Revista Ecológico - Edição 105

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ANO 10 - NO 105 - 1O DE MARÇO DE 2018 - R$ 12,50

EDIÇÃO: TODA LUA CHEIA


UM FILME DA CONSERV AÇ

“Eles vão começar a fa zer como fazem por tod

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anaturezaesta fal AFA-18369-03 CONSERVAÇÃO 404x275_Rev Eco.indd 2


RV AÇÃO INTERNACIONAL

a fa zer guerras por mim, por todo o resto?”

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AGUA

sta falando.org.br 10/14/15 10:19 AM


EXPEDIENTE

FOTO: LEONARDO MERÇON

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Japacanim Donacobius atricapilla

Em toda lua cheia, uma publicação dedicada à memória de Hugo Werneck

DIRETOR-GERAL E EDITOR Hiram Firmino hiram@souecologico.com

REPORTAGEM Fernanda Mann e Luciana Morais

ASSINATURA Ana Paula Borges anapaula@souecologico.com

DIRETORA DE GESTÃO Eloah Rodrigues eloah@souecologico.com

MÍDIAS DIGITAIS Bruno Frade

IMPRESSÃO Log & Print Gráfica e Logística S/A

EDITORIA DE ARTE André Firmino

PROJETO GRÁFICO-EDITORIAL Ecológico Comunicação em Meio Ambiente Ltda.

EDITOR-EXECUTIVO Luciano Lopes luciano@souecologico.com DIRETOR DE ARTE Sanakan Firmino sanakan@souecologico.com CONSELHO EDITORIAL Fernando Gabeira, José Cláudio Junqueira, José Fernando Coura, Maria Dalce Ricas, Mario Mantovani, Nestor Sant'Anna, Patrícia Boson, Paulo Maciel, Ronaldo Gusmão e Sérgio Myssior CONSELHO CONSULTIVO Angelo Machado, Célio Valle, Evandro Xavier, Fabio Feldmann, José Carlos Carvalho, Roberto Messias Franco, Vitor Feitosa e Willer Pos

COLUNISTAS (*) Marcos Guião, Maria Dalce Ricas e Roberto Souza REVISÃO Gustavo Abreu

REDAÇÃO Rua Dr. Jacques Luciano, 276 Sagrada Família - Belo Horizonte - MG CEP 31030-320 Tel.: (31) 3481-7755 redacao@revistaecologico.com.br

CAPA Foto: Pablo Davi Kirchheim Arte: Sanakan

EDIÇÃO DIGITAL www.revistaecologico.com.br

DEPARTAMENTO COMERCIAL Sarah Caldeira sarah@souecologico.com

(*) Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não expressam necessariamente a opinião da revista.

MARKETING Janaína De Simone janaina@souecologico.com

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Cemig. Energia que gera mais oportunidades para todos.

Neste exato momento, tem alguém utilizando a energia da Cemig no campo, na cidade, na indústria, a favor do meio ambiente e nas ações sociais da empresa, em cada canto de Minas Gerais. É com essa mesma energia que a Cemig está preparada para reduzir as desigualdades sociais e regionais por meio de programas como Eletrificação Rural, Energia Cidadã e Tarifa Social. Em cada investimento em novas tecnologias, em cada ação cidadã, a Cemig está trabalhando para construir o presente com os olhos no futuro da nossa gente.

• Em 2 anos, energia fornecida para 40 mil novas famílias na área rural • R$ 600 milhões investidos no uso racional da energia • 110 mil famílias beneficiadas pelo programa Energia Cidadã • Até 65% de desconto para consumidores de baixa renda pela Tarifa Social • 100% de desconto na tarifa para indígenas e quilombolas

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ÍNDICE

CAPA

SÉRIE ESPECIAL "O VIÉS MÉDICO NA LITERATURA DE GUIMÃRAES ROSA" MOSTRA A ECOLOGIA HUMANA DE UM DOS MAIORES ESCRITORES DE MINAS GERAIS.

Pág.

33 20 PÁGINAS VERDES MARCUS POLIGNANO FALA À ECOLÓGICO SOBRE CRISE HÍDRICA E A REVITALIZAÇÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO DAS VELHAS

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ECOLÓGICO NAS ESCOLAS VEJA POR QUE O BRASIL É O CAMPEÃO MUNDIAL EM INCIDÊNCIA DE RAIOS. POLUIÇÃO DO AR DEIXA CIDADES MAIS SUSCETÍVEIS ÀS DESCARGAS ELÉTRICAS

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

IMAGENS FEITAS PELO FOTÓGRAFO BRUNO MAIA INCENTIVAM O CUIDADO COM A ÁGUA, OS ANIMAIS E AS FLORESTAS

E mais... CARTAS DOS LEITORES 10 CARTA DO EDITOR 12 ECONECTADO 14 GENTE ECOLÓGICA 16 SOU ECOLÓGICO 18 AS ÁREAS PROTEGIDAS DO MINAS-RIO (4) 24 SUSTENTABILIDADE 32 ENCARTE ESPECIAL FIEMG (9) 43 MUNDO VASTO 54 MEMÓRIA ILUMINADA 62


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1 IMAGEM DO MÊS

LUIZA BRUNET posa com a estátua de Carlos Drummond de Andrade, na orla de Copacabana, para festejar a volta do JB: "O jornal é a cara do Rio"

FOTO: REPRODUÇÃO

A VOLTA DO GIGANTE? Depois de oito anos apenas em sua versão digital, o JORNAL DO BRASIL, um dos mais prestigiados veículos de comunicação da história nacional, voltou a ser impresso. Sua distribuição diária às bancas foi retomada no dia 25 de fevereiro, em pleno domingo, dia da semana em que batia recordes de venda. Com quatro cadernos, a edição mostrou em sua matéria de capa um futuro positivo para a Cidade Maravilhosa, que hoje enfrenta graves problemas de violência. Resultado: por volta das 11h da manhã, todos os exemplares distribuídos nas bancas da cidade foram vendidos, provando que o jornal ainda está presente na memória afetiva dos cariocas. A Revista Ecológico também fez parte dessa história. Antes de sair em “carreira solo” em novembro de 2008, durante nove anos ela foi encartada nas edições de lua cheia do jornal impresso. Nesse período, mais de 12 milhões de exemplares da então “JB Ecológico” foram distribuídos no país. Recorde abaixo algumas capas marcantes, feitas de Minas para o Brasil. Bons e ecológicos tempos!


VOCÊ JÁ FOI ENGANADO POR UM CONTEÚDO FALSO? REVISTAS

Eu acredito!

