 300 PESSOAS SOTERRADAS VIVAS EM BRUMADINHO. E SEGUE COM SUA FRIEZA CORPORATIVA DE NÃO PAGAR AS MULTAS POR CEIFAR VIDAS HUMANAS E DEGRADAR A NATUREZA


A TRAGÉDIA DA

1 VALE

QUASE 12 MILHÕES de m3 de rejeitos vazaram da barragem da Vale: Minas, de novo, na lama da tragédia ambiental

O DESPEJO MORTAL Bia Fonte Nova, Bruno Frade, Hiram Firmino, Luciana Morais e Luciano Lopes redacao@revistaecologico.com.br

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xatos 1.177 dias depois de sediar a maior tragédia socioambiental já ocorrida no Brasil (em 2015, a Barragem de Fundão, da Samarco, controlada pela Vale e BHP Billiton, se rompeu e deixou 19 pessoas mortas em Mariana), Minas Gerais voltou a ser palco de mais um desastre de grandes proporções. Eram 12h28 de sexta-feira, 25 de janeiro, quando ocorreu o colapso da Barragem I da Mina do Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Até o fechamento desta edição da Revista Ecológico, o número de mortos, segundo

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o Corpo de Bombeiros chegou a 169. Outras 141 pessoas continuavam desaparecidas, a maioria funcionários (próprios e terceirizados) da mineradora. O Centro Administrativo da empresa, que incluía refeitório e almoxarifado, foi construído na rota passível de inundação: de forma absurda, abaixo da barragem. No momento e na reta do acidente, centenas de funcionários almoçavam e foram soterrados vivos pela lama. UMA TRAGÉDIA ANUNCIADA Para espanto e indignação de muitos, em entrevista coletiva, o presi-

dente da Vale, Fabio Schvartsman, classificou o evento como uma “tragédia humana” e afirmou que o impacto ambiental seria “menor” do que o ocorrido em Mariana. Ressaltou também que a barragem estava inativa havia três anos e em processo de descomissionamento. “Essa tragédia nos pegou de surpresa”. Em seu discurso de posse, em 22 de maio de 2017, Schvartsman salientou que, para a Vale, empresa que trabalha com recursos naturais, sustentabilidade não era uma opção, mas uma “obrigação”. E completou: “A verdadeira sustentabilidade é sobre postura


FOTO: FERNANDA LIGABUE / GREENPEACE FOTO: REPRODUÇÃO FACEBOOK

MARCELLE CANGUSSU, a primeira vítima identificada

e atitude. Além disso, devemos adotar juntos um lema: ‘Mariana nunca mais’. Que tenha sido a última vez que essa empresa esteja envolvida direta e indiretamente num desastre ecológico e social da dimensão que foi Mariana”. Mas não foi a última vez. Certamente, a consternação de Schvartsman não é maior do que a dor, a tristeza, a apreensão e a revolta dos parentes das vítimas, que passaram a se aglomerar na porta do Instituto Médico Legal (IML) de Belo Horizonte e no Centro de Convivência, em Brumadinho, aguardando a liberação de corpos e em busca de informações sobre os desaparecidos. A primeira vítima identificada foi a médica Marcelle Porto Cangussu, de 35 anos. Ela comemorou seu aniversário exatamente um dia antes da tragédia.

Bombeiros, homens da Polícia Militar e agentes da Defesa Civil ainda seguem na busca por sobreviventes. CENÁRIO DESOLADOR Bairro rural de Brumadinho, o Córrego do Feijão recebeu este nome graças a uma história inusitada. Moradores contam que, tempos atrás, um carro de boi carregado de feijão tombou no curso d’água. Agora, essa e outras memórias afetivas da comunidade estão apagadas sob a lama. Quase 12 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério desceram da barragem da Vale, que tinha 86 metros de altura e comprimento de crista de 720 metros. Além de destruir as instalações da mineradora, a lama também atingiu o Rio Paraopeba, um dos principais afluentes do Rio São Francisco.

Vários vídeos que circulam na internet mostram peixes mortos no leito do rio contaminado. Segundo a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), o Sistema Paraopeba é responsável pelo abastecimento de 43% da população da RMBH. A captação segue interrompida desde 25 de janeiro. Em manifesto publicado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba, o presidente Winston Caetano ressaltou que toda a bacia foi afetada de forma brutal e significativa, com o total desaparecimento do Córrego do Feijão e suas nascentes. Ele reafirmou a responsabilidade da Vale pelo rompimento e a falta de um plano de evacuação. “Não teve plano de emergência e nem sequer foi acionada a sirene. Isso deixou a

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A TRAGÉDIA DA

FOTO: NILMAR LAGE / GREENPEACE

1 VALE Segundo Fábio Feldmann, a imagem do Brasil, único país com nome de árvore, “agora é a lama”

APÓS a tragédia em Brumadinho, a Vale teve R$ 11 bilhões bloqueados pela Justiça mineira para a reparação de danos. A Semad e o Ibama também aplicaram multas de R$ 99 milhões e R$ 250 milhões à mineradora, respectivamente

população e os empregados totalmente à deriva.” FALTOU TRANSPARÊNCIA Para o ambientalista, consultor em sustentabilidade e ex-deputado federal Fabio Feldmann, um dos responsáveis por elaborar o texto da legislação ambiental da Constituição brasileira, é preciso mais transparência nas decisões de risco tomadas pelas

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empresas de mineração. “Assim como todos os brasileiros, estou perplexo pela escala da tragédia e pelas mortes em Brumadinho. Não há justificativa para o segundo acidente. A responsabilidade é inteiramente da Vale. Isso é inquestionável. O setor perdeu, a Vale perdeu. Mas o país também, porque a imagem do Brasil agora é a lama.” Integrante do Conselho Con-

sultivo da Revista Ecológico, Feldmann destacou, ainda, que a discussão envolvendo a busca de soluções tem de ser democrática, não podendo se dar apenas entre empresa e entidades governamentais. “As empresas de mineração devem ter uma postura diferente a partir de agora. Resolver a questão da disposição de rejeitos sem o uso de barragem de contenção a montante. Esse acidente vai mudar a indústria da mineração no mundo.” A Revista Ecológico tentou falar com o presidente da Vale, Fabio Schvartsman. Mas foi informada pela assessoria de imprensa que “a Vale não está concedendo entrevistas exclusivas, apenas coletivas”. Em notas publicadas em seu site, a mineradora afirmou que a barragem estava inativa e tinha Declarações de Condição de Estabilidade emitidas por empresa internacional especializada em geotecnia. E passava por inspeções quinzenais, todas reportadas à Agência Nacional de Mineração (ANM). A equipe de reportagem da Ecológico esteve na região de Brumadinho e conversou com moradores, bombeiros e parentes de vítimas da tragédia. Em meio à dor das perdas, humanas e materiais, o sentimento de impotência e de tristeza ainda é grande. Muitos afirmam que a comunidade de Córrego do Feijão, próxima ao local do rompimento da barragem, também irá “acabar” depois que as buscas forem interrompidas. Outros cogitam deixar a região, uma vez que, além de Inhotim, a Vale e a Pousada Nova Estância eram as únicas fontes de emprego e renda da maioria dos moradores locais. Confira:


FOTOS: GOOGLE

Na rota da lama BARRAGEM DE ÁGUA

ÁREA DE CARGA ESTACIONAMENTO

POUSADA NOVA ESTÂNCIA

VILA PENTEADO SEDE DA VALE

BARRAGEM DE REJEITOS

BARRAGEM DE ÁGUA

ÁREA DE CARGA ESTACIONAMENTO

POUSADA NOVA ESTÂNCIA

VILA PENTEADO SEDE DA VALE

BARRAGEM DE REJEITOS

DESTRUIÇÃO ATLÂNTICA “Brumadinho tinha antes do ocorrido 15.490 hectares de remanescentes da Mata Atlântica acima de 3 hectares, o equivalente a 830 campos de futebol – isso representa 24,22% do que havia do bioma originalmente no município. Em uma decisão de 11 dezembro de 2018, por exemplo, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) aprovou a ampliação de duas minas em Brumadinho e Sarzedo. As autorizações enfrentaram forte resistência dos moradores de Casa Branca, distrito de Brumadinho.

Cabe ressaltar que muitas barragens no Brasil estão nas áreas de cabeceiras de rios e, com isso, seus deslizamentos afetam a bacia inteira, colocando em risco serviços ambientais importantes para a população. Portanto, reforçamos a necessidade de um licenciamento ambiental no Brasil sério e eficiente do ponto de vista técnico, que considere a vocação da região, características do entorno e riscos para as comunidades locais.” Nota da Fundação SOS Mata Atlântica

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A TRAGÉDIA DA

1 VALE IMOBILIZADA pela lama, a vaca que se tornou um dos símbolos da tragédia teve de ser sacrificada

FOTO: NILMAR LAGE / GREENPEACE

MAR DE LAMA NUNCA MAIS? trifásico de barragens industriais e de mineração (licenças prévia, de instalação e de operação); a vedação da utilização da técnica de alteamento a montante; o uso prioritário de tecnologias de disposição de rejeitos a seco, menos impactantes ao meio ambiente e mais seguras; exigência de caução ambiental (para a hipótese de sinistros envolvendo barragens e para o descomissionamento de tais estruturas), entre outros. Ainda de acordo com Andressa Lanchotti, “caso tivesse sido aprovado, o projeto de lei traria um marco normativo importante e inovador para a segurança de barragens em Minas. O texto foi amplamente discutido por representantes de movimentos sociais, MP e outras instituições, inclusive com a realização de várias reuniões, e aos poucos foi sendo aprimorado, dando origem ao substitutivo ora rejeitado”, frisou. (Com informações do MPMG)

O Projeto de Lei 3.676/16, que prevê mais rigor no licenciamento de barragens em Minas, foi entregue por representantes do Ministério Público e está parado na Assembleia Legislativa desde o ano passado. A proposta reúne importantes sugestões apontadas por promotores e se tornou um projeto de iniciativa popular com 56 mil assinaturas, intitulado “Mar de Lama Nunca Mais”. Em julho do ano passado, o MPMG, por meio do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (Caoma), manifestou preocupação com a rejeição do parecer sobre o PL, que trata da questão de licenciamento e da fiscalização de barragens no estado, pela Comissão de Minas e Energia da ALMG. De acordo com a promotora de Justiça Andressa de Oliveira Lanchotti, coordenadora do Caoma e colunista da Revista Ecológico, “o texto rejeitado contemplava todas as questões importantes tratadas no Projeto de Lei Mar de Lama Nunca Mais (de iniciativa popular), as duas notas técnicas do Caoma/MPMG apresentadas à ALMG e incorporavam, ainda, sugestões do Ibama e de associações representantes da sociedade civil organizada”. Entre os aspectos positivos do substitutivo rejeitado, a promotora ressalta a obrigatoriedade do licenciamento

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CICATRIZES ETERNAS! “Esta catástrofe é fruto da ganância e da falta de compromisso desses empreendimentos com a segurança de seus trabalhadores, com as comunidades que os rodeiam e, sobretudo, com o meio ambiente. O que se perde nesses ecossistemas jamais será recuperado inteiramente, e os danos serão sempre cicatrizes ambientais. A lama pode não ser tóxica quimicamente, mas os sedimentos são suficientes para matar os peixes, assorear o leito dos cursos d’água e apagá-los do mapa. Este já é, pelo menos, o quinto rompimento de grande escala ao longo dos últimos 10 anos em Minas. Isso sinaliza que não aprendemos nada sobre a segurança ambiental. O Poder Público tem sua parcela de responsabilidade nessa tragédia, uma vez que tem agido em favor da facilitação de licenciamentos ambientais e deixando para terceiros a tarefa de fiscalizar e acompanhar os processos dos negócios de mineração. Mais que indignação, é fundamental a ação. É essencial exigir a punição dos responsáveis, a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na ALMG, e garantir a aprovação imediata do projeto de lei ‘Mar de Lama Nunca Mais’, de iniciativa popular, que exige mais rigor no licenciamento de barragens.” (Nota do Projeto Manuelzão)  Segundo o último relatório de barragens divulgado pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), MG tem 688 barragens cadastradas em seu Banco de Declarações Ambientais (BDA). Destas, 677 têm estabilidade assegurada pelo auditor, outras quatro têm condição não conclusiva sobre sua estabilidade e sete têm estabilidade não garantida pelo auditor.


