Revista Ecológico - E agora, Mariana?

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ANO 8 - Nº 86 - NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2015 - R$ 12,50

EDIÇÃO: TODA LUA CHEIA


Transformar para esta e para as próximas gerações.

Esse é o nosso legado.

A sustentabilidade faz parte da nossa identidade e está presente no dia a dia das nossas operações.

Respeitamos a vida e o meio ambiente e queremos gerar um legado de desenvolvimento por onde passamos, considerando as pessoas como agentes desse processo de transformação.

É por isso que, pela segunda vez, fomos eleitos como a mineradora mais sustentável pelo Guia EXAME de Sustentabilidade 2015.

Imagem do Rio São Francisco, em Três Marias (MG), onde a Votorantim Metais mantém um programa de monitoramento de peixes, com apoio dos pescadores; e possui uma refinaria de zinco

FAÇA O DOWNLOAD DO NOSSO RELATÓRIO DE SUSTENTABILIDADE

NOSSA ESSÊNCIA É TRANSFORMAR.


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EXPEDIENTE

FOTO: ALFEU TRANCOSO

Em toda lua cheia, uma publicação dedicada à memória de Hugo Werneck

DIRETORA DE GESTÃO Eloah Rodrigues eloah@souecologico.com EDITOR-EXECUTIVO Luciano Lopes luciano@souecologico.com DIRETOR DE ARTE Sanakan Firmino sanakan@souecologico.com CONSELHO EDITORIAL Fernando Gabeira, José Cláudio Junqueira, José Fernando Coura, Maria Dalce Ricas, Mario Mantovani, Nestor Sant'Anna, Patrícia Boson, Paulo Maciel, Ronaldo Gusmão e Sérgio Myssior CONSELHO CONSULTIVO Angelo Machado, Célio Valle, Evandro Xavier, Fabio Feldmann, José Carlos Carvalho, Roberto Messias Franco, Vitor Feitosa e Willer Pos REPORTAGEM Cristiane Mendonça, Luciana Morais e Vinícius Carvalho EDITORIA DE ARTE André Firmino COLUNISTAS Antonio Barreto, Déa Januzzi, Marcos Guião, Maria Dalce Ricas e Roberto Souza

REVISÃO Gustavo Abreu CAPA Foto: Leo Santana DEPARTAMENTO COMERCIAL Fábio Vincent fabiovincent@souecologico.com Sarah Caldeira sarah@souecologico.com

ASSINATURA Ana Paula Borges anapaula@souecologico.com IMPRESSÃO Log & Print Gráfica e Logística S/A PROJETO GRÁFICO-EDITORIAL Ecológico Comunicação em Meio Ambiente Ltda ecologico@souecologico.com

Representante Comercial Brasília Forza CM - Comunicação e Marketing sdonato@forzacm.com.br

REDAÇÃO Rua Dr. Jacques Luciano, 276 Sagrada Família - Belo Horizonte-MG CEP 31030-320 Tel.: (31) 3481-7755 redacao@revistaecologico.com.br

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VERSÃO DIGITAL www.revistaecologico.com.br

Assistente Comercial Silmara Belinelo silmara@souecologico.com MARKETING Janaína De Simone janaina@souecologico.com

(*) Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não expressam necessariamente a opinião da revista.

sou_ecologico revistaecologico EMISSÕES CONTABILIZADAS

DIRETOR-GERAL E EDITOR Hiram Firmino hiram@souecologico.com

souecologico ecologico

3,14 tCO2 e Julho de 2015


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ÍNDICE

CAPA

O QUE MINAS GERAIS E O BRASIL PODEM APRENDER COM O MAIOR DESASTRE AMBIENTAL E SOCIAL DA MINERAÇÃO? É O QUE A ECOLÓGICO BUSCA RESPONDER NESTA EDIÇÃO AO OUVIR ESPECIALISTAS E MORADORES DOS DISTRITOS DEVASTADOS PELA LAMA.

32 PÁGINAS VERDES JOSÉ CARLOS CARVALHO, EX-MINISTRO DE MEIO AMBIENTE, FALA SOBRE A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOGÍSTICA REVERSA NA MINERAÇÃO E A GESTÃO COMPARTILHADA DOS REJEITOS

90

E mais... IMAGEM DO MÊS 06 CARTAS DOS LEITORES 08 CARTA DO EDITOR 10 GENTE ECOLÓGICA 14 ECONECTADO 16 ESTADO DE ALERTA 18

ECOLÓGICO NAS ESCOLAS

SOU ECOLÓGICO 22

SAIBA MAIS SOBRE A ENERGIA EÓLICA, A FONTE DE GERAÇÃO QUE MAIS CRESCEU NO BRASIL NOS ÚLTIMOS ANOS

CÉU DE BRASÍLIA 72

102

MEMÓRIA ILUMINADA A POESIA, OS PENSAMENTOS E A MÚSICA DE GILBERTO GIL, QUE COMPLETA CINCO DÉCADAS DE CARREIRA EM 2015

ANIVERSÁRIO 26

OLHAR POÉTICO 74 ENSAIO FOTOGRÁFICO 76 CÉU DO MUNDO 80 MUNDO VASTO 82 GESTÃO 84 ALMA PLANETÁRIA 86 VOCÊ SABIA? 98 NATUREZA MEDICINAL 100

Pág.

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FOTO: FRED LOUREIRO / SECOM ES

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IMAGEM DO MÊS

MAR DE LAMA

A chegada dos rejeitos de minério de ferro decorrentes da Barragem de Fundão, que se rompeu no último dia 05 de novembro em Bento Rodrigues, distrito de Mariana (MG), pintou de lama um trecho do Oceano Atlântico. Na foz do Rio Doce, no Espírito Santo, as ondas do mar parecem querer empurrar de volta tamanho sacrilégio.

06  ECOLÓGICO | NOV/DEZ DE 2015


i m e S Semiarido, Todo vivo! A seca não precisa ser sinônimo de falta d'água para as pessoas que vivem no sertão! Contribua para que cada vez mais famílias tenham acesso à água e informação sobre preservação do meio ambiente e sustentabilidade.

Saiba mais

apadrinhamento.org.br/campanha


CARTAS DOS LEITORES

Por motivo de clareza ou espaço, as cartas poderão ser editadas.

“Sabe quando algo te indigna? Bote para fora: preços altos, serviços ruins, atrasos, má qualidade, desrespeito etc. Exija seus direitos e cumpra seus deveres!” Anderson Franco, via Google+ l ESTADO DE ALERTA – O QUE É ISSO, COMPANHEIRO? A colunista Maria Dalce Ricas critica o PL 2.946, proposto pelo governador Fernando Pimentel “Boa reflexão! Penso que já passou da hora de a sociedade civil se organizar pelas questões ambientais, não a reboque do denuncismo, mas pela urgência e seriedade da situação.” Maria Olina Souza, via Facebook l ALMA PLANETÁRIA – A TÁBUA DA SALVAÇÃO O teólogo Leonardo Boff defende a hospitalidade como palavra de ordem na questão dos refugiados

l SAÚDE (2) - O SUICÍDIO À LUZ DA DOUTRINA ESPÍRITA A matéria mostrou, por meio de uma análise do livro “Viver é a Melhor Opção”, do jornalista André Trigueiro, como o Espiritismo aborda a questão do autoextermínio e da realidade do suicida pós-morte “O suicídio é o resultado da falta de coragem para enfrentar as adversidades da vida, que nós mesmos escolhemos.” Luiz Andrade, via Google+ “Li a Ecológico 85 e fiquei feliz com a matéria sobre suicídio na visão espírita, a riqueza de informações. Parabéns!” Thaís Oliveira, via e-mail “Acho que inequivocadamente estamos todos ligados a uma coisa maior. E que tanto a fé quanto a cultura apenas nos dão uma visão parcial e momentânea desse fenômeno.” Maurício Matta, via Google+ “É para refletir bastante com este artigo. Gosto do André Trigueiro como jornalista e agora vou ler o livro dele.” Neusa Costa Santos Saraiva, via Facebook l ECONOMIA - A ESCOLHA DE DILMA Empresariado defende o “Projeto Sudeste Competitivo” em contraponto do confisco do Sistema S, previsto pelo governo federal

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“Às vezes, acho que o ser humano está cada vez mais cruel. Espero estar errado e que isso seja só uma transição para uma nova era de paz, solidariedade e humanidade com todos os seres.” Carlos Domingues de Almeida, via Google+ l CUMPRIMENTOS “A edição 85 está muito gostosa de ler. Parabenizo a luta do Hiram Firmino e de sua equipe para se fazer um produto como este. Lamentei ler sobre a Natura, que não favorece como anunciante os veículos especiais ditos da natureza. Falta-lhe sensibilidade. Eu também compartilho a saudade do Miguel Krigsner d'O Boticário, que sempre deu preferência aos verdadeiros defensores da natureza e por sua sensibilidade ao chorar diante da cachoeira Salto Morato por tantos desmandos e falta de apoio dos seus vizinhos e governos. E lamento profundamente pela tragédia em Bento Rodrigues, causada pela Samarco.” Fernando Lages, via e-mail EU LEIO “Leio a Revista Ecológico porque suas matérias não duram somente um dia: a revista é rica em assuntos sobre meio ambiente e seu formato faz com que os assuntos continuem em voga durante um mês ou mais. Ela propõe uma leitura e uma linguagem diferenciadas, e com uma grande qualidade gráfica.” Nimai Dasa Meira dos Santos, publicitário

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

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FA L E C O N O S C O

Envie sua sugestão, opinião ou crítica para cartas@revistaecologico.com.br


DO CAMPO PARA A SUA MESA. Quem vive na cidade quer alimentos frescos, saborosos, saudáveis e variados. Quem vive no campo produz tudo isso cada vez melhor, com sabedoria, ciência, tecnologia e muito trabalho. É como o ciclo da vida: a semente não vive sem a terra, a colheita não faz sentido sem a partilha. Afinal, que graça teria produzir tantas delícias, investir tanto em melhorias, se não houvesse você para consumir?

sistemafaemg.org.br

Não é por acaso que o agronegócio corresponde a 42% da economia de Minas e 13% do PIB do setor no Brasil. São 550 mil propriedades rurais no Estado e 200 mil pessoas formadas por ano nos cursos do SENAR MINAS. Esta é a vida do produtor rural: compartilhar saberes e sabores para agradar a todos os paladares.

A UNIÃO E A FORÇA DO CAMPO


FOTO: ANTONIO CRUZ / ABR

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CARTA DO EDITOR

HIRAM FIRMINO | hiram@souecologico.com

IMPOTÊNCIA HUMANA: o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, e a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, testemunham a chegada da lama ao mar

AS LIÇÕES DE BENTO

Q

uem já não tentou barrar a água, quando criança, que atire a primeira pedra. Era assim que muitos de nós fazíamos nas ruas das pequenas cidades ou na roça mesmo, onde morávamos em contato mútuo e respeitoso com a natureza. Bastava passar a chuva, que a gente saía para brincar na rua de ser mais forte que as enxurradas, tentando inutilmente represá-las. Ou seja, fazendo pequenas barragens de terra, pedra ou lama, cada uma maior que a outra, só para esperar a... natureza nos vencer. E ela vencia sempre a nossa engenharia mirim. Era só uma questão de tempo. Quem de nós, ainda criança, na praia, já não tentou conter o mar, erguendo castelos de areia na maré baixa só para ver a maré alta voltar e destruir tudo? Era assim que, sem lei nem Ministério Público, muito menos governo e diploma de engenheiro, a gente sempre lidou com a natureza: respeitando-a, cientes naturalmente que ela é, sempre foi e sempre será maior do que nós. Mas a gente cresce, fica presunçoso e se esquece disso. Vira engenheiro, vai trabalhar em mineração, construir hidrelétricas, atender o apetite insaciável dos acionistas e aviltar, assim, o primeiro mandamento da natureza: não barrar a água nem seu ciclo vital, tal como apren10  ECOLÓGICO | NOV/DEZ DE 2015

demos na escola. A água se forma pela sua própria evaporação que vira nuvem, depois vira chuva, que vira rio, que vira mar. Para repetir tudo de novo, de forma perfeita e autossustentável, desde a aurora da criação. Aí vieram a Revolução Industrial, o mercado de consumo, nossos pecados e as presunções aumentaram. Nem mais rios emblemáticos como o Jordão, onde João Batista batizou Jesus, nem o Doce, durante o período seco, salvo numa avalanche de lama vinda de Mariana (MG), chegam mais ao mar. Eles secam antes, de tanto verem suas águas sendo retiradas e exploradas de maneira insustentável. Ou seja, estamos assistindo à interrupção de um ciclo natural que sempre manteve a vida do planeta e de todos nós. O que fazer, enfim, diante do modelo tradicional de barramento d’água que se repete sempre, cada vez mais trágico e previsível, particularmente em Minas Gerais, o estado mais mineral do país? PRIMEIRO, nos filiarmos ao pensamento de Jorge Samek, presidente de Itaipu Binacional, cujo programa “Cultivando Água Boa”, de recuperação de nascentes e matas ciliares em 29 municípios do oeste do Paraná foi recém-eleito pela ONU como o melhor modelo de ges-


tão hídrica do planeta. Mesmo à frente de uma das maio- 276 mil habitantes e é despejado in natura, todos os dias, res represas em volume e extensão de água do mundo, no Rio Doce? A mesma prefeitura que integra o antiecoele garante que até o modelo hidrelétrico chamado de lógico grupo dos municípios mais poluidores do país “energia limpa” está com os dias contatos, por ser antie- por falta de saneamento básico, segundo levantamento cológico. Por interromper o ciclo natural dos rios, a su- de 2014 do Instituto Trata Brasil. bida e a reprodução dos peixes, o ir e vir das populações Cadê a coerência, que cinismo é esse, como tamindígenas e ribeirinhas: “Itaipu, um dia, vai virar peça de bém questiona Salgado, se todos refutamos a mineramuseu. A energia do futuro, naturalmente sustentável, ção, mas jamais refutamos os produtos advindos da será a solar” – vaticina Samek. atividade, como os carros e celulares, estes com mais E, SEGUNDO, repensarmos um urgente, novo e transi- de 41 elementos minerais? tório modelo para as barragens de mineração, tal como a Na questão ambiental, queridos (as) leitores (as), Revista Ecológico discute nesta edição. Fazer da tragédia não existe uma dialética simplista entre o que é cerde Mariana um divisor de águas, de soluções e propostas to ou errado, mas o desafio de fazer o bem de maneiparceiras. Jogar boias, em vez de pedras. ra democrática e sustentável. Não há como apontar Afinal, quando passar o frenesi, a dor e o horror da o dedo, mas oferecer a mão. Não existem mocinhos tragédia, quando todos os políticos e as multas forem nem bandidos. Somos todos bandidos e mocinhos ao embora, desviadas para os cofres públicos dos gover- mesmo tempo. A Nave-Mãe é uma só. Estamos todos nos federal e estadual – e não para em um único barco. Ou nos salMariana – restarão à frente de tudo vamos todos ou seremos apenas “O risco de rompimento isso somente eles: a mineração e mais uma das espécies exterseus minerados, no mutirão da reminadas, junto à extinção gede uma barragem deve construção de tudo. e para sempre, que ser medido muito menos neralizada, Um leitor nosso nos desafiou num continuamos causando. Essa é e-mail: “Quero ver agora a Ecológico pela probabilidade, mesmo a democracia do pensamento se posicionar, uma vez que ela recebe ecológico. Somos todos e, não remota, dele acontecer. anúncio da Samarco”. Meus dedos até de maneira isenta, meros algoMas, sim, muito mais, coçaram para responder. Mas estou zes ou aprendizes da natureza. velho e desplugado demais pra virar É o que a tragédia de Mariana pela dimensão das suas viral. Preferi lembrar do Sebastião nos ensina, nesse momento de consequências.” Salgado, cujo Instituto Terra recebeu luto, tal como aprendíamos ao patrocínio da Vale e, assim, consetentar represar as enxurradas Peter Bernstein guiu fazer a Mata Atlântica ressurgir da nossa infância. Tal como a na terra devastada de seus pais, em mensagem da última campaAimorés (MG), hoje um modelo para o país. O mesmo nha da ONG Conservação Internacional, que iríafotógrafo que, impiedosamente provocado pelas redes mos reproduzir na entrega solidariamente adiada sociais a se posicionar sobre a tragédia do Rio Doce de do VI Prêmio Hugo Werneck de Sustentabilidade: sua infância, e xingar a Vale, preferiu documentar, pro- “A Natureza não precisa de nós. Nós é que precisatestar, chorar e velar os peixes mortos onde ele nadava mos da Natureza”. quando criança. E ir direto à presidente Dilma Rousseff, Tal como o velho e talvez não ouvido recado de Peter aos governadores Fernando Pimentel e Paulo Hartung, Bernstein, autor do livro “Desafio aos Deuses: a Fasciapresentar um plano maior de recuperação possível nante História do Risco”, que ficou, enfim, para toda a de todas as 377 mil nascentes da Bacia do Rio Doce, tal mineração e seus acionistas: “O risco de rompimento de como a Ecológico reproduz nesta edição: “As minera- uma barragem deve ser medido muito menos pela prodoras têm condições de arcar com isso. A BHP é a maior babilidade, mesmo remota, dele acontecer. Mas, sim, do mundo. A Vale é a segunda. Elas têm que proteger muito mais, pela dimensão das suas consequências”. suas imagens, têm compromisso com a sustentabilidaQue Mariana, as 254 famílias fora de casa, as 15 pesde” – declarou inclusivo, e não exclusivo, o maior fotó- soas mortas, e as quatro ainda não encontradas, em meio à enxurrada de 55 milhões de metros cúbicos de grafo de natureza do mundo. Bem ao contrário da prefeita de Governador Valada- rejeitos de minério, nos perdoem. Boa e reflexiva leitura! res, Elisa Maria, que levou a população para ver a lama Até a lua cheia de janeiro.  passar. Mas que atenção é dada ao esgoto produzido por NOV/DEZ DE 2015 | ECOLÓGICO  11


UM FILME DA CONSERV AÇ

“Eu já cobri este pla net E eu posso cobri -lo

RODRIGO S

O OCE

anaturezaesta fal AFA-18369-03 CONSERVAÇÃO 404x275_Rev Eco.indd 1


RV AÇÃO INTERNACIONAL

pla neta inteiro uma vez. bri -lo novamente.”

O SANTORO É

CEANO

sta falando.org.br 10/14/15 10:18 AM


GENTE ECOLÓGICA FOTO: TIAGO SILVA / GESP

E AGORA, MARIANA?

FOTO: DIVULGAÇÃO

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“É muito triste saber que o Rio Doce, que tanto conheci em minha infância, está morto. Muito mais triste ainda é saber o que se passa com a população que sempre usufruiu de suas águas.”

FOTO: GIANNI D’ANGELO / PMC

FABIANO MENOTTI, cantor

“Essa tragédia foi algo tão triste. Todo mundo se sentiu atingido também.”

“É triste ver tanta tragédia no mundo. Falta amor, compaixão, respeito pelo ser humano, pela natureza, pelo próximo. Independente de onde seja, precisamos nos unir em orações e doações para quem precisa.” GISELE BÜNDCHEN, modelo e ativista ambiental

“Pode até se fazer um cálculo do prejuízo causado à biodiversidade, ao patrimônio histórico, enfim, a Bento Rodrigues, mas tem algo ali que é incalculável. Você jamais vai conseguir calcular as vidas que se perderam, as histórias que desapareceram, as relações que as pessoas estabeleceram com aquilo que produziram e acumularam durante toda uma vida.” MARINA SILVA, ex-ministra de Meio Ambiente

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FOTO: GERALDO MAGELA / AGÊNCIA SENADO

IVETE SANGALO, cantora, que incentivou os fãs a fazerem doações para as famílias desabrigadas


FOTO: GLÁUCIA RODRIGUES

FOTOS: DIVULGAÇÃO

“Precisamos rever a metodologia de cálculos e de construção de barragens. O próprio governo federal está começando essa discussão e pretendemos nos inserir nesse debate, pois o dano ambiental acaba reinando sobre o Ibama.”

“Cataclismos funcionam às vezes como purgativos. O de Mariana, somado ao turbilhão de horrores que presenciamos diuturnamente no Brasil e no mundo, soam para mim como anúncios de uma calamidade maior.”

IZABELLA TEIXEIRA, ministra do Meio Ambiente

MARILENE RAMOS, presidente do Ibama

ADÉLIA PRADO, escritora

FOTO: FERNANDA MANN

“Tivemos o maior desastre ambiental do mundo, sem dúvida, no setor de mineração. Mas também mostraremos ao mundo nossa capacidade de resolvê-lo, através de um projeto modelo de recuperação ambiental de toda a bacia hidrográfica do Rio Doce.”

“Imagine uma estrutura muito pesada, cheia de remendos, sem a necessária autorização dos órgãos ambientais, em que se altera o projeto executivo. Um rompimento de barragem não acontece por acaso.”

“A atividade empresarial, que é uma nobre vocação para produzir riqueza e melhorar o mundo para todos, pode ser uma maneira muito fecunda de promover a região onde instala seus empreendimentos, sobretudo se pensa que a criação de postos de trabalho é parte imprescindível de seu serviço ao bem comum. A esperança convida-nos a reconhecer que sempre há uma saída, sempre podemos mudar de rumo, sempre podemos fazer alguma coisa para resolver os problemas.” PAPA FRANCISCO

CARLOS EDUARDO FERREIRA PINTO, coordenador da Promotoria de Meio Ambiente (MPMG)

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ECONECTADO

CRISTIANE MENDONÇA

ECO LINKS

l “A alimentação saudável deveria fazer parte do currículo escolar. Prejuízos causados pelos danos da má alimentação são enormes e estão aumentando.” @rubensmenin – Rubens Menin, empresário, dono da construtora MRV

FOTOS: DIVULGAÇÃO

TWITTANDO

l “A educação

ambiental deve ser ensinada às crianças desde cedo, ainda na educação infantil!” @BrenoCarone - Breno Carone, vice-prefeito de Brumadinho

FOTO: ANDRÉ CASTRO

l “Nas estações do tempo, nos acenos com lenços, lembro de Riobaldo: ‘O pássaro que se separa de outro, vai voando adeus o tempo todo’.” @gondimricardo – Ricardo Gondim, teólogo

l “MG não investe o necessário para prevenir e combater incêndios. Bombeiros fazem o que podem com recurso insuficiente.” @_mauro__ - Mauro Ellovitch, promotor de Justiça

FOTO: RAFAMAXPIRES

é demagógico é ruim da cabeça. Plantemos árvores. Muitas árvores!” @gnatalini - Gilberto Natalini, médico

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NATAL Em tempo de comemorações natalinas, como não lembrar da campanha Papai Noel dos Correios? A iniciativa propõe que o interessado procure uma agência central, escolha uma cartinha escrita por uma criança e doe um presente de Natal pedido pelos pequenos. Desde 2010, a campanha contempla, além das cartas das crianças da sociedade que escrevem diretamente ao Papai Noel, os pedidos de alunos das escolas da rede pública de ensino (até o quinto ano do ensino fundamental) e de instituições parceiras, como creches, abrigos, orfanatos e núcleos socioeducativos. Saiba mais: www.correios.com.br

MAIS ACESSADA

l “Quem disser que plantar árvore

l “Professores merecem mais respeito e salários melhores. O maior cabo eleitoral dos maus políticos e dos corruptos sempre foi a ignorância!” @BoechatBandNews - Ricardo Boechat, jornalista

SOLIDARIEDADE A Anistia Internacional é um movimento global com mais de três milhões de apoiadores, membros e ativistas, que atuam para defender os direitos humanos. Durante todo o ano, a entidade promove campanhas para solucionar casos de injustiça social e violação da integridade humana. Para quem pretende apoiar financeiramente a instituição ou mesmo se tornar ciberativista em prol das iniciativas, esta é uma ótima oportunidade para colocar a solidariedade em prática! Acesse: www.anistia.org.br/campanhas

NOVOS RUMOS A matéria de capa da edição 85, “Os novos líderes estão chegando”, que fala sobre a importância das lideranças espiritualizadas e inovadoras foi a mais clicada no site da Ecológico durante o mês de novembro. O texto abordou os temas debatidos durante o “10º Seminário Internacional de Sustentabilidade e o XXV Congresso Mundial da Uniapac”. Vale a pena ler e reler cada linha! Acesse: www.revistaecologico. com.br


PRIMEIRA ETAPA

Grande hospital do barreiro INÍCIO DO FUNCIONAMENTO

DEZEMBRO DE 2015

Depois de 70 anos, BH ganha um novo hospital municipal: o Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro, também conhecido como Hospital do Barreiro. Como todo grande hospital, seu funcionamento vai acontecer em etapas. Agora em dezembro, começa a funcionar o setor de urgência.

100%

SUS

SERÃO 449 LEITOS, 100% SUS

Os demais setores entram em operação gradativamente. Quando toda a estrutura estiver funcionando, a população de BH terá um dos maiores e mais modernos hospitais do Brasil.