Os jovens estão preocupados em buscar informações confiáveis, revela a pesquisa Trust in News, realizada em 2017 pelo Kantar Ibope Media. E 72% dos entrevistados confiam mais em revistas que em outras mídias. As revistas impressas, online, no celular ou em vídeo, fornecem conteúdo relevante, investigativo e em um ambiente seguro. AssociAção NAcioNAl de editores de revistAs #revistAeuAcredito i www.ANer.org.br

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CARTAS DOS LEITORES

Por motivo de clareza ou espaço, as cartas poderão ser editadas.

ele tenta de novo, com uma nova história.” Tiago Seddig, via Facebook l ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - “O CICLO INFINITO DO VIDRO” Vidro pode ser infinitamente reciclado sem perder suas características físicas e químicas

“Uma pena que pouquíssimas empresas hoje trabalham com vidros para reciclagem.” Myoshi Cat, via Facebook “A matéria sobre reciclagem de vidros está completa e informativa. Preparei uma aula para meus alunos, usando as informações. Destaquei principalmente o link dos Locais de Entrega Voluntária (LEVs) existentes em BH, para descarte de materiais recicláveis. Muito legal.” Maria Cecília Prates, por e-mail

l ESTADO DE ALERTA - “LIÇÃO NÃO APRENDIDA” A colunista Maria Dalce Ricas fala sobre a degradação ainda visível provocada pela lama que desceu da Barragem de Fundão, em Mariana (MG)

“Aqui em Governador Valadares, a água do Rio Doce continua contaminada. E continuará por décadas!” André Leandro Sucupira, via Facebook “E até hoje os responsáveis nem sequer pagaram uma única multa aplicada. É uma piada essa Justiça brasileira. Aliás não pode ser chamada de “Justiça”, porque o significado da palavra se contradiz com a zona, a palhaçada que é o Brasil.” Benedito Júnior, via Facebook “Há várias lições não aprendidas, e isso vai muito além do que aconteceu em Mariana e no Rio Doce. E as outras bacias hidrográficas, como a do São Francisco, que igualmente sofre com esgoto e degradação de suas margens?” Giovana Ribeiro, via e-mail l MUDANÇAS CLIMÁTICAS - SEJA INCONVENIENTE (2) A segunda parte do novo documentário de Al Gore sobre as mudanças climáticas e a importância da energia limpa

“A primeira vez não rolou. Nada do que Al Gore ‘previu’ no primeiro filme aconteceu. Então agora 10  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2018

l ECOLOGIA INTERIOR – “O TERAPEUTA D’ALMA” “Eu faço massagem reikiana e tântrica para modular meu humor. É um espetáculo!” Mônica Mendes, via Google+ l ESTANTE VERDE “Olá pessoal da Redação! Gosto muito da seção 'Estante Verde' e adorei a dica do livro 'Oração de São Francisco - Turma da Mônica', da Editora Ave Maria. Já comprei para os meus filhos." Joanna Dorneles, por e-mail EU LEIO “Pensar no amanhã é importante para todos nós, principalmente na esfera empresarial. Como homens e mulheres ligados aos negócios, precisamos adotar uma atitude ecologicamente humana de cuidarmos dos funcionários, familiares, clientes e da natureza. Com a Revista Ecológico é possível compreender as condições atuais do meio ambiente e aperfeiçoar o compromisso com a sustentabilidade garantindo um futuro melhor para todos.” FOTO: DIVULGAÇÃO

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FA L E C O N O S C O

Envie sua sugestão, opinião ou crítica para cartas@revistaecologico.com.br

Sérgio Frade, presidente da Solutions Gestão de Seguros e da ADCE - Associação dos Dirigentes cristãos de Empresas de MG


VOCÊ ACREDITA EM TUDO O QUE LÊ? REVIsTAs

Eu acredito!

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As pessoas estão confusas por receberem grande quantidade de notícias falsas. Sejam impressas, online, no celular ou em vídeo, as informações divulgadas pelas revistas são reais e baseadas em pesquisa e investigação jornalística. Leitores de revistas são mais envolvidos e propensos a recomendar suas matérias nas redes sociais. AssociAção NAcioNAl de editores de revistAs #revistAeuAcredito i www.ANer.org.br

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CARTA DO EDITOR

HIRAM FIRMINO | hiram@souecologico.com

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uma época tão rasa de valores humanos, razão de viver e saúde planetária, a Revista Ecológico inicia nesta edição a nova série cultural “O Viés Médico na Literatura de Guimarães Rosa”. Reproduzida do livro homônimo do escritor e ambientalista Eugênio Goulart, professor de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro do Projeto Manuelzão, a pesquisa passa a receita humana do escritor de “Grande Sertão: Veredas” aos próprios médicos no exercício de suas vidas profissionais. Como pontuou outro colega de Goulart, o também médico e professor João Gabriel Fonseca, que assina o prefácio, esses profissionais de saúde deveriam fazer uma espécie de “exame periódico de consciência. O que talvez contribuísse para melhorar a qualidade da relação médico-paciente, tão em baixa nestes tempos pós-modernos”. E Fonseca conclui: “Fará muito bem aos médicos lerem esta série”. Fará um bem até na sua alma, caro leitor, ler o que um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, auscultou, anotou e prescreveu como um simples “médico da roça”. Um profissional incomum da medicina do passado que, a cavalo, percorrendo os rincões de Minas, conheceu o valor místico do sofrimento humano, a partir do que é ser mineiro. E o que todos nós sempre sofremos vendo as veredas do nosso grande sertão em transe, virando deserto. O choro seco, enfim, da natureza roseana que continuamos destruindo, adoentados de nós mesmos. Tal como uma parcela crescente de médicos que hoje, sem a humildade do doutor Rosa e munidos de tablets, celulares de última geração e muita 12  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2018

ciência, não costumam mais olhar nos olhos da gente. Só escrevem, pedem exames e morremos juntos, tamanha a desumanidade. Por falar em morrer de vida não vivida ou de tristeza (“Apertou em mim aquela tristeza, da pior de todas, que é a sem razão de motivo”), você vai saber também, caro leitor, nas “Páginas Verdes” desta edição, outra constatação de natureza médica. Não de um médico colega de profissão de Guimarães Rosa, mas de um agricultor e pesquisador que o Brasil ainda não conhece como deveria. Trata-se do pesquisador e agricultor suíço Ernst Götsch, para quem não há mais cura em nós, nem no planeta, que já nos expulsa sabiamente, recolhendo suas nascentes d’água. Ambos – homem e natureza – somos vítimas de nós mesmos, o tal Homo sapiens, vulgo o câncer já em metástase galopante em toda a face da Terra. Só receita e diagnóstico ruim nesta edição? Não. A esperança, cuja cor verde não é à toa, lembremos também, é a última que morre. O gênio Walt Disney (você também vai ver o seu receituário aqui) já sabia disso décadas atrás. Para educar ambientalmente as milhares de pessoas que visitam os parques da Disney em Orlando, na Flórida (EUA), a não jogarem lixo no chão da sua cidade de fantasia real, o que ele fez? Mandou instalar uma lixeira a cada 20 passos que o visitante der. Resultado: ninguém tem coragem de sujar o cenário de diversão e alegria que ele criou. Tal como Mickey, personagem principal de seu mundo mágico, hoje igualmente ecológico. Nem tudo, enfim, está perdido. Ainda podemos sonhar. É o que você confere nesta edição, que também homenageia os buritis eternizados por Guimarães Rosa. Boa leitura! 

FOTO: PABLO DAVI KIRCHHEIM

RECEITA MÉDICA UNIVERSAL


VOCÊ JÁ COMPARTILHOU NOTíCIA FALSA? ReVISTAS

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Você sabe de onde vêm as notícias que recebe? Checa as informações? Antes de compartilhar notícias você consulta se foram publicadas em uma mídia clássica? Disfarçadas, com linguagem alarmante e sem apuração jornalística, elas estão influenciando leitores que não conseguem identificar o que é verdadeiro e o que é falso. Não compartilhe informações sem checar a fonte! Com conteúdo comprovadamente consistente, as revistas produzem reportagens seguras e confiáveis, seja na versão impressa, on-line, no celular ou em vídeo. AssociAção NAcioNAl de editores de revistAs #revistAeuAcredito i www.ANer.org.br

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ECONECTADO

ECO LINKS

“Pequenos gestos com grande repercussão. Não descartem sacos plásticos no meio ambiente: entopem rios, provocam inundações e asfixiam peixes, aves e tartarugas. Entregue seu computador inservível para reciclagem: tem metal pesado lixo eletrônico!” @minc_rj - Carlos Minc, ex-ministro do Meio Ambiente

“Não existe separação. Tudo o que o planeta está passando, cada um de nós também está experimentando. A crise dos recursos naturais, a crise de sustentabilidade, a crise econômica, mudanças climáticas. Essas são apenas manifestações externas do que está acontecendo dentro de nós.”