FOTO: CHRISTIAN BRAGA / GREENPEACE

"Barragens são seguras. Até que caem”

Paulo Almeida (*)

A barragem do Córrego do Feijão era antiga, tinha 40 anos. Existia antes de ser Vale e foi construída pela Ferteco. A Vale a comprou na década de 1990. Só não tem plano de engenharia. A metodologia de sua construção não dava segurança. E há mais de 400 barragens como ela, no estado. Não é que a fiscalização errou ou foi subornada. Os próprios funcionários da Vale que trabalhavam lá, e conhecem de barragem, não estariam almoçando debaixo dela, se houvesse uma trinca ou uma situação que demonstrasse algum risco. O problema é estrutural. Barragens deste tipo são seguras até que caem. E elas caem. Muita gente pensa que a Samarco foi a primeira, mas não foi. Em 2001, rompeu a barragem da Mineração Rio Verde, em Nova Lima. Morreu gente, desceu rejeito até perto de Macacos. Depois, em 2007, rompeu uma outra barragem perto de Cataguases/ Miraí, da Mineração Rio Pomba. Era uma barragem que tinha um rejeito muito mais químico. Porque não era de ferro, era de outro tipo de minério. O desastre natural foi horroroso, mas não houve mortes. Em 2014, rompeu a barragem do Herculano, em Itabirito. Morreram duas ou três pessoas, funcionários da empresa. Depois a de Fundão, da Samarco, em Mariana. Agora essa, da Vale, em Brumadinho. E vão continuar rompendo outras. Pode-se mudar a legislação, ter uma maior fiscalização que não vai adiantar. Todas as barragens que se rompem têm este mesmo método construtivo antigo, arriscado e perigoso. Elas podem ser audi-

tadas, receberem obras de manutenção, todo tipo de cuidado, não adianta. É da natureza delas, elas são instáveis. Qualquer evento pode desestabilizar o que, até ontem, era estável. E fica todo mundo falando que o problema é que a fiscalização é ineficiente, que “os caras” compram a licença e o fiscal. Ninguém compra ninguém nessa história. Não é assim que funciona. Licença ambiental não é o governador que dá. Não é alguém que escolhe o que pode ser licenciado. É um processo. E existem regras. As condições de licenciamento de mineração no Brasil são mais difíceis que na Austrália, no Canadá e nos Estados Unidos. Esses países mineradores são superdesenvolvidos e, mesmo assim, também têm acidentes com barragens a montante. A maioria delas é. O caminho é descomissionar (fechar), não permiti-las mais. O licenciamento da Vale, que começou em 2015 e foi votado agora em dezembro último, era para a expansão da mina e o seu descomissionamento (fechamento). Eles iriam tirar o material, reprocessar e, por isso, aumentar a sua capacidade de produção. A barragem iria sair de lá. O processo de licenciamento demorou quatro anos para ser votado. Se tivessem demorado dois, três anos, essa operação já estaria em andamento e a barragem não teria rompido. (*) Engenheiro de Minas pela UFMG

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A TRAGÉDIA DA

1 VALE FOTO: REPRODUÇÃO

Minas das tragédias anunciadas Imobilizada pela lama, esta vaca-simbolo da tragédia acabou sendo sacrificada

ROMPIMENTO da barragem da Mineração Rio Pomba em 2007: pavor na madrugada

BARRAGENS VULNERÁVEIS O “Relatório de Segurança das Barragens”, elaborado pela Agência Nacional de Águas (ANA), apontou, em novembro de 2018, que ao menos 45 barragens brasileiras são consideradas vulneráveis e preocupam os órgãos fiscalizadores. Entre os problemas mencionados estão baixo nível de conservação, insuficiência do vertedor e falta de documentos. Entre as mais de 24 mil barragens do país, 3.545 estão classificadas segundo a Categoria de Risco e 5.459 de acordo com o Dano Potencial Associado. Ao menos 3% - 723 barragens – são consideradas com nível elevado de risco nas duas classificações.

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21 DE JUNHO DE 2001 Eram 17h quando a barragem de rejeitos da mineradora Rio Verde, em Macacos, distrito de Nova Lima, se rompeu. Mais de 600 mil metros cúbicos de rejeitos de minério desceram morro abaixo. Cinco funcionários da empresa morreram. O Córrego Taquaras teve 12 quilômetros de seu curso soterrado. Quarenta e três hectares de Mata Atlântica foram devastados pela lama. Depois de assinar vários Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), a mineradora indenizou as vítimas e mais tarde foi vendida para a MBR (hoje Vale). Os rejeitos continuam no mesmo lugar.

10 DE MARÇO DE 2007 Na Zona da Mata mineira, moradores de Miraí viveram momentos de pânico na madrugada deste dia. A barragem São Francisco, da Mineração Rio Pomba Cataguases, não suportou as fortes chuvas que caíram na região por volta das 3h e cedeu, inundando parte de Miraí, na divisa de Minas com Rio de Janeiro. Mais de dois milhões de metros cúbicos de rejeitos provenientes da lavagem de bauxita invadiram a cidade, destruindo casas e alterando a paisagem natural do Rio Fubá, que corta a cidade. Não houve mortes, mas quase 4 mil pessoas ficaram desabrigadas.


REGISTROS ECOLÓGICOS: cinco mortes causadas pela Mineração Rio Verde em Macacos; e 19 em Bento Rodrigues, pela Samarco

05 DE NOVEMBRO DE 2015 Considerada a maior tragédia socioambiental do país, o rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco (controlada pela Vale e BHP Billiton), liberou 39 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério, matando 19 pessoas, deixando milhares de desabrigados e degradando toda a bacia hidrográfica do Rio Doce até sua foz, em Regência (ES). O povoado de Bento Rodrigues, que ficava a apenas 2,5 quilômetros da barragem, foi varrido do mapa em questão de minutos. A lama soterrou 120 nascentes e mangues, dizimou 1.469 hectares de florestas e matou 11 toneladas de peixes.

MULTAS NÃO PAGAS ATÉ HOJE A assessoria de imprensa do Ibama informou à Ecológico que o órgão já instaurou 25 processos para apurar infrações ambientais associadas ao rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco. “Os autos de infração contra a mineradora totalizam R$ 350,7 milhões. Além desses autos, o Ibama expediu 73 notificações, com o objetivo de exigir a adoção de medidas de regularização e correção de conduta, entre outras ações. A Samarco apresentou recursos contra todos os autos de infração lavrados pelo Ibama. Apesar de os autos terem sido confirmados, a Samarco [leia-se Vale e BHP] insiste em recorrer das decisões administrativas, buscando afastar sua responsabilidade pelo desastre.” Nenhuma das multas ambientais foi paga pela Samarco até o momento.

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A TRAGÉDIA DA

1 VALE Brasileiros querem punição da Vale Pesquisas e divulgado pelo jornal “Estado de Minas” 65,7% da população é a favor de que a Vale perca licença para operar; enquanto 28% é contra. E 6,4% não souberam responder. O estudo FOTO: NILMAR LAGE / GREENPEACE

A maioria dos brasileiros deseja penas duras para a mineradora Vale e seus diretores após a tragédia socioambiental de Brumadinho. De acordo com levantamento feito pelo Instituto Paraná de

FUNDAÇÃO RENOVA: nem ela, que não dialoga com os ambientalistas, foi poupada nos protestos

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pontuou mais: 63,4% das pessoas ouvidas classificam a Vale como a principal responsável pela catástrofe humanitária. Outras 21,3% colocam a maior culpa no governo de Minas, enquanto uma parcela de 10,4% acusa a União. Pouco mais de 1% analisa o desastre como um acidente. Quanto aos executivos da Vale, 52,6% da população defende a prisão dos responsáveis. O afastamento e a determinação de multas são a menor punição para 24,2% das pessoas ouvidas. Para 13,3% delas, a justiça deveria congelar os bens do alto escalão da mineradora. MARIANA TAMBÉM Os reflexos da tragédia de Mariana também entraram em debate: 91% dos brasileiros creem que o rompimento da barragem B1 da Mina do Córrego do Feijão poderia ter sido evitado se a Justiça tivesse punido a Samarco e suas controladoras, Vale e BHP, da maneira correta. O Instituto Paraná de Pesquisas também revelou que 35,1% dos brasileiros são a favor da criação de uma empresa estatal para realizar todas as atividades minerárias no país. Outros 58,9% dos ouvidos vão na contramão, enquanto 6% não se posicionaram. Para chegar a esses resultados, o Instituto ouviu 2.420 brasileiros, em 188 municípios de 26 estados e do Distrito Federal. As entrevistas ocorreram entre 30 de janeiro e três de fevereiro. O levantamento foi feito on-line, com uma margem de erro de aproximadamente 2% para os resultados gerais.


ABRINDO AS PORTAS DO SOFRIMENTO

FOTO: NILMAR LAGE / GREENPEACE

“Às vezes a gente se pergunta: por que a Terra não responde a esses danos todos repetindo, explodindo e matando todo mundo?”

Déa Januzzi

redacao@revistaecologico.com.br

sociais e vou repetindo para mim mesma: as sirenes da mineradora de ferro não tocaram para anunFOTO: VINÍCIUS CARVALHO

Recebo uma missão pontual. Ir a Brumadinho, ex-Vila do Brumado Velho, na Grande BH, quase sempre envolta em nevoeiro pela manhã, daí o significado de seu nome. Tenho de ver, ouvir e sentir como estão os seus moradores desde o rompimento da barragem da Vale, na antiga Mina 1 do Córrego do Feijão, onde ainda contabilizam mortos, soterrados ou desaparecidos. Dor e sofrimento sem fim. Repasso as últimas notícias mais de 100 vezes, leio jornais, revistas, passeio por blogs, redes

AILTON KRENAK: "Os homens veem a Terra como um canteiro privado"

ciar o caos. Mas continua berrando dentro de mim, como a profetizar o fim de um mundo melhor e mais justo, que a nossa geração tanto sonhou, batalhou e pensou que poderia existir. Enquanto não chego à Cidade das Brumas, cruzo, pelo caminho, com o índio Ailton Krenak, (foto ao lado) de 65 anos. É um acaso do destino. Ninguém melhor do que ele, ambientalista, fundador da União dos Povos Indígenas e participante da Assembleia Nacional Constituinte em 1988, para falar da tragédia da Vale, de-

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A TRAGÉDIA DA

1 VALE ESCONDERIJO DA AGONIA Cumprimento Ailton Krenak: “Tudo bem?”. Tristonho, ele demora alguns segundos para responder: “Na situação acachapante que estamos vivendo neste país, onde as desgraças se encaixam, perguntar se uma pessoa vai bem pode ser uma provocação. É como se você estivesse cutucando o outro com vara curta. Só um cínico pode dizer, ‘ah, tudo bem!’. Ou, então, um desses fundamentalistas idiotas que acham que Deus vai resolver tudo que os humanos podem fazer nessa tragédia toda. Que Deus depois vem e limpa tudo. Que Ele é o lixeiro, o gari desse troço. Que vem com uma carroça e uma pá limpando tudo. É o que eles acham”. Krenak está desanimado com tudo isso.

Respeito. Faço um intervalo para continuar com a conversa mais tarde. E ficamos, ambos, calados por um tempo. O silêncio, às vezes, é a resposta para corações atormentados. Ele é o esconderijo da agonia que atravessa o nosso corpo como uma flecha. É mais torturante do que o grito, pois não há respostas, não há mais o que dizer diante de tanta atrocidade. Ninguém quer falar sobre o que já foi dito e repetido mil vezes. Falar não alivia – e como disse o jornalista Fernando Gabeira, em artigo de O Globo, “estou cansado de desastres. Conheço até sua lógica: tristeza, indignação, medidas urgentes para acalmar os ânimos e, logo depois, o esquecimento”. Ele está certo. É só lembrarmos FOTO: CHRISTIAN BRAGA / GREENPEACE

pois de “Mariana nunca mais”. Falar da lama de rejeitos que segue lentamente, descendo o Rio Paraopeba. Ela também chegou à aldeia indígena Nao Xohã, em São Joaquim de Bicas, a 22 km do epicentro da tragédia. A aldeia pataxó está em suas margens amarronzadas há um ano e seis meses. A única fonte de renda da aldeia é o artesanato que os índios levam para vender nas feiras em BH. Sem água, agora poluída e proibida de se beber, eles não sabem como irão permanecer ali, ao lado de um rio já morto. Não têm como sobreviver depois desta sua derradeira morte, tal como seus irmãos no Rio Doce, há três anos, cujas vidas foram destruídas pela Samarco.