CAPACIDADE PARA 20 mil ATENDIMENTOS E 700 CIRURGIAS/MÊS

80 VAGAS NO CTI, 40 NA UNIDADE DE ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO E 16 SALAS DE CIRURGIA

Passo a passo, a Prefeitura faz uma grande transformação na saúde em BH.

enfermarias com o conforto de apartamentos: APENAS 2 LEITOS POR UNIDADE

1.700 PROFISSIONAIS DE SAÚDE, SENDO MAIS DE 400 MÉDICOS

N ÃO PA R A D E T R A BA L H A R P O R VO C Ê .

www.pbh.gov.br


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ESTADO DE ALERTA MARIA DALCE RICAS (*) redacao@revistaecologico.com.br

O RETROCESSO

DO RETROCESSO A

ALMG aprovou no último dia 25 de novembro o Projeto de Lei 2.946/2015, de autoria do governador Fernando Pimentel, que modificou diretrizes do Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema) e cerceou a participação da sociedade no Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). A data ficará gravada na história como o maior retrocesso ambiental do Estado. A criação do Copam, com poder deliberativo e instrumento de participação da sociedade, em 1977, em plena ditadura militar, que via subversão em qualquer coisa que se fizesse junto, foi fruto de futurista e corajosa visão de pessoas como José Israel Vargas, seu principal mentor. A nova lei aprovada representa caminho inverso: é fruto da falta de compromisso com o futuro por parte do governador, membros de sua equipe e deputados. Quando o governo criou a força-tarefa para propor mudanças no Sisema, excluindo a sociedade civil, o secretário Sávio Souza Cruz defendeu o ato várias vezes, afirmando que a proposta seria levada ao Copam para discussão. Mas no dia 08 de outubro o PL foi enviado à ALMG, em regime de urgência, e a fala mudou para afirmar que não podia haver caminho melhor, já que lá “é a casa do povo”. Representantes do Executivo repetiram insistentemente que, em vez de leis delegadas, como fizeram as administrações anteriores do PSDB, o Executivo enviou o PL à ALMG, onde foi suficiente e democraticamente discutido com a sociedade. Mas, o atual governo quer governar por decreto. O PL, como disse o ex-deputado Ronaldo Vasconcelos, propõe um verdadeiro “decretismo”, dando poderes ao Executivo de intervir em diversos aspectos jurídicos da legislação existente e estruturais do Sisema. Em 2012, o então secretário de Meio Ambiente Adriano Magalhães também anunciou diversas vezes que a proposta da lei florestal seria levada ao Copam. E da

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mesma forma, enviada diretamente à ALMG; a sociedade foi cerceada em seu direito de participar. Uma única audiência pública sobre o PL foi realizada em 27 de outubro. Nela, Sávio Souza Cruz e os deputados Rogério Correia, Durval Angêlo, ambos do PT, e Antônio Carlos Arantes (PSDB) defenderam o PL e em momento algum comentaram a crítica mais básica: mudar a lei, cerceando a participação da sociedade no Copam não resolverá os problemas relativos ao licenciamento, pois suas causas não são regulatórias. São estruturais. Pela falta de recursos, gerenciamento, insuficiência e baixa capacitação de técnicos. O governador não se dignou a responder ao pedido de retirada do regime de urgência feito por mais de 100 entidades representativas da sociedade civil e ambientalistas organizadas. No dia 25, à tarde, o Substitutivo nº 3 chegou ao plenário com mais de 80 emendas. O relator, deputado João Magalhães, de cara descartou a maior parte delas, dizendo não serem pertinentes. E o substitutivo só foi lido porque outro parlamentar pediu. Caso contrário, teria sido aprovado sem que o público presente nas galerias nem mesmo tomasse conhecimento do teor das emendas. Ou seja, já estávamos excluídos do processo. Mas os deputados governistas, em pronunciamentos sucessivos, louvaram a “democrática participação da sociedade”. Quando ouvimos a emenda proposta pelo deputado Durval Ângelo, de retirar o Ministério Público do licenciamento, custamos a acreditar que fosse verdade. Isso vem sendo tentado desde o primeiro governo de Aécio Neves, por setores do Executivo ligados à iniciativa privada e por pleito direto de entidades patronais como Fiemg e Faemg. Particularmente, nunca pensei que o governo teria coragem de atentar de forma tão clara contra a democracia e o interesse público. O MP tem sido baluarte na análise jurídica e técnica dos processos de licenciamento, compensando inclusive a crescente fragilidade do Sisema.


"Mudar a lei, cercear a participação da sociedade no Copam não resolverá os problemas relativos ao licenciamento, pois suas causas não são regulatórias. São estruturais."

O PL original criava órgão ligado ao gabinete do secretário que teria poderes para conceder licença a qualquer projeto considerado pelo governo e Fiemg (através do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) prioritário para o Estado, independentemente de seu potencial degradador. E também àqueles cujo prazo para concessão da licença tivesse expirado, à revelia do Copam. Diante da reação, o governo voltou parcialmente atrás. Manteve o órgão para analisar tais projetos, a princípio, sem poder deliberativo. A versão final do PL transformou em artigo taxativo a competência da Semad, por meio das Suprams, de licenciar a portas fechadas atividades econômicas que se enquadram nas classes 3 e 4 de acordo com a Deliberação Normativa nº 74, de 2004, como, por exemplo: extração de areia e cascalho, projetos agropecuários que normalmente são responsáveis por grandes desmatamentos, curtumes, frigoríficos, indústrias, loteamentos em áreas cobertas por vegetação nativa como Mata Atlântica e outros, que são responsáveis por grande parte dos impactos ambientais sobre água, solo e biodiversidade. Mesmo que isso fosse correto - e não é, porque exclui a sociedade-, no atual governo é ainda pior, porque superintendentes das Suprams foram substituídos. E em algumas delas os nomeados não possuem experiência e preparo técnico para exercer a função. O

FOTO: WELLINGTON PEDRO / IMPRENSA MG

“A verdade é que o PL aprovado flexibiliza concessão de licenças, em vez de buscar soluções para as verdadeiras causas dos problemas que fizeram do licenciamento ambiental algo tão complicado.”

da Supram Central, por exemplo, é ex-titular de delegacia especializada de homicídios. Da Supram Jequitinhonha (Diamantina), é técnico em enfermagem! O artigo foi um pouco amenizado por emenda aprovada de que projetos que preverem supressão de vegetação em estágios médio e avançado de regeneração, situados em áreas consideradas prioritárias para proteção da biodiversidade, serão encaminhados ao Copam. Em diversos artigos, a redação do substitutivo aprovado é confusa. Como o parágrafo que determina mandato de dois anos para entidades da sociedade civil e os representantes dos membros do Copam que não poderão ser reeleitos para período subsequente. Subentende-se que o princípio aplica-se inclusive às entidades patronais como Fiemg e Faemg. E quanto às organizações não governamentais criadas para defesa do meio ambiente, a determinação dificultará sua participação, pois poucas têm estrutura para frequência das reuniões e capacidade para análise de projetos. Causou surpresa a emenda aprovada que dá poder ao governador de “em caso de urgência ou excepcional interesse público, avocar as competências de que trata este artigo, sem prejuízo do seu regular exercício pelo Copam”. Durval Ângelo, respondendo a críticas de parlamentares oposicionistas, citou uma lei que já permitiria isso. Porém, como foi mais uma emenda

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MARIA DALCE RICAS (*) redacao@revistaecologico.com.br

não discutida, a dúvida permanece. O PL original remetia a decreto o detalhamento de cargos do primeiro e segundo escalão do Sisema, aspecto que foi também muito criticado. Neste ponto, o substitutivo aprovado é melhor do que o original ao manter as diretorias e superintendências hoje existentes. O poder deliberativo do Copam foi restaurado em um artigo, porém enfraquecido em diversos outros que mantêm porta aberta para intervenção do governo. Como no caso daqueles que dispõem sobre as competências dos órgãos seccionais da Semad (Igam, Feam e IEF), ao não deixar claro que elas devem ser exercidas de acordo com diretrizes emanadas do mesmo e por remeter a decreto, definição de normas para licenciamento que deveriam ser explícitas em lei. Na legislação vigente, cabe ao Copam definir políticas relativas às unidades de conservação, proteção da fauna e áreas consideradas prioritárias para conservação da biodiversidade, princípios que sumiram do PL aprovado. A iniciativa privada tem todo direito de ser bem atendida e em tempo hábil. Assim como tem o dever de agir com responsabilidade ambiental sem buscar interferência política, usar subterfúgios ou burlar leis. Mas a verdade é que o PL aprovado flexibiliza a concessão de licenças, em vez de buscar soluções para as verdadeiras causas dos problemas que fizeram do licenciamento ambiental algo tão complicado. Os deputados oposicionistas Bonifácio Mourão, Gustavo Correa, Anselmo Domingos, Luiz Humberto Carneiro e Antônio Carlos Arantes surpreendentemente votaram a favor do PL. Carlos Pimenta, João Leite, Gilberto Abramo, Gustavo Valadares e Sargento Rodrigues votaram contra. A deputada Marília Campos, do PT, que no início se posicionou contrária ao regime de urgência, votou favoravelmente, sem questionar sequer a exclusão do MP. Que não se iludam o governador, seus secretários, dirigentes das Faemg, Fiemg e outras instituições que se aliaram a esta malfadada proposta: das respostas cada vez mais trágicas que a natureza está dando aos seres humanos, eles ou seus descendentes, mais cedo ou mais tarde, mesmo com poder e riqueza, não escaparão. A não ser que se mudem para Marte. Assim, infelizmente, 2015 ficará marcado na história de Minas por duas tragédias ambientais: a ruptura da barragem da Samarco, em Mariana, e a aprovação, lama abaixo, do PL 2.946, a nova, antidemocrática e impositiva lei ambiental dos mineiros.  (*) Superintendente-executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda).

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MINAS FOI AVISADA SARNEY FILHO: nem ele conseguiu ser ouvido

O coordenador da comissão externa que avalia as consequências da tragédia socioambiental de Mariana, deputado Sarney Filho (PV/MA), chegou a pedir ao governador Pimentel que vetasse o projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental em Minas, aprovado a toque de caixa pela ALMG, no último dia 25 de novembro. A proposta, de autoria do governo atual, compartilha com a Semad a competência até então exclusiva do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), com o objetivo de agilizar o processo e priorizar os empreendimentos considerados estratégicos. Segundo o deputado, considerado uma das lideranças verdes e históricas mais respeitadas no Congresso nacional, o projeto, ao contrário de sua intenção, acaba potencializando o risco de novos acidentes, como o da barragem da Samarco: “Ao tirar a atribuição do Copam e a participação da sociedade civil no processo decisório, ele amplia a insegurança jurídica e a repetição de novos danos ambientais. Sua aprovação veio em momento muito ruim”, avaliou. Em ofício enviado ao governador, Sarney Filho sugeriu ainda que ele aguardasse as contribuições do relatório da comissão, propondo ações para fortalecer, aprimorar e atualizar a legislação mineira até então vigente, tida como a mais moderna e exigente do país: “O licenciamento ambiental será um dos pontos fortes desse relatório”, ressaltou. Não se sabe se houve resposta. Só que o projeto mineiro foi aprovado no mesmo dia em que a ONU criticou o Brasil e as empresas Vale e BHP Billiton, classificando a “resposta” ao desastre ambiental de Mariana como “inaceitável”. Para ler a carta-apelo de Sarney Filho na íntegra, acesse www.revistaecologico.com.br

FOTO: LÚCIO MACEDO / CÂMARA DOS DEPUTADOS

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ESTADO DE ALERTA


O etanol tem um importante papel no cumprimento ĚĂƐ ŵĞƚĂƐ ĚĂ KW Ϯϭ ƉĂƌĂ ƌĞǀĞƌƚĞƌ Ă ŵƵĚĂŶĕĂ ĐůŝŵĄƟĐĂ

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Reduz em 90% as emissões dos gases do efeito estufa comparado a gasolina

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Contribuirá com a meta anunciada do governo de reduzir em 43% a emissão de gases do efeito estufa até 2030

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Necessidade de crescer de 30 bilhões de litros para ϱϬ ďŝůŚƁĞƐ Ă Įŵ ĚĞ ĂƚĞŶĚĞƌ Ă ŵĞƚĂ

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A energia da cana já representa mais de 16% da matriz ĞŶĞƌŐĠƟĐĂ ŶĂĐŝŽŶĂů

Eu uso etanol e você?


NOVO CORREDOR Foi com muita simplicidade e esperança a solenidade de criação do primeiro Corredor Ecológico da Região Metropolitana de Belo Horizonte, envolvendo as prefeituras da capital e de Nova Lima, em parceria com o Governo do Estado, através do IEF. Segundo protocolo de intenções assinado pelos seus respectivos secretários municipais de Meio Ambiente, o objetivo maior é conectar todas as áreas verdes e unidades de conservação existentes ao redor da Serra do Curral, sejam parques públicos ou Reservas do Patrimônio Particular de Proteção Natural (RPPNs). Um sonho antigo dos ambientalistas, compartilhado tanto pelo prefeito Marcio Lacerda, como seu colega vizinho, Cássio Magnani. Ou seja, interligar, proteger e disponibilizar para a visitação pública, os “pulmões verdes” e as nascentes que ambos os municípios se orgulham de ter e ainda não se uniram ecologicamente, como acontece na natureza, separados pela ocupação urbana sem preocupação ambiental. O evento foi realizado no Parque das Mangabeiras que, para quem não sabe, já foi uma mineração da própria prefeitura, chamada Ferrobel, e hoje, recuperada, é a maior área verde e de lazer da capital mineira. Como lembrou Roberto Messias Franco, atual secretário de Meio Ambiente de Nova Lima, essa conquista começou no governo Aureliano Chaves, quando o prefeito de BH era Luiz Verano e o presidente da Fundação João Pinheiro e depois secretário de Estado de Ciência e Tecnologia, o professor José Israel Vargas. Foi o próprio Messias quem conduziu o processo de implantação do parque: “Foi um case de sucesso, tanto político quanto ambiental, que toda a população passou a desfrutar. Quem hoje não quer morar, ter a natureza e qualidade de vida ao seu lado?", disse ele. É essa a breve história que resultou na beleza do maior parque público (Burle Marx) da Grande BH, tornado realidade na administração municipal Maurício Campos, com George Norman à frente da Belotur.

FOTOS: DIVULGAÇÃO

SOU ECOLÓGICO

O PLANTIO: Aureliano Chaves, Luiz Verano (de costas), José Israel Vargas e Roberto Messias decidindo transformar a exmineração Ferrobel em área verde para a cidade

A COLHEITA: Marcus Vinícius (IEF), Délio Malheiros (PBH), Karine Paiva (FMP), Roberto Messias (PNL), Vasco Araújo (SMMA) e Homero Brasil (Parque das Mangabeiras) assinam a criação do primeiro corredor ecológico metropolitano

Uma luta verde, enfim, que deu certo, apesar dos seus percalços, como tudo na vida, quando há sensibilidade e vontade política. Sobre o sonhado corredor ecológico metropolitano, o secretário e vice-prefeito Délio Malheiros garantiu: “Este é o primeiro passo para unirmos toda a fauna e flora ao redor da Serra do Curral”. A natureza agradece!

MUNDO MELHOR Muito apropriado, diante de tanto pessimismo e descrença da humanidade, o título do livro “O mundo pode ser melhor”, obra lançada pelo diretor de Comunicação Corporativa e Sustentabilidade da Fiat Chrysler Automobiles, Marco Antônio Lage, no último dia 30 de novembro, na Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte (MG). Em pauta, e descrita com maestria, a trajetória exitosa do programa de responsabilidade social “Árvore da Vida”, desenvolvido já há 10 anos com a comunidade do Jardim Teresópolis, de 30 mil habitantes, localizado em frente à sua fábrica, em Betim (MG). O lançamento foi concorrido e artisticamente inclusivo, como é a marca do programa sob a batuta do jornalista. MARCO ANTÔNIO LAGE e sua cria, contra o pessimismo do mundo 22  ECOLÓGICO | NOV/DEZ DE 2015

FOTO: OMENAFOTO

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Acesse o blog do Hiram:

FÁBRICA MODERNA O CSEM Brasil, em sociedade com o BNDESPar, FIR Capital, Tradener e CMU Energia, inaugurou recentemente a SUNEW, mais moderna fábrica do mundo para produção de filmes plásticos orgânicos, capazes de converter energia solar em energia elétrica, e com diversas aplicações de mercado - os chamados módulos OPV (Organic Photovoltaics). A inauguração aconteceu na sede do CSEM Brasil, em BH, com a presença de autoridades do governo de Minas. Com estrutura tecnológica única, a fábrica tem capacidade produtiva existente em escala apenas na Europa e no Japão, potencializando a participação do Brasil no mercado tecnológico de energia solar fotovoltaica, que prevê crescimento médio de 10,5% nos próximos cinco anos. O CSEM Brasil, um dos sócios-fundadores da empresa, é o responsável pelo desenvolvimento científico da tecnologia, 100% feita no país.

FOTO: PEDRO VILELA

FOTO: BRUNO SENNA IMAGENS

CHARME NO CÉU E VERDE NO CHÃO Sob patrocínio do Grupo Algar, o “Projeto BH 360°” levou todo o charme do balonismo ao Complexo Arquitetônico da Pampulha, na capital mineira. A ação foi o ponto alto do evento que, sob a ótica da sustentabilidade, também fomenta a campanha social “Doe, não deixe seu tênis parar”. A propósito, a AlgarTech, pertencente ao grupo, foi a grande vencedora do “Prêmio José Costa 2015”, do jornal “Diário do Comércio”, em parceria com a Fundação Dom Cabral, graças também à sua pegada socioambiental e inovadora. Entre suas ações sustentáveis está a instalação de painéis fotovoltaicos nos seus datacenters tanto em Campinas (SP) quanto em sua sede, em Uberlândia (MG), cuja estrutura responde a 30% do consumo de energia deles. Segundo o diretor Comercial e de Marketing da empresa, Nelson Serranegra (foto), a luz solar é captada por meio de 1.224 painéis fotovoltaicos de 245 Wp de potência instalados no telhado do edifício, que ocupam 3.300 m2. A estrutura tem capacidade de gerar 450 MWh por ano. “Somos o primeiro datacenter verde da América Latina”, ressaltou. FOTO: DIVULGAÇÃO

FOTO: PACHELLI

hiramfirmino.blogspot.com

NOVO PRESIDENTE DA AMS Diretor da ArcelorMittal Florestas, Maurício Bicalho (foto) é o novo presidente da Associação Mineira de Silvicultura (AMS), que representa as principais empresas do setor de florestas plantadas, entre elas siderúrgicas e ferroligas, celulose e papel, painéis e produtos sólidos da madeira. Com mais de 1,5 milhão de hectares de florestas plantadas, Minas Gerais é autossuficiente em madeira vindas desses eucaliptos e pinus. Em pauta, os desafios impostos pela escassez hídrica, a viabilização do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o protagonismo que a entidade já teve e lhe conferia valor, quando partícipe da luta ambiental e da conscientização ecológica do próprio setor.

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GRANDE VALTERES Encantou-se aos 61 anos, no primeiro domingo de dezembro, após uma luta silenciosa contra o câncer, o ex-diretor da hoje Fundação Zoo-Botânica de BH, Valter Ferreira Rodrigues. Mais conhecido como Valtinho ou Valteres, ele foi um dos servidores públicos que mais lutaram pela sobrevivência e acasalamento do gorila Idi Amin, até a sua época o único e solitário exemplar da espécie na América Latina. O ex-diretor foi velado com uma camiseta estampada com a foto do animal, que trazia os dizeres herdados de Hugo Werneck: “Conhecer, preservar, amar e contribuir”. Afetivo, leal e companheiro, Valtinho tinha o hábito de levar e distribuir flores a cada uma das funcionárias da instituição, incluindo as da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, a quem o antigo zoológico estava anexado. Alegria, generosidade, irreverência, simplicidade e bom humor, coisa rara hoje em dia, foi o que ele deixou de exemplo - inclusive no meio artístico-musical que ele frequentava e era querido. Razão pela qual os versos de Lô Borges, cantados por Beto Guedes, também acompanharam a sua despedida: “Com sol e chuva você sonhava que ia

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

SOU ECOLÓGICO

VALTER RODRIGUES 23/11/1954 06/12/2015

ser melhor./ Depois você queria ser o grande herói das estradas/ tudo que você queria ser”. E ele foi, até transbordante, em sentimentos e atitudes. Com a homenagem também da Ecológico.

GRANDE EXTREMA A cidade de Extrema, no sul de Minas, foi eleita a “Melhor do Brasil” na edição 2015 do Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal, elaborado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro. Considerada um exemplo de preservação ambiental, Extrema ficou à frente de 5.516 outros municípios avaliados, que abrigam 99,8% da população, numa reviravolta histórica: saiu da 569ª colocação, em 2005, para a primeira posição no ranking nacional este ano, devido ao seu alto nível de desenvolvimento comprometido com a sustentabilidade. Segundo seu secretário municipal de Meio Ambiente, Paulo Henrique Pereira, até o plantio de árvores em Extrema, seja no meio rural seja no urbano, é superlativo: mais de dois milhões.

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1 ANIVERSÁRIO

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Rumo aos oito

Mais respeitada e desejada publicação sobre sustentabilidade e educação ambiental do país entra em seu oitavo ano de circulação

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ara nós, jornalistas envolvidos diariamente na produção da Revista Ecológico, rememorar a sua história sempre nos traz boas lembranças. Desde quando foi lançada, em 2008, um dos objetivos da publicação foi (e continua sendo) propor caminhos sustentáveis para equilibrar o que está em desequilíbrio: alertar sobre o impacto do ser humano na natureza e promover o desenvolvimento responsável por meio da educação e da democratização da informação ambiental. E, com o esforço e o profissionalismo de sempre, continuaremos a fazer isso. Depois de um 2015 difícil para o meio am-

biente – seca, crise hídrica, o desmatamento crescente e nefasto da Amazônia, da Mata Atlântica e do Cerrado, órgãos ambientais apáticos e o maior desastre ecológico e social da história da mineração -, propomos uma retrospectiva diferente. Convidamos vocês, prezados leitores, anunciantes e parceiros, a relembrarem conosco matérias com temas positivos que marcaram as últimas edições da Ecológico e ganharam boas resenhas e retorno de nosso público. E que elas se multipliquem em 2016, com a sua companhia, na mesma esperança e dever que nos une. Confira, a seguir, a nossa caminhada rumo aos oito anos:

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1 ANIVERSÁRIO

Edição 77 CORAIS: SANTUÁRIOS DE VIDA

Edição 78 CLUBES UNIDOS PELO PLANETA

Uma das seções de maior sucesso entre os leitores, a “Ecológico nas Escolas” mostrou a importância dos recifes de corais como criadouro, fonte de alimento e abrigo para diferentes espécies da vida marinha. No Brasil, os corais e comunidades coralíneas se estendem por 2.400 km da costa, do norte do Maranhão a Santa Catarina: das 41 espécies existentes, 20 são exclusivas do país.

A campanha lançada pela Revista Ecológico, de democratização da informação ambiental entre torcedores dos times América, Atlético e Cruzeiro -, consolidou uma nova cultura de paz e amor à natureza. Os clubes cederam suas marcas para integrar a mensagem “Sou Ecológico”, milhares de adesivos foram distribuídos em dias de jogos e atletas como Obina, Éverton Ribeiro e Ricardo Goulart gravaram vídeos especiais conscientizando as torcidas. Em 2016, a campanha “Clubes Unidos pelo Planeta” voltará com força total!

Edição 79 O VERDE E AS ÁGUAS DE NOVA LIMA

Edição 80 A LEI DA ÁGUA

Em reportagem especial, a Ecológico visitou a cidade com melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDM) de Minas e que se tornou referência em sustentabilidade ao aliar crescimento econômico, justiça social e respeito à natureza. O município de 88 mil habitantes tem mais de 60% de sua área de 428.449 km2 preservada, 800 nascentes protegidas e quatro monumentos naturais (Serra da Calçada, Serra do Souza, Morro do Pires e Morro do Elefante) com preservação assegurada via decreto.

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Um dos melhores documentários lançados em 2015, “Lei da Água – Novo Código Florestal” foi visto por mais de 45 mil pessoas no cinema e mais de três milhões na internet. Com direção de André D’Elia e produção executiva de Fernando Meirelles, traz a opinião de 37 cientistas e parlamentares que apoiam a Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) e mostra como ele vem beneficiando os ruralistas e afetando o meio ambiente e a vida de cada brasileiro.


Edição 81 ALZHEIMER

O filme “Para Sempre Alice”, que rendeu o Oscar de “Melhor Atriz” a Julianne Moore, trouxe novas reflexões sobre o tratamento de pessoas com Alzheimer. A matéria da Ecológico, uma das mais comentadas do ano, mostrou o cotidiano de pacientes e seus cuidadores. E, também, como a família deve se preparar para cuidar, com afeto, atenção e conhecimento, de parentes que estão em estágio inicial ou avançado dessa enfermidade que não escolhe cor, sexo, profissão ou classe social.

Edição 83 EM MEMÓRIA DOS LEÕES

O extermínio de Cecil, felino considerado símbolo do Zimbábue, provocou uma comoção mundial. E aponta a necessidade de se rever as leis ambientais, que precisam ser mais rígidas quanto à caça de animais. A seção “Ensaio Fotográfico”, que trouxe uma compilação de belíssimas imagens da fauna e da flora africanas, clicadas pelo fotógrafo inglês Nick Brandt, foi a matéria mais acessada no site da Revista Ecológico em agosto. É de Brandt, também, a foto que ilustra a capa da edição.

Edição 82 A SUBVERSÃO DE FRANCISCO

A encíclica “Laudato Si” (“Louvado Seja”, em português) do Papa Francisco foi um sopro de renovação espiritual, ética e ecológica para os católicos, crentes e descrentes. E também para o movimento ambientalista internacional. Um chamado à ação, o documento aponta a atividade humana como a grande responsável pela destruição da “Casa Comum”, critica o capitalismo e o sistema financeiro que aumenta a exclusão social e estimula o consumismo. Líderes empresariais, religiosos, artistas, políticos e ambientalistas aprovaram e elogiaram a iniciativa do papa.

Edição 84 CULTIVANDO ÁGUA BOA

O programa empresarial premiado este ano pela ONU como o melhor exemplo de gestão hídrica do mundo vem da região das Cataratas do Iguaçu (PR). Foi o que mostrou a Ecológico logo após conferir os resultados do “Cultivando Água Boa”, de Itaipu Binacional. Tratase de um conjunto de 20 subprogramas, realizado em 29 municípios da Bacia Hidrográfica do Rio Paraná – Parte 3, abrangendo 800 mil hectares e um milhão de habitantes. Ao todo, 217 microbacias hidrográficas estão sendo beneficiadas com diversas ações e técnicas de preservação. A metodologia do programa, inclusive, já foi adotada pelo governo de Minas.

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NOV/DEZ DE 2015 | ECOLÓGICO  29


1 ANIVERSÁRIO

Edição 85 LÍDERES SUSTENTÁVEIS

A edição de outubro, que trouxe a cobertura do “10º Seminário Internacional de Sustentabilidade e XXV Congresso Mundial da Uniapac”, mostrou que o mundo está buscando uma era sustentável de relacionamento entre lideranças e seguidores, que deve ser pautada na cooperação mútua e na parceria. Outro destaque desta edição da Ecológico foi a série sobre a prevenção do suicídio, tema que ganhou atenção nacional após o lançamento do livro “Viver é a Melhor Opção”, do jornalista e ambientalista André Trigueiro.

XX  ECOLÓGICO | AGOSTO DE 2015

ECOLÓGICO EM NÚMEROS l Mais de 1,7 milhão de exemplares distribuídos. l 86 edições e três cadernos especiais. l Tiragem mensal de 26 mil exemplares. l 17 profissionais, entre jornalistas, publicitários, designers e analistas administrativos e financeiros. l Oito prêmios. l 19.800 sugestões de pauta. l 2.960 cartas e e-mails de leitores. l Mais de 80 matérias de denúncia ambiental.