FOTOS: DIVULGAÇÃO

TWITTANDO

GUIA INNAT A Embrapa desenvolveu o Guia InNat, um aplicativo que vai ajudar o produtor rural na identificação dos inimigos naturais das pragas que atacam as plantações, principalmente para quem pretende utilizá-los como alternativa ao controle. Além disso, o usuário da plataforma possui um papel de colaborador. É possível fotografar o inseto e comparar a foto tirada com o banco de imagens da galeria. O aplicativo também tem informações sobre cada grupo de inimigo natural e sua finalidade na natureza. Para fazer o download gratuito, acesse o Google Play: goo.gl/Ukbe2v REMAR CIDADÃO A captura de caranguejos é proibida durante a lua cheia e a lua nova. Entretanto, nem sempre as recomendações são seguidas pelas pessoas nessas duas fases lunares. Com o objetivo de fortalecer a rede de monitoramento e tornar os manguezais mais sustentáveis, o aplicativo REMAR Cidadão está desenvolvendo parcerias com pescadores, gestores e cidadãos. A ferramenta é uma iniciativa da Rede de Monitoramento de Andadas Reprodutivas de Caranguejos (REMAR), que permite que qualquer pessoa registre facilmente ocorrências de andadas reprodutivas dos animais em qualquer ponto do litoral brasileiro. Saiba mais em: goo.gl/sjDfSf

@PremBaba - Sri Prem Baba, líder humanitário e mestre espiritual

MAIS ACESSADA

“Liberdade significa capacidade de agir guiado pela alma, e não compelido por desejos e hábitos. Obedecer ao ego leva à escravidão; obedecer à alma leva a libertação.”

O texto “Rosmaninho”, publicado na seção “Natureza Medicinal” da nossa edição 104, foi a matéria mais acessada nos meses de janeiro e fevereiro no site da Revista Ecológico. Nele, o jornalista e consultor em plantas medicinais Marcos Guião mostra a utilização da erva para diminuir sintomas como agitação e insônia. Para ler o artigo na íntegra, acesse: goo.gl/VDF5th

@leticiaspiller - Letícia Spiller, atriz 14  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2018

FOTO: MARCOS GUIÃO


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GENTE ECOLÓGICA

FOTO: DIVULGAÇÃO

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“Ser você mesmo em um mundo onde todos estão sempre querendo que você seja outra coisa, essa é a maior conquista.” RALPH WALDO EMERSON, filósofo norte-americano

“O Estado tem uma dívida hídrica histórica com as famílias humildes que vivem em assentamentos rurais. Na região de Arinos, no Norte de Minas, até hoje essas populações não têm acesso à água potável. Suas mulheres, o que continua sendo passado de mãe para filha através de gerações, ainda têm de caminhar até quatro quilômetros por dia para buscar água, sem direito a banheiros em suas casas. É essa a dura realidade que estamos enfrentando.” CAROLINA PIMENTEL, jornalista, primeira-dama de Minas e coordenadora do Projeto “Água Viva”, do Servas, que ela preside

“A natureza não faz nada em vão.” ARISTÓTELES, filósofo grego

“Nunca imite ninguém. Que a sua produção seja como um novo fenômeno da natureza.” LEONARDO DA VINCI, pintor, cientista e engenheiro italiano

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“Tudo que estou dizendo é: vejam que mundo maravilhoso teríamos, se apenas lhe dêssemos uma chance. Ame, querida, ame. Esse é o segredo.” LOUIS ARMSTRONG, cantor norte-americano e autor da música "What a Wonderful World"


“Cidades costumam sugar minhas energias. Sinto falta de botar os pés na terra, tomar banho com água sem cloro e escutar o barulho de pássaros.”

VANDA RIBEIRO, fotógrafa e recém-avó de Beatriz

LUISA MELL

FOTO: DIVULGAÇÃO

LEA T, modelo internacional

“Nosso gargalo de política para o setor é a questão hídrica. A média atual de chuvas em Minas, onde o agronegócio representa um terço do PIB, já é a menor registrada nos últimos 40 anos. Isso nos afeta diretamente.”

FOTO: DIVULGAÇÃO RAQUEL CUNHA TV GLOBO

FOTO: REPRODUÇÃO YOUTUBE

PEDRO COUTINHO LEITÃO, secretário estadual da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

“Os pais precisam ser conscientes para educar um filho, tanto aquele que não tem deficiência quanto o que tem, para que a criança saiba receber o diferente e lidar também com a rejeição.” JULIANA CALDAS, atriz anã, que faz a personagem Estela na novela “O Outro Lado do Paraíso”

“Não sou descendente de escravos. Eu descendo de seres humanos que foram escravizados.” MAKOTA VALDINA, educadora brasileira, religiosa e porta-voz das religiões de matriz africana

Reconhecida internacionalmente por atuar na defesa de animais feridos ou em situação de risco, a advogada acaba de lançar o livro "Como os Animais Salvaram Minha Vida". No fim de 2017, o instituto que leva seu nome resgatou 135 cães de raça, que viviam em situação precária em um canil clandestino na capital paulista. USIMINAS

O Programa “Caminhos do Vale”, que fez a Usiminas ganhar o “VII Prêmio Hugo Werneck de Sustentabilidade”, em 2016, na categoria “Melhor Empresa”, acaba de obter seu reconhecimento também internacional. Ele também foi o vencedor do “Prêmio Excelências em Sustentabilidade” da World Steel Association. A cerimônia foi em Bruxelas, na Bélgica, durante reunião de líderes dos grupos siderúrgicos mundiais. O presidente Sérgio Leite (foto acima, à dir.) recebeu o troféu de André Johanpeter, CEO da Gerdau. MARÇO DE 2018 | ECOLÓGICO  17

FOTO: LEO DRUMOND - NITRO

O engenheiro metalúrgico e exdiretor de Operações e Projetos da Samarco é o seu novo presidente. Ele liderou as obras de reforço das estruturas remanescentes de Fundão e a construção de um sistema de contenção de rejeitos. Também foi responsável por implementar o Centro de Monitoramento e Inspeção (CMI), com base nos aprendizados obtidos após o rompimento da barragem.

FOTO: REPRODUÇÃO FACEBOOK

“Ser avó não me envelheceu. Pelo contrário, me deu mais energia, me deixou em paz. O segredo, diante da minha neta, é não mais falar de rugas, mas de alma e da alegria de viver.”