A POPULAÇÃO nas ruas de Brumadinho: procura dolorosa de seus mortos pela "cidade fantasma"

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“É um crime contra a humanidade. Barragem alguma se rompe do dia para noite. Este é o fato mais criminoso da história, a menos que houvesse um fenômeno sobrenatural ou muito extraordinário. Ao contrário, não existia nenhuma causa interna ali. A barragem ruiu por dentro, pela estrutura. E era do conhecimento da empresa ter feito um plano de emergência, um mapa da inundação. Eles sabiam que toda a estrutura de pessoal estava logo abaixo e, mesmo assim, não agiram. Como não fizeram nada em Mariana, no Rio Doce, que está do mesmo jeito que foi deixado. Deixamos na mão de quem provocou o dano cuidar do processo de recuperação. Por isso, não existe empenho do setor de mineração, porque ele tenta amenizar despesas, controlar processos, minimizar custos. Agora, o ser humano, o mineiro, e não minério, precisa se indignar. Foi uma negligência, um crime. O Estado precisa ter outra uma conduta e as pessoas acompanharem. Um absurdo. Inacreditável aquilo de novo agora em Brumadinho. Ver corpos boiando. Absurdo.” Marcus Polignano, ambientalista e professor, coordenador do Projeto Manuelzão da UFMG e do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas

o que aconteceu em Mariana, cidade histórica de Minas, sem punição até hoje para a Samarco e suas controladoras, Vale e BHP Billiton, depois do rompimento da Barragem de Fundão. Bento Rodrigues não há mais. Nem solução humanamente digna e célere para os atingidos. Os moradores de Brumadinho já estão cansados. Não querem mais falar depois da tragédia anunciada, de mais um desastre, na mina do Córrego do Feijão, que também não existe mais, como as suas nascentes levadas pela lama. Emudeço ao pisar em uma rua com o emblemático nome de Nossa Senhora das Dores, na comunidade. Os moradores estão assustados até agora com o tsunami advindo da barragem da Vale que rompeu e passou por cima de seus sonhos bucólicos e projetos de vida. Que tirou a paz

de Brumadinho, com seus 40 mil habitantes, onde viviam entre amigos, familiares, colegas de trabalho, festas da padroeira, almoços de domingo e a mansidão agora manchada do Paraopeba. Que, em tupi, significa “rio de águas rasas”. Com seu curso de água outrora limpo e peixes para todos, ele alimentava e regava o cultivo dos produtores locais e da aldeia dos índios Pataxós. Eles tiveram a sorte de sair correndo antes que fossem tragados pela lama de rejeitos. Sem rumo, os moradores querem distância de estranhos, atentos ao barulho das hélices dos helicópteros de resgate que passam com corpos içados, pendurados no ar em voo rasante, para mais uma tentativa praticamente inútil de identificar quem ficou irreconhecível sob os rejeitos de lama, sob a podridão do descaso e do desrespeito. FOTO: REPRODUÇÃO

FOTO: POLLYANNA MALINIAK /ALMG

CRIME HUMANITÁRIO

UMA MULHER é resgatada com vida da lama por bombeiros e um morador da região: a cena que chocou o mundo

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A TRAGÉDIA DA

1 VALE

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FOTO: LUCIANA MORAIS

CARLOS, de 19 anos, filho de Cristina

CRISTINA DA CRUZ: soterrada pela lama, enquanto trabalhava na pousada

que vai embora da cidade. “Aqui era um lugar tranquilo, mas depois desse crime ambiental que levou parentes, primos e amigos, não quero mais. Não vou aguentar. As minhas três melhores amigas - Diomar, Jussara e Cristina - foram engolidas pela lama. Só acharam o corpo esfacelado e deteriorado de Cristina. Os das outras nem sinal. Diomar, para mim,

FOTO: LUCIANA MORAIS

Brumadinho virou um cemitério de mortos vivos. Parece filme de ficção, mas não é. Filme não tem um cheiro tão fétido, impregnando narizes e almas. Filme algum conseguiria retratar o vermelho que tomou conta do branco dos olhos do jovem Carlos, de 19 anos. Ele é Filho de Cristina da Cruz Araújo, de 37, que foi soterrada quando estava trabalhando feliz na Pousada Nova Estância. Ela também foi enterrada viva com mais 34 pessoas presentes no momento da “explosão” da barragem. Foi junto do proprietário Marcio Mascarenhas, da mulher dele, Cleo, e do filho do casal, também chamado Marcio. À espera do corpo da mãe que foi encontrado, mas já em estado de decomposição, Carlos avisa que não quer nem olhar para o caixão. “Prefiro lembrar dela de outro jeito, guardar uma imagem melhor”. Carlos escapou por pouco. Trabalhava de vigia dentro da barragem, no vertedouro, mas estava de aviso prévio. Agora, ele e a irmã Leidiane estão sós, pois o pai já partiu há tempos. Ele não vai ficar em Brumadinho, apesar de ter nascido lá. Quer ir embora, pois sabe que a tragédia, em pouco tempo, vai cair no esquecimento. “Brumadinho vai virar uma cidade fantasma”- sentencia. Francis Natália, de 33 anos, vizinha, amiga e comadre de Cristina, escuta o depoimento de Carlos. Casada, com três filhos, o mais novo ainda de colo, ela também já avisou para o marido

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

Olhando o vermelho dos olhos

FRANCIS NATÁLIA, de 33 anos: vizinha, amiga e comadre de Cristina

era como mãe. Madrinha também da minha filha mais velha, de 16 anos. Não sei mais o que fazer nesse lugar. Nem cultivo essa terra morta permite mais. Por que eu tenho que ficar aqui? Não quero. Vou cuidar dos meus filhos em outro lugar, bem longe daqui. Se fosse possível, eu sairia agora, principalmente porque não vamos poder enterrar mais os nossos mortos, alguns desaparecidos para sempre, debaixo de oito metros de lama ou mais. Daqui a alguns dias, as buscas terminam e tudo cairá no esquecimento, assim como aconteceu em Mariana”. Francis sabe que o Corpo de Bombeiros, que comanda os trabalhos de buscas por vítimas, admitiu oficialmente pela primeira vez que nem todos os desaparecidos serão encontrados em meio ao mar de lama, de onde já foram resgatados restos mortais de 169 pessoas.


FOTO: NILMAR LAGE / GREENPEACE

De volta ao pensamento Krenak

Pesadelo? Não. Realidade cruel. Mas alguns moradores ainda se beliscam. Eliane, de 39, o marido Wellington e os filhos, de 12 e 14, andavam pela Rua Nossa Senhora das Dores quando os abordei. À primeira pergunta, o marido e pai deu de costas abruptamente. Ele também tinha perdido duas primas, de 45 e 63 anos, que trabalhavam na Pousada Nova Estância e cujos corpos ainda estavam desaparecidos. “Sem contar os amigos e conhecidos”, Eliane tenta se desculpar, diante da saída intempestiva do marido. Por falar em mulher e mãe, peço licença para voltar ao índio Ailton Krenak, cujos projetos de vida também foram invadidos pelo horror da morte recente do seu filho Kremba Krenak, de 17 anos. Ele morreu de acidente de motocicleta na Serra do Cipó, em 2018: “Um homem pode viver a vida dele toda, 100 anos ou mais, mas nunca vai entender a diferença do

que acontece com um pai e uma mãe ao perder um filho. Se numa casa acontece uma tragédia, a desgraça não é igual para os dois. Por mais cúmplice que pai e mãe sejam, o pai nunca vai sentir cair no abismo que é pra mãe perder um filho. Eu achava que era igual” – continuou Ailton: “Enquanto os meninos estavam vivos, eu não tinha ideia. Quando a gente perdeu o nosso filho nesse acidente horroroso, eu consegui ficar ali assistindo, dando assistência e tudo. A mãe dele não, ela afundou mesmo. Não quis nem mais pisar aqui. Nós tínhamos uma casa ali. Um lugar que a gente achava que os meninos iriam estudar, crescer. Foi depois da morte deste meu filho Kremba, que aprendi a diferença entre pai e mãe, apesar da literatura clássica e dos romances sugerirem que, assim como a Terra, mãe e mulher são provedoras. Mulher e Terra são doação”. Comparando os danos que as

“É HORA DE EVOLUIRMOS JUNTOS”

“Este é um dos momentos mais sofridos na minha vida. Quando soube da notícia da Vale em Brumadinho, meu sentimento foi de incredulidade, desespero e impotência. E, ao mesmo tempo, de que era momento de agir. Não apenas como consolo às vítimas, mas como resposta à sociedade para evoluirmos na gestão do pós-desastre. Para isso, temos de informar corretamente a população sobre as questões que, de verdade, envolvem o licenciamento ambiental. Um exemplo disso foi o discutido licenciamento que o Estado concedeu à Vale, em dezembro último - referente às minas do Feijão e Jangada -, que não foi para construir uma nova barragem. Muito menos para aumentar a já existente ali no Córrego do Feijão. Mas para descomissioná-la, tornála não mais perigosa para o meio ambiente e as pessoas. Licenciamento ambiental não é ÚNICO ALIMENTO para os salvo-conduto para quaisquer pataxós ribeirinhos, peixes medidas de engenharia e obras. morrem no Paraopeba Daí os técnicos da Semad devastado pelos rejeitos afirmarem, com competência e tranquilidade, que não houve mudança alguma no grau de classificação da barragem. Há muito, eles já vêm trabalhando para a eliminação e substituição do atual modelo de barragens a montante. O momento, enfim, não é de demonizar a atividade minerária. Mas de exigir e acompanhar, na prática, que ela avance em sustentabilidade. Para isso acontecer, é imprescindível a união dos diversos agentes públicos. O objetivo é construirmos uma nova política mineral que, de fato, seja convergente. Os aspectos legal, político, econômico, social e ambiental precisam caminhar juntos.” GERMANO VIEIRA, secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de MG

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A TRAGÉDIA DA

FOTO: REPRODUÇÃO

1 VALE FÁBRICA DE MARIANAS “Minérios são um recurso finito que devem ser explorados de forma estratégica e com regime de licenciamento e fiscalização rígidos. A reciclagem e reaproveitamento devem ser priorizados. Infelizmente, grupos econômicos com forte lobby entre os parlamentares insistem em querer afrouxar as regras do licenciamento ambiental. Não à toa, estamos constantemente alertando que isso significaria criar uma “fábrica de Marianas”. Em março de 2018, realizamos um protesto em Brasília, em frente à Câmara dos Deputados, para que o presidente Rodrigo Maia não cedesse a essa pressão. Mas o governo atual, em especial o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem se reunido com a bancada ruralista e dado sinais na direção da flexibilização do licenciamento ambiental. O Ministério Público Federal e a Agência Nacional das Águas também já relataram que muitas outras barragens no país e em Minas Gerais se encontram na mesma situação, de grande risco. Por isso, quando casos como este acontecem, não podem ser considerados acidentes, mas crimes ambientais oriundos da ganância e da negligência, que devem ser rigorosamente investigados, punidos e reparados. Até hoje, três anos após a onda de lama que destruiu a Bacia do Rio Doce, as pessoas afetadas não só ainda lutam na Justiça para serem devidamente compensadas e o ecossistema, restaurado, como continuam sendo afetadas por problemas de saúde e prejuízos econômicos. A sociedade brasileira não pode continuar sendo atingida por tragédias como estas.” Nota do Greenpeace Brasil

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A LAMA MEDONHA e, no detalhe, os veículos onde três funcionários milagrosamente se salvaram

atividades extrativistas causam no mundo, a lógica é a mesma. Segundo Ailton Krenak, “às vezes, a gente se pergunta por que a Terra não responde a esses danos todos repetindo, explodindo e matando todo mundo? É porque uma mãe também não faz isso. Terra e mãe têm essa qualidade que os homens não têm. Se a gente fosse fazer uma metáfora, as corporações são a cara dos homens. Jogam petróleo nos oceanos, enchem o planeta todo de lixo. E, se você for olhar quem está à frente dessas empresas, na maioria das vezes, são um bando de marmanjos que acham que podem enquadrar os outros, o planeta. E a Terra sofre a violência desse pensamento obtuso”. Ele continua: “Isso distingue bem a natureza do homem e da mulher. Os homens nunca vão aprender a ver a Terra como Gaia, como organismo vivo e naturalmente autossustentável. Os homens vão vê-la sempre como um canteiro privado, onde eles podem saquear, destruir”. Ao lado de Nakatã, seu filho mais

novo, o indígena pede ajuda ao poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade para falar desta mais uma tragédia socioambiental provocada pela Vale: “Em toda a sua obra, Drummond já estava construindo uma acusação contra o capitalismo, mostrando que era uma doença que ia comer gente. Quando fala ‘E agora José?’, o poeta abre a porta do inferno. A minha pergunta também é essa. ‘E agora, José?’. Às vezes nem tenho mais ânimo de tacar pedras nesses caras. É como jogar pedras em fantasmas. O que vai acontecer? Nada. Apenas vamos ficar cansados desta inutilidade. Mas temos que colocar a nossa esperança em algum lugar. Eu não tenho um caminho. Quem dera?” Gratidão, Ailton, pelas suas palavras. Tenho de voltar a Brumadinho, onde levas de voluntários continuam chegando, onde carros anfíbios e helicópteros rondam as entranhas do rio, sangrado e endurecido pela lama. De volta ao cemitério de pessoas soterradas vivas debaixo dela.


FOTO: NILMAR LAGE / GREENPEACE

"As sirenes não tocaram..."

MAIS de 300 pessoas morreram e nenhum alerta da mineradora foi acionado

Voltando para o Córrego do Feijão, o pequeno restaurante Ipê Amarelo serve o almoço. Todos ali perderam alguém na “explosão” da barragem: um parente, um amigo, um conhecido. Prato difícil de digerir, principalmente com a televisão ligada nas cenas da destruição. Olympio Monteiro, de 68 anos, o proprietário, chega a ser rude com os clientes quando o assunto passa da tela para as mesas. Ele não quer conversa, não deixa mulher e filhos tristes darem entrevista. Mas resume em uma frase o que as mineradoras são capazes de fazer com a mentalidade dos moradores onde se instalam: “A Vale é nossa família. Não quero falar mal dela, pois os funcionários almoçam aqui. É o meu sustento”. Paro de almoçar e largo o prato, apesar da fome. O estômago embrulhou.

Sinto muito, senhor Olympio, mas termino com Fernando Gabeira: “Não vou argumentar mais, o desastre fala por si: toneladas de lama, bombeiros rastejando no barro fétido, uma vaca atolada, uma antena de TV flutuando, uma caixa-d’água, o desespero das famílias. A sirene que não tocou, e a lama que também levou os hóspedes da Nova Estância. A própria pousada foi arrastada. E pensar que havia um plano de fuga, que a mineradora não informou aos seus proprietários. Se tivesse informado até aonde a lama iria, por questão de 20 metros, todos ali se salvariam. Mas as sirenes não tocaram. Eram 34 pessoas, ao todo. E mais um bebê na barriga da mãe, mulher de um arquiteto brasileiro que vivia na Austrália e veio conhecer Inhotim. As sirenes também não tocaram para ele.”