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PÁGINAS VERDES

“O MEIO AMBIENTE AINDA É BARRADO PELA

MINERAÇÃO E A POLÍTICA” Hiram Firmino

redacao@revistaecologico.com.br

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FOTO: FERNANDA MANN

escritor norte-americano Napoleon Hill (18831970) afirmou, certa vez, que “a maioria das pessoas só aprende as lições da vida depois que a mão dura do destino lhes toca o ombro”. A tragédia socioambiental que devastou o distrito de Bento Rodrigues (MG), em Mariana, vai além. Leva-nos não só a refletir sobre a necessidade de mudar velhos paradigmas, mas a buscar novas alternativas que tenham a preocupação com o meio ambiente e as pessoas como ponto orientador. Essa foi a essência da entrevista exclusiva que a Ecológico realizou com o consultor, ex-ministro e ex-secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais José Carlos Carvalho. Ele faz críticas ao modelo operacional da mineração e questiona o fato de as barragens estarem apartadas dos projetos minerários. E propõe a institucionalização da logística reversa no setor, a exemplo da “Política Nacional de Resíduos Sólidos”, para obrigar as mineradoras a trabalharem a redução, o aproveitamento e a gestão compartilhada de rejeitos: “Esse conceito de que ‘o resíduo não é meu’ é o mais atrasado que pode existir em uma atividade econômica. É socialmente irresponsável e moralmente questionável”, contesta Carvalho, que também critica o impacto do contingenciamento de recursos que provoca o sucateamento de órgãos ambientais, impedindo seus funcionários de realizarem eficazmente o processo de licenciamento e fiscalização do setor. Confira:

JOSÉ CARLOS CARVALHO: “Isso é consenso entre os ambientalistas: a mineração ainda não respeita e faz muito pouco pelo meio ambiente e a natureza em comparação ao que explora economicamente”

Como uma mineradora considerada referência em sustentabilidade e um estado que já foi vanguardista em política ambiental podem protagonizar uma tragédia como essa em Bento Rodrigues? Sempre repeti isso e vou continuar: a mineração em Minas Gerais sempre pode fazer mais do que faz para o meio ambiente e a natureza. Essa tragédia demonstra que o setor vem operando com paradigmas ultrapassados, inclusive no que diz respeito à segurança de barragens. Se for olhar do ponto de vista estrita-


J O S É CA R LO S C A R VA L H O

Consultor, ex-ministro e ex-secretário estadual de Meio Ambiente

mente legal, no momento do licenciamento, tudo estava correto com base no padrão tecnológico que vinha sendo reconhecido, inclusive, no meio acadêmico. No meu entendimento, ainda que tenha havido negligência, descuido ou a falta de acompanhamento adequado, a pressão que os acionistas exercem sobre os executivos para aumentar a produção e obter lucro também influencia nisso. O que fazer para esse cenário ser transformado? É preciso tratar as barragens como parte das minas. Não podem ser consideradas como estruturas apartadas do projeto de mineração. Certamente terão de ser feitas barragens muito mais robustas do que as que vinham

sendo planejadas no padrão tecnológico que prevaleceu até agora. É muito comum se perceber nos licenciamentos o pedido das empresas para fazer alteamento de barragens. Isso evidencia que a barragem original foi subdimensionada para os rejeitos que seriam acumulados durante toda a sua vida útil. Por quê? Porque fazendo uma barragem menor, no início das atividades, e podendo alteá-la no curso do processo produtivo, você mobiliza menos capital, gasta menos dinheiro no momento de implantar o projeto. Depois, as mineradoras aumentam as barragens com as próprias receitas que se auferem do sistema de operação das minas. É aí que está o problema, então?

FOTO: ROGÉRIO ALVES / TV SENADO

“O conceito de que ‘o resíduo não é meu’ é o mais ultrapassado que pode existir em uma atividade econômica. É socialmente irresponsável e moralmente questionável.” Sim. Já existem tecnologias, técnicas de filtragem e drenagem de grandes barragens que não foram aplicados em Minas porque encarecem o projeto. As minas hoje realmente enfrentam a questão da rigidez local. Só se pode extrair minério onde se tem minério. As barragens, não. Elas podem estar localizadas em áreas mais seguras. Atualmente, não dá para implantar barragens sem os padrões mais rígidos de segurança à montante de comunidades. Essa tragédia atual nos leva a repensar o modelo operacional de mineração, particularmente no Quadrilátero Ferrífero, uma região geomorfologicamente acidentada e com mais risco de causar danos à vida humana do que em outros locais.

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NOV/DEZ DE 2015 | ECOLÓGICO  33


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PÁGINAS VERDES

Da mesma forma que mudou o paradigma da água, no meio industrial, que agora é 99% reciclada e reutilizada, os ambientalistas acreditam que o mesmo tratamento deve ser dado ao rejeito de minério, buscandose uma nova destinação, inclusive industrial e comercial para ele. Qual a sua opinião? Isso deve e pode ser feito. Além de aperfeiçoar o gerenciamento de risco daquelas empresas que já têm suas barragens construídas e aumentar a robustez delas com técnicas construtivas que já estão disponíveis. O primeiro esforço é no sentido de aplicar tecnologias de extração a seco na mineração ou que não usem água para lavar o minério. Isso, por exemplo, permite reduzir a quantidade de rejeito. O senhor sempre falou que a melhor prevenção contra o lixo é não gerá-lo. No caso do rejeito é a mesma coisa? Temos que lembrar, nesse momento, da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), que cria a logística reversa e a obrigação da gestão compartilhada do resíduo. Essa lei atribui uma extraordinária responsabilidade àqueles que geram o resíduo. Eles têm de trabalhar com a sua redução e gestão adequada. Isso também é uma obrigação do setor minerário. O conceito de que “o resíduo não é meu” é o mais ultrapassado que pode existir em uma atividade econômica. É socialmente irresponsável e moralmente questionável. A prefeita de Governador Valadares, Elisa Maria, convidou a população para ir até a ponte sobre o Rio Doce, que passa pela cidade, para ver a lama 34  ECOLÓGICO | NOV/DEZ DE 2015

“De nada adianta discursar belamente. Na administração pública, o que não está no orçamento não está no mundo.” das barragens chegar ao rio. Bradou aos quatro cantos que os culpados devem ser punidos. Mas a cidade tem 276 mil habitantes e zero de tratamento de esgoto. Por que a população não enxerga essa contradição? A visão que as pessoas têm do meio ambiente ainda é muito idílica, lúdica. Não veem o meio ambiente na sua vida e no que acontece ao redor. Quando era ministro, participei de uma reunião em Porto Alegre (RS) à margem do Rio Guaíba, que corta a cidade e continua poluído. Só me foram feitas perguntas sobre o desmatamento da Amazônia! A mídia também contribui para transformar o problema ambiental brasileiro na degradação do bioma, não abordando problemas como o de Governador Valadares e de infinitas outras cidades. O Brasil e sua população continuam lançando nos cursos d’água mais de 50% do esgoto. Hoje, o maior poluidor das águas brasileiras é o setor público – são os municípios, que lançam resíduos sem tratamento nos rios. E o imaginário da população não capta isso como um problema ambiental grave. Só se revolta quando vê lama, como agora. Minas Gerais já foi modelo de gestão ambiental. O Copam foi o

primeiro órgão nesse contexto a ser criado com participação da sociedade e serviu de exemplo para a estruturação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Como o Estado permitiu que uma tragédia como a de Bento Rodrigues acontecesse? Apesar de ser ex-secretário da pasta em Minas, tenho opiniões pessoais sobre isso. Quando assumi a Semad, a despeito de todas as dificuldades, pudemos avançar. Tínhamos um orçamento no Sisema que era de R$ 75 milhões e chegamos a executar R$ 300 milhões, que nos permitiu fazer concursos públicos, contratar pessoal e adquirir equipamentos para atuar com mais efetividade. Infelizmente, é preciso reconhecer, não apenas em Minas – e agora temos de elevar isso a um contexto mais amplo -, a gestão ambiental continua sendo tratada de maneira marginal. Não é, para o mundo político e tomadores de decisão, uma questão que deve ser tratada na mesma importância que a saúde e a educação. Isso se reflete nos orçamentos e na incapacidade operacional dos órgãos. Hoje, vivemos uma realidade triste que indica o total sucateamento do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e do gerenciamento dos recursos hídricos. É o cenário que vivemos em Minas? Exatamente. Você não tem fiscais. Quando tem, não há carros. Quando há carros, não há dinheiro para colocar gasolina. Então, esperar que uma gestão ambiental com essa fragilidade possa atender às demandas e expectativas da sociedade é uma miragem. Do que jeito que está hoje, só vai piorar. Na sua experiência como


J O S É CA R LO S C A R VA L H O

Consultor, ex-ministro e ex-secretário estadual de Meio Ambiente

secretário e ministro, sempre houve o contingenciamento de recursos? Quando assumi a Semad em 2003, já se operava o sistema de caixa único. Fizemos um grande esforço para aumentar a arrecadação do Sisema, criamos um modelo de gestão que tornava-o autossuficiente. Lamentavelmente, em razão da crise fiscal que aflige os estados, esses recursos acabam sendo contingenciados para atender outras demandas do governo, principalmente o pagamento de pessoal, caracterizando o desvio de finalidade do que é arrecadado para a gestão do meio ambiente. É a falência do estado brasileiro. No momento em que falta papel higiênico nas universidades e as pessoas morrem nas filas dos hospitais por falta de leito e as escolas não têm capacidade de ofertar um ensino mínimo de qualidade, achar que seremos uma ilha de prosperidade é ser ingênuo. Apesar do clamor mundial, do aquecimento global e da natureza estar “dando o troco” na humanidade, o meio ambiente continua sendo o “patinho feio” dos governos atuais. É isso? As expectativas e demandas da sociedade sobre o meio ambiente ainda não se refletiram adequadamente nas prioridades políticas dos governantes. Há uma suposta falta de prioridade que ocorre no Executivo e também no Legislativo. A representação política formal não representa essas demandas da sociedade. Estamos falando de

um problema mais complexo. A força que os ambientalistas têm na opinião pública não se transforma em força política no momento de se tomar as decisões. Proteger a natureza ainda não dá voto, esse é um ponto. Hugo Werneck sempre dizia que é possível atestar a boa vontade de um governo por meio do quanto ele disponibiliza para tratar a questão ambiental. Você concorda?

Sim. Isso vale para qualquer outra coisa quando se fala em ação governamental. O que não está no orçamento de governo é discurso e retórica. De nada adianta discursar belamente se o que foi prometido não estiver consignado seja no orçamento da Semad seja no Ministério do Meio Ambiente. Na administração pública, o que não está no orçamento não está no mundo. Temos de considerar também que a solução de muitos problemas ambientais não está apenas no or-

çamento do meio ambiente. Mas também no do saneamento, para se tratar o esgoto, e de outras esferas de governo. Precisamos de um modelo sistêmico de gestão para que outras áreas governamentais, que contribuem para a degradação do meio ambiente, tenham recursos para revertê-la nas políticas setoriais. O senhor está falando da questão ambiental? Exatamente. É preciso calcular o percentual aplicado no meio ambiente sem se basear exclusivamente no orçamento ambiental. Por exemplo: o investimento que a Copasa e os municípios fazem para tratar esgoto em Minas está sendo aplicado a favor do meio ambiente. Isso não é contabilizado. Com tantos problemas que vivemos, é possível ter esperança? Sempre tenho esperança. Isso porque, quando falamos de meio ambiente, falamos da vida. Embora lamentável e indesculpável, essa tragédia de Bento Rodrigues, tal como o lançamento continuado de esgotos nos nossos rios, vão cada vez mais chamar a atenção da população e do mundo político para a necessidade de mudança. Com relação à mineração, minha esperança é que ela encontre novas alternativas para continuar operando com tecnologias que deem mais segurança à sociedade. Não apenas em relação à segurança de barragens, mas com um modelo que cause menos impacto ambiental. 

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1 MARIANA? E AGORA,

“Queremos que Bento Rodrigues se torne um memorial em que as pessoas possam fazer suas orações e entender que precisamos nos relacionar melhor com o meio ambiente.” DUARTE JÚNIOR, prefeito de Mariana

O

UM DIA PARA N

último dia 05 de novembro, lua minguante, ficará marcado na história do Brasil assim como o 11 de setembro de 2001 ficou registrado na memória de muitos. A comparação pode até parecer absurda, mas há um fator que as une: as cenas impactantes, que não serão esquecidas. No caso do Brasil, o horror ambiental e social causado pelo rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco, aterrou mais que sonhos e a vida tranquila em Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, dois dos distritos mais atingidos de Mariana. Até o fecha-

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mento desta edição da Ecológico, entre moradores e trabalhadores ligados à empresa, eram 15 as mortes confirmadas. E ainda havia quatro desaparecidos. Sem contar as centenas de moradores desabrigados. É difícil afirmar qual velocidade os 55 milhões de metros cúbicos de lama atingiram durante o rompimento. O que se pode afirmar ao certo é que as alegrias vividas em família, os sorrisos nas conversas de quintal, foram soterrados por ela. E, também, o álbum de retratos, o animal de estimação. O pai de família ou o filho amado que não virá mais para o


FOTO: CHRISTOPHE SIMON / AFP

“A mineração vai ter que se reinventar. Mariana é o grito de que não temos mais para onde caminhar com esse modelo.” Marcus Polignano, coordenador-geral do Projeto Manuelzão

NÃO ESQUECER jantar. O Rio Doce e parte do Oceano Atlântico que agora têm gosto de lama. Depois de o Brasil e o mundo terem presenciado tamanha tragédia, a pergunta é: existem alternativas sustentáveis para evitar que as ameaçadoras barragens de rejeitos soterrem novas histórias? No momento do acidente, o presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, e outros diretores estavam reunidos na sede mineira da empresa, em BH. Ele discutia, com os demais, questões de segurança nas atividades da mineradora, quando foi interrompido pela notícia que

ninguém, muito menos ele, acreditou estar acontecendo a pouco mais de 100 km dali, em Bento Rodrigues. O povoado, com mais de 300 anos, 612 habitantes e apenas 251 casas simples, foi varrido do mapa em questão de minutos. Foi a primeira vítima do rompimento, sem sirene nem aviso prévio, até hoje sem explicação, da Barragem de Fundão, construída há menos de 10 anos. Algo equivalente a 20 mil piscinas olímpicas repletas de lama desceu vale abaixo, sob o medo que não se comprovou apenas imaginário, mas duramente real a

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E AGORA,

1 MARIANA? uma população simples e bucólica. Devastando, igualmente, outros povoados, histórias de vida, matas ciliares, a fauna e flora resilientes do Rio Doce. Impactando cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo até o seu encontro trágico com o mar, em Regência, município de Linhares, no litoral capixaba. Os números falam por si. É a maior tragédia socioambiental já ocorrida no país, que antes pouco se lixava para o meio ambiente, como comprova a degradação dos seus Tietês medonhos e São Francisco secos, que morrem de sede, devastação, assoreamento e poluição. No Rio Doce, as fotos impressionam e explicam a tamanha mobilização da opinião pública internacional. Até o fechamento desta edição, além dos mortos e desaparecidos, havia 300 mil habitantes sem água limpa para beber, 11 toneladas de peixes mortos, 120 nascentes e mangues soterrados pela lama numa bacia hidrográfica que abastece 3,5 milhões de pessoas e já sofria com

a degradação ambiental fruto de incoerências históricas. “Contra esses fatos, não há defesa. A morte de qualquer ser humano fala mais alto. Infelizmente, fomos todos derrotados!” – declarou o ex-ministro e ex-secretário de Meio Ambiente de Minas, José Carlos Carvalho. Neste “todos”, ele se refere não apenas à Samarco, até então considerada mineradora referência em sustentabilidade, mas também ao protagonismo e à vanguarda em política ambiental que Minas já ostentou no cenário nacional, a ponto de servir de modelo para a criação do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Ele se referiu às próprias ONGs ambientalistas históricas que - ao largo do dilema “contra a mineração”, como ela ainda acontece, versus “a favor dos seus produtos”, como carro e geladeira, dos quais ninguém abre mão - sempre buscaram, junto aos órgãos públicos e ao próprio setor produtivo, um modelo compartilhado de mineração sustentável ain-

da não alcançado no Estado mais mineral do país. Se fomos todos derrotados pela tragédia de Mariana, segundo Carvalho, quem sabe a partir das lições pós-Bento Rodrigues, não podemos passar a pensar diferente? Por que não fazermos dessa tragédia, que está longe da sua recuperação, um novo “divisor de águas” na história da mineração, do meio ambiente e do desenvolvimento verdadeiramente sustentável, como defendem os especialistas ouvidos pela Revista Ecológico? Fiscal da sociedade, a imprensa vem cumprindo o seu papel, mostrando como tudo aconteceu e suas prováveis consequências. Mas o porquê desta tragédia, e o que podemos reconstruir, evoluir a partir dela, é o que a Ecológico irá discutir em suas edições, doravante, ouvindo todos os lados da questão. Em respeito às vidas e à natureza que se foram. E que os responsáveis não fiquem impunes. Acompanhe:

A ROTA DA LAMA

MG

ES Governador Valadares

ES

RI

O

DO

CE

Belo Oriente

Parque Estadual do Rio Doce

Ipatinga

a cab aci Pir

Fundão e Santarém BARRAGENS DE REJEITOS

Nova Era Ponte Nova

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MG Tumiritinga Conselheiro Pena Resplendor Aimorés

Cel. Fabriciano Timóteo

Antônio Dias

Colatina Baixo Guandu

MG ES

Linhares

Regência


QUEM VAI PAGAR O QUE NÃO TEM PREÇO? Quem vai dizer “fim da esperança”? Essa herança irracional que outros filhos terão? Lama letal. Lamaçal. Água da gente beber O dragão arrastou na lama, quem vai pagar tão imenso mal? Matou o rio afinal? O que era doce acabou antes da lama tocar meu blue O verde vale terás o azul blue? A plantação queria dar, o peixe só queria nadar e eu também. Será alguém feliz então? Cantar “mas quem vai pagar o que não tem preço”? Me devolver o que não tem mais? Quem vai virar o que está ao avesso? (*) Músico e compositor.

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FOTO: CORPO DE BOMBEIROS MG / DIVULGAÇÃO

Thiago Delgado (*)


E AGORA,

1 MARIANA? “Fomos todos enganados?” A indesculpável tragédia em Bento Rodrigues tem o seu algoz e precisa servir de exemplo para toda a sociedade. Não restam dúvidas de que a atividade mineradora é necessária e importante. Mas levar a produção a níveis predatórios é algo que liga o alerta vermelho de governos e de toda a sociedade. A exploração minerária tratada com irresponsabilidade resultou em um mundo de lama e resíduos. Com inquestionável potencial em mineração – ao todo temos 735 barragens -, precisamos ter pulso firme na fiscalização dessas empresas e não nos iludirmos pelas suas propagandas. Não podemos isentá-las da necessidade de aperfeiçoarem seus mecanismos de controle e monitoramento, e de partilharem seus lucros com a sociedade. A Samarco, sempre mencionada e enaltecida como um exemplo no quesito sustentabilidade, impôs a Minas Gerais a sua maior tragédia ambiental. Os elogios do passado precisam ser esquecidos ou esclarecidos? O momento é propício para o debate sobre o aumento da tributação no setor. Com o faturamento vultoso, é preciso repensar o montante de impostos pagos e os benefícios ambientais e sociais. Somente em 2014, a Samarco obteve lucro líquido de R$ 2,8 bilhões, direcionado para seus acionistas e controladores estrangeiros e nacionais. Diante desse contexto, fica mais do que patente a necessidade de se tributar em maior nível essas empresas, obrigando-as, de fato, a dividirem o seu lucro com a sociedade.

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FOTO: ROGÉRIO ALVES / TV SENADO

Evandro Xavier (*)

“O momento é propício para o debate sobre o aumento da tributação do setor.” Além da perda de vidas, da destruição da nossa biodiversidade e da nossa história, o luto se complementa ao sabermos que a eventual reversão do dano causado não se dará em décadas. O prazo é tão elástico que muitos dos leitores desta prestigiada Revista

não deverão estar vivos para testemunhar a recuperação do passivo ambiental, cuja tarefa será obra da própria natureza. Nessa tragédia, fomos todos tolos e enganados? E ainda querem dividir a responsabilidade conosco? Não podemos, não aceitamos, não vamos escamotear a verdade. Somos vítimas, mas há um algoz alimentado pela usura que deve, por força da justiça, ser identificado e penalizado exemplarmente. (*) Economista, ex-presidente do IEF e da Fundação Zoo-Botânica.


“Desprezo à democracia” A trágica ruptura da barragem da Samarco é inaceitável, seja por negligência ou por fatores externos não previstos e não controláveis. Se por negligência, a tragédia é ainda maior, pois poderia ter sido evitada. Se por fatores não controláveis, penso que o acúmulo de rejeitos de minério em barragens localizadas em áreas com topografia desfavorável tem de ser banido de vez do processo de extração mineral mundial. Pouco adiantaria plano de contingência para o meio ambiente natural, pois conter toneladas de lama morro abaixo é impossível. Rios, florestas, campos e animais silvestres que estão no caminho de qualquer barragem têm destino de morte traçado em caso de ruptura. E obviamente não podemos aceitar isso. Já bastam o desmatamento, incêndios florestais e o tráfico que empobrecem nossa biodiversidade ano a ano, esgotos, poluição industrial, despejo de lixo pela população e entupimento dos leitos dos rios por sedimentos carreados da desertificação do solo por seu mau uso urbano e rural, como no caso da bacia do Rio Doce. Não há como extrair e processar minério de ferro sem produzir rejeitos e não há como viver sem os produtos derivados da atividade, que estão na base da civilização humana. Então é preciso buscar alternativas seguras para sua destinação, tarefa urgente que compete em primeiro lugar às empresas que devem desenvolver suas atividades com segurança máxima; e

FOTO: ANTONIO CRUZ / AGÊNCIA BRASIL

Maria Dalce Ricas (*)

AMARGO RETORNO: os moradores conferem o que sobrou do bucólico distrito arrasado pela lama

“O governo estadual perdeu a oportunidade de acabar com o desenvolvimento e a mineração a qualquer custo.” ao poder público, a quem cabe criar políticas de estímulo à pesquisa e implantação de atividades que utilizem os rejeitos como matéria-prima. À sociedade cabe deixar claro ao poder público, responsável por zelar pelo cumprimento das leis, que isso não pode mais acontecer. O governador Fernando Pimentel perdeu a oportunidade de, diante

desta tragédia, assumir o compromisso de que Minas Gerais não continuará na “trilha do desenvolvimento e da mineração a qualquer custo”. Ele preferiu adotar a simplória fala de que o Projeto de Lei 2.946 – que fez aprovar a “toque de caixa” na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), enfraquecendo a participação da sociedade e concentrando poder em suas mãos–, irá impedir que novas barragens se rompam. É uma lamentável declaração de desprezo à democracia e ao conhecimento técnico que devem ser as bases primordiais da concessão de licenças ambientais. (*) Superintendente-executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda).

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E AGORA,

1 MARIANA? “É preciso entender” Vitor Feitosa (*)

A ruptura de uma das barragens de contenção de rejeitos da Samarco, levando uma segunda barragem por arraste, culminou numa tragédia sem igual na história da mineração, gerando impactos humanos, sociais, ambientais e econômicos em escala jamais vista. Em que pese todo o nosso estupor e revolta contra esse episódio, que faz a sociedade buscar desesperadamente culpados, cabe-nos fazer uma reflexão um pouco mais comedida sobre as causas e consequências. Por certo é ainda cedo para qualquer conclusão e a preocupação inicial deve ser sempre socorrer as pessoas e estancar as feridas sociais do desastre. Mas, antes que ações sejam tomadas de forma inconsequente, é preciso refletirmos sobre as causas, à maneira como a aviação civil faz quando ocorrem desastres aéreos. O mais importante após o choque inicial é entender porquê o desastre ocorreu – como forma de se prevenir novos acidentes decorrentes de causas semelhantes. À parte das atribuições de responsabilidade, das quais a Samarco e os órgãos fiscalizadores não terão como se eximir, melhor refletirmos sobre o ocorrido a partir de um conjunto de causas potenciais: erros conceitual, de projeto, de execução e de monitoramento e avaliação de riscos de segurança física das barragens em operação. Para tratar as potenciais causas relativas a erros de projeto, de execução e de monitoramento,

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há que se considerar uma profunda e competente investigação, feita por peritos nacionais e internacionais, que investiguem cada detalhe do projeto nas fases conceitual, básico, executivo e no monitoramento. E concluam sobre sua aplicabilidade para o caso da Samarco. Como investigação independente, ela não poderá ser conduzida pela Samarco, Vale ou BHP, ou mesmo por organismos setoriais. Como o impacto maior se verificou ao longo da bacia do Rio Doce, há que se considerar o seu Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH-Doce) como o legítimo responsável pela condução do processo, quer seja por ser um fórum legal e institucional que reúne representantes de governos, usuários e sociedade civil, quer seja porque dispõe de um braço técnico preparado, no caso, a sua agência de bacia. Assim, o Instituto BioAtlântica (Ibio-AGB Doce) pode arregimentar os especialistas necessários e organizar a condução do processo assegurando sua independência

“Tratar os rejeitos de mineração como simples dejetos, e não como subprodutos que podem alimentar outras cadeias produtivas, é um erro conceitual crasso.”

e assertividade, utilizando-se do Fundo que as três empresas propuseram criar para esse fim. REJEITO NÃO É DEJETO Para as potenciais causas de erro de conceito e de avaliação de riscos, o problema mostra-se um pouco mais complexo, mas não menos importante. Na prática usual da mineração, a disposição em barragens de rejeito tomou o conceito das construções de grandes barragens hidrelétricas, cuja finalidade é o barramento de água para geração de energia. Mas há diferenças. Nos barramentos para rejeitos, em sua quase totalidade construídos com os próprios rejeitos, há heterogeneidades críticas em seus materiais constituintes e método construtivo por alteamentos periódicos. Diferentemente das barragens para água, que são construídas com material muito mais homogêneo e método construtivo por alteamento único. Por que isso acontece? Porque são adotados critérios econômicos para redução de custos, buscando-se locais para a construção da barragem que sejam tão próximos quanto possível da planta de concentração onde os rejeitos são extraídos. Não necessariamente tais locais reunirão condições fisiográficas ou geológicas compatíveis com a construção da barragem e seus alteamentos futuros. Além disso, há que se considerar que tratar os rejeitos de mineração como simples dejetos, e não como subprodutos que podem alimentar


FOTO: ANTONIO CRUZ / AGÊNCIA BRASIL

BARRAGEM DE REJEITOS de Germano: maior e mais antiga que a de Fundão, que se rompeu e causou o maior desastre socioambiental do país

outras cadeias produtivas, é um erro conceitual crasso. Ao estabelecer novas formas de aproveitamento do rejeito, a mineração estaria contribuindo para gerar novos benefícios econômicos, ao passo que também evitaria a sua simples acumulação e riscos que não se consegue administrar. Como ocorre em acidentes aéreos, onde as causas identificadas induzem mudanças tecnológicas futuras, inclusive nas aeronaves em operação, a investigação desse acidente deve levar a um melhor entendimento do que saiu errado. No caso de Mariana, novos procedimentos deverão ser considerados, incluindo-se a sua adaptação às barragens existentes. Ou até mesmo sua eliminação, pela adoção de um novo conceito de geração de subproduto e não de rejeitos. Ou ainda, de que a construção de barragens, ou destinação definitiva dos rejeitos deva ser feito em locais adequa-

dos, mesmo que mais distantes do local de geração. Esse seria um conceito de “internalização de externalidades”, onde o aumento de custo do processo produtivo compense a redução de riscos de estruturas como essas. BOMBAS-RELÓGIO Em tudo o que vimos, o que considero mais preocupante é a Samarco ser considerada uma empresa de excelência, porque sempre buscou implantar procedimentos do “estado da arte” em tudo o que faz. Por isso é uma empresa que detém inúmeras certificações de conformidade, tais como ambientais, segurança ocupacional, TI, entre outras. Certamente procurou seguir as recomendações dadas pelos projetistas e auditores que inúmeras vezes tiveram no local para avaliações técnicas e deram seu aval para a continuidade. Se uma barragem de rejeitos de uma empresa de referência mun-

dial nas práticas de mineração ruiu, provocando um dos maiores desastres da história do setor, isso significa que não podemos afirmar que estamos seguros em relação a quaisquer outras barragens de rejeitos existentes, que passam a se constituírem em bombas-relógio armadas para detonar em algum momento. Independentemente de qualquer investigação policial que busque indicar culpados, o que importa realmente a todos é um pleno entendimento das causas que levaram a essa tragédia. Só assim poderemos cobrar profundas mudanças nas práticas de mineração, que transformem essa fundamental atividade econômica para Minas Gerais e o Brasil numa prática segura, sustentável e geradora de valor para a sociedade.