PEDRO VILELA

FOTO: REPRODUÇÃO FACEBOOK

FOTO: DIVULGAÇÃO

CRESCENDO


BOM EXEMPLO ECOLÓGICO O "Prêmio Bom Exemplo" 2018, iniciativa do jornal O Tempo, da TV Globo Minas, da Fundação Dom Cabral e da Fiemg, acertou, mais uma vez, na área ambiental. E, principalmente, fez justiça a quem, mesmo distante da capital e da grande mídia, e já com idade avançada, ainda luta sozinha e sem holofotes pelo que nos resta de natureza. A grande vencedora este ano é a ativista Alice Lorentz Godinho, presidente do Movimento Pró-Rio Todos os Santos e Mucuri, no nordeste de Minas. Amante das águas, a ambientalista é pós-graduada em Gestão e Educação Ambiental e integra o Fórum Mineiro do Comitê de Bacias Hidrográficas. Por sua luta pessoal e atuação como líder pela despoluição e preservação dos rios da região, ela foi homenageada em 2009, pela Assembleia Legislativa de Minas. ALICE GODINHO E, em 2010, pelo “I Prêmio Hugo Werneck de Sustentabilidade & Amor à Natureza”, na Categoria “Melhor Exemplo em Terceiro Setor”. Parabéns a ela e aos jurados! Em tempo: Nil César, multiartista e coordenador do espaço cultural Grupo do Beco, no Morro do Papagaio, em BH, também é um dos homenageados do "Prêmio Bom Exemplo" (categoria “Cultura”). Nil é outro que não é um estranho no ninho do “Prêmio Hugo Werneck”: em 2015, abrilhantou o palco da edição da maior premiação ambiental do país ao lado da atriz Kátia Couto (foto à dir.), quando declamaram o poema “Águas e Mágoas do Rio São Francisco”, de Carlos Drummond de Andrade. Aplausos! KÁTIA COUTO E NIL CÉSAR

FOTO: DIVULGAÇÃO

ETANOL VERSUS GASOLINA Dados da Fundação SOS Mata Atlântica apontam que o uso de etanol nos carros flex em circulação no Brasil nos últimos 14 anos evitou a emissão de cerca de 440 milhões de toneladas de gás carbônico. Ou seja, de dióxido de carbono (CO2), um dos principais causadores do aquecimento global e, consequentemente, do efeito estufa. Esse índice é maior do que o alcançado no mesmo período, em conjunto por Argentina (209 milhões de toneladas), Chile (87) e Colômbia (85). A expectativa é que cada vez mais brasileiros utilizem etanol em vez de gasolina. Os testes realizados em laboratório mostram que o litro do álcool rende 70%, em média, do litro da gasolina. Porém, um novo estudo do Instituto Mauá e da Única - União da Indústria de Canade-açúcar, feito em vias públicas, aponta que esta média pode variar entre 70,7% e 75,4%, uma diferença considerável no bolso do consumidor. Com a palavra, o governo e o próprio setor que não conseguem manter um valor mais acessível do etanol ecológico para a população, em comparação com a vilã gasolina. Quem ganha com isso é a poluição. Quem perde, somos todos nós.

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CONSELHÃO DO GERMANO Foi como o próprio titular da Semad, Germano Vieira, chamou os membros do Instituto Mineiro de Desenvolvimento Ambiental (IMDA) que o visitaram, em seu gabinete. Na pauta, experiência, vivência e apoio técnico-informal na já bem avaliada condução da política estadual de Meio Ambiente em Minas Gerais.

FOTO: GUALTER NAVES

SOU ECOLÓGICO

FOTO: GLÁUCIA RODRIGUES

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Acesse o blog do Hiram:

GRANDE BEBETO! Receba também as homenagens da Revista Ecológico! Fomos amigos de infância em Caxambu, pegando as bolas de bocha para os veranistas no Parque das Águas, lembra-se? Foi onde, em meio à natureza exuberante, à “Medicina entre Flores” descrita por Ruy Barbosa, que você deu os primeiros passos em sua carreira esportiva vitoriosa. Vamos sentir sua falta. Saudações caxambuenses!

ALEXANDRE KALIL

Sustentabilidade & Amor à Natureza”, em 2011, na categoria “Melhor Político do Ano”. É esse o nosso pedido a Kalil, que um dia nos disse, quando ainda presidente do Galo: “O que for bom para a natureza, é bom para o Atlético”. Se não puder ultrapassar Lacerda, com um placar de 3 a 1, que sua gestão "marque" pelo menos 2 a 1. Mas nunca 1 a 1, que é empate e não vitória da natureza na história da nossa ex-Cidade Vergel do Brasil.

FOTO: DIVULGAÇÃO

PEDIDO VERDE É uma pena a super-secretária Adriana Branco até hoje não nos permitir acesso ao prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil. É verdade, e ela não explica o motivo. Se deixasse, nessa primeira vez, além de entregar uma camisa ecológica do Atlético a que ele faz jus pela campanha da Revista Ecológico "Clubes Unidos pela Natureza", só queríamos lhe fazer um pedido verde. Para cada uma das duas mil árvores “condenadas” à morte antecipada na capital mineira, face ao risco de caírem e causarem novas tragédias, ele exigir o replantio de, no mínimo, três novas mudas. Em vez do anunciado “uma por uma”, feito pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Isso equivaleria a uma árvore a mais do que, em 2011, quando o ex-prefeito Marcio Lacerda foi obrigado a fazer o replantio em compensação pelas obras viárias relativas à Copa do Mundo. Sob críticas, Lacerda não sacrificou apenas duas mil árvores. Retirou da nossa paisagem fervente nada menos que 22 mil exemplares, a maioria em seu maior esplendor visual, incluindo aquelas que haviam se tornado “florestas urbanas", tamanha quantidade de sombra, flores, passarinhos, ar puro e um microclima mais ameno ao redor do cimentado, asfaltado e árido Mineirão. “Vamos plantar 44 mil novas árvores, com mudas já desenvolvidas, estaqueamento e tudo. Isso é mais que o dobro do que temos de cortar”, prometeu Lacerda. E cumpriu, inclusive participando da maioria dos plantios, o que mudou a opinião pública contrária, e lhe valeu, como reconhecimento, entre outros, a conquista do “II Prêmio Hugo Werneck de

FOTO: BRUNO CANTINI

hiramfirmino.blogspot.com

BEBETO DE FREITAS foi técnico da "Geração de Prata" da Seleção Brasileira de Vôlei Masculino, diretor do Atlético e secretário municipal de Esportes de BH MARÇO DE 2018 | ECOLÓGICO  19


PÁGINAS VERDES

"As águas não mentem" Luciano Lopes e Luciana Morais redacao@revistaecologico.com.br

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o ano passado, Minas Gerais sofreu uma das piores crises hídricas de sua história. Mais de uma centena de cidades mineiras decretaram estado de emergência em razão da escassez, que também deixou milhares de pessoas sem acesso à água limpa. Para Marcus Vinícius Polignano, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Velhas) e coordenador do Projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), grande parte dessa crise vem... dos rios. Ou melhor, da falta de respeito e compreensão das pessoas em relação à água. “Nossos rios estão morrendo de sede e poluição, e, consequentemente, desencadeando uma morte sistêmica”, alerta ele. Nesta entrevista à Ecológico, Polignano afirma que as crises hídricas não são uma exclusividade de Minas, e sim “um sinal claro de crise civilizatória”. A Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que cerca de cinco bilhões de pessoas em todo o mundo vivem atualmente em áreas de escassez hídrica ao menos durante um mês por ano. As crianças estão entre as mais afetadas: mais de 800, com menos de cinco anos, morrem todos os dias de diarreia associada à falta de água e saneamento, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). O coordenador do Projeto Manuelzão também alerta que a 20  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2018

FOTO: GUILHERME BERGAMINI / ALMG

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POLIGNANO: “A revitalização do Rio das Velhas não é uma opção, mas uma necessidade e uma obrigação de todos para mantê-lo vivo”

produção de água doce no planeta está no limite de sua utilização. “Estamos consumindo sem preocupação com a reposição”, diz ele. E cita a capital mineira como exemplo: “Toda a água consumida pela população de Belo Horizonte não é produzida na capital e vem de fontes que se encontram em outros municípios. De toda a água de chuva que cai na cidade, nenhuma gota fica aqui ou é armazenada. As chuvas renovam o estoque das águas, mas é o solo que as mantém e armazena”. Confira:

Qual é a realidade ambiental e hídrica de Minas Gerais e do Brasil hoje? Estamos hoje numa crise civilizatória. Fizemos uma desconexão. A nossa crise é de rios. Doce, Jequitinhonha, São Francisco, Velhas, Paraopeba, Paracatu e Araguari são alguns dos rios que têm a ver com a nossa história, nossa economia. O Velho Chico e o Doce, por exemplo, já não têm forças para chegar ao mar e as águas salgadas estão invadindo as doces. O Rio das Velhas está entregando cianobactérias para o São Francisco. Nossos rios estão morrendo de sede e poluição, e, consequentemente, desencadeando uma morte sistêmica. Em 2017, Minas Gerais viveu uma das maiores crises hídricas da sua história: mais de 100 municípios decretaram estado de emergência por escassez hídrica, representado num total de 1,8 milhão de pessoas atingidas. Como as comunidades afetadas estavam fora dos holofotes da grande mídia, “silenciosamente” sofrem com as consequências da escassez. É importante dizer que diferentes bacias hidrográficas foram atingidas, como a do Rio Jequitinhonha, do Pardo, as bacias mineiras do Rio São Francisco, Mucuri, Doce, entre outras. As perdas econômicas, ecológicas e para biodiversidade foram enormes e algumas incalculáveis. Se não podemos evitar a escassez hídrica, podemos planejar a sua gestão? Não há como discutir as questões relativas às águas sem discutir território. E o território geoambiental


MARCUS VINÍCIUS POLIGNANO

FOTO: MARCELLO CASAL JR. / AGÊNCIA BRASIL

Presidente do CBH Velhas e coordenador do Projeto Manuelzão

“A água passou a ser vista como recurso subordinado à produção, aos interesses dos que a dominam, comandam, monopolizam e que conspiram para subjugar o seu papel para a vida planetária, o que leva, cada vez mais, a disputas contínuas e graves conflitos socioambientais.” das águas são as bacias hidrográficas. São elas, de rios do mundo inteiro, que alimentam as populações humanas das cidades e do campo e permitem unir ambiente, ações antrópicas, políticas e econômicas. São as interações desses fatores que em última instância vão definir a disponibilidade e os usos das águas. É preciso entender que as crises hídricas são sinais claros de uma crise civilizatória. No fim de 2017, o CBH-Velhas fez uma pesquisa de opinião com usuários de água sobre a cobrança pelo uso de recursos hídricos. Quais foram os resultados? Primeiro é importante entender melhor o conceito de usuários. A “Lei das Águas” (9.433/1997) de-

fine usuários como sendo todos aqueles que realizam captação ou derivação de água superficial e extração de água subterrânea. E dependem de outorga do direito de uso para utilização da água no abastecimento humano, industrial, agrícola, bem como aqueles que lançam efluentes em corpos d’água. Em grande parte são empresas, mas também podem ser pessoas físicas. Por exemplo: a Copasa é uma usuária de águas, pois capta a água do rio para abastecer a população. No caso do Rio das Velhas, existe uma cobrança pelo uso da água determinada em função da quantidade retirada. A pesquisa procurou focar nas empresas que são usuárias?

Sim, e que estão no cadastro de outorgas do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM). Primeiramente, tivemos muita dificuldade em localizá-las pelo Banco de Dados, por causa de erros nos registros do sistema. De aproximadamente mil registros, conseguimos contatar cerca de 250. E, embora reconhecendo a importância do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Velhas), a maior parte não sabia informar sobre os projetos desenvolvidos por ele. De certa forma, era um resultado esperado, pois as empresas no seu dia a dia não têm a dimensão da gestão das águas. Elas desconhecem de onde proveem a água utilizada no seu processo produtivo - de qual rio, qual a qualidade e

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PÁGINAS VERDES quantidade disponível do recurso. Essa pesquisa nos permitiu entender melhor as dificuldades de comunicação com esse segmento e a necessidade de aperfeiçoar a informação direcionada para o setor. E, com isso, conseguirmos maior apoio e adesão ao sistema. Em termos de experiências/ soluções internacionais, que projetos de revitalização de rios citaria como inspiração ou referência para a gestão das águas em Minas e no país? Temos experiências internacionais bastante significativas e um novo olhar em relação à gestão das águas. O antigo paradigma de dominação da natureza, que moldou os processos de canalização, retificação de cursos d’água, fomentou a construção de cidades com rios invisíveis e que em grande parte é responsável pelos alagamentos que vivemos nelas em períodos de chuvas. Isso tudo está sendo trocado por um modelo de compreensão e respeito à natureza das águas, uma vez que temos de respeitar a sua força e não encaixotar córregos e rios. Essa lógica tem prevalecido na União Europeia, em especial na Alemanha. Um outro exemplo fantástico é o caso da Coreia do Sul, onde retiraram uma via expressa e retornaram o rio à sua condição natural, fazendo com que a população retomasse o contato direto com as suas águas. E, para não falar que são experiências somente de primeiro mundo, há também o exemplo de Medellín, na Colômbia, antes conhecida internacionalmente pelo narcotráfico e pela violência, e que hoje, pacificada, está fazendo um projeto de recuperação ambiental do seu rio homônimo que corta a parte central da cidade. Durante o "Encontro Internacional de Revitalização de Rios",

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QUEM É

ELE

Formado em Medicina, Marcus Vinícius Polignano é mestre em Epidemiologia e doutor em Pediatria Social pela UFMG, com ênfase em saúde coletiva. Atua nas áreas de extensão e pesquisa relacionadas a saúde e meio ambiente e é coordenador do Projeto Manuelzão, que busca melhores condições ambientais para promover qualidade de vida para a população. Também é o atual presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Velhas).

realizado em BH, em novembro passado, o senhor afirmou: “Talvez esse seminário tenha sinalizado isso, que distanciar das águas, dos rios, é um caminho de perdição.” Como fomentar uma maior reflexão, contribuindo para que o ser humano se reconecte à natureza e às águas, em especial no meio urbano? A humanidade, ao longo de sua história, em especial após a Revolução Industrial e o avanço do capitalismo - que promove hábitos e padrões de consumo altamente destrutivos e predatórios ao ambiente-, veio se desligando da natureza e passou a explorá-la, salvos alguns povos, comunidades e seres que ainda vivem em harmonia com ela. A água passou a ser vista como recurso subordinado à produção, aos interesses dos que a dominam, comandam, monopolizam e que conspiram para subjugar o seu papel para a vida planetária, o que leva, cada vez mais, a disputas contínuas e graves conflitos socioambientais. Segundo a ONU, dois terços da população planetária, cerca de cinco bilhões de pessoas, vivem atualmente em áreas de escassez

hídrica ao menos durante um mês por ano. Por sua vez, cerca de 500 milhões de pessoas vivem em áreas nas quais o consumo de água excede em duas vezes os recursos hídricos renováveis localmente. A distribuição e o consumo desiguais da água são uma realidade. Isso independe da sua abundância ou escassez em diferentes regiões da Terra? Sim. As populações de países e regiões mais pobres são mais afetadas e têm maior dificuldade de acesso à água para seu uso econômico, cultural e recreativo. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) alerta que mais de 800 crianças, com menos de cinco anos, morrem todos os dias de diarreia associada à falta de água e saneamento. A água contaminada mata mais de meio milhão de pessoas por ano. As populações rurais e urbanas em condições de vulnerabilidade socioambiental, quilombos, povos indígenas e comunidades tradicionais são habitualmente excluídos dos processos decisórios de acesso à água e ao saneamento básico em países como o Brasil. Que caminhos e saídas vislumbra em relação ao Rio das Velhas? O Rio das Velhas está tentando refazer a sua história. São 300 anos de degradação do solo, desmatamento e poluição das águas. Pelo Rio das Velhas tivemos o ciclo do Ouro, do Diamante, do minério de ferro, da urbanização e da industrialização. Todos esses ciclos se somaram e deixaram marcas profundas no leito do rio, na quantidade e qualidade das suas águas. E, ainda assim, o Rio das Velhas vem abastecendo a capital das Minas Gerais. Desde que iniciamos o Projeto Manuelzão, em 1997, tínhamos a dimensão do problema e do desafio. Na época, nem Comitê