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A TRAGÉDIA DA

1 VALE MUDANÇAS EM NOME DO AMOR Luciana Morais

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

redacao@revistaecologico.com.br

MARCIO MASCARENHAS, proprietário da Pousada Nova Estância, e a esposa Cleo, com a sobrinha Ana Carolina e os filhos Marcio e Paulo (à dir.): mensagens de paz, apesar da dor

“Meu pai me ensinou o que é o amor. É amparado nesse amor que vou plantar agora uma sementinha que regarei para o resto da minha vida. Até ela crescer e dar frutos. Depois, meus dois filhos vão continuar regando esse canteiro, com muito amor, até que a gente consiga mudar alguma coisa nesse Brasil.” Sem sentimento de vingança, sem ódio, e com muito amor. É assim que o empresário Paulo Coelho Mascarenhas, de 41 anos, pretende seguir honrando a memória e os ensinamentos deixados por seu pai, Marcio Mascarenhas, educador bastante conhecido em BH. Dono da Pousada Nova Estância, devastada pela lama em

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Brumadinho, Marcio desfrutava da aposentadoria depois de anos dedicados à rede de ensino de idiomas Number One, da qual era fundador. Querido e admirado por seus pares, funcionários e familiares, Marcio, a esposa Cleo, e o filho, também chamado Marcio, estão entre os mortos na tragédia. Em depoimento exclusivo à Ecológico, Paulo impressiona pela força de suas palavras, convicções e, acima de tudo, por seu espírito humano elevado. Mesmo machucado e triste pelas perdas, ele demonstra esperança, firmeza e coragem de lutar por um futuro de mudanças concretas. Não só para Minas, mas para todo o país.

“Que essa [a questão das barragens] seja a minha primeira missão. Depois, tenho certeza de que saberei qual será a próxima, a próxima e a próxima... Hoje, estou começando a juntar uma legião de pessoas em nome do amor. Não vai ter ninguém na frente, ninguém atrás. Quero todo mundo de braço dado comigo, do meu lado. Nós vamos devolver essa lama para eles: mas sem vingança, sem ódio. Se eu notar um olhar de ódio perto de mim, excluirei na hora.” Mais que um desejo de Paulo, esse é o primeiro passo de uma campanha destinada a tirar da área de impacto de barragens todas as comunidades em risco. E, assim, impedir que outros pas-


FOTO: REPRODUÇÃO

Antes

FREQUENTADA por artistas, visitantes do Inhotim e funcionários da mineradora, a pousada e seus 34 hóspedes poderiam ter suas vidas poupadas no dia do acidente...

FOTO: LUCIANA MORAIS

Depois

...ela estava construída na área prevista de evacuação, em caso de chegada da lama. Mas os proprietários nunca foram alertados

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A TRAGÉDIA DA

1 VALE sem pela mesma dor e sofrimentos que, segundo ele, poderiam – e ainda podem – ser evitados. “Se tivessem pedido para construirmos a pousada um pouquinho mais para cima, por ser uma área de risco em relação à localização da barragem, teríamos feito isso. O portão da nossa ex-pousada ficou intacto. Da recepção até o portão são 20 metros. Então, se tivessem tocado alguma sirene, feito algum tipo de alerta, minha família e a maioria dos meus funcionários certamente estariam vivos hoje.” Essa cruzada por mudanças, reafirma Paulo, será conduzida com serenidade. “Não busco ódio, nada disso. Não preciso de dinheiro. Tenho minha filha [de 4 anos), meu filho [de 10 meses] e minha esposa: eles são o meu alicerce nessa caminhada. E meus amigos, são o ar que eu respiro.” ANJO NA TERRA Ao convocar essa legião que ele chama de “guerreiros da paz”, Paulo se compromete a dedicar o

resto de sua vida a honrar a memória do pai, da mãe e do irmão que, segundo ele, era um verdadeiro anjo na Terra. “Marcio tinha problemas, era especial. Todos adoravam conviver com ele, principalmente os meus amigos. Era um anjo na Terra e, agora, está iluminado.” Sereno e articulado, Paulo garante sentir muita paz no coração, apesar da tragédia. Ele admite que é difícil as pessoas entenderem isso diante de tudo o que está vivendo. Falando sempre em Deus, ele se diz convicto de que seus pais e o irmão completaram a missão deles aqui na Terra. “Por isso, sinto paz. Mas quero mudanças. Não consigo mais ver o que está acontecendo e não fazer nada. Levaram tudo o que eu tinha. Na minha época, não existia câmera digital, celular. Todas as minhas fotos e lembranças da infância se foram”, lamenta. Quando se refere ao pai e à mãe, emoção e admiração ‘saltam’ na voz. “Papai era um artis-

ta, tinha vários quadros pintados. Era também entusiasta da sustentabilidade, valorizava o uso de energia solar. Tanto que comprei uma franquia nesse setor.” A mãe, Cleo, era ceramista. E usava elementos da natureza para compor suas peças. Em seu blog, ela assim se apresentava. “Gosto do sossego e do verde, me encanta a natureza com sua variedade de animais e vegetações. Fazer cerâmica é uma de minhas paixões, me fascina.” Segundo Paulo, era lindo o que ela fazia. “Começou como aluna e estava se tornando uma mestra. Já tinha gente vindo beber na fonte da sabedoria dela. Eu também gosto de tudo o que se relaciona à natureza. Meu avô dizia que tudo o que ele aprendeu na vida – e olha que ele mal sabia ler e escrever – foi sentado à beira da estrada, vendo a natureza passar. Levo esse lema comigo até hoje.” Ao fim da conversa, desejei-lhe força. E, ainda, que ele continue tendo esse amor como o seu guia. “Sempre, sempre. Essa é minha bandeira”, respondeu Paulo.

FOTO: REPRODUÇÃO INSTAGRAM

E AGORA, JOSÉ?

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“Quando fui a Brumadinho em 2016 para cantar no Meca Festival, fiquei assustado com o que vi no caminho. O evento era em Inhotim, museu cujo prestígio conhecia de longe. O entorno, no entanto, era deprimente. Os veículos da mineradora com frequência soltavam fumaça preta e ultrapassavam o carro que nos transportava nas estradas não asfaltadas, lançando poeira ou lama. Tudo é muito feio ali. Talvez mineração seja uma atividade que atrai violência. Lendo o livro de Zé Miguel sobre Drummond, pensei muitas vezes no fato de o que há de belo em Inhotim tardar a ser captado por minha sensibilidade, tal a sensação de desconforto humano, vegetal, animal e espiritual da região. A delicadeza das pessoas, o sabor das comidas, a graça da decoração, (tudo tão mineiro) da Pousada Nova Estância era igualmente contaminada pelo sentimento de desequilíbrio e feiura que a cercava. Já chorei algumas vezes hoje, incontrolavelmente, pensando nas pessoas que conheci lá. E nas tantas que não conheci. Revejo no YouTube o lindíssimo vídeo do garoto preto baiano Vitor, que declama ‘E agora, José?’. Essa é a pergunta.” Caetano Veloso, cantor e compositor


FOTO: REPRODUÇÃO

FOTO: NILMAR LAGE / GREENPEACE

"Há muito tomei-me de paixão por essa região do Quadrilátero Ferrífero que volteia Ibirité. Mas agora, à noite, as luzinhas que piscam e vislumbro não são mais das cidades de Sarzedo e Brumadinho. E sim, as flâmulas das almas de tantas pessoas, homens, mulheres e crianças que foram sepultadas vivas pela lama do minério, no auge de suas vidas! É impossível não pensar assim! Por aqui finquei minha casa, produzi húmus para corrigir o solo fraco, rico de filito e de hematita. Para ver as minhas palmeiras, bouganvilles e os meus sonhos florescerem às margens da represa da Petrobras. É onde vi meus filhos darem os primeiros passos, andarem de velocípedes, descortinando esse horizonte. Quantas vezes passávamos na portaria da mina da Vale, hoje um patíbulo pelas mãos de seus responsáveis. Driblávamos os vigias para ver o visual do vale de todo o rio. E agora saber que não passa de uma vala coletiva? Como não ficar destroçado em conviver com a ideia do Marcio Mascarenhas, dono do Number One, de toda a sua família e de mais de 30 hóspedes terem sido empedrados vivos em ferro lá na sua pousada de que tanto gostava? Marcio era também um amante desse pedaço dessa Minas profunda, hoje de luto. É uma covardia dizer que não se sabe, de fato, o que aconteceu, com o exemplo de Fundão nas fuças, e simplesmente, se justificarem que todos os protocolos foram seguidos. Isto não foi uma catástrofe natural! Foi o homemempreendedor que escavou a natureza para gerar riqueza aqui e lá fora. E se esqueceu que sem vidas humanas e os seus sonhos, não há esperança! Não há razão para se empreender, gerar ganhos e sepultar pessoas vivas. A Vale jamais conseguirá pagar essa dívida! Feriu com muitas mortes o seu ‘negócio’! Foi de uma covardia inenarrável com os mineiros!"

FOTO: DIVULGAÇÃO

A LAMA DA COVARDIA

Luiz Antônio Athayde, subsecretário de Assuntos Internacionais no governo Anastasia, sitiante em Ibirité e frequentador da região

"Ainda há esperança?" Em postagem feita numa rede social, no início do ano passado, Marcio Mascarenhas (foto) denunciou o que as mineradoras estavam fazendo na região de Brumadinho. Confira: “Estão acabando com tudo em volta. Onde antes era uma Mata Atlântica cheia de nascentes, hoje está virando um deserto empoeirado e sem vida. O que é mais importante, o dinheiro ou as pessoas

que morrem de doenças pulmonares respirando esse pó poluído com minerais pesados, e bebendo água misturada com esse veneno? Lençóis freáticos entupidos. Pulmões entupidos e o turismo ecológico que antes era fonte de riquezas para a região, se transformando em deserto poeirento e desabitado. Cenário horrendo de um futuro que começou décadas atrás. Será que ainda há esperança?”

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A TRAGÉDIA DA

1 VALE FOTO: CHRISTIAN BRAGA / GREENPEACE

A ABOMINAÇÃO DA DESOLAÇÃO

MORADORES ACENDEM velas em memória de seus parentes e amigos soterrados

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os animais devem viver em completa harmonia, pois são todos habitantes do planeta, a Casa Comum. É urgência minimizar a dor dos atingidos por mais esse desastre ambiental, sem se esquecer de acompanhar, de perto, a atuação das autoridades, na apuração dos responsáveis DOM WALMOR: por mais um triste e lamen"A natureza é tável episódio, chaga aberta inegociável" no coração mineiro. A justiça seja feita, com lucidez e sem mediocridades que geram passivos, com sentido humanístico e priorizando o bem comum, com incondicional respeito e compromisso com os mais pobres. Minas Gerais está de luto.”

FOTO: DIVULGAÇÃO

“Mais uma ‘abominação da desolação’, como disse Jesus no Evangelho de Marcos, referindo-se aos absurdos nascidos das ganâncias e descasos com o outro, com a verdade e com o bem de todos: mais uma barragem rompida em Minas Gerais, agora em Brumadinho. A Arquidiocese de Belo Horizonte une-se a cada um dos atingidos, compartilhando suas dores. Nossas comunidades de fé, especialmente as que servem ao Vale do Paraopeba, estejam juntas, para levar amparo, ajuda, a todos que sofrem diante de tão lamentável tragédia. Os danos humanos e socioambientais são irreparáveis e apontam para uma urgência, já tão evidente: é preciso repensar modelos de desenvolvimento que desconsideram o respeito à natureza, os parâmetros de sustentabilidade. Nossa Arquidiocese defende, incansavelmente, de modo inegociável, a natureza, obra do Criador, compreendendo que o ser humano, as plantas e

Dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)


FOTO: NELSON JR./SCO/STF/DIVULGAÇÃO

RESPOSTA JUDICIAL EFETIVA “O Poder Judiciário revela a sua solidariedade às famílias das vítimas e aos moradores da região. Roga às autoridades que empenhem toda sua estrutura eficiente para encontrar os desaparecidos. E, espera a apuração das responsabilidades em tempo célere, para que o Judiciário possa dar a essa população desvalida uma resposta judicial efetiva de tutela da vida humana e do meio ambiente, valores consagrados na Constituição Federal brasileira.”

FOTO: DIVULGAÇÃO

Lamentos gerais FOCO NA FISCALIZAÇÃO “Nós temos uma atuação rigorosa do Ibama. O que precisamos fazer é melhorar o foco da fiscalização, para que haja rigor maior com as atividades que gerem maior risco.” Ricardo Salles, ministro de Meio Ambiente

LIÇÃO A BOLSONARO “A tragédia de Brumadinho não é culpa do novo governo, mas deve servir como lição a Bolsonaro. O presidente tem alegrado as mineradoras ao repetir que há uma “indústria da multa” e atacar os órgãos de fiscalização ambiental. Este discursos vale como incentivo a quem já lucra com a exploração predatória da natureza.”

Luiz Fux, ministro e vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)

TRISTEZA REAL “O Príncipe Philip e eu ficamos profundamente tristes de saber da devastação e perda de vidas causadas pela barragem que se rompeu em Brumadinho. Nossos pensamentos e orações estão com todos aqueles que perderam entes queridos e aqueles cujos lares e meios de subsistência foram afetados.”

Dorrit Harazim, escritora croata

Rainha Elizabeth II

FOTO: GIL LEONARDI / IMPRENSA MG

RIGOR NA PUNIÇÃO “Garantimos que os envolvidos nessa tragédia serão punidos exemplarmente. Todas as medidas judiciais estão sendo tomadas pelos órgãos estaduais para garantir que isso aconteça. Vamos seguir todos os rigores da lei. Não podemos querer pena de morte no Brasil se a lei não prevê isso. Mas todo o rigor de punição que a legislação permitir nós vamos tentar impor aos responsáveis.”