(*) Geólogo, consultor em Mineração e Meio Ambiente.

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E AGORA,

1 MARIANA? “Obrigado, Dom Luciano”

“A

Vi lá do alto. À medida que o helicóptero sobrevoava, mais minha mente entrava em descompasso com a realidade abaixo. Um mar de lama suja esmagando o verde e as casas, e tingindo de morte rios que viraram cemitérios. Quando mal adivinhei o que fora a Igrejinha de Bento Rodrigues, rezei... e agradeci a Deus por ter acontecido a explosão de horror às 16h e não às 4h da madrugada. De positivo e esperança, a solidariedade anônima de tantos. E as crianças da escola salvas, in extremis, por milagre! Dizem que temos mais de 700 barragens semelhantes plantadas pelo Estado afora. Mais de 700 espadas de Dâmocles? Nossa engenharia é de alto nível. O que acontece? Agora teremos a corrida atrás dos culpados. Malhação de Judas. Como tantas outras vezes... e catástrofes. Espadas por tudo quanto é canto das Gerais pendendo sobre a cabeça. Até os próximos incêndios, caminhões explodindo, ou derramamentos de óleo, ou de cloro escapulindo rumo ao céu azul. Questão de mentalidade, de vida. A maior riqueza do Brasil são os brasileiros. A Deus, graças por uma diversidade fantasticamente rica. Será? Com mais de 50 mil assassinatos por ano? E outro tanto de mortes no trânsito? Nós, no jogo da morte, somos campeões. A infeliz Síria perde nesse jogo trágico. Aqui, condenam uns caras a 100 anos de prisão por assassinato e eles continuam soltos, bebendo sua cachaça em Unaí. Atropelam e matam estando bêbados e com quatro cestas básicas soluciona-

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FOTO: GUALTER NAVES

Cástor Cartelle (*)

“Obrigado Deus e Dom Luciano, o Santo Arcebispo de Mariana, por não ter acontecido o vômito de lama e morte às 4h da madrugada, quando o galo canta.”

-lo ainda mais. Prever como? Fiscalizar como? Normatizar como? A ocasião é propícia para aproveitar fatos e prever normas que tragam segurança e com fiscalização carrapato? Sim. Partindo de uma premissa que desde o início deveria estar presente: nenhuma barragem de contenção pode ser construída a montante de qualquer núcleo humano. Obrigado Deus e Dom Luciano, o Santo Arcebispo de Mariana, por não ter acontecido o vômito de lama e morte às 4h da madrugada, quando o galo canta. Aliás, agora, nenhum canta mais em Bento Rodrigues acordando o Sol, que agradece por não ver o que aconteceu. Afinal, nesta história, onde entra o Copam? E, ainda, a Feam, o Ibama e o DNPM? Eles não são responsáveis por omissão?

-se a questão. E cidades à mingua com sistemas preventivos de segurança ineficazes. E ainda, de lambuja, pode vir uma certeira bala perdida. Canso de cruzar Belo Horizonte de ponta a ponta de dia e de noite (nessas horas - medo!), raramente vejo um policial! Conclusão: a maior riqueza do Brasil são os brasileiros? Mesmo? O Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) – leia-se Semad, Feam, IEF (*) Coordenador do Museu de Ciências e Igam) está na UTI: 0,5% do orça- Naturais da PUC Minas e membro do Conmento público. E querem esvaziá- selho Curador da Fundação Biodiversitas.


“Assim se rompe uma barragem” O evento de rompimento de barragem é fato grave. São vários os exemplos trágicos e Minas Gerais tem colecionado vários deles nos últimos anos. Entretanto, como bem dito pelo promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto, barragem não se rompe do nada. Sempre existirá uma ou mais razões para tal tragédia. E uma análise de riscos detalhada, como merecem todas as barragens, aponta claramente onde estão os problemas. O evento de Mariana se enquadra claramente nessa tipologia. Uma análise preliminar da tragédia demonstra que não foi considerada a possibilidade de rompimento. Se tivesse sido, a comunidade não estaria residindo na área de impacto direto. A dificuldade de se enquadrar a relocação de comunidades numa análise de riscos se dá não só pelas implicações econômicas e sociais, como também pela tendência ao exagero de cenário, sempre reclamada por quem vai pagar pela mitigação. E justamente a Samarco, a empresa de melhor performance ambiental e governança do Estado, é derrubada pelos fatos. E contra fatos não há argumentos. Aprendemos muito nos últimos anos sobre esses riscos e as lições continuarão se não formos extremamente criteriosos ao buscar locar futuras barragens. A busca de novos métodos de processamento e tratamento para minérios, somada à integração com novas tecnologias, poderá ser uma vertente a ser vislumbrada em futuros projetos.

FOTO: ANTONIO CRUZ / AGÊNCIA BRASIL

Willer Pós (*)

“Em vez do meio ambiente, os custos de licenciamentos são usados para financiar o aparelho do Estado.”

Mas de uma coisa temos que estar certos. Minerar é preciso e Minas tem que minerar. E os custos operacionais têm que refletir todas as circunstâncias e riscos da produção. A vistoria e uma checklist periódica feitas pelas autoridades responsáveis seriam de extrema importância. E não digam que a área pública não tem recursos para tal. Os custos de licenciamentos, que não são baratos, são para

ser usados na análise técnica e vistoria dos empreendimentos, dando segurança e garantia à população. Mas hoje são usados não para o meio ambiente, para estancar a degradação da natureza; mas para financiar o aparelho de Estado. Assim se rompe uma barragem. (*) Ex-presidente do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam).

2

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E AGORA,

1 MARIANA? “Minas, ainda a ver navios” Acidentes ou desastres, de origem natural ou provocada pela ação humana, carregam certa dose de imprevisibilidade, mas não são e nem podem ser encarados como casos fortuitos e nem como “fatos normais”, aceitáveis pelo conjunto da sociedade. São “normais” pois inerentes ao estágio tecnológico envolvido no processo produtivo industrial atual. Não são a regra e, infelizmente, nem a exceção. Existe uma complexa rede de possíveis causas a desencadeá-los. Muitas dessas causas podem ser apuradas e apontadas – de fatores naturais a fatores humanos, técnicos, erros em projetos, na avaliação dos riscos e de seus impactos, no monitoramento e na fiscalização. Eventos como o rompimento da barragem da Samarco podem ocorrer por mais segura que seja. Não foi o primeiro e dificilmente será o último. Riscos como esse continuarão a existir em áreas tão fortemente modificadas como são as de mineração. A própria existência de uma classificação de risco e de potencial de dano, como critério para definir a classe de um empreendimento e as exigências legais para a sua regularização, já nos mostra a natureza de determinados empreendimentos. CULPA E LIÇÕES A responsabilidade objetiva pela manutenção e a operação de uma barragem é da empresa, que deve cumprir todas as determinações legais e normativas de operação e de segurança para o seu correto funcionamento, independentemente

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FOTO: CORPO DE BOMBEIROS MG / DIVULGAÇÃO

Adriano Tostes de Macedo (*)

"Rompimentos de barragem, como a de Fundão, podem ocorrer por mais segura que seja. Não foi o primeiro e dificilmente será o último." de sua situação de regularidade ou não perante os órgãos ambientais. O fato de a Samarco ser referência em sustentabilidade não a torna imune aos impactos, aos riscos e aos desastres inerentes à própria atividade de mineração e, em especial, às suas barragens. Reparações e eventuais punições

certamente serão propostas. Infelizmente, nenhuma delas irá desfazer o que está feito! Assim, é preciso indagar o que aprendemos após cada acidente e o que fizemos e faremos para eliminar ou reduzir ao máximo as chances de que eles voltem a ocorrer. Desastres como esses sempre estarão sujeitos a ocorrer em um estado que libera um grande número de licenças para construção de barramentos ano a ano. A legislação para construção de barragens merece um outro olhar mais atualizado. A sociedade, o Sisema, o Copam, o governo estadual e o próprio setor produtivo/empresarial não podem deixar de refletir sobre o contexto e as implicações deste novo e triste evento. É


FOTO: CORPO DE BOMBEIROS MG / DIVULGAÇÃO

preciso, mais do que nunca, rever o nosso sistema de licenciamento, monitoramento e fiscalização. A Associação Sindical dos Servidores Estaduais do Meio Ambiente (Assema) vem denunciando o sucateamento do Sisema, a falta de capacitação continuada dos servidores; a falta de estrutura da Semad para nos dar suporte no desenvolvimento de nossas atribuições (falta de veículos, dinheiro, gasolina, diárias etc.) causada pelo contingenciamento e o desvio de recursos do nosso orçamento. Bem como a falta de servidores, em quantidade, para que possamos realizar as análises, o monitoramento e a fiscalização de forma mais efetiva. O Copam tem

que começar a estabelecer regras e limites mais precisos e estritos sobre o licenciamento das áreas a serem mineradas e da construção das barragens de rejeito. É preciso rever os critérios e o sistema de aprovação de licenças, no Copam, que privilegia o licenciamento “a qualquer custo”, ainda que carregado de condicionantes que o estado muitas vezes não tem como monitorar e fiscalizar. É preciso fazer valer as análises e decisões técnicas, e não somente as políticas. É preciso que as empresas revisem as suas prioridades, que privilegiam a ótica do mercado, da Bolsa de Valores e da distribuição de dividendos aos acionistas em detrimento do investimento em segurança. Que

falta fizeram uma simples sirene, um plano de emergência e contingência, de alerta, mobilização e ação eficientes, que atuassem no pós-rompimento, evitando ou contendo os danos. Ficamos “a ver navios”, a assistir a lama correr até o mar. Mas é preciso que a sociedade também repense as suas prioridades, dependente que somos de um modelo de crescimento econômico sem equilíbrio e sustentabilidade. É preciso que órgãos envolvidos, como DNPM, Crea, Sisema, Ibama, Ministério Público e outros atuem de forma mais coordenada. (*) Presidente da Associação Sindical dos Servidores Estaduais do Meio Ambiente (Assema).

VERDE, ÁGUA, AR PURO, FLORESTA EM PÉ, RIOS LIMPOS, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, FRATERNIDADE, FÉ, LUZ, SORRISOS, RESPONSABILIDADE SOCIAL, ABRAÇOS, FELICIDADE, CUIDADO, PLANTAR, COLHER, AMAR. É o que a Ecológico deseja aos seus leitores, anunciantes e parceiros: um Feliz Natal e um 2016 cheio de alegrias e esperança por um mundo melhor.


E AGORA,

1 MARIANA? “Ecologizemos a economia” Eu nunca considerei a mineração referência em sustentabilidade e nem penso que Minas já foi vanguarda em política ambiental. Sempre me manifestei claramente, e sem sectarismo, tentando alertar a sociedade e as autoridades. Matando gente sim, e ecossistemas, principalmente, que são estruturas organizacionais da natureza e que respondem pela vida de milhares de espécies vegetais e animais, macro e microbianas. Quanto à proporção do desastre, não acho que vai acabar com o Rio Doce na forma linear de pensar a evolução dos movimentos da natureza, ou seja, no que denominamos tempo linear. Pensando ciclicamente o tempo, a natureza já está construindo um novo Rio Doce. Ele sobreviverá, pois faz parte da Terra. O que não atenua o tamanho da tragédia. O acontecido em Mariana foi possível pela lógica destrutiva do sistema econômico, focado prioritariamente na produção de lucros com a maior velocidade possível, visando ao mercado internacional. Nunca esses negócios priorizaram a felicidade e a paz em nossa sociedade; usam e abusam do marketing da sustentabilidade e do compromisso social das empresas. As empresas mineradoras e as demais - pois há uma rede do capital financeiro-empresarial unindo-as como pessoas físicas e jurídicas, em todos os ramos de negócios-, gozam da proteção do Estado, cujos governantes são patrocinados por esses mesmos negócios em suas carreiras políticas. Os conselhos chamados participativos são uma farsa vi-

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FOTO: FRED LOUREIRO / SECOM ES

Apolo Heringer (*)

PASSAGEM DA LAMA em Resplendor (MG), onde os índios Krenak não podem mais pescar

“A natureza já está construindo um novo Rio Doce. Ele sobreviverá, pois faz parte da Terra. O que não atenua o tamanho da tragédia.” sando dar maquiagem ao sistema e legitimar decisões já tomadas autoritariamente. Há uma lição que devemos tirar do episódio que é fundamental, imperativa: temos de ecologizar a economia. Os empreendimentos só podem ser licenciados se subordinados à lógica dos ecossistemas. E por referenciamento geoespacial, por microbacias hidrográficas. Precisamos conhecer os impactos nas águas em cada território e ter planos emergenciais. Não podemos colocar em

risco ecossistemas do porte de um Rio Doce. A água tem que ser assumida como eixo metodológico, territorial da gestão, do biomonitoramento e da mobilização social. Os rios são informações que fluem e os espelhos d’água mostram a cara da nossa civilização. Temos que banir as monoculturas e o desmatamento. Banir os minerodutos e as barragens de rejeitos. Não podemos admitir lançamento de agrotóxicos por aviões e ter controle sobre sua comercialização. Nossa matriz energética tem que ser renovável e poupar nossos rios de hidrelétricas. O Brasil precisa ter um projeto de nação, e as políticas financeira e econômica serem meio para esse fim. Precisamos conquistar uma segunda geração de independência e reciclar a nossa mentalidade. (*) Idealizador e co-fundador do Projeto Manuelzão, da UFMG.


“Barragens de rejeito, não!” Gustavo Gazzinelli (*)

ESTADO EXTRATIVISTA Quem lê os relatórios de sustentabilidade verá que os investimentos dessa mineradora em Unidades de Conservação estão localizados especialmente no Espírito Santo. De Minas Gerais só se tira. Esse desastre resulta da incompetência e irresponsabilidade da Samarco e de todas as grandes empresas de mineração de ferro que, com a concordância de boa parte do staff do Sisema, sempre agiram de forma negligente, vendendo porém a ideia de que as informações que proviam ao licenciamento ambiental do Estado eram técnicas e confiáveis. Se eram técnicas, faltou técnica e qualidade. O Estado se habituou

“As barragens de montante são inseguras e já vetadas em alguns países.”

a confiar no automonitoramento que o Sistema Fiemg, as comunidades técnicas, como Abes, Abas, sindicatos de geólogos, Crea etc., também se habituaram a defender e referendar, conforme se verifica na postura da maioria de seus conselheiros em diferentes colegiados ambientais e de recursos hídricos de Minas Gerais. O desastre de Mariana veio comprovar que barragens de rejeitos são inseguras e que suas ameaças e impactos ultrapassam em muito o nível local e regional. Segundo o professor Hernani Lima, da Escola de Minas (UFOP), uma vez esgotado o preenchimento das barragens atuais, elas devem ser desfeitas e os rejeitos removidos para local seguro. Disse mais, que as barragens de montante - a maioria na região do Quadrilátero Ferrífero - são inseguras e já vetadas em alguns países. Para o professor George Valadão, do Departamento de Engenharia de Minas da

FOTO: GUALTER NAVES

Minas Gerais nunca foi vanguarda em política ambiental. Teve iniciativas de vanguarda, como, nos anos 1990, a proposta de fazer o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) da APA-Sul e quando também foram enquadrados os rios Piracicaba, Velhas e outros mais. As lideranças governamentais medíocres que sempre tivemos não deixaram que o ZEE tivesse efetividade, no sentido de definição de lugares que devem ser preservados ou onde atividades impactantes devem ser vetadas. Os anos da formulação inicial do ZEE e do enquadramento dos rios, contudo, são os mesmos do início da cooptação de entidades ambientalistas e do marketing que propagou a ideia da mineração sustentável. Ocupando cadeiras no Copam e no CERH, as corporações econômicas da indústria e da mineração formaram maioria com governos que criaram todas as flexibilizações e conceitos legais para que o meio ambiente fosse arrombado, até mesmo arrumando desculpas para minerar em áreas vitais como os de proteção de mananciais de abastecimento público. O Copam, desde quando acompanho suas atividades, é um jogo de cartas marcadas. Algumas entidades compraram a ideia de que só as pequenas mineradoras seriam insustentáveis. Dizia-se, até Bento Rodrigues, que a Samarco era top em sustentabilidade. As horrorosas barragens de rejeitos do complexo Germano não apareciam na propaganda institucional da empresa, assim como o registro de toxicidade das águas administradas por ela, já verificados no terminal de seus minerodutos, no Espírito Santo.

PARACATU DE BAIXO: o que sobrou do distrito, a jusante de Bento Rodrigues

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E AGORA,

1 MARIANA? UFMG, barragens de rejeitos nem deveriam existir. Na visão dele, a geotecnia brasileira se acomodou a referendar e defender a construção deste modelo de barragens, quando outras formas de disposição, menos impactantes e ameaçadoras, já poderiam ser usadas. INOVAÇÃO JÁ As mineradoras e as próprias universidades perderam tempo precioso não investindo em pesquisas para consolidar e dar escala a processos distintos do modelo atual. As empresas preferem apostar em estruturas e processos de produção aparentemente mais econômicos. O caso Samarco mostrou que não é. Tratam o Brasil como país de terceira. Agrava esse quadro, a prioridade da produção de minério para exportação. Isso leva governos a articularem, avalizarem e buscarem a aceleração de processos de licenciamento e incentivo a novos empreendimentos e ampliações, quando territórios como o Quadrilátero Ferrífero não comportam mais atividades simultâneas com tais níveis de ameaças, impactos e necessidade de controle. Quaisquer novos licenciamentos deverão implicar em mudanças do processo ou paradigma produtivo. E também na vinculação dos empreendimentos mineradores à transformação industrial dos produtos nas regiões produtoras. Podemos manter as atividades em operação e paulatinamente reduzi-las até um volume aceitável e que não importe tantos impactos e ameaças para nossa região. Não temos que resolver os problemas do mundo. Minas Gerais não tem obrigação de salvar a balança comercial do Brasil; nem o Quadrilátero, que também é Aquífero e a região mais populosa do estado. Temos que resolver o problema de governantes intelectualmente limitados e insensíveis à causa ambiental. Se

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“Temos de resolver o problema de governantes intelectualmente limitados e insensíveis à causa ambiental.” governos e mineradoras como a Samarco abusaram dos princípios da sustentabilidade, com bons lucros, é hora de se reinventarem ou se despedirem da atividade. LIÇÕES DE BENTO Penso que as lições devem se dar no campo prático, sobretudo. Reflexão de nada vai adiantar se não resultar em mudanças. Para começar, esse desastre, mais do que qualquer outro no Brasil, veio demonstrar que não cabe financiamento empresarial de campanhas eleitorais. Os deputados, vereadores, prefeitos, senadores, governadores e presidentes que apoiam a facilitação do licenciamento de projetos dessa natureza devem ser

escorraçados da vida pública. Os trechos de nossos rios ou bacias hidrográficas com maior qualidade ambiental têm que ser protegidos já. E aqueles que estão na bacia do Rio Doce devem ter moratória ambiental decretada para, além de servir de âncora e referência de qualidade a ser buscada para toda a bacia, garantirem as melhores condições para a recuperação dos ecossistemas e o repovoamento da biodiversidade em toda a sua extensão. Entidades empresariais devem fazer autocrítica e praticarem uma nova cultura e mentalidade, isto é, essa autocrítica deve vir acompanhada de mudança de postura, de revisão da intensidade, da distribuição dos esforços e dos próprios processos de produção, como também do fim da ideia-fixa de que a única vocação de Minas Gerais é a mineração. Devem investir muito mais recursos no planejamento e na criação de um ambiente propício para a recepção de outros campos de atividade econômica. Da mesma forma, Minas Gerais deve rever sua postura e assumir isso publicamente, independentemente de boa parte des-


FOTO: ANTONIO CRUZ / AGÊNCIA BRASIL

A PEQUENEZ HUMANA diante da grandeza desfigurada da natureza e do meio ambiente agredido, que levará décadas para se recompor

sas monstruosidades ambientais terem sido licenciadas em governos anteriores. Se continuar a licenciar e a atropelar a sociedade civil e as comunidades, inclusive com uso de força militar, assédio profissional de servidores, e a valorizar pareceristas técnicos e jurídicos serviçais às determinações de políticos ignorantes, a administração do Estado continuará a ser tão responsável e cúmplice como os governos anteriores. Se continuar a só dar crédito às palavras dos empreendedores, continuará a ser tão improbo como os governos anteriores. CÉU E INFERNO Os governos passados resolveram nomear, com apoio de parte do empresariado, o Norte da Região Metropolitana como o céu e o Sul como o inferno reservado às mineradoras. O Quadrilátero Ferrífero é hoje uma região rica em centros de pesquisa de diferentes setores (biotecnologia, nanotecnologia, softwares, economia criativa), com massa crítica para promover outros processos de desenvolvimento e produção limpa e de alto valor agregado. E o melhor ambiente paisagístico, cultural e

ambiental para receber esses outros investimentos. Esperamos que os agentes em função pública (dirigentes, servidores públicos e conselheiros) que tenham ignorado o parecer do Ministério Público sobre o alteamento da Barragem de Fundão sejam rigorosamente punidos e, da mesma forma que os dirigentes, consultores e funcionários da Samarco que tenham concorrido para a legitimação e consumação desse desastre, sejam criminalizados. Como também devem ser outros que vêm negligenciando as evidências e provas de irresponsabilidades, danos ambientais, desrespeito social e descumprimento legal e de condicionantes de empreendedores, que tais agentes apoiam e apoiaram em outras localidades, muitas das quais apresentam características e situações muito parecidas com as que configuraram o pré-rompimento da barragem da Samarco. De outra forma, é bom que todos os que vêm defendendo mitos como os de que os impactos da mineração são pontuais, de que grandes mineradoras são confiáveis e ambiental e socialmente res-

ponsáveis, revejam suas posturas. VANGUARDA OU COLÔNIA O modelo de produção de minério para exportação atingiu seu limite e esse marco catastrófico deveria levar o país e especialmente Minas Gerais a só licenciar novas atividades ou renovação das atuais se houver a proposição de inovações radicais nos processos produtivos. E a vinculação desses processos com a transformação da maior parte desse minério nas regiões onde são produzidos. O ritmo da mineração deve ser paulatinamente reduzido, inclusive para forçar a diversificação da economia e a consolidação de outras oportunidades de geração de empregos e renda. O Estado e a Justiça devem verificar os contratos de longo prazo das exportadoras de minério, de modo a obrigá-las, ao final dos contratos de fornecimento atuais, a combinar a produção no longo prazo com fornecimento para indústrias nacionais e, das siderúrgicas, também altamente poluentes, para indústrias de transformação e montagem. Se isso terá implicações no mercado internacional de minério de ferro, ótimo. O país começará a ser vanguarda e não essa colônia ou fazenda que sempre tem sido. A obsolescência programada deve entrar na pauta da sociedade e da indústria de bens intermediários e de consumo para acabarem com a recorrente culpabilização dos consumidores por seus mal-feitos. E pelo ritmo da produção e licenciamento descontrolado e compulsivo de empreendimentos que não mais se sustentam, sob quaisquer aspectos.

(*) Ativista social e ambiental e jornalista especializado em Divulgação Científica.

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E AGORA,

FOTO: WELLINGTON PEDRO / IMPRENSA MG

1 MARIANA?

APESAR das mudanças climáticas que ameaçam a natureza e a humanidade, a pasta ambiental continua sendo o “patinho feio” das políticas públicas

O SISEMA REPRESADO

O valor que Minas, estado brasileiro pentacampeão de devastação da Mata Atlântica, dá ao Meio Ambiente ainda é esmola: 0,5% do seu orçamento J. Sabiá

redacao@revistaecologico.com.br

Fundador e presidente do Centro para a Conservação da Natureza de Minas Gerais – a primeira ONG ambientalista da América Latina, cujas sedes eram o seu simples gabinete de dentista na capital e uma velha Kombi, usada na militância pelas margens do Velho Chico - o professor Hugo Werneck era sábio e direto em nos aconselhar na luta ambiental: “No mundo capitalista em que vivemos, se vocês querem saber que prioridade tem ou terá o meio ambiente em qualquer governo, basta olhar a sua importância e valor no orçamento geral do Estado. Ali está expressa a vontade política de qualquer governante, o quanto de consciência, prática e amor a sua administração terá pela natureza e o meio ambiente que nos restam. É ali, na Assembleia Legislativa, junto aos atuais e futuros deputados que, antes de

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decidirem o novo orçamento do Estado, mais temos de brigar para conseguirmos algumas migalhas de esperança real. Fora do orçamento só há sonho e discursos vãos. É a degradação continuada do paraíso terrestre que recebemos de Deus para morar, conviver e evoluirmos em paz com as outras formas de vida”. Falecido há sete anos, os ensinamentos do dr. Hugo - a quem a Revista Ecológico é dedicada continuam atuais. Eles nos ajudam a compreender, com mais profundidade, a tragédia de Mariana e de tantas outras ocorridas mundo afora. Mesmo sendo um país referência em consciência e governança ecológica mundial, o Canadá, por exemplo, dedica apenas 2% do seu orçamento para o Meio Ambiente. No Brasil, quem lidera o ranking e ainda tem um Rio Tietê

a envergonhar sua população, é o riquíssimo estado de São Paulo, com 1%. Mesmo considerado a caixa d’água do país e o estado pentacampeão de desmatamento da Mata Atlântica, Minas nunca chegou a 1% até antes de 2010. O pior governo foi o de Newton Cardoso, em 1987, com 0,15%. E o melhor, em 2007, no governo Aécio Neves, com 0,88%. Isso também não significa que esse percentual do orçamento tenha entrado e ajudado o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) a cumprir sua missão heroica, inclusive de fiscalizar as 735 barragens em Minas, complementar à responsabilidade do Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), outro órgão também em frangalhos em termos de estrutura financeira e pessoal especializado.