MARCUS VINÍCIUS POLIGNANO

de Bacia nos tínhamos. A proposta de revitalização é a grande meta. Construímos dentro do Comitê de Bacia a Meta 2010-2014, e, mais recentemente, o “Revitaliza Rio das Velhas”. Já conseguimos vitórias importantes, como o tratamento de 70% dos esgotos de Belo Horizonte e construção de Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs). Os peixes voltaram para mais perto de BH, mas a qualidade das águas ainda é ruim e não permite nadar. Estamos cobrando mais tratamento de esgoto e o tratamento terciário, para melhorar o que está sendo tratado. A revitalização não é uma opção, mas uma necessidade e uma obrigação de todos para manter o rio vivo. É otimista em relação ao futuro do planeta e da humanidade? Para onde caminhamos em termos de água e sobrevivência humana? A produção de água doce está no seu limite de utilização. Estamos consumindo sem preocupação com a reposição. Toda a água consumida pela população de Belo Horizonte, por exemplo, não é produzida na capital e vem de fontes que se encontram em outros municípios. De toda a água de chuva que cai na cidade, nenhuma gota fica aqui ou é armazenada. As chuvas renovam o estoque das águas, mas é o solo que as mantém e armazena. Sem cuidar dos solos, sem preservar as nascentes e sem áreas de matas protegidas não há como se pensar num futuro promissor para a gente. Não tem sentido separar gestão das águas de gestão do território. Se quisermos ter água de qualidade e em quantidade, teremos que fazer uma gestão ambiental muito mais responsável e sustentável. De nada adiantaram propagandas midiáticas falando que estamos salvando rios, pois as águas não mentem. A qualidade e a quantidade de águas dos nossos

FOTO: ANNA CLÁUDIA PINHEIRO

Presidente do CBH Velhas e coordenador do Projeto Manuelzão

"O Rio das Velhas está refazendo sua história. São 300 anos de degradação do solo, desmatamento e poluição das águas." rios representam a nossa mentalidade civilizatória. Neste mês, comemora-se o “Dia Mundial da Água”. Qual mensagem você deixaria para nossos leitores? A água é um bem comum planetário e fonte inesgotável de vida, imprescindível para a manutenção dos ecossistemas e dinâmicas naturais e para a existência da humanidade. Para diferentes povos e crenças, esse recurso natural é sagrado e simbolicamente incorporado a rituais milenares e em constante reinvenção. As águas são naturalmente sistêmicas e límpidas. Saciam a sede de todos os seres

vivos. São ambientes de reprodução e evolução de diferentes espécies. Irrigam o solo e abastecem o subsolo. Viabilizam as diversas atividades da humanidade. São fonte de prazer no contato com ela ou contemplação e também inspiram poetas e planos de futuro. As águas são fontes de vida e saúde. E, por tudo isso, são patrimônio do planeta Terra e de todos os seres, bem comum e essencial à vida, um direito de todos e que não pode ser poluída, degradada ou mercantilizada. As águas e os rios são os patrimônios maiores de um povo. Uma civilização que mata as suas águas está matando a si mesma.  MARÇO DE 2018 | ECOLÓGICO  23


1 As Áreas Protegidas do Minas-Rio (4)

TEORIA E PRÁTICA A FAVOR DA

NATUREZA EXUBERANTE Parceria entre Anglo American e universidades comprova que a inovação é peça-chave na reabilitação de áreas verdes. E a Fazenda Pitangueiras é mais um exemplo disso Fernanda Mann

redacao@revistaecologico.com.br

60 dos 341 hectares da Fazenda Pitangueiras, localizada às margens da Rodovia MG-10, em Conceição do Mato Dentro, serão transformados em APP

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para fazer o verde e a biodiversidade renascerem. A Fazenda Pitangueiras é peça-chave para a preservação do importante conjunto paisagístico e ecológico local, constituindo-se também em ponto de apoio para os convênios de pesquisa entre a Anglo American e as instituições de ensino. A propriedade reúne diversas características geográficas e ambientais que, somadas, fazem dela cenário perfeito para a realização de experimentos em campo, visando sobretudo ao desenvolvimento de alternativas viáveis para o manejo sustentável e a conservação de áreas verdes. A sede da fazenda recebe e aloja pesquisadores e estudantes que têm a oportunidade de atuar sinergicamente com o meio ambiente. “Como todas as atividades de viveiro

estão sendo transferidas para a propriedade, as pesquisas relacionadas às plantas também poderão ser feitas ali, utilizando as estruturas que instalaremos. Muitas, inclusive, já estão prontas e há experimentos em fase de acompanhamento com equipes em campo”, explica Rafael de Knegt, botânico e analista ambiental da empresa. CONHECIMENTO EM PRÁTICA Localização, logística e infraestrutura favoráveis da Pitangueiras já permitem o desenvolvimento de 15 linhas de pesquisa, incluindo trabalhos de iniciação científica até mestrados e doutorados, por meio de convênio com a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Os estudos incluem programas de estratégia de conservação e monito-

FOTO: FERNANDA MANN

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obreposta ao conjunto de áreas verdes que compõem a Cadeia do Espinhaço nas imediações de Conceição do Mato Dentro, na região Central de Minas, a Fazenda Pitangueiras está localizada às margens da Rodovia MG-10, na vertente oeste da Serra da Ferrugem. Dos 341 hectares da Fazenda, 60 serão destinados à compensação ambiental, tornando-se Área de Preservação Permanente (APP). Ainda tomado por pastagens desativadas, o território é fonte de conhecimento e está em processo de regeneração ambiental, por meio de trabalhos que vêm sendo realizados graças a parcerias entre a Anglo American e instituições de ensino. Entre eles, estudos e técnicas inovadoras que futuramente poderão ser replicadas na região,


FOTO: FERNANDA MANN

SUPERANDO DESAFIOS Faustino Souza, técnico agrícola e analista ambiental da Anglo American, explica que a recuperação de áreas degradadas no Brasil é relativamente recente, mas a cada ano tem avançado com novas técnicas. A reabilitação das áreas mineradas é feita em duas frentes: contempla a reconstituição do terreno onde é desenvolvida a atividade e a revegetação propriamente dita. Para o analista, ainda há muitos desafios a serem superados, tais como

FOTO: JOÃO EMÍLIO DE SOUZA MAGALHÃES

ramento da biodiversidade, monitoramento ambiental e prevenção de incêndios florestais, além de ações de recuperação de áreas degradadas. A meta é usar a pesquisa para gerar resultados diretamente aplicáveis na busca de soluções práticas, com ganhos tanto para a empresa quanto para o meio ambiente. “Buscamos formas de tornar mais eficiente o plantio compensatório e de aperfeiçoar o aproveitamento das mudas plantadas em campo. Queremos também identificar as espécies que são exclusivas de cada localidade, suas diferenças e as possibilidades de compensação. Estudos de florística nos auxiliam no desafio de conseguir áreas semelhantes para compensação, assim como os estudos dos tipos de solo. Entender melhor a composição dessas áreas é fundamental”, explica o botânico. A recuperação ambiental no entorno de uma mina envolve peculiaridades que precisam ser trabalhadas de forma diferenciada, simultânea e sinérgica. Inclui, por exemplo, áreas adquiridas pela empresa como forma de compensação que estão em perfeito estado de conservação, exigindo apenas manutenções, e outras que precisam ser totalmente reconstituídas. Outro aspecto essencial diz respeito à área de recuperação paisagística e ecológica do entorno da própria mina, com as pilhas de estéril – subproduto da extração do minério –, que são depositadas nos taludes.