Romeu Zema (Partido Novo), governador de Minas Gerais

FOTO: REPRODUÇÃO YOUTUBE

SEM CONTROLE “Lamento muito a ganância das mineradoras que esburacam nossas montanhas, destroem o meio ambiente e não são corretas com os dejetos que elas causam. E pergunto por que não há controle e nem lei para fiscalizar esses abusos. Sinto muito por todos os afetados!” Flávio Venturini, cantor e compositor, que mora em um sítio a 7 km de Brumadinho

INACEITÁVEL E INCALCULÁVEL “Para um setor que dobrou de tamanho em pouco mais de uma década e só no ano passado gerou US$ 20 bilhões em exportação, é inaceitável o jogo de empurra diante dos crimes ambientais em Mariana e Brumadinho. Em 2015, Vale e BHP tentaram se eximir de responsabilidade pela operação da Samarco, apesar de a empresa ser uma joint-venture entre as duas gigantes da mineração, com 50% de participação de cada.

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A TRAGÉDIA DA

Míriam Leitão, jornalista, em sua coluna de “O Globo”

VIDAS PERDIDAS “É importante frisar que esta é de fato uma tragédia, mas não um acidente. Um desastre dessas proporções pode – e deve – ser evitado por meio de leis ambientais que garantam a segurança das comunidades e da natureza. Toda a vida ao redor do Rio Paraopeba foi atingida – as populações do entorno da barragem, os trabalhadores da empresa que estavam no local e toda a natureza ao longo do rio, um dos afluentes do São Francisco, maior bacia hidrográfica do Brasil depois da Amazônia. Três anos após o desastre de Mariana, vidas foram novamente perdidas, porque persistimos no erro de não prevenir que tragédias como essa aconteçam. O Brasil precisa aumentar seus esforços de fiscalização. Precisamos fortalecer a estruturação dos órgãos governamentais que têm a importante tarefa de fiscalizar atividades com alto impacto social e ambiental.” Nota do WWF Brasil

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FOTO: GILMAR FELIX

LUCRO, LUCRO “O que faltou nesses desastres, e a gente lamenta, foi as empresas do setor, principalmente a Vale, tomarem medidas de prevenção socioambientais. Quando era estatal, tinha mais engenheiros que cuidavam disso. Quando a empresa se tornou privada, passou a ter economistas que só pensam em lucro.”

DOR PAPAL “Quero exprimir a minha dor pela tragédia que atingiu o estado de Minas Gerais, no Brasil. Recomendo a misericórdia de Deus a todas as vítimas e ao mesmo tempo rezo pelos feridos e exprimo meu afeto e proximidade espiritual às suas famílias.”

FOTO: JOSHUA LOTT / POOL

Fábio Ramalho, deputado federal

Papa Francisco

SEM RESPOSTA “A Vale acabou com Mariana e agora acabou com Brumadinho. Qual é a próxima cidade que vai acabar? O que vou fazer da minha vida? O meu marido está lá, soterrado, e eu não tenho resposta. Como é que vai fazer?” Sueli Oliveira, em busca de notícias do marido, Paulo, que morava próximo à mineradora

FOTO: REPRODUÇÃO

João Vitor Xavier, em 5 de julho de 2018, em discurso na ALMG, e mais recentemente, após a tragédia de Brumadinho

Alexandre Kalil, prefeito de BH FOTO: REPRODUÇÃO FACEBOOK

DINHEIRO VERSUS DIGNIDADE “A mineração tem de ser feita com responsabilidade. Até quando o dinheiro vai valer mais do que a dignidade humana? O lucro não pode estar acima de tudo. Não poderia, como presidente da Comissão de Minas e Energia, dormir de maneira tranquila, sabendo o que hoje acontece em Minas. Não tenho dúvidas de que teremos novas rupturas, porque o modelo que utilizamos é obsoleto, é ultrapassado. As pessoas vão continuar morrendo. Não dá para combinar com um setor assassino, que mata as pessoas.”

UM GENOCÍDIO “Se o presidente da Vale tivesse sido preso há três anos, após o desastre de Mariana, certamente a tragédia de Brumadinho não teria acontecido. Pelo número de vítimas, isso é um genocídio. É um crime que, pelo menos preventivamente, essa diretoria da Vale tinha que estar na cadeia.”

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Há um ano, o presidente da Vale, Fabio Schvartsman, disse para investidores em São Paulo, que o trabalho de recuperação do Rio Doce era ‘uma história extraordinária’ e que a ‘resposta das duas companhias estava à altura do desastre’. O que as reportagens mostravam era uma realidade diferente: muita reclamação, atrasos e um dano ambiental incalculável.”

FOTO: REPRODUÇÃO

1 VALE


FOTO: DIVULGAÇÃO

SENTIMENTO GERAL “A nova tragédia mostra a importância de refutar propostas que enfraqueçam o rigor das normas sobre licenciamento ambiental.”

FOTO: PEDRO FRANÇA

Leonardo DiCaprio, ator norte-americano e ambientalista

Léo Heller, relator especial da ONU para os direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário, professor voluntário da UFMG e pesquisador da Fiocruz-Minas

JAIR BOLSONARO, presidente da República, ao sobrevoar o local do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG)

FOTO: ISAC NÓBREGA / PR

Suely Araújo, ex-presidente do Ibama

SENTIMENTO PÁTRIO “Difícil não se emocionar.”

CONDOÍDAS DESCULPAS “É tempo de exigir que autoridades tratem esta tragédia a partir do marco dos direitos humanos. De dizer à Vale e demais mineradoras que sua prioridade agora é uma séria avaliação dos riscos de seus empreendimentos: lucros já foram extraídos excessivamente e têm gerado crimes. De exigir uma moratória no licenciamento de barragens, até que seus critérios sejam revistos. Aos governos Bolsonaro e Zema cabem condoídas desculpas, por terem cogitado relaxar a política ambiental, visando ‘agilizar o progresso’... para poucos.”

AUTORES HUMANOS “Essas tragédias não foram incidentais. Elas tiveram causas e autores humanos. O autor principal chama-se Vale. Uma empresa que se apresenta como verde, mas esse verde é camuflagem de predador.” 

FOTO: MIRIAM LEITÃO

SÓ LUCRO? “Este novo rastro de destruição e tristeza em Brumadinho aconteceu apenas três anos do maior desastre socioambiental do Brasil, em Mariana. É preciso dar um basta nisto! Governos e empresas precisam parar de colocar o lucro acima das pessoas e da natureza.”

FOTO: REPRODUÇÃO

Sérgio Abranches, sociólogo e escritor, em artigo no Estado de Minas

A BARRAGEM que virou "monstro" engolfou os próprios funcionários da mineradora

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A

OPINIÃO PÚBLICA

ANDRESSA DE OLIVEIRA LANCHOTTI* redacao@revistaecologico.com.br

MATA ATLÂ N

Mata Atlântica está presente em 17 estados brasileiros e, em sua extensão original, cobria cerca de 13% do território nacional. Aproximadamente 140 milhões de pessoas vivem hoje em áreas onde estão presentes fragmentos do bioma e dependem de suas múltiplas funções ambientais. Apesar disso, continuam ocorrendo desmatamentos em toda a extensão desse importantíssimo ecossistema. A Fundação SOS Mata Atlântica divulga anualmente o “Atlas do Desmatamento da Mata Atlântica”. Infelizmente, Minas Gerais vem ocupando, nos últimos anos, as primeiras posições nesse ranking: 2º lugar, no período 2016-2017 e em 2015-2016, e primeiro lugar em 2014-2015. No período 2016-2017, o “Atlas” identificou o menor valor total de desmatamento da série histórica do monitoramento. Conforme exposto pela própria Fundação SOS Mata Atlântica: “Foram destruídos 12.562 hectares neste período contra 29.075 hectares em 2015 e 2016, queda de 56,8%. Os novos dados do “Atlas da Mata Atlântica” indicam que as ações de alguns estados para coibir o desmatamento – como maior controle e fiscalização, autuação ao desmatamento ilegal e moratória para autorização de supressão de vegetação (caso de Minas Gerais) – trazem resultados positivos: sete estados já beiram o desmatamento zero, com desflorestamento em

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torno de 100 hectares (1 Km²)”1. Originalmente, a Mata Atlântica ocupava cerca de 49% do estado de Minas Gerais. Hoje, restam apenas cerca de 7% dessa vegetação, notadamente pequenos remanescentes, em grande parte confinados em áreas particulares. Mesmo assim, em Minas, a Mata Atlântica ainda abriga alta diversidade de espécies de fauna e flora, várias inclusive endêmicas. E mais: 70% das espécies de mamíferos inventariadas no bioma estão presentes no estado. As ameaças à Mata Atlântica em Minas Gerais são inúmeras, como a expansão indiscriminada de monoculturas agrícolas e da pecuária; o crescimento urbano desordenado por meio da implantação de loteamentos clandestinos ou irregulares; a mineração em áreas onde o bioma está presente; e o tráfico de animais silvestres. Com o objetivo de coibir o desmatamento da Mata Atlântica e promover a restauração do bioma, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) lançou o projeto “Mata Atlântica Viva”, que consiste em uma série de medidas coordenadas de fiscalização, educação ambiental e incentivo à elaboração de planos que normatizam os elementos necessários à proteção, conservação, recuperação e uso sustentável do bioma nos municípios mineiros onde ele está presente. O tema também foi inserido como prioridade no


“Sete estados brasileiros, incluindo Minas, já beiram o desmatamento zero.”

 NTICA VIVA! planejamento institucional para o biênio 20182019, sendo parte do “Plano Geral de Atuação Finalístico” do MPMG. Por meio de imagens de satélite, foram identificadas e mapeadas comarcas, municípios e propriedades que apresentaram, nos últimos anos, as mais altas taxas de desmatamento do estado. A partir dos dados obtidos, foi elaborado um vasto material de apoio voltado para os promotores de Justiça, tendo como foco a investigação e a responsabilização dos autores de desmatamento irregular. Um workshop foi promovido com o objetivo de apresentar os fundamentos jurídicos para a preservação e a restauração do bioma, que é patrimônio nacional (art. 225, parágrafo 4º, da Constituição Federal) e Reserva da Biosfera declarada pela Unesco. Em uma atuação preventiva, o MPMG tem celebrado acordos com os gestores municipais para incentivar os municípios a editar, mediante lei específica, o plano municipal para conservação da Mata Atlântica. Em sua vertente repressiva, em setembro de 2018, o MPMG lançou a primeira fase da operação de fiscalização “Mata Atlântica Viva”, destinada a identificar desmatamentos, punir os responsáveis e cobrar a reparação dos danos ambientais. A ação integrou a “Operação Nacional Mata Atlântica em Pé”, que envolveu Ministérios Públicos e órgãos

ambientais de 15 estados e revelou o desmatamento de cerca de 1.200 hectares de Mata Atlântica em MG e de mais de 5.200 hectares no país. No início de dezembro de 2018, o Ministério Público realizou a segunda fase da operação “Mata Atlântica Viva”, tendo como alvos propriedades situadas no Vale do Jequitinhonha. Durante a operação, foi confirmado o desmatamento de 921,91 hectares do bioma. Nas duas fases da operação em MG, foram aplicados cerca de R$ 12,6 milhões em multas. Os dados das recentes operações de fiscalização capitaneadas pelo MPMG demonstram que não obstante os esforços empreendidos pelos órgãos de controle envolvidos, a destacar-se a atuação da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), da Polícia Militar de Meio Ambiente de MG e do Ibama, muito ainda precisa ser feito para alcançarmos o objetivo de desmatamento zero em Minas. Sigamos em frente para mantermos nossa Mata Atlântica VIVA!  (*) Promotora de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Disponível em https://www.sosma.org.br/projeto/atlasda-mata-atlantica/historico/>. Acesso em 21/12/2018.

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FOTO: OSVALDO VASCONCELOS

1 MUNICÍPIOS MINERADORES

OURO PRETO e Nova Lima, além de Brumadinho e Congonhas, serão os municípios mais impactados

ANÁLISE PROFUNDA E NECESSÁRIA Fiemg reforça importância da análise adequada das barragens em Minas. Objetivo é encontrar soluções de engenharia e de legislação que preservem vidas e evitem o empobrecimento das populações e municípios mineradores

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madas atitudes preventivas. “Temos que trabalhar para que haja segurança nas barragens já FOTO: SEBASTIÃO JACINTO JR.