POMO DA DISCÓRDIA Esse é o ponto nevrálgico de toda discussão sobre a questão do Estado ter competência ou não para fiscalizar as suas barragens e gerir um governo de fato comprometido com o desenvolvimento sustentável; e não apenas arrecadatório, a toque de caixa, como se prevê no Projeto de Lei 2.946, de autoria do governador Pimentel, já aprovado

“No mundo capitalista em que vivemos, se vocês querem saber que prioridade tem ou terá o meio ambiente em qualquer governo, basta olhar a sua importância e valor no orçamento geral do Estado.” FOTO: ARQUIVO PESSOAL

Pelo contrário, e isso é praxe em todos os governos, dos 0,88% aprovados e publicados no “Diário Oficial” da época, apenas 0,16% foi de fato executado. A maioria da verba aprovada pela ALMG para os órgãos que compõem o Sisema (Feam, IEF, Igam, Semad e Fhidro) foi contingenciado pelo próprio Executivo que a propôs. Hoje, no governo Fernando Pimentel, sob a mesma prática de contingenciamento, o índice do orçamento deixado pelo seu antecessor, Alberto Pinto Coelho, é de 0,5%. De 2003 (leia-se o orçamento deixado pelo governo Itamar Franco) até 2011 (repassado por Aécio ao governo Anastasia), o aumento comparativo histórico à pasta ambiental de Minas foi de 400%. Excepcionalmente não contingenciado em sua totalidade, isso resultou em mais de seis mil processos de licenciamentos analisados e regulamentados pelos funcionários do Sisema em apenas um ano. Outra motivação se deveu, também, à descentralização regional do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), que fez muitos empresários e empresas saírem da clandestinidade, aumentando sobremaneira a arrecadação percentual advinda do aumento proporcional de novos licenciamentos regulares.

HUGO WERNECK, in memoriam, a quem a Ecológico é dedicada

sem ele ter ouvido os ambientalistas e a sociedade civil organizada do Estado. Mesmo considerado o “patinho feio”, a pasta enfim que mais incomoda os governantes que já passaram pelo Palácio da Liberdade, o Sisema nunca dependeu do tesouro do Estado. Depois, óbvio, da Secretaria da Fazenda, a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) é quem mais arrecada e assiste, impassível, à Secretaria de Planejamento (Seplag) contingenciar quase todos os seus recursos. Isso explica a bronca dos empresários da Fiemg, para não dizer a incompreensão generalizada de quem quer empreender

em Minas, sob o manto protetor da legislação ambiental. Ao entrar com um pedido de licenciamento na Semad e pagar caro e adiantado por isto, vide porque o governo tem pressa em acelerar o processo de licenciamento, todo empresário acredita já estar pagando antecipadamente os serviços a serem prestados pelo Estado. Trata-se das chamadas “despesas indenizatórias antecipadas”, já previstas para remunerar a infraestrutura funcional dos órgãos ambientais coligados, dar excelência profissional ao corpo técnico, aos seus funcionários, para analisarem os projetos e poderem viajar para a fiscalização. Mas o que acontece na prática? Como a Seplag contingencia esses recursos, os funcionários do Sisema não têm como atender o setor produtivo com responsabilidade e ligeireza. Faltam dinheiro para comprar gasolina e carros suficientes para exercer sua função. Faltam ainda reconhecimento e motivação. RESUMO DA ÓPERA É isso - a ainda incompreendida desvalorização política da questão hídrica e ambiental em um planeta que se degrada e ainda assiste a tragédias humanas e naturais como a de Mariana -, que explica a situação atual do maior estado minerador do país. E a existência de 2,7 mil processos de licenciamento ambiental, 14 mil outorgas de água e 5,3 mil processos de intervenção florestal aguardando uma decisão do governo. É o sucateamento também indesculpável, enfim, do Sisema – e não a sua alegada incompetência – que explica Minas não poder receber mais de R$ 5 bilhões de investimentos à espera de licenciamento, neste momento grave da economia nacional.

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1 MARIANA? Os ambientalistas históricos de Minas, em sua maioria ex-presidentes da Feam e ex-titulares da Semad, são uníssonos contra a forma não participativa com que Pimentel vem conduzindo o processo, restringindo o poder deliberativo e democrático do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), uma conquista da sociedade civil or-

ganizada. Ou seja, sem ouvi-los, sem ouvir os próprios funcionários do Sisema que, militantes da causa maior e apartidária da questão ambiental, sabem, como ninguém, onde estão os problemas e as soluções. Sem a criação de um sistema robusto, autofinanciável e independente, a situação ambiental tende a piorar. A Fiemg, que há tempos

“AMANHÃ, TUDO CONTINUARÁ COMO HOJE” “A nova lei ambiental de Minas, o PL 2.946/2015, não foi a proposta que defendemos. Também fomos contra o regime de urgência. De nada adiantará mudar ou agilizar o sistema de licenciamento em Minas se o nosso ‘sistema de gestão ambiental’ não for aprimorado e continuar sucateado em sua estrutura operacional e número de profissionais. De nada adiantarão mudanças em nossa legislação se não tivermos garantidas as condições necessárias, em quantidade e qualidade de profissionais, para executarmos nossas atribuições com eficiência e eficácia. Essas garantias passam pela valorização da carreira dos servidores de Meio Ambiente, que não consegue atrair profissionais de algumas áreas de formação e, muito menos, segurá-los, ocasionando um elevado índice de evasão qualitativa de nossos quadros funcionais. Essas garantias também passam por assegurarmos a destinação correta dos recursos arrecadados pelo próprio Sisema, desviados nos últimos anos, de forma sistemática, para outras finalidades e agravando, assim, a situação dos órgãos ambientais. Garantir os recursos necessários não significa dizer que acidentes não irão ocorrer. Mas é um primeiro passo para que possamos, de fato, prestar os serviços que toda a sociedade espera do governo. É recorrente o desvio de recursos arrecadados pelo Sisema, que não são investidos no meio ambiente e no desenvolvimento, na valorização e na capacitação de seus servidores. O Sisema é o segundo em arrecadação no Estado. Mesmo assim, o governo só nos permite executar 0,5%, em média, do orçamento real. Isso explica o fato de não termos veículos, diárias ou mesmo gasolina suficientes para realizar nossos trabalhos, prestar serviços e a fiscalização que a sociedade espera. Não existe meio ambiente com qualidade e desenvolvimento sustentável sem a nossa atuação – com profissionais especializados e comprometidos com a execução e o cumprimento das leis e das políticas ambientais. Assim, pode-se propor a lei ambiental que for, com ou sem Copam, maior ou menor participação da sociedade, mais ágil, etc. Se não mudarem a estrutura e as condições de trabalho do Sisema, tudo continuará igual.” Adriano Tostes Presidente da Associação Sindical dos Servidores Estaduais do Meio Ambiente (Assema).

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teme a progressiva judicialização do licenciamento ambiental no Estado, corre o risco de um embate totalmente paralisante com o Ministério Público, uma vez que a nova lei ambiental foi aprovada sem essa preocupação. Como se diz na roça, “ninguém pega uma galinha fazendo ‘xô’ pra ela”. Ou seja, eliminando quem tem o direito democrático de contribuir para que menos barragens se rompam nas nossas Minas Gerais. Foi o que também aconteceu negativamente durante recente audiência pública na ALMG, para a discussão da nova legislação verde do Estado. Em vez de convocar os ambientalistas e os próprios membros do Copam para dividirem com eles os riscos de suas futuras decisões, o governo conseguiu uma façanha inédita: fez unir todas as ONGs ambientalistas do Estado, muitas delas inimigas entre si, contra ele. Em tempo: se estivesse vivo e Pimentel aceitasse ouvi-lo, em consonância com o seu slogan de campanha “Ouvir para Governar”, Hugo Werneck certamente o lembraria: “Prezado governador, com raríssimas exceções e sem preconceito, nós não pertencemos nem estamos presos a quaisquer partidos políticos. No fundo, somos amantes da natureza. Não somos do PSDB nem do PT. Isso nos permite procurar e estar junto de quem quer que esteja no poder para estender-lhe as mãos, em prol do desenvolvimento sustentável do Estado, criando empregos e mais receitas, mas preservando o meio ambiente e a natureza que nos resta. Podemos e devemos ser adversários de ideias. Isso é até salutar na democracia. Mas nunca podemos ser inimigos!”.


Eles disseram “Queremos e vamos lutar muito para que lá se torne um memorial em que as pessoas possam fazer suas orações e que possamos entender que precisamos nos relacionar melhor com o meio ambiente.” Duarte Júnior, prefeito de Mariana. Em 2014, 85% da arrecadação municipal veio das mineradoras “Imagine uma estrutura muito pesada, cheia de remendos, sem a necessária autorização dos órgãos ambientais, em que se altera o projeto executivo. Um rompimento não acontece por acaso e por uma só ação. Existe uma estrutura com uma potencialidade grande, que tem de ter necessariamente um controle proporcional de monitoramento, inspeção e fiscalização. Esse é o ponto fundamental a se abordar. As causas acabam ficando em segundo plano.” Carlos Eduardo Ferreira Pinto, promotor de Justiça do Meio Ambiente do MPE-MG “Barragens não são estruturas convencionais. Exigem atenção permanente, em função das mudanças contínuas nas solicitações a que são submetidas.” Francis Bogossian, presidente do conselho consultivo da Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro “A mineração vai ter que se reinventar. Mariana é o grito de que não temos mais para onde caminhar com esse modelo.” Marcus Polignano, coordenador-geral do Projeto Manuelzão “Como é possível que um Estado de vocação extrativa, que já teve vários desastres decorrentes da mesma causa, volte a protagonizar um espetáculo tão avassalador? O estrago revolta até o olhar mais insensível.” Vittorio Medioli, diretor do Jornal O Tempo e ex-deputado federal “Se o dinheiro cair nos tesouros estaduais vai para a vala comum.” Paulo Hartung, governador do Espírito Santo, ao defender a criação de uma organização para gerir os recursos do fundo de recuperação do Rio Doce


E AGORA,

FOTO: SANAKAN

1 MARIANA?

SEBASTIÃO SALGADO registrando a tragédia no seu rio natal: comoção e proatividade agora em busca da recuperação de toda a bacia

“HÁ SOLUÇÃO PARA O RIO DOCE” Fotógrafo internacionalmente reconhecido por seu trabalho em diversas regiões do mundo, o mineiro Sebastião Salgado está com as atenções voltadas para a sua cidade natal, Aimorés (MG), que assim como várias outras ao longo do Rio Doce sofrem com os danos causados pelo rompimento da EXTERMÍNIO “A tragédia de Mariana é a maior tragédia ecológica que já houve no Brasil. É o extermínio ambiental de um rio nacional com 850 quilômetros de extensão, o maior curso d’água que nasce e morre no centro-sul do país, com uma população de mais de três milhões de pessoas que dependem dele. O rio morreu, acabou. Passou a ser um caudal estéril.”

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barragem da Samarco, em Bento Rodrigues. Para Salgado, é essencial pensar, com planejamento, uma solução adequada para recuperar o rio. E ela existe. Confira, a seguir, depoimentos selecionados pela Ecológico que o fotógrafo deu à imprensa sobre a tragédia:

CONSTATAÇÃO “A população está simplesmente constatando o desastre. As pessoas vão para a beira do rio e tentam compreender o que está acontecendo. E a compreensão é imediata. Elas veem milhares de peixes, de tartarugas e de camarõezinhos mortos. Na minha cidade, Aimorés (MG), tínhamos a maior produção de pitu, a lagosta de água doce. Hoje, acabou!”

TRISTEZA “Minha voz é de extrema tristeza sim, porque o Rio Doce sempre foi a representação da fonte da vida na nossa região. Foi nesse rio que eu aprendi a nadar, que tive o primeiro contato com um grande volume de água, que aprendi a ver toda a minha fotografia. Tudo o que levei como luz para captar as minhas imagens no resto do mundo eu adquiri ali. E hoje es-


FOTO: SANAKAN

tou vendo que ele está exterminado. Sabe o que é sentir isso? A população sente a mesma coisa. Estamos todos vivendo um drama sem limite.” REENCONTRO COM O RIO “Foi dramático ver também atingido o território dos índios Krenak, um pouco acima da nossa cidade. Um choque brutal. A água que corria não era água, era um gel. Um gel sem oxigênio. Morto. Por isso, estamos clamando para que um fundo financeiro seja criado e gerido com responsabilidade. Que não sirva de base para politicagem. E que a população que perdeu o rio, a qualidade de vida, seu manancial e sua pesca, seja o destino de toda a energia necessária para a recuperação.” RESSURREIÇÃO “O Instituto Terra é a grande esperança em relação ao rio. Somos uma organização ambiental dedicada exclusivamente à sua bacia hidrográfica. Nossa bacia é imensa, corresponde ao tamanho de Portugal, são quase 90 mil quilômetros quadrados. Temos 377 mil nascentes que compõem os sistemas de águas que formam o Doce. Nossa instituição já tinha um projeto de recuperação de nascentes. Há mais de cinco anos estamos preparando, testando esse projeto. E já o mostrei à presidente Dilma e aos governadores de Minas e do Espírito Santo. O piloto está pronto. É o único programa do tipo já estruturado e, a partir dele, podemos agregar outros projetos contíguos.” SANEAMENTO “Primeiro temos que aumentar o volume de água do Doce. Sua bacia já estava morrendo numa velocidade incrível pelo desmatamento que é o maior de toda a

“As mineradoras têm condições de arcar e vão arcar com a recuperação ambiental do Rio Doce. A BHP é a maior do mundo. A Vale é a segunda. Elas têm que proteger suas imagens, têm compromisso com sustentabilidade.” região da Mata Atlântica. Temos uma cobertura de menos de 0,5% de floresta em todo o vale. Isso nos obriga a refazermos também as matas ciliares, criar uma espécie de filtro vegetal na beira dos pequenos e médios cursos d’água que correm em direção à calha principal. Teremos de reconstituir também as áreas de Reserva Legal. O mais imediato, porém, é a criação de um sistema de tratamento de esgotos em todas as cidades do vale. Pequenas, médias e grandes, incluindo todas as aglomerações e distritos, que são mais de dois mil.” SAÚDE PÚBLICA “O grande problema é o seguinte. Até então, o Rio Doce recebia todos os rejeitos vindos dos esgotos urbanos. Mas, como tinha vida biológica, bem ou mal, o rio “tratava” e convivia com esses rejeitos, havia um certo equilíbrio. Hoje, com a lama, esse caudal ficou completamente estéril. Temos de criar serviços de tratamento de es-

gotos para proteger o rio. Se não, vai ficar tudo muito difícil para as populações, teremos vários problemas de saúde pública. A água para a irrigação das plantas estará contaminada, tornando impossível também a sobrevivência do gado e de outros animais que dependem dela.” MEGAFUNDO (1) “Pela lei brasileira, a empresa que provoca o desastre é responsável por ele. A Vale – que junto com a BHP Billiton é sócia da Samarco –, é a maior empregadora do Vale do Rio Doce e sempre teve o seu nome associado ao curso d’água. O seu presidente, Murilo Ferreira, já declarou que participará de um megafundo para revitalizá-lo. Como será um projeto de recuperação de longuíssimo prazo, precisamos garantir que haja dinheiro disponível ao longo de toda a sua execução. Precisaremos de um fundo gigante, para investir e ir recuperando continuamente toda a bacia. Não temos como investir tudo imediatamente, sem projetos. Teremos que trabalhar no longo prazo. Mas com a garantia de que daqui a 20 anos continuaremos a ter recursos suficientes para enfrentar o problema. As matas ciliares e as nascentes não serão refeitas em menos de 20, 30 anos.” MEGAFUNDO (2) “A Vale e a BHP têm grande capacidade para constituir esse fundo. Lembram da catástrofe que houve no Golfo do México, em 2010? A quantidade de petróleo que vazou no mar não era maior que o equivalente a um estádio de futebol. Lá, levou-se cerca de dois anos para restabelecer o equilíbrio ecológico da região, hoje ele é completamente estável. Aqui o processo será muito

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1 MARIANA? mais longo, porque o nosso desastre é muito maior. No México, na época, foi definido um fundo de R$ 80 bilhões. O nosso precisa ser consequente, proporcional. Não sei de quanto seria, mas teremos que trabalhar nisso.” COMPROMISSO “As mineradoras têm condições de arcar e vão arcar com a recuperação ambiental do Rio Doce. A BHP é a maior do mundo. A Vale é

a segunda. Elas têm que proteger suas imagens, têm compromisso com sustentabilidade, se esforçam para serem limpas, apesar de serem mineradoras. O problema maior não é esse.” DESCONFIANÇA “O problema é sabermos se o fundo vai ser aplicado em seu destino: o Rio Doce. O dinheiro não pode se transformar em pequena praça pública para campanha de

FOTO: MALCOLN DE OLIVEIRA SILVA

RIO DOCE

O PARQUE Estadual do Rio Doce: a maior reserva de Mata Atlântica de Minas Com extensão de 850 quilômetros, o Rio Doce nasce em Minas, nas serras da Mantiqueira e do Espinhaço, e deságua no Oceano Atlântico, na região do distrito de Regência (ES). É formado pelas sub-bacias dos rios Piranga, Piracicaba, Santo Antônio, Suaçuí Grande, Caratinga e Manhuaçu. Sua população, estimada em cerca de 3,5 milhões de habitantes, está distribuída em 228 municípios. Mais de 85% desses municípios têm até 20 mil habitantes, e 73% da população total concentram-se na área urbana. A atividade econômica na Bacia é diversificada. Na agropecuária, lavouras tradicionais, cultura de café, cana-de-açúcar, criação de gado de corte e leiteiro, suinocultura, entre outras; na agroindústria, sobretudo produção de açúcar e álcool. A região abriga o maior complexo siderúrgico da América Latina, ao qual estão associadas empresas de mineração e reflorestadoras. Com rica biodiversidade, a Bacia do Rio Doce tem 98% de sua área inserida no bioma de Mata Atlântica, um dos mais importantes e ameaçados do mundo. Os 2% restantes são de Cerrado.

Fonte: Instituto BioAtlântica (www.ibioagbdoce.org.br)

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prefeito, não pode se converter em camisetas de grupamentos políticos, e sim em natureza refeita. Temos que saber como esse fundo vai ser gerido. Como impedir que o dinheiro vá parar no redemoinho do sistema político que, como a lama, tudo digere e nada recicla. Tenho medo disso.” CONTINGENCIAMENTO “Sei, por exemplo, que o Ministério Público negociou com a Samarco a liberação de parte de um fundo de R$ 1 bilhão; esse tem que ser emergencial. Mas é preciso ter muita atenção com as multas. Se entrarem nos cofres públicos, elas serão destinadas a pagar dívidas do estado e usadas fora da Bacia, e não para o que é preciso.” EXPLICAÇÃO “Não tenho como explicar essa tragédia. Não cabe a mim. Há mais de 700 barragens como esta em Minas Gerais. Um acidente pode acontecer. E outros podem vir. Você tem um carro? Tenho certeza quase absoluta de que ele saiu de uma dessas minas. Todas elas são feitas para garantir o conforto no qual optamos por viver. As empresas fazem parte de tudo isso. A sociedade de consumo em que vivemos faz com que tenhamos mineração, exploração de petróleo. As pessoas gritam porque polui, mas têm seus carros. Quem polui mesmo somos todos nós, e o nosso modo de vida. É este modelo que temos de questionar.” EXPULSÃO “Nós nos distanciamos da natureza e temos que reencontrá-la. Precisamos dessa aproximação, nem que seja espiritualmente. Do contrário, o planeta vai nos expulsar.”


FOTO: ELVIRA NASCIMENTO

REFLEXÃO “Tenho um amigo fotógrafo de natureza que estava em Governador Valadares e fotografou uns camarõezinhos fugindo do rio e entrando na terra, para morrer, porque morrer no rio não fazia sentido, não era mais o seu lugar. E umas ostras pequenas, que saíam da água, subiam na pedra (elas têm umas patinhas), mas a pedra estava muito quente. Então voltavam para a água e para a pedra de novo, onde acabavam morrendo. Uma agonia que a gente não consegue descrever. Nunca vi tanto peixe grande morto. Como é um rio nacional, de grandes dimensões, largo, tem peixes imensos. Muitos eu nem sabia que existiam. Ninguém sabia. Agora que o rio morreu, a gente passa a conhecê-los.”

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E AGORA,

FOTOS: DIVULGAÇÃO

1 MARIANA?

FLÁVIO PASSOS e o seu paviECO, na forma de peixe, no que restou do Córrego Alegria, cujo assoreamento por rejeito e lama causado pela mineração continua o mesmo, quase 40 anos depois de um acidente. Adotado como piso ecológico pelo Verdemar...

QUANDO O REJEITO VIRA

PRODUTO E SOLUÇÃO

A luta de um ambientalista em busca de parceria com as mineradoras para elas recuperarem os rios que assoreiam. E lucrarem com isso Bia Fonte Nova

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“Meu sonho é ver o Córrego Alegria totalmente desassoreado e revitalizado. Limpo, com vários pocinhos e quedas d’água, como ele era antes de ser soterrado pela lama de minério que vazou, em 1969, com o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Somil.” A frase acima resume a esperança e o empenho do empresário e ambientalista Flávio Mourão Passos, de 63 anos, que luta há tem60  ECOLÓGICO | NOV/DEZ DE 2015

pos para fazer deslanchar uma tecnologia e um produto desenvolvidos por ele, que podem ser uma saída para acabar – ou pelo menos – reduzir os riscos e o impacto ambiental causados pela deposição de rejeitos de minério de ferro em barragens. Ainda sob o efeito da comoção causada pelo rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco, em Mariana, Passos afirma que Minas Gerais precisa reagir, unir forças e

construir um novo paradigma na história da sua mineração. E o melhor: já dispõe de tecnologias e de alternativas ecologicamente corretas, capazes de favorecem não só a recuperação da natureza devastada, mas sobretudo de transformar esse grave passivo em um valioso ativo ambiental, com ganhos econômicos e sociais. Prova disso é o paviECO. Um piso ecológico desenvolvido por


FOTO: REPRODUÇÃO TV

...e, coincidentemente, implantado também em Bento Rodrigues, conforme registro televisivo, onde sobreviveu à própria catástrofe. A exemplo dos rejeitos no Rio Piracicaba, transformados em bloquetes

Passos, juntamente com seu filho Rafael, em sua fábrica-laboratório-escola Bacia Viva, que fica na região de Macacos, em Nova Lima (MG). Sua principal matéria-prima são os rejeitos sedimentados retirados de cursos d’água assoreados pela mineração, que substituem a areia e a brita. Misturados ao cimento, eles ganham vida nova sob a forma de blocos retangulares ou em formato de peixe – inspirado no pacu, espécie encontrada na Bacia do Rio das Velhas, do qual o Córrego Alegria é afluente –, que são destinados à pavimentação de diferentes espaços, como ruas, avenidas, estradas, condomínios residenciais, estacionamentos de lojas e pátios de indústrias. EXPERIÊNCIA EM BENTO O produto está no mercado desde 2009, mas as primeiras amostras começaram a ser testadas em 2002. De lá para cá, foi instalado

em vários locais. Entre eles, na Rua Monte Vista, no bairro Jardim Canadá, em Nova Lima; no Instituto Kairós, em Macacos; na loja ecológica do Supermercado Verdemar, também no Jardim Canadá, onde recobre estacionamentos e passeios externos; na usina de pelotização de Vargem Grande e na planta de concentração da Mina do Pico, ambas da Vale. Resistente e sustentável, o paviECO – por uma dessas ironias do destino –, também foi instalado em caráter experimental no distrito de Bento Rodrigues, devastado pelo rompimento da barragem da Samarco. “Em 2004, fizemos a nossa primeira produção industrial itinerante, em parceria com a empresa Interpavi. Pavimentamos 18 mil m2 de ruas nos distritos de Bento Rodrigues e Santa Rita, com rejeitos retirados do leito do Rio Itapecerica. Numa das imagens mostradas pela TV, durante a cobertura

do acidente da Samarco, apesar da tristeza pela perda de vidas e destruição, pudemos constatar a eficiência do paviECO, que resistiu intacto à passagem da avalanche de lama por Bento”, relata Passos. Depois de percorrer um trecho às margens do Córrego Alegria e de beber da água pura que escorre da nascente, perto da fábrica da Bacia Viva e de sua casa, o ambientalista faz questão de apontar o minério ainda acumulado no chão. As marcas deixadas pelo acidente de 1969 também seguem vivas nos barrancos próximos, onde há traços da lama de minério que atingiu mais de 15 metros de altura. Para Passos, Minas precisa recuperar o tempo perdido. E seguir – com urgência – o exemplo de países como a França, onde há pelo menos uma década os sedimentos da mineração são estudados, tratados, reciclados e usados para fins diversos, entre eles pavimen-

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E AGORA,

tação, construção e ampliação de aterros para portos e fabricação de produtos voltados principalmente para a construção civil. “A Bacia Viva tem diversos experimentos, soluções e aplicações prontos para saírem da prateleira e serem adotados nas mineradoras”, explica o empresário, vencedor do “Prêmio Sebrae-MG de Práticas Sustentáveis (2011)” e também do “5º Prêmio Furnas Ouro Azul (2006)”. CADEIA DE NEGÓCIOS Devido ao megavolume de rejeitos gerado pela atividade de mineração, a solução para o seu reaproveitamento tem que ter escala e ser sustentável. O grande desafio portanto, reconhece Flávio Passos, é fazer com que a produção do paviECO e toda a filosofia que ele envolve – de desassoreamento e revitalização dos cursos d’água e ecossistemas afetados pelos rejeitos e de seu aproveitamento como matéria-prima de segunda geração – alcancem escala industrial. E possam, assim, serem replicadas em novos núcleos estado afora. Aos poucos, o caminho para que isso aconteça está sendo “pavimentado”. “De 2004 a 2011, mesmo com pouco capital, conseguimos aprimorar o nosso processo. Produzimos e instalamos mais de 45 mil m² de paviECO, usando 7.900 m³ de rejeitos. A partir do prêmio e com o apoio do Sebrae-MG, também desenvolvemos um maquinário específico, mais resistente e preciso, otimizando a fabricação do paviECO”. Outro avanço, detalha Passos, foi o desenvolvimento, pela Bacia Viva, de um projeto chamado “Mineradora Sustentável”. Ele é

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voltado para barragens de rejeitos e para instalações de tratamento de minério (ITMs). Trata-se, em síntese, de um processo que desagua a lama do rejeito, separa a seco ou a úmido a areia e a argila, recupera e pelotiza o minério e também trata a água. Segundo ele, para os rejeitos de barragens já rompidas também há solução disponível. “Nesse caso, temos uma solução de aplicação imediata: a construção de plantas de processamento da lama de rejeito com capacidade de 500 toneladas/hora, início de operação em seis meses, atingindo produção plena em até um ano. Prêmios e reconhecimentos são importantes, mas precisamos de mais. Estamos em busca de parcerias e correndo atrás de capital. Nossa ideia é criar uma nova e rentável cadeia de negócios, dentro ou próximo às mineradoras onde os rejeitos são gerados. As taxas de retorno do investimento são altas”, garante. A retirada e o reaproveitamento desse material para fins industriais, garante o ambientalista, podem ser replicados em todo o Quadrilátero Ferrífero, onde se localiza a maioria das mineradoras. “Há 50 anos o processo de mineração é o mesmo. Essa inovação vai reduzir custos, diminuir riscos e equilibrar a sazonalidade das commodities. Queremos assegurar ganhos e alcance em grande escala, por meio da instalação de núcleos, com fábricas fixas ou itinerantes que possam ser realocadas para pontos estratégicos. Temos a chancela de pesquisadores do Cefet-MG, comprovando a viabilidade técnica de nossas soluções e produtos.”