RAFAEL DE KNEGT: "Queremos identificar as espécies que são exclusivas de cada localidade, suas diferenças e as possibilidades de compensação"

reconstituir o terreno à medida que a operação ocorre, uma vez que essas duas atividades devem caminhar juntas. “Hoje, um de nossos maiores desafios é identificar as espécies nativas capazes de fomentar a recuperação de áreas que sofreram algum tipo de intervenção. Durante toda a fase de implantação e operação da mina, a recuperação vai ocorrendo simultaneamente, para que, ao fim da operação, a área minerada já esteja totalmente reabilitada, deixando a paisagem o mais harmônica possível, com a utilização das espécies adequadas”, ressalta. Sob esse aspecto, a Fazenda Pitangueiras é um típico exemplo de área de compensação adquirida em condições de completa degradação, a ser recuperada pela empresa, com ganhos ambientais coletivos. Durante os trabalhos, uma técnica que tem apresentado excelentes resultados para recuperação da vegetação nativa é a utilização de topsoil (solo vegetal). Trata-se da deposição do material superficial retirado da área suprimida (obtido a cerca de 20 centímetros de profundidade, con-

tendo solo, sementes, vegetação e material orgânico) em áreas a serem revegetadas. Com isso, garante-se a manutenção das espécies das áreas impactadas. “É uma metodologia fantástica. Não é necessário fazer o plantio manual ou irrigar. Apenas depositamos o material. E, entre três e quatro anos, podemos observar uma mata exuberante, com árvores de até cinco metros de altura. O grande diferencial é a inovação, desenvolvendo modelos de recuperação como esse, com elevado nível de qualidade ambiental”, conclui Faustino. FAZER A DIFERENÇA É com essa visão que a equipe de profissionais da Fazenda Pitangueiras enfrenta outros desafios e propõe o desenvolvimento de novas técnicas. No caso do topsoil, antes de optar por sua utilização, foi preciso atuar no controle de espécies invasoras que dominam a área e impedem que a vegetação nativa se estabeleça. Foi atenta a essa realidade que a pesquisadora Gleica Cândido começou a desenvolver sua pesquisa de doutorado, por meio de um convênio MARÇO DE 2018 | ECOLÓGICO  25


1 As Áreas Protegidas do Minas-Rio (4) FOTOS: FERNANDA MANN

entre a Anglo American e o Núcleo de Recuperação de Áreas Degradadas (Nerad) da UFVJM. O objetivo é encontrar alternativas que possibilitem a retomada da vegetação nativa na região, uma vez que a presença das gramíneas africanas, bastante agressivas, impedem a sobrevivência das espécies de interesse. Os estudos e experimentos de campo feitos por Gleica envolvem diferentes técnicas de adubações, escolha de plantas fixadoras de nitrogênio e a proteção natural das mudas. Segundo a pesquisadora, essa é uma valiosa experiência de aprendizado. “O estabelecimento de áreas de pastagem é algo muito elucidado. PESQUISA realizada na Fazenda Pitangueiras por Gleica Candido, para seu Os agrônomos sabem muito bem doutorado, envolve diferentes técnicas de adubação e proteção natural de mudas como implantar um pasto e mantê-lo o mais produtivo possível. Mas fazer o inverso, retirando a braquiária de aplicar conceitos aprendidos na teo- de, por meio do fomento à pesquiuma área que se deseja restaurar, é ria. “Montar um experimento em sala sa, do uso de novas tecnologias e do algo pouco conhecido. Além de fo- de aula é completamente diferente fortalecimento de parcerias, a Anglo mentar a pesquisa e desenvolver mi- de considerar todas as características American comprova que é possível nha pesquisa de doutorado aqui na próprias do campo. Aqui, é necessá- potencializar a recuperação de áreas Pitangueiras, estamos tendo a chan- rio planejar, ser eficiente e aprender verdes. E que o melhor exemplo vem ce de transformar a realidade local, que os resultados nem sempre são da própria natureza, que responde resgatando, num ambiente até então aqueles que esperamos. Temos, ain- com mais verde e mais vida, sempre inutilizado, uma floresta nativa muito da, a chance de trabalhar em equipe, que se trabalha de forma produtiva,  próxima do que essa área já foi um enfrentando na prática todas as ad- responsável e sustentável. versidades do ambiente externo, o dia. Isso é muito gratificante!” Para a pesquisadora Amanda Cristi- que também possibilita grande cresSAIBA MAIS na dos Santos, o trabalho na Fazenda cimento profissional e pessoal.” brasil.angloamerican.com Ao aliar inovação e sustentabilidaé uma oportunidade de vivenciar e A FAZENDA Pitangueiras é peça-chave para preservação do patrimônio ecológico local

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1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - RAIOS

Coriscos no céu

Período chuvoso é marcado por aumento na incidência de descargas atmosféricas, tempestades e ventanias. Cerca de 80% das circunstâncias em que acontecem mortes por raios podem ser evitadas se as pessoas souberem como se proteger Luciana Morais

redacao@revistaecologico.com.br

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huva, vento, estrondo e um clarão no céu. Quem nunca ficou ressabiado ou procurou abrigo seguro durante uma tempestade? Campeão mundial em incidência de descargas atmosféricas, o Brasil registrou, nos últimos seis anos, uma média anual de 77,8 milhões de raios. Esse levantamento foi obtido por meio da rede BrasilDAT Dataset, que integra diferentes tecnologias de detecção de raios em superfície e permite identificá-los com maior precisão. Já o levantamento anterior, realizado em 2002 e feito com base em dados de satélites que apresentavam restrições, contabilizava cerca de 55 milhões de raios/ ano, número bastante inferior. Conforme dados do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a explicação para

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essas estatísticas é geográfica. O Brasil é o maior país da zona tropical do planeta, área central onde o clima é mais quente e, portanto, mais favorável à formação de tempestades e ocorrência de raios. No dia a dia, alguns conceitos ajudam a entender a diferença entre raios e outros fenômenos a ele associados. Os raios são descargas elétricas de grande intensidade que ocorrem na atmosfera, conectando o solo e as nuvens de tempestade na atmosfera. Os relâmpagos, por sua vez, são todas as descargas elétricas geradas por nuvens de tempestades, que se conectam ou não ao solo. Já o trovão é o som produzido pelo rápido aquecimento e expansão do ar na região da atmosfera onde a corrente elétrica do raio circula. A intensidade típica de um raio é de 30 mil ampères, ou seja, o equi-

valente a cerca de mil vezes a potência de um chuveiro elétrico. O raio se forma dentro das nuvens de tempestade – as chamadas Cumulonimbus –, a partir das cargas elétricas geradas pelo choque de partículas de gelo dentro dessas nuvens. Quando essas cargas atingem certa quantidade, surge uma faísca que dá início a um raio. À medida que essa faísca se aproxima do solo, ocorre uma descarga do solo para a nuvem, principalmente em objetos salientes e pontiagudos ou ainda em pontos com maior condutividade elétrica, tais como artefatos metálicos. Quando ambas se unem, ocorre o raio. URBANIZAÇÃO CRESCENTE Pesquisas recentes comprovam uma visível elevação da incidência de raios em áreas urbanas, quando comparadas a regiões vizinhas. Es-


sas ocorrências estão diretamente relacionadas à expansão da urbanização e ao consequente aumento de temperatura nas grandes cidades, com a formação de ilhas de calor. Essas ilhas são resultado da elevada concentração de prédios, da existência de mais e mais avenidas asfaltadas e da poluição gerada por carros e ônibus. Funciona assim: quando a temperatura do ar sobe, a quantidade de vapor de água suspensa na atmosfera também aumenta, fazendo com que mais nuvens de tempestade se formem. Segundo especialistas do Inpe, para cada um grau de aumento na temperatura há elevação de 15% no potencial de geração de tempestades severas. No Brasil, estudos atestam que os termômetros continuam em alta. Em 100 anos, com base em dados coletados entre 1915 e 2015, a temperatura média subiu um grau, saltando de 24,5 para 25,5 graus. Na cidade de São Paulo, no entanto, esse aumento foi bem mais expressivo: três graus, passando de 17 graus, em 1915, para 20 graus, em 2015. DITADO POPULAR A duração de um raio é curta, oscila de meio a um terço de segundo. Entretanto, cada descarga que compõe o raio dura apenas frações de milésimos de segundos. E em rela-