E

m sua primeira entrevista coletiva após o ocorrido em Brumadinho, o presidente da Fiemg, Flávio Roscoe, afirmou que pretende discutir com os setores de engenharia e mineral técnicas eficientes que possam impedir que tragédias como essa voltem a acontecer. A entidade vai propor um estudo aprofundado, no qual possam ser analisados quais métodos construtivos de barragens de rejeitos são mais eficazes e seguros. E identificar também as barragens que têm maiores riscos de rompimento, para que sejam to-

FLÁVIO ROSCOE: “Sem mineração, não existe economia”

existentes, mas também preservar a atividade econômica, que é vital para todos nós. Afinal, sem a mineração não existe economia como nós conhecemos. Daí estarmos em busca de parceiros, como empresas do setor de mineração, entidades de engenharia, o governo do Estado e representantes de órgãos ambientais para execução do estudo.” QUESTÃO ECONÔMICA O impacto da paralisação das atividades das minas e das barragens comissionadas pela Vale, Roscoe demonstrou, é grande


FOTO: TATIANA DIAS

FIQUE POR DENTRO

AJUDA HUMANITÁRIA De acordo com Flávio Roscoe, num primeiro momento, a Fiemg apoiou os moradores atingidos de Brumadinho, de maneira incisiva, em conjunto com diversas empresas do Estado, disponibilizando desde helicópteros até caminhões frigoríficos, além de bens de primeira necessidade. Todo o Sistema Fiemg atuou com uma grande equipe de assistentes sociais, médicos e outros profissionais habilitados no atendimento a várias famílias. Empresas e sindicatos também enviaram recursos humanos e materiais, fundamentais nos trabalhos de resgate. Essas empresas doadoras foram: Usiminas, MRV, CCPR/Itambé, Anglo American, CSN, CNH, Energisa, Gerdau, Nippon, Tenaris/Technit, Fiat, Sindusfarq, Petrobras, Tropeira, Associação Latino Americana do Aço (Alacero), Alcoa, FCA, AeC e Mercedes-Benz.

para o PIB de Minas Gerais: uma queda de 1,8%. Daí a preocupação com os impactos econômicos, que vão afetar diretamente a vida de milhões de mineiros: “É preciso que sejam apuradas as causas do rompimento para que possamos atuar estritamente nas suas correções e não ficar atirando em várias direções, criando mais obstáculos que o necessário. Identificadas as causas, aí sim, trabalharmos solidários para que elas sejam mitigadas e para que acidentes como esse nunca mais ocorram. Além de propiciar que o impacto no PIB não seja ainda maior do que esse de 1,8% negativo que vamos ter, em função do acidente. Minas Gerais iria crescer 3,3%. Agora, crescerá 1,5% em 2019, em função do acidente”. Antes de fazer mudanças na

ESTUDOS E PROJEÇÕES

O estudo da Fiemg mostrou que a indústria extrativa é responsável por 25% de toda a produção industrial e por 2,1% do PIB mineiro, exercendo grande influência na sua cadeia produtiva. l

l Para

cada R$ 100 milhões a menos de receita do setor, há perdas adicionais de R$ 25 milhões em outros segmentos. A redução da produção de 10 milhões de toneladas/ano de minério de ferro no Estado é capaz de promover uma queda de receita na cadeia produtiva da mineração de R$ 3,4 bilhões. Ou o equivalente a 0,6% do PIB de Minas, em 2017. l Os

municípios e populações que mais dependem da Vale, em termos de arrecadação de tributos (CFEM) são: Ouro Preto (72%) Nova Lima (45%) (foto acima), Brumadinho (15%) e Congonhas (10%). A atividade minerária está presente hoje em mais de 400 cidades. Os municípios mineradores de Minas – aponta o relatório da Fiemg – têm distribuição de renda mais igualitária do que a maioria dos demais municípios brasileiros. l Nove entre 10 municípios mineiros de maior relevância na

atividade de mineração aparecem entre as 80 cidades com melhor qualidade de vida medida pelo Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal. Esse indicador apura as condições de vida da população em todos os municípios brasileiros, a partir da análise do comportamento do emprego, renda, educação e saúde locais. Há maior potencial de desenvolvimento econômico-social nos municípios onde predomina a atividade de mineração. O reflexo disso é mais qualidade de vida, com menos violência, mais educação e melhor infraestrutura nessas cidades, conclui a Fiemg.

legislação ou no licenciamento ambiental, segundo Roscoe, é necessário rever as técnicas de engenharia usadas na construção de barragens: “Temos de fazer isso. É ali que está o problema

estrutural, é onde acontecem as falhas na segurança. É por causa disso que a Fiemg vai se cercar de engenheiros especialistas na busca de novos e mais seguros modelos de barragens”.  JAN/FEV DE 2019 | ECOLÓGICO  51


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OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (9)

EMISSÕES RESULTANTES da atividade petroquímica e de outros processos industriais fazem a Ilha de Maré ter índices de poluição atmosférica superiores aos de Cubatão (SP)

SINAIS DE MORTE NO

PARAÍSO SEM SERVIÇOS BÁSICOS DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO E REFÉM DA INTENSA ATIVIDADE PETROQUÍMICA/PORTUÁRIA, A ILHA DE MARÉ, EM SALVADOR (BA), PADECE COM A POLUIÇÃO E O ADOECIMENTO DE CRIANÇAS POR EXPOSIÇÃO AO CHUMBO E A OUTROS METAIS PESADOS Neylor Aarão

redacao@revistaecologico.com.br

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“Desde os cinco anos de idade, minha vida é pescar. A maior riqueza está no mar, que é um bem público; ninguém é dono dele. A gente tem liberdade de pescar onde quiser. Isso é o que eu acho bonito na natureza.”

O

comparada aos volumes que ela costumava testemunhar na infância. “Diminuiu sim. Primeiro, porque a população aumentou. Segundo por causa das empresas que ficam ao redor de onde a gente pesca.” IMPACTO AMBIENTAL As diversas atividades industriais existentes no entorno impactam de forma direta a natureza e o modo de vida na Ilha de Maré. São mais de 40 empresas. Boa parte delas instalou-se ali a partir dos anos 1960, tempos em que os processos de licenciamento ambiental eram bem menos rigorosos. Como resultado, os níveis de monóxido de carbono (CO) – gás gerado durante a queima de derivados do petróleo e em outros processos industriais – registrados na Maré são superiores aos de Cubatão (SP), historicamente lembrada pelos elevados índices de poluição atmosférica. Altos percentuais de enxofre e de arsênio também afetam as comunidades.

O tráfego de navios é intenso. E, conforme estudos da Universidade Federal da Bahia (UFBA), a contaminação atmosférica e o vazamento de óleo são as principais fontes de poluição e de riscos de ocorrência de acidentes. Na visão da promotora de Justiça Cristina Seixas Graça, do Centro de Apoio às Promotorias de Meio Ambiente e Urbanismo (Ceama/MPBA), o polo industrial causa inúmeros impactos negativos à região, tanto em razão de sua dimensão quanto da grande quantidade de equipamentos portuários existentes. “Ainda não há um diagnóstico efetivo sobre o estado e a qualidade ambiental de todo o território da baía”, afirma. O professor e químico Jailson Bittencourt de Andrade, da UFBA, lista alguns exemplos do impacto local causado pela atividade portuária. “Podemos citar a draga do porto para aumento de calado. Isso muda todo o fundo e, durante um bom tempo, certamente também haverá alteração no movimento de peixes, mariscos e em toda a dinâmica pesqueira da região.”

FOTOS: DIVULGAÇÃO

relato acima é do pescador Natan Farias. Ele vive na Ilha de Maré, localizada na Baía de Todos-os-Santos, próximo à capital baiana, Salvador. Também pescadora e marisqueira, a moradora Marizélia Lopes conta que, na infância, tinha uma cesta e, por experiência na lida, sabia exatamente a quantidade de siri que precisava coletar para assegurar o sustento de sua família. “Hoje, infelizmente, a Ilha de Maré deixou de ser o paraíso que a gente tinha.” A explicação para o lamento de Marizélia, que inclui a contaminação de crianças por exposição ao chumbo e a outros metais pesados, você entenderá lendo vários outros relatos a seguir. A reportagem desta edição começa depois de uma viagem de 40 minutos, de barco, do porto mais próximo até a ilha. O primeiro contato visual com o local é fantástico. A Maré surge maravilhosa. Mas, ao desembarcar, logo percebo que essa não é a verdadeira realidade das pessoas que lá vivem. Terceira maior ilha da Baía de Todos-os-Santos, ou BTS, como é conhecida, a Maré tem 7 mil habitantes. A maioria deles descende de ancestrais que também habitaram o local, muito antes de indústrias químicas e petroquímicas ali se instalarem. Coordenadora da Colônia/Associação de Pescadores da ilha, Noêmia Farias Pedro afirma que a quantidade de marisco e pescado vem diminuindo, quando

NEYLOR AARÃO durante as filmagens: vazamentos de óleo, que contaminam mariscos, pescados e toda a fauna marinha, são facilmente flagrados em vários pontos da ilha

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OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (9)

Outro impacto grave é a disseminação de espécies invasoras na ilha, por meio da água de lastro dos navios. “Temos problemas com o siri-bidu (Charybdis hellerii)”, relata Andrade. Esse crustáceo, originário dos oceanos Índico e Pacífico, tem se espalhado por vários trechos do litoral brasileiro. Ele representa uma ameaça porque, como não tem predadores naturais, compete com os siris nativos, que servem tanto de alimento quanto de fonte de renda para pescadores. A poluição gerada pelas indústrias também provoca a mortandade de peixes, afetando até mesmo espécies consideradas bastante resistentes. Uma delas é o baiacu (Sphoeroides maculatus), também conhecido como peixe-bola-do-norte. O pescador Natan Farias mostra um exemplar da espécie e explica: “Ele é duro, não morre fácil. Aqui a gente só vê baiacu morto quando vem muita descarga (de poluição). Quando acontece a descarga das empresas, morre tudo quanto é tipo de peixe.” CRIANÇAS CONTAMINADAS O Centro Industrial de Aratu (CIA) é um complexo multissetorial fundado em 1967. Além do porto de mesmo nome, abriga empreendimentos de diferentes segmentos: químico, metal-mecânico, calçadista, alimentício, metalúrgico, moveleiro, minerais não metálicos, plásticos, fertilizantes, eletroeletrônicos, bebidas, logística, têxtil, serviços e comércio. Inaugurado em 1975, o Porto de Aratu não recebeu investimento suficiente para a melhoria de suas operações. Tampouco passou por licenciamento ambiental. Para a professora Vanessa Hatje, oceanógrafa da UFBA, 54  ECOLÓGICO | JAN/FEV DE 2019

o complexo não foi implantado com base nas melhores técnicas de tratamento de efluentes e controle de poluentes, sejam eles atmosféricos ou líquidos. “Definitivamente, não houve uma demanda de governo visando à adequação.” Para ele, o sistema de automonitoramento gerido pelas empresas deixa uma lacuna muito grande em relação ao que realmente acontece em seus processos industriais. Citada no começo desta reportagem, a marisqueira Marizélia Lopes, da comunidade quilombola Bananeiras, enfatiza sua preocupação diante da contaminação e do adoecimento de moradores. “É por isso que eu digo que a Ilha de Maré deixou de ser um paraíso. A gente está muito assustado com a quantidade de pessoas desenvolvendo câncer aqui.” Dados de estudos conduzidos pela UFBA apontam a existência ali de mais 100 crianças contaminadas por chumbo, cádmio e mercúrio. Nos últimos anos, essa triste realidade tem sido tema de debates e de protestos constantes. Também já motivou a realização de audiências

públicas em Salvador. Análises conduzidas pela professora da Escola de Nutrição da UFBA, Neuza Miranda, comprovam a contaminação por chumbo em amostras de cabelo e de sangue das crianças. Há níveis de até 19,2 microgramas do metal pesado por decilitro de sangue. No cabelo, a quantidade de chumbo chega a 21,2 microgramas. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o limite máximo de concentração desse elemento químico no corpo humano deve ser de 10 microgramas. “A pesquisa começou com a própria comunidade, que nos alertou sobre a necessidade de investigar a contaminação. Eles reclamavam de vários sintomas, como falta de ar e mal-estar. Quando decidi avaliar, fiquei surpresa ao constatar que não havia nenhum estudo específico sobre a saúde da população.” RISCO POTENCIAL De acordo com Neuza Miranda, os trabalhos de diagnóstico ambiental existentes são, na maioria das vezes, pagos pelas próprias

“Estamos perdendo as pessoas que amamos. A doença (câncer) é silenciosa. É diferente de um tiro, de uma guerra. A guerra da gente aqui é silenciosa; um silêncio que está nos matando.” ELIETE PARAGUAÇU, marisqueira e ativista ambiental


FOTOS: DIVULGAÇÃO

MOVIMENTO DE FLUXO E REFLUXO do mar em torno da ilha dita o ritmo de trabalho das marisqueiras, que aproveitam as marés baixas para a pesca/catação artesanal

indústrias da região para a realização de amostragens e análises apenas em peixe, camarão, caranguejo e siri, bem como na água e nos sedimentos do mangue. A alimentação, explica ela, é a principal forma de entrada de metais pesados no corpo humano. E as crianças integram a faixa de população fisiologicamen-

PROFESSORA NEUZA MIRANDA: "O chumbo reduz a capacidade cognitiva da criança"

te mais suscetível à exposição a esses poluentes. “Encontramos crianças de um ano e meio, dois anos de idade que tinham 40 microgramas de chumbo no sangue. Esse índice de contaminação é equivalente ao de exposição ocupacional. Ou seja, ao de trabalhadores expostos a esses metais dentro de uma fábrica. Infelizmente, a saúde dessas crianças está comprometida.” Metal neurotóxico, o chumbo representa risco potencialmente alto para crianças menores de um ano. Impacta também a saúde fetal, via alimentação da mãe, causando distúrbios no sistema nervoso e no cérebro. “O chumbo diminui a capacidade cognitiva da criança, inclusive o QI”, salienta a professora. Uma das vítimas inocentes da Ilha de Maré, segundo relata a pescadora Marizélia Lopes, é a menina Adriane. “Em 2012, ela começou a sentir umas dores e aí apareceu um caroço entre o

ombro e a clavícula. Era câncer. A gente lutou, fez de tudo para ajudar, ela tinha muita vontade de viver. Mas acabou morrendo, aos 13 anos.” GUERRA SILENCIOSA Também pescadora e marisqueira, Eliete Paraguaçu, do Movimento de Pescadores e Pescadoras (MPP), é ativista ambiental muito conhecida na região. Em 2017, ela integrou um grupo que ocupou a sede da Companhia das Docas do Estado da Bahia (Codeba), responsável pela administração do Porto de Aratu. O protesto foi motivado pela contaminação química e também reivindicava a adoção de políticas públicas de saúde na ilha. Quando aponto uma das estruturas existentes no local, Eliete me explica: “É um poço de petróleo. E, por incrível que pareça, cada estrutura dessa está em cima de uma das coroas (de areia) que