FOTOS: DIVULGAÇÃO

1 MARIANA?

VANTAGENS DO PAVIECO AMBIENTAIS l Melhor capacidade de drenagem: as frestas entre o piso permitem a percolação e a infiltração da água da chuva, assegurando a recarga dos lençóis freáticos, diminuindo a vazão das enxurradas e reduzindo o risco de enchentes. l Conforto térmico (redução da absorção de calor). l Sua produção proporciona o desassoreamento e a revitalização de cursos d’água. l Reciclagem de rejeitos de mineração, evitando a retirada de brita e areia diretamente na natureza.

ECONÔMICAS l Custo competitivo. l Alta durabilidade e resistência. l Fácil instalação e manutenção.

SOCIAIS l Conforto e menor trepidação para a locomoção de cadeirantes. l Superfície antiderrapante (reduz riscos de quedas). l Geração de emprego, renda e de oportunidade de capacitação da mão-de-obra envolvida na fabricação/instalação/recuperação/ revitalização.


CAMINHO CERTO Esperançoso, Flávio Passos acredita que é possível escrever um novo capítulo na conturbada história da mineração em Minas. Afinal, segundo dados da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), são mais de 700 as barragens de rejeitos existentes no estado, um valioso banco de matérias-primas que pode ter destino mais nobre, seguro e rentável. “Queremos mudar o paradigma da mineração. Especialistas atestam que é possível fazer mudanças estruturais relativamente simples no processo industrial, para que os rejeitos deixem de ser um passivo e se transformem em ativos integralmente reciclados, alimentando novos ciclos de produção e de consumo. Com isso, daremos um importante salto, tanto em termos de ecoeficiência quanto de transmutação, substituindo as barragens – que têm grande potencial de dano –, por depósitos a seco. Paralelamente, ainda geraremos novos empregos e evitaremos o impacto ambiental da exploração de novos recursos, como a areia e a brita, diretamente na natureza.” Determinado, o ambientalista conclui: “O conceito da Bacia Viva é o de uma empresa do terceiro milênio. Nascemos, trabalhamos e queremos crescer amparados na certeza de que é preciso aprender como o passado. Mas, acima de tudo, ter os olhos voltados para o futuro, investindo na criação de novos negócios na esteira da produção mineral. A experiência de outros países e as pesquisas feitas aqui comprovam que estamos no caminho certo. Cabe às empresas de mineração acordar. Acreditar e investir.”

DEPOIMENTO ESPECIAL EXEMPLO A SER SEGUIDO “O trabalho da Bacia Viva é muito importante. Ao buscar meios para aprimorar e desenvolver novos materiais – a partir de resíduos da atividade minerária e siderúrgica –, Flávio Mourão demonstra sua preocupação incansável com o meio ambiente e com as comunidades, não poupando nem recursos financeiros nem tempo para atingir seus ideais. Outras empresas e empresários deveriam seguir o seu exemplo, ajudando a preservar a natureza que ainda nos resta, com soluções que envolvam a conservação da Mata Atlântica, a proteção dos recursos hídricos e a redução das emissões de CO2, entre outros desafios. Que essa ideia se dissemine pelo mundo e ecoe também na Conferência do Clima (COP21), em Paris, fazendo com que os cidadãos e todos os setores da sociedade se conscientizem e se mobilizem cada dia mais. Se cada um fizer a sua parte, com certeza teremos um planeta preservado, melhor e mais digno para esta e para as futuras gerações.” Sidney Nicodemos da Silva, pós-doutor em Engenharia de Materiais e professor do Departamento de Engenharia de Materiais do Cefet-MG.

O AMBIENTALISTA e seu sonho: a mineração (ex-Somil e ex-Rio Verde, hoje pertencente à Vale) ajudá-lo parceiramente na despoluição do Córrego Alegria, que tem menos de 2 km de margens tristemente assoreadas por rejeitos SAIBA MAIS

www.baciaviva.com.br (31) 99627-5400

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Homenagem Especial: Carlos Drummond de Andrade


Do fundo da nossa natureza. A Revista Ecológico agradece a todos que se inscreveram ou fizeram suas indicações à premiação deste ano. E informa que, em respeito ao luto ambiental de Mariana e do Rio Doce, mantém adiada, sine die, a data de realização da solenidade.

www.premiohugowerneck.com.br


E AGORA,

1 MARIANA?

AS CERTIDÕES de Fernando: únicos pertences resgatados

CARTA EM

DOR MAIOR Déa Januzzi

redacao@revistaecologico.com.br

Confesso, Fernando, que prometi (ou melhor, jurei) escrever palavra por palavra do que você disse. Ao completar mais de um mês da maior tragédia ambiental da história do Brasil, você tenta reconstruir a vida. Está morando em um prédio alugado pela mineradora, junto com mais nove famílias de Bento Rodrigues, distrito rural de Mariana que foi soterrado pelo tsunami de lama. Sei, Fernando, que você não queria dar entrevista nem mesmo citar o seu nome. “Põe aí, um morador”. Só depois de algum tempo, você confiou em mim – e falou só o primeiro nome. Sentado na escada do prédio da Rua Cône66  ECOLÓGICO | NOV/DEZ DE 2015

go Marcial Muzzi, nº 20, nem me convidou para entrar no apartamento nº 3, do Bairro Dom Oscar, onde está morando provisoriamente com sua esposa e o filho. Quando pedi que você me contasse a sua história, você respondeu irritado: “A nossa história acabou! O que podemos fazer? Nada. Perdi tudo, até a roupa de serviço”. Fernando trabalhava como pedreiro, vigilante e qualquer serviço que garantisse a sobrevivência. Confesso, Fernando, que percebi uma espécie de pacto de silêncio entre vocês, que parecem exaustos com tantas entrevistas, filmagens, gravações e perguntas sem-fim. Afinal, a paz centenária

de Bento Rodrigues foi roubada, de repente, pelo tsunami de lama e pela imprensa. Com licença, Fernando, mas não dá para ficar calada, não dá para assistir a tudo em silêncio.Confesso, Fernando, que respeito a sua dor, mas o mundo precisa saber dessa tragédia. Da lama que soterrou vilas, inundou rios, matou peixes e a vida do Rio Doce. Precisa saber das mortes dos moradores e dos outros quatro que ainda nem foram encontrados debaixo dessa sujeira que ficou pelo caminho. Sei que você tinha uma casa, um lar, uma história, e que tudo foi lama abaixo. Que


“Confesso, Fernando, que respeito a sua dor, mas o mundo precisa saber dessa tragédia. Da lama que soterrou vilas, inundou rios, matou peixes e toda a vida do Rio Doce.” Eduardo Ferreira Pinto, coordenador do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais, do Ministério Público de Minas Gerais, garantiu que “ela está cheia de remendos e não há fiscalização”. Confesso, Fernando, que com o desenrolar da entrevista você passou a confiar em mim, depois de falar tão mal da imprensa em geral. Confesso que como repórter poderia trair a sua confiança, pois vi o seu nome completo, o de sua esposa e do seu filho nas certidões de nascimento e de casamento, os dois únicos bens que te restaram depois de tudo. Mas não vou trair a sua

confiança. Você me disse que há uma semana voltou lá em Bento Rodrigues para ver se ainda achava algo. Começou a cavar a esmo, até que se deparou com as certidões. Os documentos se salvaram porque estavam plastificados, mas o cheiro dos rejeitos do minério não saiu, apesar de você ter lavado, esfregado e limpado os plásticos. O cheiro de podridão continua insuportável, irrespirável. Confesso, também, que me assustei com a reação de outra moradora do apartamento número um, a diretora da Escola Municipal Bento Rodrigues, Eliene Geralda dos Santos. Ela não quis falar, não teve nem paciência para ouvir. Foi logo dizendo que “nós estamos caminhando, tocando pra frente”. E fechou a porta da entrada da casa. Sei, Fernando, que vocês confiam na mineradora Samarco, que como você mesmo disse, “dá empregos para todos, injeta recursos na prefeitura, movimenta a região”. E que você reconhece que “se tivesse acon-

PARACATU DE BAIXO despida: móveis e roupas pelo chão

FOTOS: GUALTER NAVES

falar tantas vezes sobre o mesmo assunto deve doer muito, pois vocês formavam uma comunidade de mais de 300 anos, que vivia em outro ritmo, sem pressa, sem intrusos, sem invasões. Sei do seu trauma e dos mais de 600 moradores de Bento Rodrigues e de Paracatu de Baixo que viram suas vidas virarem de cabeça para baixo. Sei, Fernando, que você ainda se lembra do pavor de “correr na frente da morte” para que a onda de lama de 20 metros de altura não atingisse a sua família. Vocês tinham apenas alguns segundos para escapar da morte. Sei, Fernando, que você ainda tem esperança, por isso permanece em silêncio, à espera. Não ousa falar mal da Samarco. Você ainda confia na palavra dessa empresa, afinal, como você mesmo assegurou, “a mineradora vai depositar, todos os meses, em conta bancária, um salário mínimo para cada morador e 20% do mesmo para cada dependente, além de uma cesta básica no valor de R$ 334”. Sei, Fernando, que você vai ganhar cerca de R$ 1.450 mensais, que está morando em um apartamento de três quartos, todo mobiliado, sem pagar aluguel nem outros tributos. Sei que você está esperando que a Samarco mapeie alguns terrenos para a construção de uma nova Bento Rodrigues. Garantiu que vocês é que vão escolher o local, entre os indicados. Sei da sua confiança, Fernando, mas não consigo deixar de temer por vocês. Tomara que seja verdade, mas devo lembrar-lhe que foi essa mesma mineradora que garantiu possuir um laudo de estabilidade da barragem. Mas que o promotor Carlos

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E AGORA,

1 MARIANA? tecido uma tragédia natural e se dependesse do poder público e da vontade política do governo, estariam desabrigados até hoje”. Você, Fernando, garantiu que até hoje vocês estão vivos “graças à solidariedade da população brasileira, da própria Samarco e de outras empresas privadas. Que o governo só posou com a imagem de bom samaritano”. Sei, Fernando, que para vocês a Samarco é mãe e madrasta. “Mariana é totalmente dependente da Samarco, que contri-

bui com 80% do orçamento dessa cidade histórica, além de ter a Vale como ‘salvadora’ de cidades como Ouro Preto, Cachoeira do Brumado, Itabirito, Santa Bárbara, Barão de Cocais, Catas Altas.” É o que você me garante. “Não temos outra opção de trabalho. Direta ou indiretamente, as mineradoras fazem o que os políticos não fizeram. Foram esses políticos que nos deixaram à mercê das mineradoras.” Sei, Fernando, que vocês estão

correndo atrás dos seus direitos, negociando de forma pacífica e ordeira. “Você está vendo alguma baderna? Alvoroço? Manifestação? Protesto? Estamos confiando que vamos receber os nossos direitos. Se a Samarco não passasse essa confiança, se não tivéssemos essa esperança, não estaríamos tão pacíficos. A nossa história foi embora com a lama e os rejeitos. Não sobrou nada. Não quero nem voltar lá em Bento mais, pois a gente não sabe mais nem onde era a nossa casa.”

Memórias soterradas É hora do almoço no Hotel Providência, que fica na Rua Dom Silvério, em Mariana. Nele, estão hospedadas cerca de nove famílias que sobreviveram à fúria do mar de lama. Elas esperam por uma decisão da Justiça e da mineradora Samarco. Em breve serão transferidas para casas de aluguel e, no futuro, quem sabe, para uma nova vila que lhes dê a paz perdida na tragédia. Antônio Raimundo Teotônio, trabalhador braçal, de 51 anos, está lá no hotel e chama a atenção porque anda para cima e para baixo com um espelho nas mãos. Foi o único objeto que restou de sua casa, em Paracatu de Baixo. Ele mostra como o espelho é forte, dando pequenos socos. Grudado no espelho, ele se lembra do dia da tragédia. Estava capinando a roça em uma baixada, quando alguém avisou que era preciso sair dali, porque a Barragem de Fundão havia se rompido e vinha um monte de lama. Antônio não acreditou e continuou o trabalho, até que “um ‘bitela’ de um avião pousou e disse

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ANTÔNIO e seu espelho: contra a solidão e o desamparo

que a gente tinha cinco minutos para fugir. Saí com a roupa do corpo. Nem olhei para trás. Nem tive tempo de me despedir da minha casa de cinco cômodos, toda mobiliada com madeira de sucupira”. Uma semana depois, Antônio voltou para ver se encontrava algum pertence. No banheiro, bem acima da marca de lama, o espelho estava lá intacto. “Pe-

guei o espelho, limpei e trouxe comigo, mas foi só”. O espelho hoje reflete a solidão e o desamparo de Antônio. Mexendo sem parar um tacho de alumínio com sete quilos de farinha de trigo e molho para a massa das coxinhas, Sandra Dometirdes Quintão, de 43 anos, só não derrama mais lágrimas no preparado porque continua a cozinhar, mesmo no Hotel Provi-


FOTOS: GUALTER NAVES

dência. Ela é uma das moradoras de Bento Rodrigues que perdeu a própria história. Para Sandra, a situação é grave, pois ela morava numa casa centenária, herdada dos bisavôs, que tinha até rancho para tropeiros, piso de pedras que não se encontra mais e cortinas de crochê nas janelas. Dona do “Bar da Sandra”, ela servia pratos mineiros, como frango com quiabo, ao molho pardo, para moradores e caminhantes da Estrada Real. Seu bar era ponto de referência de Bento Rodrigues, com torneio de truco, lugar de reunir todo mundo para assistir aos jogos de futebol na televisão. A retirada do bar era de quase R$ 10 mil por mês, com muita fartura e estoques de cerveja, de doces como pé de moleque e cocada. Uma referência naquele vilarejo rodeado por paz e muito verde. “Era um paraíso que se foi”, diz ela, enquanto mexe o tacho. Ela se lembra daquele dia 5 de novembro. “Eu estava na porta de casa com a minha filha, quando um ônibus de Santa Rita Durão parou para deixar uma encomenda no bar. Minha irmã, Terezinha Custódia Quintão, disse que não sabia o que era aquela poeira vindo em nossa direção. Não era poeira, mas uma onda de lama. Tivemos 10 minutos para escapar até que a montanha de lama corresse atrás de nós. Só tive tempo de tirar o carro da garagem, colocar a minha filha, ajudar Dona Penha, uma senhora idosa, com fratura de fêmur e, zás. Tudo virou uma montanha de lama. A pressa era tanto que deixamos Dona Penha cair, mas felizmente ela foi resgatada. Minha irmã ficava repetindo, ‘nós vamos deixar o bar aberto?’. Hoje eu digo ‘sim, irmã, a lama já tinha abraçado tudo’. Não havia salvação mesmo”. Há um mês no Hotel Providên-

“Estou com saudade do meu sossego, da minha paz de dormir cedo, sem nenhum barulho. Se me derem R$ 1 milhão hoje, não serei mais feliz como eu era.” SANDRA QUINTÃO, ex-moradora de Bento Rodrigues

cia, Sandra recebeu uma cozinha só para ela, devido à sua fama de boa cozinheira. E não parou mais: são pedidos e encomendas de 500, 700, mil coxinhas, de pé de moleque. Ela só não faz a cocada porque a máquina de R$ 3.800, que facilitava a confecção do doce, foi tragada pela lama. Sandra sente falta do fogão in-

dustrial, do freezer, da máquina de fazer cocada e dos dois tachos que custaram muito caro, tanto que pede para os visitantes. “Se vocês forem a Bento Rodrigues, procurem os tachos para mim, porque eu não volto mais lá.” Conta que outro dia, “um homem telefonou dizendo que acharam o troféu do ‘IV Torneiro de Truco’ lá perto de Governador Valadares e que virá trazê-lo para mim”. Como ela está se sentindo diante de tudo? “Um peixe fora d’água. Tudo desmoronou, mas a lama não levou meu ânimo nem minha paixão pelo Cruzeiro Esporte Clube. Vou conquistar tudo de novo, mas te digo. Estou com saudade do meu sossego, da minha paz de dormir cedo, sem nenhum barulho. Se me derem R$ 1 milhão hoje, eu não serei mais feliz como eu era.”

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E AGORA,

1 MARIANA?

SUBMERSA sob a lama, Paracatu de Baixo é o retrato da destruição

Uma cidade fantasma Apenas o galo, seguido por duas ou três galinhas, denuncia que há vida nesta cidade fantasma e submersa, abandonada às pressas pelos moradores que fugiram da lama de minério e resíduos tóxicos, só com a roupa do corpo. Não deu tempo nem de pegar as melhores lembranças. Do distrito de Paracatu de Baixo não sobrou nada. Até as casas foram enterradas pela lama. As árvores retorcidas, machucadas, arrancadas do chão exibem uma ou outra fruta que restou no pé. Os galhos agora têm cachos de lama tóxica e marrom. As únicas mangueiras sobreviventes estão pedindo socorro, e as jabuticabeiras, mais de um mês depois da tragédia, insistem com alguns brotos verdes. Em Paracatu de Baixo tudo é destruição: pedaços de janelas e 70  ECOLÓGICO | NOV/DEZ DE 2015

portas arrancados pela fúria da lama e dos resíduos de minério. O clima é de desolação. Uma das casas afundou na lama, só restando o telhado. As roupas que um dia vestiram o dia a dia dos moradores estão rasgadas pelo chão. São pedaços de colcha, e cortina, de roupas de cama, de vestidos. O que mais dói é ver um armário de cozinha, que voou pelos ares com a força da lama, com pratos e xícaras e copos quebrados e sujos, mas que revelam que havia uma casa e uma família ali cumprindo o ritual diário, de cozinhar, sentar à mesa para o café da manhã, o almoço e o jantar. Em Paracatu de Baixo, a lama aparentemente endureceu por cima de casas e vidas, mas é só pegar um pedaço que ela se

desfaz nos dedos lembrando que uma tempestade ali pode causar outra tragédia. O único movimento na hoje cidade fantasma são de carros sem identificação, só com números, de vidros fechados apesar do calor. Eles trabalham retirando a lama, vistoriando os estragos, seguidos por tratores, escavadeiras, como formigas silenciosas. Acaba de passar o carro praticamente blindado com o número 88. Os ocupantes dele acenam, mas não dizem nada e passam rápido pelas margens do rio de águas turvas, ora marrons, ora acinzentadas. Um rio doce, mas morto. Não há sinal de vida ali, a não ser pelos pássaros que continuam a cantar do lado de lá, onde a lama de 20 metros de altura não conseguiu chegar, apesar de ter subido,


sem pedir licença, pelos postes de iluminação elétrica e passado por cima das casas. Se alguém prestar atenção verá alguns cães que ainda esperam pelos donos, remexendo o lixo podre. As moscas zumbem naquele monte putrefato. Não há mais vida ali, apesar de um broto verde de bananeira se destacar no chão enlameado. O broto luta para viver, para restaurar o verde, para ensinar que a natureza é maior. Geladeiras, antenas parabólicas e fogões revirados não prestam para mais nada, a não ser para poleiro das últimas galinhas que continuam ali, sem saber da realidade devastadora que expulsou os moradores. Indiferentes, elas ciscam, sob o comando imperial do galo. Mas o maior tormento é sair de Mariana, passar pelo município de Monsenhor Horta, com casas pintadas de todas as cores e uma paisagem bucólica, onde o verde dá o tom da comunidade que escapou do tsunami de lama. Ao passar por aquele caminho dá vontade de ajoelhar e rezar, porque Deus é feito de natureza, daquela paisagem harmoniosa. Deus está ali, em cada árvore, em cada flor, no traçado natural de ramos e arbustos. Só o rio ao lado denuncia a cor da tragédia, até que a paisagem reconfortante, silenciosa, termina de repente para chegar ao deserto de Paracatu de Baixo. E agora?  EM TEMPO: a Ecológico abriu espaço para a Samarco se pronunciar. Mas, até o fechamento desta edição, não houve retorno de sua assessoria.

FOTOS: GUALTER NAVES

“Não há mais vida ali, apesar de um broto verde de bananeira se destacar no chão enlameado.”

MORTE e desolação não impedem o aceno vital da natureza

NOV/DEZ DE 2015 | ECOLÓGICO  71


CÉU DE BRASÍLIA

FOTO: REPRODUÇÃO YOUTUBE

VINÍCIUS CARVALHO

MAIS de onze toneladas de peixes mortos foram recolhidas no Rio Doce

E O FUNDO PARA O RIO DOCE? JURISTAS consideram improvável que a destinação dos recursos do Fundo passe por fora do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce. Criados pela Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/07), os comitês têm atribuição legal de aprovar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia, arbitrar conflitos pelo uso da água em primeira instância administrativa e implementar a cobrança pelo uso da água.

DISPUTA (1)

NO CASO da bacia do Rio Doce, o comitê é formado por 60 membros. Sendo que 24 representam os Usuários de Água, 20, o poder público, e 16, a sociedade civil. Pelo lado das mineradoras, têm assento no comitê como titulares ou suplentes as empresas Vale, Anglo American, Usiminas, Centaurus e a própria Samarco, além do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

O GOVERNO federal batalha para achar o modelo de governança que deverá administrar o fundo de recuperação da bacia do Rio Doce. Tendo em vista as vultosas cifras - por ora estimadas em torno de R$ 20 bilhões -, todos querem tomar a dianteira sobre o modo e a destinação dos recursos. Estão em marcha prefeitos, governadores e até o Congresso. 72  ECOLÓGICO | NOV/DEZ DE 2015

ALÉM da movimentação das empresas, a expectativa de aporte bilionário para a recuperação da bacia já desperta novo interesse de políticos da região sobre o comitê. Já se fala até que vai haver prefeito querendo deixar o cargo para buscar protagonismo no colegiado. Além do Comitê da Bacia do Rio Doce, há também os subcomitês dos rios Piranga, Piracicaba, Santo Antônio, Suaçuí, Caratinga e Manhuaçu.

DISPUTA (2)

OUTRA DÚVIDA do governo é como chegar à conta final que será submetida à Samarco e às suas controladoras, Vale e BHP Billiton. Ventila-se que a avaliação da extensão total dos danos fique sob responsabilidade da Agência Nacional de Águas (ANA) ou de uma consultoria independente. Seja como for, já se fala sobre a pressão a que estará submetida a equipe de auditores.


A COMISSÃO externa da Câmara dos Deputados, que avalia as consequências do rompimento da barragem da mineradora Samarco em Bento Rodrigues (MG), se reuniu com o relator do projeto do novo Código da Mineração (PL 37/11), deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), e procuradores da República para sugerir alterações à proposta.

FORAM apresentadas diversas propostas desconsideradas no documento original, incluindo novas exigências de licenciamento prévias à concessão da mineradora e novos regulamentos para reparação de danos ambientais, além de mais obrigações com a segurança dos trabalhadores e da população do entorno dos empreendimentos.

ALÉM DO CÓDIGO da Mineração, a comissão externa também quer alterar a Lei de Segurança das Barragens (12.334/2010), a Lei de Crimes Ambientais (9.605/1998) e o Código Florestal (12.651/2012). Integrantes da bancada ruralista já avisaram que colocarão resistência às mudanças na legislação florestal, que causou a indignação de ambientalistas.

FOTO: DIVULGAÇÃO

E O NOVO CÓDIGO DA MINERAÇÃO?


1

OLHAR POÉTICO

ANTONIO BARRETO (*) redacao@revistaecologico.com.br

CANTIGA PARA DORMITAR

MARIANA Dorme, menina, que o mundo já se rompeu na barragem. E a lama amarga engole o que sobra: esse luto que agora vigora na margem. Seus rios de sangue doce, em leito de mineroduto, rejeito de almas e urros: de homens e de peixes mortos. Dorme, Mariana, dorme enquanto o sal do Gualaxo, enxuto, argamassa o sangue em minério de lama, de charco. Dorme, menina antiga, seu sono de soterrados.

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(E EMBALAR O EX-RIO DOCE) Dorme, cidade sem barco, nesse rio de salamargos... Moedas por todos os lados, meladas de lama e dejetos: descargas de cargos eleitos, pol(u)íticos para nos escarrar. Governem agora seus rumos, ó peixes de chumbo e mercúrio. Que fisguem seus próprios filhos nas cavas de mina e perjúrio. E lancem tais redes de ferro nas águas venéreas do mangue. Desaguem seu sangue no Atlântico, que as doces montanhas de húmus agora mudaram de lar. E dorme, Mariana, dorme... Que o sangue minério da morte, finalmente, chegou ao mar... (*) Escritor e poeta.