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OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (9)

sustentam a minha família”. Para Eliete, é difícil ter de dividir o espaço de pesca com a extração de petróleo. “O impacto na vida da gente é muito grande. São sete poços no território pesqueiro e 14 no território quilombola. Eles são como um vizinho, ficam próximos das áreas de coroa, dos espaços de mariscagem, das nossas roças e caminhos. É tudo cheio de duto aqui.” “Estamos perdendo as pessoas que amamos. A doença (câncer) é silenciosa. É diferente de um tiro, de uma guerra. A guerra da gente aqui é silenciosa; um silêncio que está nos matando e, por isso, estamos pedindo a ajuda das pessoas. Se a gente não investigar e souber o que está acontecendo, o Brasil também não vai saber.” IMPORTÂNCIA ECONÔMICA Durante as filmagens, tivemos acesso a locais de extração de petróleo nos quais entramos tranquilamente e também flagramos vazamento de produtos tóxicos. Coordenador de Monitoramento do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), órgão vinculado ao governo da

Bahia, Eduardo Topázio afirma que é direito da população da Maré discordar da presença do terminal marítimo no local. No entanto, na prática, há uma enorme pressão para ampliação do terminal, em razão da crescente demanda mundial pelos químicos ali produzidos e também diante de sua importância econômica para o estado. “A região depende muito do terminal marítimo. É um conflito que precisa ser muito bem negociado e bem discutido para que a população não tenha (mais) prejuízos.” Um cheiro forte, que descobri depois ser de enxofre, também impera na ilha. Ele emana do complexo industrial e, segundo moradores, costuma ser mais intenso ainda em certos períodos do ano. O artesão Gonçalo dos Santos diz que, até mesmo deitado em sua cama, ele sente o odor. “Não tem hora, não; é de dia e à noite, sempre a gente sente.” De acordo com o professor e químico Jailson Bittencourt de Andrade, da UFBA, este odor resulta da queima do diesel que abastece os navios. “É um tipo de diesel com fração mais pesada. Então, a quantidade de emis-

“É claro que houve erros ao longo dos anos. Na ansiedade da busca por resultados, às vezes a gente passa (por cima do controle), e tem também a questão da falta de normas ambientais na época da instalação. O divisor de água se dá a partir de agora, quando se estabelecem novos parâmetros, normas e leis a serem cumpridos.” JOSÉ MUNIZ REBOUÇAS, ex-presidente da Companhia das Docas do Estado da Bahia (Codeba)

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ENTENDA MELHOR

A água de lastro é geralmente captada nos portos de onde os navios zarpam, sendo usada para manter o equilíbrio quando a viagem é feita sem carga. Ao chegar ao porto de destino, ela é liberada, causando uma migração involuntária de milhões de seres vivos.

Com o fluxo e refluxo do mar em torno da Ilha de Maré, as águas ficam rasas e surgem coroas de areia que permanecem ao sol por cerca de seis horas. São as chamadas marés baixas. Esse fenômeno facilita o trabalho das marisqueiras na pesca artesanal, um dos pilares do sustento alimentar e também garantia de renda de boa parte da população.

sões é muito maior.” No momento em que o navio adentra o porto, a Ilha de Maré recebe toda a fumaça que ele gera. “Em vários locais do mundo, os navios são proibidos de atracar com esse tipo de motor. Geralmente, ele é desativado e entra em ação um motor elétrico, um rebocador.” Eduardo Topázio, do Inema, esclarece que, graças à atuação do Ministério Público, está sendo exigida a implantação de uma rede de monitoramento da qualidade do ar, demanda antiga de moradores da região. “Temos uma central de monitoramento atmosférico na refinaria, mas não temos nada parecido na região portuária. De toda forma, essa questão do


FOTOS: DIVULGAÇÃO

FOTO DE NATAN FARIAS faz lembrar a música "Pescador de Ilusões": ele clama piedade a Deus e quer um bom motivo que lhe traga fé

cheiro (de enxofre) não é detectada por essas redes de controle. É algo que precisa de uma apuração mais aprofundada. É exatamente por isso que estamos notificando uma série de empresas a melhorarem os seus processos industriais”, pontua. ESPERANÇA VIVA Para a promotora de Justiça Cristina Seixas Graça, o sentimento da população da Maré em relação à sua realidade é de abandono também pelo poder público. “Constamos isso quando passamos a investigar a questão da degradação ambiental. Ou seja, não identificamos apenas a poluição gerada pelas indústrias, também faltam serviços básicos, como esgotamento sanitário e

acesso à água tratada. Há esgoto a céu aberto nas ruas. Nunca houve um diagnóstico da qualidade ambiental daquela comunidade e da ilha. Foi o que buscamos fazer.” Por ora, o crime e o jogo de interesses se perpetuam. Ninguém assume a culpa e muito menos abraça a responsabilidade de pôr fim ao padecimento reinante na Maré. A incerteza sobre o futuro só não é maior graças à resistência, à força e ao amor dos moradores pela ilha onde nasceram primeiro que as indústrias. Mesmo diante de tantas portas e olhos fechados para a triste realidade, eles mantêm viva a esperança de salvar o lugar onde vivem. “Só Deus mesmo para ter pena e piedade de nós”, clama

Natan. E Marizélia sentencia: “É direito nosso viver com abundância e qualidade de vida. Não é só eles (as empresas) que têm o direito de ter dignidade e ser feliz. A gente também tem”.  LEIA NA PRÓXIMA EDIÇÃO: A degradação ambiental e o sofrimento de moradores da Ilha da Madeira, em Itaguaí (RJ).

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EMPRESA & MEIO AMBIENTE

ENERGIA INTELIGENTE Caminhos para o desenvolvimento sustentável Iniciativas de eficiência energética da Cemig incentivam o consumo consciente

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FOTO: PIXABAY

A

Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) está investindo no desenvolvimento e aplicação de tecnologias sustentáveis de energia em todo o estado. Com foco em alcançar resultados que contribuam para a redução do desperdício de energia elétrica e a conscientização sobre a importância do uso racional do recurso, o “Programa Energia Inteligente” da Cemig, regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), se fez presente, na última década, em mais de 600 municípios mineiros. “Eficiência energética é o resultado direto da relação entre a quantidade de energia empregada em uma atividade e a disponibilizada para sua realização”, afirma o gerente de eficiência energética da Cemig, Ronaldo Lucas Queiroz. Numa definição mais próxima do dia a dia, ele explica, trata-se da otimização do uso de equipamentos elétricos, reduzindo o desperdício, sem que isso comprometa o conforto dos usuários. É possível ainda sintetizar esse conceito na proposta de “fazer mais com menos”. “Economizar energia parte de dois princípios básicos: diminuir a potência dos equipamentos ou reduzir o tempo de uso”, garante. A avaliação da potência deve ser priorizada ainda no ato da compra de equipamentos. Para facilitar o processo de escolha, existem selos que indicam o consumo de energia necessário para funcionamento de

determinado aparelho, como é o caso do “Selo Procel de Economia de Energia”, que indica os produtos que apresentam os melhores níveis de eficiência energética dentro de cada categoria. Nesse sentido, as iniciativas do “Energia Inteligente” da Cemig atuam de forma a modernizar, por exemplo, a iluminação de escolas

e prédios do estado, hospitais públicos e filantrópicos e das casas de consumidores de baixa renda. Além da iluminação, as ações avaliam a necessidade de substituir geladeiras e chuveiros que já estão em mau estado de conservação, comprometendo o orçamento doméstico das famílias atendidas. Na área da saúde, vale destacar a


Programa de Eficiência Energética (1)

MUDANÇA DE HÁBITOS Para além da eficiência energética em equipamentos, um segundo aspecto – que está ao alcance de todos – é o comportamental. Com o objetivo de incentivar a mudança de hábitos que fazem a diferença no valor da fatura ao final do mês e, consequentemente, reduzem impactos ambientais, o “Energia Inteligente” atua em ações educativas voltadas aos diversos setores da sociedade. A concepção dessas ações revela diferenciais importantes para trabalhar uma nova geração de consumi-

FOTOS: THOBIAS ALMEIDA

substituição de aparelhos para esterilização de instrumentos médicos (autoclaves), secadoras de roupas hospitalares e focos cirúrgicos, que são utilizados em procedimentos mais complexos e exigem maior acuidade visual. A adequação dos equipamentos oferece, além de condições mais favoráveis para o trabalho da equipe médica, conforto aos pacientes, contribuindo para ampliar a gama de serviços realizados nas instituições.

A ADEQUAÇÃO dos equipamentos em hospitais proporciona condições ainda mais favoráveis para o trabalho na área da saúde dores. Como exemplo, destaca-se o “Conexão Educar”, iniciativa que alcançou mais de 1.000 escolas públicas mineiras, levando capacitação aos professores e incentivo para que o conteúdo sobre o uso racional de recursos naturais e energéticos fosse

AÇÕES EDUCATIVAS vêm sendo realizadas para incentivar a mudança de hábito entre consumidores e promover a economia de energia

multiplicado em sala de aula. Contudo, para subsidiar atividades escolares, a Cemig desenvolveu, junto à Secretaria de Estado de Educação, conteúdos direcionados às necessidades de ensino atuais. Por meio de linguagens lúdicas e específicas para os anos iniciais e finais do ensino fundamental e identidade visual atrativa, o material educativo aborda questões ambientais e sociais que favorecem o processo de aprendizagem. A exemplo disso, os livros do “Conexão Educar” foram construídos sob uma narrativa que conduz o olhar para o crescimento populacional e a consequente necessidade de explorar mais recursos para atender a todos. Nessa perspectiva, a história aborda os processos de geração e transmissão da energia até sua chegada aos consumidores, mostrando, ainda, a importância de seu uso consciente. O material didático se torna atrativo pelas ilustrações que acompanham os conceitos, e apresenta, ainda, um tom social e de valorização das diversidades culturais e humanas, sejam elas representadas por comunidades indígenas, quilombolas ou pessoas com deficiência. Esse re-

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Programa de Eficiência Energética (1)

ARTES: CONEXÃO EDUCAR/ CEMIG

EMPRESA & MEIO AMBIENTE

O MATERIAL didático do “Conexão Educar” aborda os processos de geração e transmissão da energia e o uso consciente por meio de uma identidade visual criativa

trato da realidade escolar também é uma forma de aproximar os alunos do conteúdo e tornar as atividades mais naturais ao dia a dia. As ações educativas não se limitam ao ambiente escolar. Durante o trabalho de eficientização em comunidades de baixa renda, os agentes da Cemig e do Programa atuam junto às lideranças comunitárias e aos moradores para orientar quanto ao uso correto da energia. Ainda nessa perspectiva, os hospitais beneficiados recebem treinamentos sobre gestão hospitalar e dos recursos energéticos. OPORTUNIDADE, INOVAÇÃO E ENERGIA LIMPA O “Programa Energia Inteligente” também cria espaços para que os cidadãos participem mais ativamente das ações de eficiência. Para isso, anualmente, são lançados chamamentos públicos para captação de propostas que serão financiadas pelos recursos do Programa de Eficiência Energética (PEE). Essa seleção acontece de duas 60  ECOLÓGICO | JAN/FEV DE 2019

O "Conexão Educar" alcançou mais de 1.000 escolas públicas mineiras, levando capacitação aos professores e incentivo para multiplicar em sala de aula conteúdos sobre o uso racional de recursos naturais e energéticos formas: investimentos a fundo perdido para instituições filantrópicas e órgãos públicos e contrato de desempenho para indústria, comércio e serviços. “Quando recebemos propostas, atuamos com mais precisão nas necessidades de economia daquele consumidor, o que torna o processo mais democrático”, declara Ronaldo Lucas Queiroz. Além disso, as frentes de atuação do Programa se expandem para os caminhos da inovação. Como exem-

plo, tem-se o desenvolvimento de projetos-piloto e de implantação de tecnologias solares. Nos últimos anos, Instituições de Longa Permanência para Idosos e conjuntos habitacionais mineiros receberam sistemas de aquecimento solar de água e, a partir de 2019, hospitais e escolas públicas serão equipadas com usinas fotovoltaicas. “Em todas essas iniciativas, a Cemig focaliza seus esforços em contribuir para o desenvolvimento sustentável. As reduções de demanda de energia elétrica no horário de pico e a energia economizada são o principal objetivo do Programa, que considera, ainda, a utilização consciente dos recursos naturais e a preocupação com as gerações futuras”, enfatiza o gerente de eficiência energética da Cemig. 