ARTE: SANAKAN

Dorme, Mariana, dorme em seu leito de morte e presunto, que o bicho-papão já vem junto com a lama que desce no vale.



1 ENSAIO FOTOGRÁFICO

GARÇA-REAL (Pilherodius pileatus)

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ESPERANÇA BELA E

GRACIOSA Compositor mineiro enaltece as aves da Mata Atlântica que irão ajudar, naturalmente, na restituição das matas ciliares destruídas pela lama da Barragem de Fundão

PAULO BRANT presidente da Cenibra

Hiram Firmino

redacao@revistaecologico.com.br

P

arece coincidência ecológica. Quase dois meses depois da tragédia que vitimou a natureza do Rio Doce, cujas margens compostas de Mata Atlântica já se achavam 80% degradadas pelo desmatamento, pela poluição industrial e a pecuária extensiva históricas, alguém apareceu para lembrar a vida teimosamente reconstitutiva que acontece ali. Este alguém é o cantor, compositor, amante e fotógrafo da natureza Tavinho Moura. Dois anos depois de ter mostrado a inimaginável vida aquática resiliente ao redor da poluída Lagoa da Pampulha, o que lhe valeu o troféu “Hugo Werneck de Sustentabilidade e Amor à Natureza 2013”, ele lançou em 10 de novembro último, na capital mineira, outra pérola para ajudar a natureza se recompor. Trata-se do livro “Vale do Mutum – Aves da Mata Atlântica”, patrocinado pela Cenibra que, quem diria, também teve as suas atividades paralisadas pela passagem da lama da Barragem de Fundão. Como comprovou Tavinho, nem tudo está perdido nos vales do Mutum e do Aço, como sub-bacias do Rio Doce. Ainda resistem – e não foram extintas, estão catalogadas - 10 espécies de mamíferos e 127 de aves. São essas maravilhas da vida silvestre, muito mais que a mão

FOTO: ANDRÉ SALLES COELHO

“Surpreendente, este livro é um monumento à beleza que a natureza nos oferece graciosamente. Um retrato do carinho e do cuidado com que tomamos conta do pedaço das Minas Gerais que pegamos emprestado para gerar trabalho e riqueza.”

TAVINHO MOURA: fotógrafo da natureza

humana e todos os fundos financeiros somados do mundo vão restituir, com a sabedoria e no relógio da natureza, a flora e a fauna que já existiram ali. A ponto de o Parque Estadual do Rio Doce, a maior reserva de Mata Atlântica em Minas, cuja preservação foi fruto da luta dos ambientalistas Hugo Werneck, Angelo Machado e Célio Valle, já ter sido chamado de a “Amazônia mineira”, tamanhas as suas mais de 40 lagoas interligadas. Confira, a seguir, a beleza e a graciosidade desta esperança. SAIBA MAIS

mariadomatue@gmail.com

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NOV/DEZ DE 2015 | ECOLÓGICO  77


1 ENSAIO FOTOGRÁFICO

IRERÊ (Dendrocygna viduata)

TANGARAZINHO (Ilicura militaris)

78  ECOLÓGICO | NOV/DEZ DE 2015


FOTOS: TAVINHO MOURA

ASA-DE-SEDA (Amazonetta brasiliensis)

CANELEIRO-VERDE (Pachyramphus viridis)

CANÁRIO-DA-TERRA (Sicalis flaveola)

PICAPAUZINHO-ANÃO (Picumnus cirratus)

NOV/DEZ DE 2015 | ECOLÓGICO  79


CÉU DO MUNDO

ANO MAIS QUENTE

VINÍCIUS CARVALHO

FOTO: ANTONIOGUILLEM

A Organização Meteorológica Mundial (OMM) alerta que 2015 poderá ser o ano mais quente já registrado, com a temperatura média podendo passar do limite simbólico de aquecimento de um grau em relação à era pré-industrial (1880-1899). No documento, a OMM também indica que os anos de 2011 a 2015 representam o período de cinco anos mais quentes da história.

ADAPTAÇÃO PARA A ÁFRICA

O Banco Mundial (BM) anunciou um plano de US$ 16 bilhões destinado a reforçar a capacidade de resistência da África contra os efeitos da mudança climática entre 2016 e 2020. A região subsaariana necessita entre US$ 5 bilhões e US$ 10 bilhões anuais para adaptar-se a um aquecimento global de dois graus centígrados.

PRECEDENTE CLIMÁTICO

Um agricultor peruano apresentou recurso na justiça alemã contra a gigante da energia da Alemanha RWE, acusando-a de ser parcialmente responsável pelo degelo dos glaciares nos Andes e de colocar em risco sua cidade. Trata-se da primeira denúncia de uma pessoa afetada pelo aquecimento global contra uma empresa.

80  ECOLÓGICO | NOV/DEZ DE 2015

TRISTEZA CHINESA

Segundo a organização WWF, a população de vertebrados na China, que inclui pássaros, mamíferos, anfíbios e répteis, diminuiu quase pela metade nos últimos 40 anos. Intitulado “Living Planet Report China 2015”, o documento reúne dados coletados entre 1970 e 2010 com 1.385 animais de 405 espécies.

CAMADA DE OZÔNIO

O buraco da camada de ozônio na Antártida alcançou o dobro do tamanho do continente sulista e é o quarto maior da história, informou a Agência Meteorológica do Japão (JMA). O organismo japonês indicou que o buraco chegou a 27,8 milhões de metros quadrados em nove de outubro, segundo dados obtidos por satélites americanos.


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Toda Lua Cheia


O VILÃO DO MAR Pesquisa global de lixo nos oceanos aponta que 35% do plástico consumido são descartados após 20 minutos de uso

A

cada ano, 250 milhões de toneladas de plástico são produzidas em todo o mundo. Desse total, cerca de 35% são usados apenas uma vez. Com o descarte, 25 milhões de toneladas têm como destino final os oceanos do planeta. Quem fez o alerta foi o chefe da expedição suíça “Race for Water Odyssey”, Marco Simeoni, durante o lançamento da campanha “Mar sem Lixo. Mar da Gente”. Ambas são promovidas pela swissnex Brazil, rede que conecta o nosso país e a Suíça por meio da ciência, e a swissando, agência que atua promovendo o país europeu entre os brasileiros. O objetivo da “Race for Water Odyssey” foi elaborar uma avaliação mundial das áreas com poluição por plástico. A expedição passa por 12 praias e ilhas que

ficam dentro dos cinco vórtices de lixo principais. As ilhas, que agem como uma espécie de barreira natural contra o movimento do vórtice, acumulam o lixo em seus litorais. Assim, suas praias se tornam uma amostra conveniente e representativa dos tipos e da quantidade de lixo encontrada em águas próximas. Durante oito meses, a expedição realizou o primeiro levantamento global de lixo nos oceanos com a expedição. Os números são assustadores: 80% do plástico encontrado no mar têm origem em atividades em terra e que se concentram em cinco regiões específicas: Atlântico Norte, Atlântico Sul, Pacífico Norte, Pacífico Sul e Índico. “O problema dos plásticos nos oceanos é que o material se quebra em micropartículas que são

ingeridas por peixes e pássaros”, explica Simeoni. “Os animais confundem isso com comida. No Havaí, por exemplo, 87% dos pássaros mapeados no local tinham plástico no estômago. O pior de tudo é que essas partículas são tão pequenas que é inviável fazer uma limpeza disso no mar.” Anualmente, um milhão de aves morrem por conta dos plásticos, seja por ingestão ou presos neles. Ao ingerir o material, os animais contaminam-se com substâncias químicas liberadas no organismo. Atualmente, metade da população mundial consome peixes e animais marinhos e, se nada for feito até a próxima década, haverá um quilo de plástico para cada três quilos de peixes nos oceanos. Ele relata que uma das constatações mais surpreendentes (e

80% da poluição no oceano é composta por plástico 82  ECOLÓGICO | NOV/DEZ DE 2015

FOTO: REPRODUÇÃO

1 MUNDO VASTO


FOTO: U.S PACIFIC FLEET

OCEANO IMPACTADO l QUANDO O LIXO PLÁSTICO é jogado no mar, ele flutua e viaja com as correntes marítimas. Esse material, que se decompõe lentamente na água, pode passar anos viajando em alto mar até se aglomerar em vórtices de lixo. Esses enormes redemoinhos são produzidos pela circulação oceânica, cujo movimento lento e rotatório cria áreas relativamente calmas, onde os detritos se acumulam. l ESTIMA-SE QUE a soma das áreas desses lixões de plástico nos oceanos - ou sopas de lixo - seja de mais de 15 milhões de quilômetros quadrados. O mais próximo do Brasil, no Atlântico Sul, fica a uma distância de 3,3 mil km do Sul do país. Acredita-se que o lixo ocupe uma área de 1,3 milhão

tristes) da equipe durante a pesquisa foi detectar a presença de lixo plástico em áreas remotas, sem a presença humana, fora das áreas de sujeira no oceano. “Visitamos Koror, uma ilha paradisíaca em Palau (Micronésia), no Oceano Índico, que é uma área de preservação. Vimos garrafas plásticas, sapatos, isqueiros, entre outros tipos de materiais plásticos”, comenta. Resultados preliminares obtidos nas primeiras paradas, nas ilhas de lixo do Atlântico Norte e do Pa-

de quilômetros quadrados. O maior sopão de lixo marinho é o do Pacífico Norte, com mais de três milhões de quilômetros quadrados. l A EXPEDIÇÃO desmitificou a falsa ideia de que as ilhas de lixo eram sólidas, consistentes. Os pesquisadores perceberam que, na verdade, as manchas de resíduo flutuante nos oceanos guardam mais semelhança com uma sopa do que com uma ilha. l O MAPEAMENTO preciso dessas áreas é tarefa complexa. A documentação, mesmo com fotos aéreas, é dificultada porque o lixo plástico se deteriora através de um processo químico e forma pequenos fragmentos, tornando-se quase imperceptível a olho nu.

cífico Sul, indicam que os resíduos estão amplamente espalhados em paisagens oceânicas remotas. Entre redes de pesca e cordas, o plástico representou 84% do material coletado nos Açores, 70% em Bermuda e 91% na Ilha de Páscoa. Espumas, cápsulas, filmes e filtros de cigarro também foram encontrados nesses locais. As análises estão sendo realizadas pelo Laboratório de Meio Ambiente da Escola Politécnica Federal de Lausanne (CEL/EPFL). As cinco áreas de lixo pelas

l VINTE POR CENTO dos lixos flutuantes são resultado da atividade humana no mar (tráfego marítimo, pesca, aquicultura, plataformas de petróleo) e 80%, em terra (atividades domésticas, agrícolas e industriais). l SÃO INÚMEROS os impactos negativos desse tipo de poluição nos ecossistemas marinhos e na população humana: ingestão de plástico, enroscamento de animais, colonização de espécies invasoras trazidas pelo lixo, aumento de vetores de substâncias tóxicas contaminantes da cadeia alimentar (que em algum momento são consumidas por seres humanos). l MAIS DE TRÊS BILHÕES de pessoas dependem do oceano para sua subsistência.

quais a expedição “Race for Water” passou totalizam 15,9 milhões de quilômetros quadrados, o equivalente a quase duas vezes o território do Brasil. A mancha mais próxima ao território brasileiro, no Atlântico Sul, tem 1,3 milhão de quilômetros quadrados, área equivalente a quase 30 vezes o estado do Rio de Janeiro. 

SAIBA MAIS

www.swissnexbrazil.org swissando.com.br

NOV/DEZ DE 2015 | ECOLÓGICO  83


1 GESTÃO

INFORMAÇÃO SUSTENTÁVEL Evento debate a relevância e a transparência de dados nos relatórios de sustentabilidade das empresas

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FOTO: DIVULGAÇÃO

E

laborar e divulgar relatórios de sustentabilidade (RS) é uma prática comum entre as grandes empresas. Afinal, são eles que comunicam à sociedade os valores, processos, objetivos e metas relacionadas ao desenvolvimento sustentável de seus empreendimentos. São por meio dos RSs que os públicos-alvo podem consultar e debater as metas e ações de desenvolvimento das empresas, além de permitir que os negócios captem novos investimentos. Nesse contexto, foi criada em 1997 a Global Reporting Initiative (GRI), uma instituição global independente e sem fins lucrativos, responsável pela criação de uma estrutura mundialmente aceita para medir o desempenho sustentável de empresas, repartições públicas, ONGs e outras organizações. Atualmente, mais de 60 países seguem suas diretrizes de desenvolvimento, que já está na fase G4 de evolução. Para estimular o uso da ferramenta no Brasil, a empresa Sete Soluções e Tecnologias Ambientais, em parceria com as empresas GS Ambiental e Fosfato Comunicação, realizou em novembro, em Belo Horizonte,

O WORKSHOP, realizado na capital mineira, levou ao centro do debate os desafios da ferramenta GRI G4 na produção dos relatórios

o workshop “Abordagens e desafios do novo GRI G4”. Com o apoio da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), o seminário foi ministrado pela diretora do GRI Brasil, Glaucia Terreo, e contou com as participações do gerente de Responsabilidade Ambiental e Social da Cemig, Ricardo Prata, do assessor da diretora de Meio Ambiente da Copasa, Márcio Pedrosa, e da analista do Santander Asset Management, Luzia Hirata. “Há muita gente que acha que a finalidade do RS é a pro-

paganda. Não é. A importância dele é a de que as informações e o conhecimento gerado devem retroalimentar a gestão da empresa para que ela amadureça, e tal como o vinho, fique melhor a cada ano. O GRI quer ajudar a organização a fazer isso, não é só uma coleta de informação. O importante é o conhecimento por trás daquilo que você adquire e as reflexões que você faz sobre a sustentabilidade”, afirmou Gláucia.  SAIBA MAIS

www.sete-sta.com.br www.globalreporting.org


Roberto Simões, presidente da Faemg, leitor e anunciante da Viver Brasil há 7 anos.

A revista Viver Brasil está completando 7 anos. Durante esse tempo, muita coisa mudou: a revista se modernizou, trazendo matérias com excelente conteúdo e uma editoração gráfica dinâmica e atual. A forma de distribuição também mudou. Hoje, a revista é distribuída quinzenalmente. Por mês, são 100 mil exemplares distribuídos gratuitamente nas Drogarias Araujo, Estacionamentos Minas Park/Estapar e Supermercados Super Nosso, além de pontos da Rota VB. A única coisa que não muda nunca é o prazer que sentimos de ter você como leitor.

HÁ 7 ANOS ESCREVENDO A HISTÓRIA DE MINAS E DO BRASIL. revistaviverbrasil.com.br


LEONARDO BOFF (*) www.leonardoboff.com

FOTO: ZEPHYR_P

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ALMA PLANETÁRIA

A URGÊNCIA DE UMA

ECOLOGIA INTEGRAL

U

ma das afirmações básicas do novo paradigma científico e civilizatório é o reconhecimento da inter-retro-relação de todos com todos, constituindo a grande rede terrenal e cósmica da realidade. Coerentemente a “Carta da Terra”, um dos documentos fundamentais desta visão das coisas, afirma: “Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados e juntos podemos forjar soluções includentes”. O Papa Francisco, em sua encíclica sobre “O cuidado da Casa Comum”, se associa a esta leitura e sustenta que “pelo fato de que tudo está intimamente relacionado e que os problemas atuais requerem um olhar que leve em conta todos os aspectos da crise mundial” se impõe uma reflexão sobre a ecologia integral, pois só ela dá conta dos problemas da atual situação do mundo. Esta interpretação integral e holística ganha um re-

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forço inestimável dada a autoridade com que se reveste a figura do Papa e a natureza de sua encíclica, dirigida a toda a humanidade e a cada um de seus habitantes. Não se trata mais apenas da relação do desenvolvimento com a natureza, mas do ser humano para com a Terra como um todo e com os bens e serviço naturais, os únicos que podem sustentar as condições físicas, químicas e biológicas da vida e garantir um futuro para a nossa civilização. O tempo é urgente e corre contra nós. Por isso, todos os saberes devem ser ecologizados, vale dizer, postos em relação entre si e orientados para o bem da comunidade de vida. Igualmente todas as tradições espirituais e religiosas são convocadas a despertarem a consciência da humanidade para a sua missão de ser a cuidadora dessa herança sagrada recebida do universo e do Criador que é a Terra viva, a única casa que temos para morar.


"O que se opõe à religião não é o ateísmo ou a negação da divindade, é a incapacidade de ligar-se e religar-se com todas as coisas. Hoje as pessoas estão desenraizadas, desconectadas da Terra.”

Junto com a inteligência intelectual deve vir a inteligência sensível e cordial e mais que tudo a inteligência espiritual, pois é ela que nos relaciona diretamente com o Criador e com o Cristo ressuscitado que estão fermentando dentro da criação, levando-a junto conosco para a sua plenitude em Deus. O Papa cita ainda o comovente final da “Carta da Terra” que resume bem a esperança que deposita em Deus e no empenho dos seres humanos: “Que nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, pela intensificação da luta pela justiça, pela paz e pela alegre celebração da vida”. Uma outra notável contribuição nos vem do conhecido psicanalista Carlos Gustavo Jung (1875-1961), que em sua psicologia analítica deu grande importância à sensibilidade e submeteu a duras críticas o cientifismo moderno. Para ele, a psicologia não possuía fronteiras, entre cosmos e vida, entre biologia e espírito, entre corpo e mente, entre consciente e inconsciente, entre individual e coletivo. A psicologia tinha que ver com a vida em sua totalidade, em sua dimensão racional e irracional, simbólica e virtual, individual e social, terrenal e cósmica e em seus aspectos sombrios e luminosos. Sabia articular todos os saberes disponíveis, descobrindo conexões ocultas que revelavam dimensões surpreendentes da realidade. Conhecido foi o diálogo em 1924-1925 que Jung manteve com um indígena da tribo Pueblo no Novo México (EUA). Este indígena achava que os brancos eram loucos. Jung, então, lhe perguntou o motivo de achar isso. Ao que o indígena respondeu: “Eles dizem que pensam com a cabeça”. “Mas é claro que pensam com a cabeça”, retrucou Jung. “Como vocês pensam?” – arrematou. E o indígena, surpreso, respondeu: “Nós

pensamos aqui” – e apontou para o coração. Esse fato transformou o pensamento de Jung. Entendeu que o homem moderno havia conquistado o mundo com a cabeça, mas que havia perdido a capacidade de pensar e sentir com o coração e de viver através da alma. A mesma crítica fez o Papa quando esteve na ilha italiana de Lampeduza onde centenas de refugiados haviam se afogado. “Desaprendemos a sentir e a chorar.” Logicamente não se trata de abdicar da razão – o que seria uma perda para todos – mas de recusar o estreitamento de sua capacidade de compreender. É preciso considerar o sensível e o cordial como elementos centrais no ato de conhecimento. Eles permitem captar valores e sentidos presentes na profundidade do senso comum. A mente é sempre incorporada, portanto, sempre impregnada de sensibilidade e não apenas cerebrizada. Em suas memórias, diz: “Há tantas coisas que me repletam - as plantas, os animais, as nuvens, o dia, a noite e o eterno presente nos homens. Quanto mais me sinto incerto sobre mim mesmo, mais cresce em mim o sentimento de meu parentesco com o todo”. O drama do homem atual é ter perdido a capacidade de viver um sentimento de pertença, coisa que as religiões sempre garantiam. O que se opõe à religião não é o ateísmo ou a negação da divindade, é a incapacidade de ligar-se e religar-se com todas as coisas. Hoje as pessoas estão desenraizadas, desconectadas da Terra e da anima que é a expressão da sensibilidade e da espiritualidade. Se não resgatarmos hoje a razão sensível que é uma dimensão essencial da alma, dificilmente nos movemos para respeitar o valor intrínseco de cada ser, amar a Mãe Terra com todos os seus ecossistemas e vivermos a compaixão com os sofredores da natureza e da humanidade.  (*) Professor e teólogo. NOV/DEZ DE 2015 | ECOLÓGICO  87


UM ESPAÇO INIGUALÁVEL EM MEIO À NATUREZA COM CONFORTO E REQUINTE

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Nº 35

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FOTO: DIVULGAÇÃO

1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS -ENERGIA EÓLICA USINA DA CEMIG em Diamantina (MG): a capacidade de geração de energia eólica instalada no mundo cresceu 12% apenas em 2013

AO SABOR DO VENTO Limpa e competitiva, a energia eólica é a fonte de geração que mais cresceu no Brasil nos últimos anos. Ventos intensos e constantes, políticas de desoneração tributária e apoio à produção local de equipamentos asseguram tarifas mais baixas para os consumidores Luciana Morais

redacao@revistaecologico.com.br

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ons ventos alimentam e estimulam a expansão de toda a cadeia de produção de energia eólica no Brasil. E já não era sem tempo. Afinal, o país tem um enorme potencial de geração e a necessidade de seguir investindo e diversificando a sua matriz energética, ainda fortemente centrada nas usinas hidrelétricas. Destaque no cenário mundial, o Brasil tem a seu favor uma matriz energética diversificada, que também inclui outras fontes, como a eólica, a biomassa, a térmica e a solar. E no cenário global de incentivo às energias sustentáveis e renováveis, a eólica desponta como um incremento importante, por se tratar de uma fonte limpa e dispo92  ECOLÓGICO | NOV/DEZ DE 2015

nível em diferentes regiões do país. Segundo estimativas de entidades do setor, a capacidade de geração de energia eólica instalada no mundo cresceu 12% apenas em 2013. Saltou de 283 GW para 318 GW, o equivalente a quase 23 vezes a potência instalada da Usina Hidrelétrica de Itaipu, a maior do país e responsável por 17% de toda a energia consumida pelos brasileiros. Em 2014, essa capacidade saltou para 369 GW. A geração de energia elétrica a partir do vento é um processo inteiramente limpo, pois não emite gases poluentes causadores do efeito estufa – em especial o dióxido de

carbono (CO2)–, um dos grandes vilões do aquecimento global. A energia proveniente dos ventos também é ambientalmente correta, porque preserva a fauna e a flora do terreno onde são instalados os parques eólicos, assegurando a manutenção de todas as atividades produtivas, inclusive turísticas, existentes no entorno. CHINA LIDERA Ao contrário de outras fontes de geração, como as termelétricas movidas a carvão mineral, a energia eólica consome um recurso natural renovável, já que o vento é uma fonte inesgotável na natureza. Atualmente, con-


FOTO: MARCOS SANTOS / USP IMAGENS

FOTO: DIVULGAÇÃO

O BRASIL está entre os dez maiores mercados para tecnologia de energia eólica

FIQUE POR DENTRO 1 – Energia eólica é a energia gerada a partir da força dos ventos. A energia cinética do vento é transformada, pelas turbinas, em energia mecânica que, por sua vez, se transforma em energia elétrica. Também chamadas de aerogeradores, as turbinas eólicas são usadas para a geração de eletricidade ou cataventos (e moinhos) para trabalhos mecânicos como bombeamento d’água. 2 – Embora venha sendo pesquisada há mais de meio século, a energia eólica economicamente viável é relativamente nova. Ganhou projeção mundial há pouco mais de 20 anos e teve a Dinamarca e a Alemanha como precursoras. Foram esses dois países que, no início da década de 1990, fizeram grandes esforços em tecnologia, com o objetivo de produzir energia a partir de fontes renováveis e, portanto, de recursos naturais como o vento e o Sol.

forme dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), 86 países têm usinas eólicas comerciais. Até 2005, a Alemanha liderava o ranking de produção de energia por meio do vento, tendo sido ultrapassada pelos Estados Unidos, em 2008. Desde 2010, a China é a maior produtora de energia eólica do planeta. Já a Dinamarca detém a maior participação de fonte eólica em matriz energética nacional: 30%. Até 2020, a expectativa é que a geração eólica atenda 12% da demanda mundial de eletricidade, gerando 1,7 milhão de novos empregos e reduzindo as emissões globais de CO2 em mais de 10 milhões de toneladas/ano. No Brasil, que está entre os 10 maiores mercados para tecnologia de energia eólica, essa fonte de geração representa, atualmente, cerca de 6% da matriz energética. Dados referentes a 2014 indicam

que aproximadamente 5% de toda a energia produzida no país provém do vento, volume suficiente para abastecer cerca 12 milhões de pessoas, o que corresponde a uma cidade do tamanho de São Paulo. PIONEIRISMO EM NORONHA A primeira turbina de geração eólica foi instalada no Brasil em 1992, em Fernando de Noronha, Pernambuco. Uma iniciativa conjunta promovida pelo Grupo de Energia Eólica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pela Companhia Energética de Pernambuco (Celpe), com financiamento do instituto de pesquisas dinamarquês Folkecenter. Na época da instalação, a geração de eletricidade correspondia a cerca de 10% da energia consumida no arquipélago, proporcionando uma economia de aproximadamen-

3 – A primeira turbina eólica comercial ligada à rede elétrica pública foi instalada em 1976, na Dinamarca. Atualmente, há mais de 30 mil turbinas eólicas em operação no mundo.

te 70 mil litros de óleo diesel por ano. A segunda turbina entrou em operação em 2001. Juntas, essas duas turbinas geram atualmente 25% da eletricidade consumida em Noronha, que é considerado o maior sistema híbrido eólio-diesel do Brasil. Minas Gerais também tem seu protagonismo. A Cemig foi a primeira concessionária brasileira a instalar uma usina eólica conectada ao sistema elétrico integrado, em 1994. A Usina Eólio-Elétrica Experimental Morro do Camelinho, localizada no município de Gouveia, no Alto Jequitinhonha, tem quatro geradores eólicos com 250 kW de potência em cada.

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NOV/DEZ DE 2015 | ECOLÓGICO  93


FOTO: FÁBIO MARTINS HAYASHI

1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS -ENERGIA EÓLICA

Segundo dados do "Mapeamento do Potencial Eólico de Minas Gerais", a Serra do Espinhaço (foto acima) é um dos locais mais promissores para implantação de novos empreendimentos de geração eólica

Desde 2009, a Cemig também é sócia em três parques eólicos de propriedade da Energimp S.A.. Localizados no Ceará, eles têm potência total de quase 100 MW e demandaram R$ 213 milhões em investimentos. Com esse negócio, a Cemig passou a ter participação nas seguintes empresas: Central Eólica Praias de Parajuru (28,8 MW), no município de Beberibe (a 110 km de Fortaleza); Central Eólica Praia do Morgado (28,8 MW) e Central Eólica Volta do Rio (42,0 MW), ambas no município de Acaraú, a 250 km de Fortaleza. A empresa Renova, braço da Cemig para investimentos em energias renováveis, é responsável pela operação do maior parque eólico

da América Latina: Alto Sertão I, no interior da Bahia. Além da energia eólica, opera pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e, no leilão de energia fotovoltaica realizado pelo governo federal em agosto passado, a empresa viabilizou, em conjunto com a SunEdison, a implantação de dois parques solares com capacidade de 60 MW e início de comercialização previsto para agosto de 2017. Segundo dados do “Mapeamento do Potencial Eólico de Minas Gerais”, um dos locais mais promissores para a implantação de novos empreendimentos de geração eólica é a Serra do Espinhaço, em áreas que se estendem desde a região do Norte de Minas até o Sul da Bahia. PANORAMA BRASIL O SETOR EM NÚMEROS Usinas instaladas: 316 Capacidade instalada (GW): 7,96 Volume total de emissões de CO2 (T/ano) evitadas: 14.106.625 (*) (*) A emissão de CO2 evitada corresponde à emissão anual equivalente de oito milhões de automóveis, conforme dados da Cetesb/SP.

94  ECOLÓGICO | NOV/DEZ DE 2015


FOTO: FÁBIO MARTINS HAYASHI

FIQUE POR DENTRO l As fontes renováveis serão as grandes responsáveis pelo aumento da capacidade energética global até 2020. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), elas responderão por dois terços de todo o aumento previsto para esse período. A expectativa é que, nos próximos cinco anos, as fontes renováveis acrescentem ao sistema cerca de 700 gigawatts (GW), o equivalente a mais que o dobro da atual capacidade energética do Japão. l Ainda de acordo com a IEA mais da metade desse aumento não virá das hidrelétricas, mas sim de parques eólicos (que aproveitam a força dos ventos para gerar eletricidade) e de usinas fotovoltaicas (que usam a luz do Sol). l A partir de 2009, a fonte eólica entrou definitivamente na matriz elétrica brasileira e no mapa da indústria mundial, com a energia eólica sendo negociada em leilões de forma crescente e a preços bastante competitivos. l O Brasil apresenta situação privilegiada em termos de utilização de fontes renováveis de energia. Cerca de 44% da Oferta Interna de Energia (OIE) é renovável, enquanto a média mundial é de 14% e, nos países desenvolvidos, de apenas 6%. l O Rio Grande do Norte detém a maior matriz estadual de geração eólica nacional: 45%. São

diversos os complexos no estado, entre eles Alegria, Santa Clara-Eurus, Renascença, Asa Branca, Morro dos Ventos, Riachão e União dos Ventos, todos com capacidade agregada acima de 100 MW. l Estima-se que até 2019 o RN tenha energia eólica equivalente a países como Portugal e Dinamarca, com o número de aerogeradores saltando de mil para mais de dois mil. l Outros estados que também apresentam forte potencial de geração eólica são: Ceará, Bahia, Rio Grande do Sul, Maranhão, Pernambuco e Piauí. l O complexo eólico Alto Sertão I, na Bahia, é o maior do gênero na América Latina, com capacidade instalada de 294 MW. Também merece destaque o complexo eólico de Geribatu (RS), com 258 MW de capacidade de geração. l Nos próximos quatro anos, o mercado eólico brasileiro deve receber investimentos de R$ 55 bilhões, segundo dados da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica). l Um dos grandes suportes à geração de energia limpa no Brasil foi a criação do “Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica” (Proinfa), em 2004, abrindo caminho para a geração eólica e também para projetos de biomassa e pequenas centrais hidrelétricas.

Energia Térmica:

Energia Solar:

energia produzida por meio do aproveitamento da luz do Sol. Há dois aproveitamentos - o térmico e o fotovoltaico. No térmico, a luz do Sol é usada apenas como fonte de calor para sistemas de aquecimento. No fotovoltaico, a luz do Sol se transforma em energia elétrica.

KiloWatt (kW):

unidade de potência. Um kW é resultado da combustão representa 1.000 watts. O de diversos materiais, como consumo de energia elétrica é carvão, petróleo e gás natural. representado pelo número de Pode ser convertida em kW gastos em um período de 1 energia mecânica por meio hora (kWh). Já o megaWatt (MW) de equipamentos como a equivale a um milhão de watts; máquina a vapor, motores gigaWatt (GW), um bilhão de de combustão ou Watts, e teraWatt (TW), um turbinas a gás. trilhão de Watts. Energia Hidrelétrica: energia elétrica produzida pelo aproveitamento do potencial hidráulico de um rio. A água gira a turbina, FONTES/PESQUISA transformando energia BIBLIOGRÁFICA hidráulica em energia Associação Brasileira de Energia mecânica que, por sua vez, Eólica (ABEEólica) /Agência Nacional de Energia Elétrica se transforma em (Aneel) / Cemig / Centro de energia elétrica. Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne) / WWF Brasil.

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1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS -ENERGIA EÓLICA TRÊS PERGUNTAS PARA...

ELBIA GANNOUM

Presidente-executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica)

LIMPA E ECONÔMICA A energia eólica ganhou projeção nacional a partir de 2009. Hoje, ela é a segunda fonte mais competitiva e também a mais contratada. Quais são as perspectivas do aumento do potencial de geração no país e quais as regiões mais promissoras? As perspectivas permanecem positivas e a curva de potência eólica que representa seu crescimento se mantém acelerada. Para além dessa percepção do setor, há uma sinalização de investimento do governo que demostra a intenção de contratar fontes renováveis e atingir metas globais de produção de energia limpa e renovável. Como exemplo, cito as mais recentes declarações da presidente Dilma Rousseff sobre o tema, uma delas na Organização das Nações Unidas (ONU) e outra em acordo conjunto com os EUA. Em 2019, considerando toda a potência eólica já contratada, a capacidade instalada alcançará mais de 18 GW. As regiões contempladas com essa energia permanecem concentradas no Rio Grande do Norte, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul e Piauí, estados com maior número de projetos. O Brasil é o décimo colocado no ranking mundial de parques eólicos instalados. Acredita que o país alcançará melhores posições nos próximos anos? Que desafios são esperados? Com certeza avançaremos ainda mais. O Brasil tem potencial ímpar e deve alcançar colocação entre os cinco maiores do mundo em breve. Por ser uma indústria de energia ainda “nascente”, apesar de toda a sua expansão, ainda há uma série de fatores desafiadores, que são gargalos naturais de um setor de infraestrutura nessas condições de virtuoso e acelerado crescimento. A logística de transportes de equipamentos merece destaque, bem como a necessidade de expansão da malha de transmissão. Além disso, com a conjuntura de aperto fiscal, as condições de financiamento têm se tornado uma incerteza para a indústria eólica, uma vez 96  ECOLÓGICO | NOV/DEZ DE 2015

que não estão claros os sinais da participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – principal instituição financiadora com taxas altamente competitivas – nos financiamentos dos projetos eólicos. Do ponto de vista socioeconômico, a geração de empregos e renda em regiões carentes se configura como um bônus extra da produção eólica. E do ponto de vista ambiental, que vantagens destaca? As usinas eólicas mudaram, de fato, a vida da população que mora no entorno dos parques eólicos. O desenvolvimento das usinas trouxe renda, gerou empregos e fez crescer a economia local. Esses ganhos são, sem dúvida, muito expressivos para o Brasil e motivo de orgulho para o setor eólico. Objetivamente para o meio físico, a instalação dos parques eólicos contribui em grande medida para a regularização das terras arrendadas para a implantação das usinas e para a pesquisa e preservação de espécies da fauna e flora locais. A gestão e a manutenção das áreas de reserva ambiental contribuem ainda mais para a preservação dos biomas nos quais os parques estão inseridos. Ainda do ponto de vista social, vale destacar a preservação dos patrimônios arqueológicos e culturais. Quanto à operação das usinas eólicas, é importante ressaltar que elas não emitem gases de efeito estufa, o que representa um ganho considerável nos esforços de combate às mudanças climáticas. 

Nós apoiamos esta iniciativa!


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07/10/2015 16:11:46


1 VOCÊ SABIA?

Codinome fofura Cristiane Mendonça

redacao@revistaecologico.com.br

Gordinhos, vagarosos e com cara de ursinho de pelúcia. Como não se apaixonar pela figura dos ursos-panda? Ele é um dos animais mais reconhecíveis do mundo, graças a sua pelagem branca com manchas negras espalhadas pelo corpo. E chama a atenção não apenas pela aparência dócil, mas por figurar na lista de animais seriamente ameaçados de extinção. Confira, a seguir, algumas curiosidades da espécie:

AMEAÇADOS

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Cinquenta por cento da população de pandas foi reduzida entre o começo das décadas de 1970 e final dos anos 1990. As últimas pesquisas revelam que, na China, existem aproximadamente 1.600 exemplares remanescentes na natureza, segundo informação divulgada pela ONG WWF, cujo símbolo é um desenho do animal. Por isso, existem atualmente diversas iniciativas de criação e reprodução das espécies em cativeiro, considerando sempre as dificuldades de reprodução do bicho.

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FOTO: DIVULGAÇÃO / CHENGDU RESEARCH BASE OF GIANT PANDA BREEDING

REPRODUÇÃO VIDA SEXUAL

Encontrados nas florestas de clima frio e úmido da China, os ursos-panda ou pandas-gigantes (Ailuropoda melanoleuca) são animais de difícil reprodução. O período fértil das fêmeas se dá apenas por dois ou três dias por ano e cada gestação dura entre quatro ou cinco meses. Embora, a fêmea possa dar à luz a dois filhotes, geralmente apenas um sobrevive. Características que somadas à perda de hábitat fazem com que o animal esteja seriamente ameaçado de extinção.

Não é por falta de praticar que os pandas não se reproduzem com facilidade! Cientistas já relataram que o momento da cópula pode envolver uma fêmea, com dois ou mais machos, simultaneamente. Pesquisadores também já registraram um macho panda fazendo sexo pelo menos 48 vezes, sendo um ato a cada três minutos. Haja fôlego!

ALIMENTAÇÃO

Mas se por um lado a vida sexual é agitada, na hora de alimentar, esses ursos são bem menos criativos! Apesar de possuírem um sistema digestivo e genético semelhante ao dos carnívoros, os pandas se alimentam basicamente de bambu. Um estudo feito pela Universidade de Michigan, nos EUA, em 2010, e divulgado na revista New Scientist, dá uma pista. Segundo os pesquisadores, a causa é genética: eles teriam uma versão inativa do gene Tas1r1, que permite identificar o sabor umami, próprio das carnes. Entretanto, nem sempre foi assim! A pesquisa também aponta que o gene parou de "funcionar" há aproximadamente 4,2 milhões de anos. O que significa que eles já foram carnívoros, mas que provavelmente trocaram a carne por folhas, devido a mudanças ambientais que levaram suas presas à extinção.

POUPANDO AS ENERGIAS

Essa dieta verde também implica em algumas diferenças comparadas a outros animais da espécie. O panda-gigante consome, em média, de nove a 14 quilos de bambu por dia, mas, devido à pouca absorção de nutrientes, característica de seu sistema digestivo ineficiente, ele precisa passar a maior parte do dia comendo e se exercitando pouco. Fato que não impede que um urso macho pese, em média, 150 kg na vida adulta. Os pandas também não hibernam, pois não têm tocas permanentes, ficando em árvores ocas ou fendas de rochas.

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1 O

NATUREZA MEDICINAL

MARCOS GUIÃO (*) redacao@revistaecologico.com.br

MACAÚBA

dia já ia quase findo, quando Chico da Mata e eu demos início à descida pra parte mais baixa daquelas terras. Não sei se derivado do sol, bem de topo nas vistas do animal, a égua baia que eu tava montado deu um escorregão e por um tiquim não me estatelei no chão pedregoso daquelas paragens. Daí em diante não tive mais paz, pois o animal deu de fastar sem motivo, negaceando e balançando a cabeça prum lado e outro. Descemos dos animais e não demorou pra perceber que o olho da égua tava avariado e Chico ponderou: “Deve de sê decorrido do trupicão”. Lá naquelas grimpas, onde se podia achar recursos para tamanha precisão? Mas eu tava com o Chico e aí tudo é possível. Pois ele saiu de banda depois de amarrar seu cavalo e desceu um descampado modesto logo à frente. Enquanto eu tava de tratos pra acalmar o animal, alisando e sussurrando baixinho em seu ouvido, Chico já deu retorno com as mãos cheias de coco macaúba (Acrocomia aculeata). Imediatamente retirou a casca fina que recobre o fruto, raspou da melhor maneira possível a polpa amarelada e deu na castanha. Caçou um pedra chata e maior, onde depositou o fruto depois de se ajoelhar ao lado. Decidido, bateu forte com outra pedra por riba da castanha e depois de raspar a amêndoa lá de dentro, enfiou tudo na boca e ficou mascando aquele chiclete. Eu tava chateado com o acidente, mas de olho no fazer de Chico, que foi se arranjando com tudo aquilo sem

dizer uma palavra sequer. De repente, ele se aproximou da égua, tirou da boca o tal chicletes e jogou diretamente no olho ofendido do animal. Ela deu sentido de que tava doendo, incomodando, mas aguentou. Daí pra frente eu é que num me aguentei e berrei com ele: - “Que diabos é isso que você fez?” - “Só pus um remédio no zói dela pra sarar... Vão bora?” Dizendo isso, já foi montando e saindo. Ainda dei-lhe uma saraivada de perguntas, que foram respondidas vagamente, mas a égua tava mais calma e não demorou muitos dias pra que ela se curasse completamente. Até hoje, quando me lembro do fato, ainda me espanto com o tratamento. Quando vim de muda pro sertão, vi que as quitandeiras daqui utilizam o óleo retirado da castanha da macaúba no preparo de biscoitos, frituras e bolinhos deliciosos. Da massa amarela que recobre o fruto é obtido um óleo mais denso que, antigamente, dele se fazia sabão pra lavar roupa e panela, além de se servir de combustível pra a lamparina alumiar as casas. Essa palmeira nativa do Brasil tem o tronco recoberto de “espinho venenoso”, no dizer de Chico, que são duros e resistentes e já foram utilizados como alfinetes e agulhas no trabalho das rendeiras. Hoje em dia, o macaúba tem sido objeto de pesquisa e incentivo para aproveitamento racional de seus recursos, já que é espontâneo e não demanda maiores tratos culturais. Inté a próxima lua!  (*) Jornalista e consultor

FOTO: MARCOS GUIÃO

em plantas medicinais.

MACAÚBA (Acrocomia aculeata)


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MEMÓRIA ILUMINADA - GILBERTO GIL

A REFESTANÇA

POÉTICA DE GIL

Da Bahia para o mundo, a ecologia humana, política e natural do ícone da música popular brasileira que completa 50 anos de carreira em 2015 Luciano Lopes

redacao@revistaecologico.com.br

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FOTO: JORGE BISPO

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FOTO: ALFEU TRANCOSO

“Ingressei na luta [ambiental] nessaalgumas luta por “Ingressei entender, como [ambiental] entender, pessoas,por a exemplo docomo algumas pessoas, exemplo Alfredo Sirkisa(foto), a do Alfredo Sirkis, a de necessidade necessidade colocar a de colocar a conservação conservação hídricahídrica no nocentro centrodododebate.” debate.”

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ão leio música. Não entendo de melodias, notas, compassos, graves e agudos. A minha leitura, nesse caso, só pode ser feita por meio do sentimento. É como consigo me identificar com as canções: a letra que reflete o que acredito, que materializa sonhos em palavras, que reverbera e resgata memórias em estrofes e coros. Ouvir Gilberto Gil traz tudo isso: faz o povo ir avante neste mundo em que sentir parece ser pecado, que lutar pela indiferença chega a ser crime. Sua música ajuda a nos reconectar com as raízes da natureza, do que vivemos e somos. Leva ao exílio de nossas impurezas emocionais, repensando um novo tempo que podemos, a todo momento, construir, dentro e fora da gente, mais e mais amor. Descobri a genialidade musical de Gil muito tarde. Entretanto, conforto-me com o tempo, que vem curando meus sacrilégios perante a música brasileira. Gil nasceu em Salvador, a esplendorosa capital baiana, em 1942. Jovem, viveu a efervescência tropicalista, abraçou o misticismo, sofreu com a ditadura militar. Mas ele veio da Bahia – o grande berço do Brasil – e transmutou a música em um instrumento de divergência e luta política. Gil é um sobrevivente. Seguiu vida adentro como um furacão. Sempre carregando leveza no olhar, no tocar sereno do violão. É um reduto de sabedoria natural e humana.

Amou Betinha e Sandra. Ama Flora. Pai de oito, fez brotar Nara, Marília, Pedro (morto na carne, mas vivo em espírito), Preta, Maria, Bem, Isabela e José. Virou doce bárbaro, mas o guerreiro de outrora sempre esteve lá. Gilberto, bem de perto, dita comportamento – é um espírito inconformado, como o amigo Caetano Veloso. Viveu a era dos festivais e sobreviveu a elas. E tem, como ninguém, a convicção cultural de que a música é o grito mais nobre pela liberdade, o protesto mais quente, porque essa é a sua verdade. Gil anda com fé, é filho de Xangô. É o dendê da música popular. Leva o Brasil para frente. “Eu soube que a música era minha linguagem. Que ela ia me levar a conhecer o mundo. Porque eu achava que tinha a música da terra e a música do céu”, dizia ele, que vendeu cinco milhões de discos e ganhou nove prêmios Grammy. Atualmente, segue em turnê com o também baiano Caetano para comemorar as cinco décadas de carreira, parceria e amizade na música. Gil tem uma longa história com a questão ambiental. No fim da década de 1980, fundou a ONG Onda Azul, hoje Instituto OndAzul, dedicada à defesa do meio ambiente e à promoção do desenvolvimento sustentável. E que trabalha a ecologia urbana, a recuperação de áreas degradadas, águas e mudanças climáticas como temas prioritários.

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MEMÓRIA ILUMINADA - GILBERTO GIL

l GERAÇÃO “Minha geração fez o que pôde na medida do que compreendia ser necessário. Essa geração de agora vai ter que lidar com novas questões. Minha geração fazia uso da sexualidade para descobertas, hoje se faz uso excessivo disso. A gente queria quebrar as barreiras da sexualidade, hoje querem reconstituir tais barreiras que sumiram por completo.” l BAHIA “A Bahia sempre foi a segunda terra de todo mundo. Se a Bahia ficar legal, é sinal de que o resto vai ficar.”

FOTO: MARCELLO CASAL JR / ABR

l EGO “Trago o meu ego na coleira. Por isso o mundo não se sente incomodado comigo.”

l EXPERIÊNCIA COMO MINISTRO “Aquilo serviu para me conscientizar de que não tenho talento para a política. Meu perfil é nãogovernamental. A política é uma arte marcial. As artes marciais implicam a existência de um inimigo, de um adversário que você tem de derrotar. E eu não dou para isso.” 104  ECOLÓGICO | NOV/DEZ DE 2015

FOTO: PAULO DE ARAUJO

O músico também foi uma das vozes contrárias ao novo Código Florestal. “Ele sinaliza para uma coisa atrasada”, afirmou, antes da aprovação da lei em 2012. Em homenagem às cinco décadas de carreira de Gilberto Passos Gil Moreira, rebento de luz e primogênito de seu José Gil e dona Claudina, elencamos alguns de seus pensamentos e trechos de canções e entrevistas. Uma tarefa difícil, mas intensamente saborosa, “re-conhecer” alguém que representa tão bem o nosso país por meio da arte. É esse o convite que a Ecológico faz agora. Confira:

l CULTURAS “As culturas são como rios, como disse o antropólogo Marshall Sahlins, pois não se pode mergulhar duas vezes nas mesmas águas, porque elas estão sempre mudando. Então, culturas se criam, alteram-se e se resignificam, ou seja, se reinventam. E quanto maior for o grau de partilha, mais democrática, criativa e tolerante será nossa sociedade.” “A cultura digital é a cultura que trabalha com a plena criatividade. Não está limitada ao ideal romântico de originalidade exclusiva, espalhase pela ideia de recombinação, de remixagem, de fusão, de derivação, de destruição de todos os entraves à criação, de obra contínua, ilimitada, fundamentalmente aberta. Trata da novidade e da reconfiguração. Cultiva a colaboração e o compartilhamento tal como o antigo ideal científico.” l LEITURA “Tempo de ler é tempo de ser. É tempo de transformar, de amadurecer, de crescer, de conhecer e desconhecer para a compreensão da vida, ler é beber da fonte


“Que contradição/ só a guerra faz/ nosso amor em paz.”

da eterna inquietude, é a plenitude do silêncio e a amplidão do olhar. Toda leitura é culturalmente sagrada e socialmente transformadora.” l MAR “Na terra em que o mar não bate/ não bate o meu coração/ o mar onde o céu flutua/ onde morre o sol e a lua/ e acaba o caminho do chão./ Nasci numa onda verde/ na espuma me batizei/ vim trazido numa rede/ na areia me enterrarei.” l IDEOLOGIA “O que existe é uma fragmentação dos engajamentos, dos interesses de lutas. É assim que se caracteriza a sociedade de hoje. É a micromanifestação de particularidades variadas do ponto de vista de perfis ideológicos e lutas políticas que provocam isso.” l PAZ “A paz/invadiu o meu coração./De repente, me encheu de paz/ como se o vento de um tufão/ arrancasse meus pés do chão/ onde eu já não me enterro mais.”

l AMOR “Amor é tudo que move.” “Quem poderá fazer aquele amor morrer se o amor é como um grão? Morre, nasce trigo. Vive, morre pão.”  l AFETO “Não se impaciente. O que a gente sente, sente, ainda não se tente afetará. O afeto é fogo e o modo do fogo é quente. E, de repente, a gente queimará.” l PRISÃO “No momento em que fui preso, senti o alívio de saber que a minha paranoia não era absurda. Eu não estava doido. A prisão era inaceitável de qualquer ponto de vista, mas do existencial... Foi ali que encontrei a ioga, a macrobiótica, a visão ascética da vida como complementações do ser. É claro que houve o choque inicial, todas as privações que a prisão representa. Mas, quando absorvi esse choque, entendi que aquilo tinha acontecido por causa do que a gente tinha vivido antes. Então a alma se liberou pra buscar a levitação, o voo mais alto.” l TROPICALISMO “A interrupção brusca do Tropicalismo é o que consolida a ruptura que ele desejou fazer na música e na arte brasileira.” “O Tropicalismo mudou a história. Se ele não tivesse existido, a história cultural do Brasil seria outra. Prefiro ver assim, como uma influência geral. Uma atmosfera, que é o ar para as novas gerações respirarem. O Tropicalismo hoje está nos pulmões, na

FOTO: DIVULGAÇÃO

“A instituição do meio ambiente no Brasil precisa ser fortalecida. É a mesma questão da cultura: o Ministério do Meio Ambiente (MMA) ainda não está à altura, não tem orçamento, quadros, prestígio ou espaço no gabinete da Presidência, do jeito que deveria ter.”

l ÁGUA “Nos anos 80, os assuntos comuns, quando se tratava do meio ambiente, eram a preservação das florestas e os riscos de extinção de espécies. A preocupação com a água era menor. Ingressei nessa luta por entender, como algumas pessoas, a exemplo do Alfredo Sirkis, a necessidade de colocar a conservação hídrica no centro do debate. E como algo importante para a preservação da vida e do planeta.”

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MEMÓRIA ILUMINADA - GILBERTO GIL

Refazenda

FOTO: M CLARA SALVIANO

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“Abacateiro, acataremos teu ato Nós também somos do mato, como o pato e o leão. Aguardaremos, brincaremos no regato, até que nos tragam frutos teu amor, teu coração. Abacateiro, teu recolhimento é justamente o significado da palavra temporão. Enquanto o tempo não trouxer teu abacate amanhecerá tomate e anoitecerá mamão. Abacateiro, sabes ao que estou me referindo, porque todo tamarindo tem o seu agosto azedo. Cedo, antes que o janeiro doce manga venha ser também, abacateiro, serás meu parceiro solitário nesse itinerário da leveza pelo ar. Abacateiro, saiba que na refazenda tu me ensina a fazer renda, que eu te ensino a namorar. Refazendo tudo, refazenda, refazenda toda guariroba.”

corrente sanguínea da criação artística do Brasil. Tudo o que enfatiza o sentido democrático da convivência dos diversos modos de manifestação cultural e tem o impulso de aventura é tropicalista.” l DESINTERESSE “Eu quis cantar/ minha canção iluminada de sol/ soltei os panos sobre os mastros no ar. / Soltei os tigres e os leões nos quintais/ mas as pessoas na sala de jantar/ são ocupadas em nascer e em morrer.” l SONHOS “Se os frutos produzidos pela Terra/ ainda não são tão doces e polpudos quanto as peras da tua ilusão/ amarra o teu arado a uma estrela./ E os tempos darão safras e safras de sonhos/ quilos e quilos de amor/ noutros planetas risonhos/outras espécies de dor.”

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l VELHICE “O maior desafio trazido pela idade é a manutenção de uma condição plenamente saudável do corpo. O envelhecimento natural vem e você não tem o que fazer. Ainda assim, me sinto como um homem recém-saído da adolescência, entrando na fase adulta, com os primeiros sinais dessa postura mais séria, mas ainda com muitos elementos da vida fácil da infância.” 

Fontes: Site oficial (www.gilbertogil.com.br)/ Revista Quem/ IstoÉ Gente/Sem Censura-TV Brasil/Estadão/Blog Meio Ambiente – por Jailson da Paz/Site Tropicália/Músicas: “Panis Et Circenses”; “Amarra Teu Arado a Uma Estrela”; “Realce”; “Drão”; “A Paz”; “Mar de Copacabana”; “Beira-mar”.


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POR MARIANA E PELOS MINEIROS, A ASSEMBLEIA ESTÁ FAZENDO MUITO MAIS DO QUE LEIS. A Assembleia de Minas está acompanhando de perto a situação das famílias atingidas pela tragédia em Bento Rodrigues e distritos vizinhos. Além da tramitação de vários projetos de lei para aumentar a prevenção de acidentes em barragens e garantir assistência às vítimas, os parlamentares criaram a Comissão Extraordinária das Barragens, retomaram a Comissão Interestadual Parlamentar de Estudos para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio Doce, visitaram as áreas atingidas, realizaram debates sobre o tema nas Comissões Permanentes e estão realizando uma campanha de doações, através do programa Assembleia Solidária.

CONHEÇA TODAS AS AÇÕES NO PORTAL ALMG.GOV.BR


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