SAIBA MAIS

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1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - PLÁSTICOS

DESCARTE CORRETO É

DESAFIO Considerado uma das mais importantes invenções da humanidade, o plástico tem forte presença em nosso cotidiano. No Brasil, potencial ambiental e econômico desperdiçado com destinação incorreta gera perdas estimadas em bilhões

O

plástico está presente há tempos em nosso cotidiano e sem ele, certamente, não teríamos uma série de avanços e facilidades. Mas, para que a vida no planeta seja possível no futuro, é preciso buscar sempre novas formas de produzir e, principalmente, de administrar os impactos do seu consumo. Os problemas causados pelo plástico – como o entupimento de bueiros nas cidades e a morte de animais nos oceanos – são consequência da destinação incorreta ao fim do ciclo de vida de produtos consumidos em larga escala, como garrafas e sacolas plásticas. Portanto, entre as iniciativas para reduzir os impactos sobre o meio ambiente estão tanto a melhor utilização dos plásticos na concepção e confecção de produtos quanto a adoção da coleta seletiva e da destinação final mais eficientes, associadas à reciclagem no pós-consumo. Segundo dados do Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), 21,7% dos plásticos foram reciclados no Brasil em 2011, o equivalente a

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953 mil toneladas/ano. Ainda em 2011, a campeã na reciclagem mundial de plásticos foi a Suécia (53%), seguida da Alemanha (33%), Bélgica (29,2%) e Itália (23,5%). Infelizmente, o plástico é um dos materiais mais encontrados em aterros sanitários e lixões. O potencial ambiental e econômico desperdiçado com essa destinação inadequada gera perdas estimadas em R$ 5 bilhões/ano. E mais: entre 500 bilhões e um trilhão de sacolas plásticas são consumidas em todo o mundo anualmente. Só no Brasil são distribuídas cerca de 1,5 milhão de sacolinhas por hora! REDE DE APRENDIZAGEM Atento à importância de disseminar novos valores e hábitos de consumo consciente – inclusive do plástico –, o Instituto Akatu, com sede em São Paulo, vem fortalecendo a cada dia as atividades de sua rede de aprendizagem gratuita, o Edukatu, lançado em 2013. O objetivo é incentivar a troca de conhecimentos e de práticas entre professores e alu-

nos do ensino fundamental de escolas em todo o Brasil. Com informações didáticas e diversificadas, o Edukatu oferece circuitos educativos cheios de desafios, vídeos, reportagens e planos de aula, além de jogos e atividades lúdicas. Para participar, basta acessar o site do instituto e se cadastrar (leia mais a seguir). Há, ainda, uma comunidade virtual para troca de ideias com os participantes de outras escolas. Um dos materiais em destaque na plataforma é: “Como era, como ficou, como será”, mostrando os caminhos percorridos pelo plástico desde a primeira menção feita à borracha natural, em 1550, até as perspectivas para 2030, em relação à exploração das reservas de petróleo do pré-sal brasileiro. INVENÇÃO INGLESA Considerado uma das mais importantes invenções da humanidade, o plástico é resultado de pesquisas e experimentos químicos. O inglês Alexander Parkes (1813-1890) produziu o primeiro plástico em 1862. Ele


queria encontrar um Plástico: ENTENDA MELHOR material substituto do grego plastikos, significa da borracha, ma“capaz de ser moldado”. Material de origem natural téria-prima usada ou sintética, obtido a partir em muitos produ Os plásticos são subprodutos dos derivados de petróleo ou Termoplásticos: tos na época. A parda indústria de petróleo derivados de fontes renováveis, como a podem ser moldados tanto do óleo, pela extração kesina, como ficou cana-de-açúcar e o milho. várias vezes por ação de de matérias-primas durante o conhecida, quando temperatura e pressão, processo de refino do petróleo aquecida, podia ser por isso são recicláveis. bruto, quanto do gás natural. Eles moldada e mantinha a são usados há anos em substituição mesma forma depois que a outros tipos de materiais como esfriava. Entretanto, seu elevao aço, o vidro e a madeira, devido ao Termofixos: do custo de produção desestiseu baixo peso, baixo custo, elevadas plásticos que sofrem resistências mecânica e química e mulou os investidores. reações químicas em também por serem recicláveis. Só em 1869, o tipógrafo nortesua moldagem as quais -americano John Wesley Hyatt,  Os materiais usados para a impedem uma nova fusão. para substituir o marfim usado obtenção de produtos plásticos, como Portanto, não a nafta e a parafina, integram a cadeia na fabricação de bolas de bisão recicláveis. produtiva da indústria petroquímica. lhar – esporte tão popular que Esse segmento é responsável por já ameaçava a população de eletransformar os derivados de petróleo, fantes – descobriu um material à por meio de processos químicos, em base de nitrato de celulose, que uma variedade de materiais. se tornava um filme sólido e fle Para a produção dos plásticos, o Outra novidade importante foi xível. A chamada “celuloide” era mais comum é o uso de nafta. Ela passa a descoberta de que as molécuformada por uma mistura de fipor um processo de “craqueamento” las compostas de hidrogênio e bras de algodão com ácidos. (numa referência ao termo em inglês carbono – presentes no plástico cracking), no qual suas moléculas – poderiam ser obtidas de outras complexas são divididas em moléculas OS BIOPLÁSTICOS fontes, além do petróleo. Assim, mais simples, com a “quebra” de Mais recentemente, a evolução a partir dos anos 1990, começaalgumas ligações químicas. tecnológica tem permitido a ram a ser produzidos os chamacriação de produtos de melhor  Essas moléculas mais simples dos biopolímeros ou bioplástisão os monômeros. A obtenção de desempenho, reduzindo o imcos. Eles contêm moléculas de vários tipos delas é que define o futuro pacto ambiental e a geração de plástico. Entre os monômeros mais carbono derivadas de materiais resíduos. Entre os exemplos esusados estão o eteno e o propeno. naturais, como o plástico verde, tão os novos processos indusfeito da cana-de-açúcar, e polí Para chegar ao plástico, é necessário triais para fabricação de moldes meros como o PLA, feito à base um último passo: a polimerização. de injeção de plásticos, que perNesse processo, por meio de reações de milho. mitiram a confecção, por exemquímicas, as moléculas monoméricas Conheça a seguir outras inforplo, de potes mais leves e com a são agrupadas e ordenadas, formando mações sobre o plástico e a sua mesma resistência, usados para o polímero. cadeia de produção e reciclagem: embalar alimentos.

ABC DO PLÁSTICO

A

- Plástico filme é uma película plástica normalmente usada como sacolas de supermercados, sacos de lixo, embalagens de leite, lonas agrícolas e para a proteção de alimentos na geladeira ou micro-ondas.

B

- Leve, resistente e prático, o plástico rígido compõe 77% das embalagens no Brasil. Os mais comuns são: polietileno tereftalato (PET), usado em garrafas de refrigerantes; polietileno de alta densidade (PEAD), consumido por fabricantes de engradados de bebidas, baldes, tambores, autopeças e outros produtos; cloreto de polivinila (PVC), comum em tubos e conexões e em garrafas para água mineral e detergentes líquidos; polipropileno

(PP), usado em embalagens de massas e biscoitos, potes de margarina e utilidades domésticas; e o poliestireno (PS), presente em eletrodomésticos e copos descartáveis.

C

- As sacolas plásticas não são as maiores vilãs do meio ambiente, mas seu consumo excessivo sim. Para a sua produção são consumidos petróleo ou gás natural (ambos recursos naturais não renováveis), água e energia; e liberados efluentes (rejeitos líquidos) e gases causadores do efeito estufa. Depois de usadas, muitas são descartadas de maneira incorreta, aumentando a poluição ao entupir bueiros ou indo parar nas matas e oceanos, onde são ingeridas por animais que morrem sufocados ou presos nelas.

2

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FOTO: HOANA GONCALVES

1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - PLÁSTICOS

TRÊS PERGUNTAS PARA...

SÍLVIA SÁ

Gerente de Educação do Instituto Akatu

CONSUMO CONSCIENTE O descarte incorreto de embalagens plásticas causa sérios danos ambientais. Acredita que faltam campanhas e instrumentos de mobilização para elevar o grau de conscientização do brasileiro? Muito se avançou na conscientização das pessoas. Hoje, esse tema está nas escolas, nos jornais e a atual crise da água está motivando a mudança de comportamento das pessoas em muitas áreas da vida. Mas é preciso muito mais. O avanço necessário para construirmos uma sociedade que compra de maneira mais consciente, que usa os produtos de forma a estender ao máximo sua vida útil e os descarta quando não têm mais utilidade para si ou para outros, de maneira correta, vem pela educação para o consumo consciente. Promovemos essa educação para crianças e jovens por meio do Edukatu, proporcionando a troca de experiências do Oiapoque ao Chuí. Qual o total de participantes cadastrados? Há algum assunto mais acessado pelos usuários? Temos mais de nove mil cadastrados, entre professores, alunos e pessoas interessadas no tema. A área mais acessada é o “Circuito”, bloco de navegação guiada com atividades lúdicas e jogos organizados por temáticas. Resíduos sólidos e consumo consciente de água e de alimentos são alguns dos temas trabalhados. Outras áreas bastante visitadas são “Por Dentro”, com notícias sobre consumo consciente e educação;

e “Inspirações”, em que contamos boas experiências realizadas em todo o país com a aplicação do Edukatu. Com essas histórias, esperamos que mais e mais pessoas entrem em contato com o conteúdo, enxergando na prática como levar essas informações à sua comunidade escolar. Vocês têm cartilhas ou outros materiais educativos impressos disponíveis? Nossa atuação é focada principalmente nas áreas de educação e comunicação, visando mobilizar a população rumo ao consumo consciente. Para alcançarmos isso de forma coerente, oferecemos conhecimentos e repertórios gerando o mínimo de impactos negativos. Priorizamos assim a produção e a difusão de conteúdos digitais, apostando na desmaterialização do conhecimento como um dos caminhos para a sustentabilidade. Não distribuímos materiais físicos, mas professores e alunos têm liberdade para usar os conteúdos disponíveis no Edukatu, dando os devidos créditos, conforme especificado.  FONTES/PESQUISA BIBLIOGRÁFICA Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre) – Ficha Técnica: Plásticos / Edukatu / Ministério do Meio Ambiente / Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) EM TEMPO: este encarte foi originalmente publicado na edição 80 (abril/maio de 2015) da Ecológico.

Nós apoiamos essa ideia!

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1

NATUREZA MEDICINAL

MARCOS GUIÃO (*) redacao@revistaecologico.com.br

O

CAAPEBA

proseio de seu Geraldo Mangarito, lá da comunidade de Cabassaco, era ponteado de espantos e reparos. Com a cabeça recoberta de uma penugem alvinha, seus olhos amendoados ficavam boiando nas águas de suas lembranças. Os braços compridos faziam desenhos no ar enquanto brotava em rompantes seu dizer que medrava de um tempo que há muito se esfumaçara naqueles fundos do sertão. Ali ao lado dele, eu tomava nota de seu dizer. - Aqui é um lugarzinho bão, inté fresco no comparado com o entorno, mermo com esse nome esquisitado de Cabassaco. Nóis aqui sempre teve o custume da coleta das fruta do Cerrado. É pequi, mangaba, buriti, panã, cajuí, tudo que é fruto nativo do campo. Nunca teve dinheiro enredando essas coletas, era um trato de respeito com o lugar e as famílias dos vizinhos, mesmo se a coleta era pra venda na feira dispois. Essa tradição vem se sumindo porque o povo de hoje num tem mais respeito com o lugar, larga as porteira aberta, corta os arame, larga tudo distrapaiado. A família muita das vez fica na fúria num é porque colheu os frutos, mas pela falta de zelo com a propriedade alheia. Os tempos tão mudano, mas nos antigamente todo mundo entrava nas terras de todos pra colher o que quisesse... Com as mãos firmes e rijas de quem já manejou por demais um cabo de enxada, ele sai da rede buscando um café na cozinha. Foi quando adentrou Pedro Otoni com seu chapéu de feltro ensebado, as calça frouxa, barba por fazer e olhar esgaziado. Depois do ritual das perguntas pelos familiares e cumprimen-

tos, ele logo deu o ponto de sua visita. O caso era um mal-estar de arroto azedado, num importando a qualidade da comida. Aquilo vinha lhe molestando há tempos e tava aí o motivo da visitação. Seu Geraldo coçou a cabeça num gestual bem seu e soltou a receita: - Pois você se vá daqui e naquele premero revorteio da estrada, ali em frentemente ao pequizeiro mais graúdo, brota uma aguinha e tem um capão de mato naquele frescor. Lá tem uma folhona arredondada de cheiro inté bão, que sai duns talos cheios de nós. Aquilo é a caapeba (Pothomorphe umbellata), que uns povo tamém trata de pariparoba. Num tem remédio mió! Faça o chá na constança de 10 dias que o resultado aponta. Pedro agradeceu por demais e partiu pra fazer sua parte do tratamento. Seu Geraldo me olhou diretamente nos olhos e ainda completou a serventia da caapeba: - Quando o caso é furúnculo, o cabra soca as folhas num pilão, enrola num pano branco e dispõe esse embrulho por riba de uma água fervente, só pra pegar a quentura do vapor. Quando fica morno, aplica em cima do marvado, que aquilo é muito marvado, pois dói sem base! Se recoste que o aliveio num tarda... Quem sou eu pra contestar! Inté a próxima lua!  (*) Jornalista e consultor em plantas medicinais. Saiba mais em www.ervanariamarcosguiao.com

CAAPEBA

FOTO: MARCOS GUIÃO

Pothomorphe umbellata

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