ção àquele velho ditado popular, segundo o qual um raio nunca cai duas vezes em um mesmo lugar? É lenda. Quer exemplos? No alto do Morro do Corcovado, 710 metros acima do nível do mar, a estátua do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, é atingida anualmente por cerca de seis raios. O mesmo acontece na Torre Eiffel, em Paris. Com seus 324 metros de altura e estrutura metálica composta por mais de 18 mil peças de ferro fundido, esse cartão-postal mundial é “alvo” de cerca de 40 descargas atmosféricas por ano. A chance de uma pessoa ser diretamente atingida por um raio é considerada baixa: menor do que um para um milhão, em média. Mas se a pessoa estiver numa área descampada, sob forte tempestade, essa chance pode aumentar em até um para mil. A corrente do raio pode causar queimaduras e outros danos ao corpo humano. Ainda assim, a maioria das mortes de pessoas atingidas por raio é causada por parada cardíaca e respiratória. O ranking dos dez estados brasileiros com maior densidade de raios por quilômetro quadrado/ ano é liderado por Tocantins, com 17,1 raios. Esse fato se explica em razão da proximidade com a Linha do Equador, associada à dinâmica da formação de nuvens naquele estado. Em seguida estão: Amazonas (15,8), Acre (15,8), Maranhão (13,3), Pará (12,4), Rondônia (11,4), Mato Grosso (11,1), Roraima (7,9), Piauí (7,7) e São Paulo (5,2). A cidade de Santa Maria das Barreiras, no Pará, apresenta um índice de 44,32 raios por quilômetro quadrado/ano e faz jus ao título de município com maior densidade de raios do país. Já São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, é campeã na probabilidade de alguém morrer atingido por raio, com 20,63 mortes por milhão de habitantes/ano. São Gabriel da Cachoeira registra uma densidade de 24,51 raios por quilômetro quadrado/ano, superior a todas as capitais brasileiras.

ENTENDA MELHOR l Evidências indicam que os relâmpagos podem estar relacionados à formação dos primeiros compostos denominados aminoácidos, que teriam ocorrido nos estágios iniciais da evolução da atmosfera terrestre. Tais aminoácidos, que teriam se formado a partir da quebra pelos relâmpagos de moléculas de amônia, metano, hidrogênio e vapor d’água, abundantes naqueles tempos, são estruturas básicas para a formação de todas as proteínas e indispensáveis a todas as formas de vida do planeta. l A maior parte dos estudos sugere que os relâmpagos tendem a aumentar com o aquecimento global. Estima-se que para cada grau de aumento de temperatura eleve entre 10% e 20% o número de relâmpagos no planeta, sendo a região tropical a mais afetada. l No Brasil, a elevação da temperatura das águas do Oceano Atlântico – associada ao aquecimento global – poderá ter implicações sobre a incidência de raios. Fenômenos climáticos como o El Niño também podem afetar a ocorrência dessas descargas. l Cerca de 50 a 100 relâmpagos ocorrem no mundo a cada segundo, o que equivale a cerca de 10 milhões de descargas por dia ou três bilhões por ano. Ainda que a maior parte do planeta esteja coberta de água, menos de 10% do total de relâmpagos ocorrem nos oceanos. Isso acontece por causa das variações de temperatura ao longo do dia, do relevo menos acidentado e da menor concentração de aerossóis sobre os oceanos, em comparação com a superfície dos continentes. l A contagem da distribuição global de relâmpagos é obtida por observações feitas com sensores ópticos a bordo de satélites. As principais regiões de ocorrência de relâmpagos no Hemisfério Norte são o Centro da África, o Sul da Ásia e o Sul dos Estados Unidos. No Hemisfério Sul, as principais regiões são o Brasil, o Norte da Argentina, o Sul da África e a Ilha de Madagascar, além da Indonésia e do Norte da Austrália.

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MARÇO DE 2018 | ECOLÓGICO  XX


1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - RAIOS

Ira dos Deuses l Raios e trovões aparecem com constância nos mitos

das civilizações passadas. Profetas, sábios, escribas e feiticeiros os interpretavam como manifestações divinas, considerados principalmente como reação de ira contra atitudes dos homens. l Há mais de cinco mil anos, os babilônicos

acreditavam que o deus Adad carregava um bumerangue em uma de suas mãos. O objeto lançado provocava o trovão. Na outra mão, empunhava uma lança. Quando arremessada, produzia os raios.

l Para os antigos gregos, os raios eram lanças

produzidas pelos ciclopes, criaturas gigantes de um

olho só. Elas eram feitas para que Zeus, o rei dos deuses, as atirasse sobre os homens pecadores e arrogantes. Como a mitologia grega foi migrada e adaptada à romana, a interpretação dada aos raios não sofreu muita alteração entre os romanos. O rei dos deuses, Júpiter, também tinha o hábito, como Zeus, de enviar raios (lanças) sobre os homens. l Entre os nórdicos, que viviam no Norte da Europa,

Thor (foto acima) era o deus do trovão e dos raios. O som do trovão era provocado pelo movimento das rodas de sua carruagem e os raios podiam ser vistos quando Thor arremessava seu martelo.

Fique por dentro A cada 50 mortes por raios no mundo, uma ocorre no Brasil. São 110 mortes, mais de 200 feridos e prejuízos anuais da ordem de R$ 1 bilhão, incluindo danos a redes elétricas atingidas e a morte de animais no campo. Em Minas Gerais, segundo dados da Cemig, as regiões campeãs em descargas elétricas são a Sul e a Zona da Mata. A Região Central, que engloba a Grande BH, e a Oeste ficam em terceiro lugar. Saiba como se proteger e evitar prejuízos: l Se estiver na rua durante tempestades, procure

abrigo em carros, ônibus e outros veículos não conversíveis, com portas e janelas fechadas; em casas e prédios que tenham proteção contra raios ou em túneis/trincheiras.

l Evite andar a cavalo ou executar atividades de

agropecuária ao ar livre: são as circunstâncias

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responsáveis pelo maior número de mortes no Brasil. l Se estiver em casa, desligue aparelhos eletrônicos das tomadas. Evite usar telefone com fio ou celular ligado à rede elétrica. Não fique próximo a tomadas, canos, janelas e portas metálicas ou em varandas e sacadas. l Se estiver na rua, evite segurar ou ficar próximo

a objetos metálicos longos (tais como postes de placas de sinalização e grades); empinar pipas e aeromodelos com fio.

l Se possível, evite locais e/ou veículos com pouca

ou nenhuma proteção contra raios: celeiros, tendas, tratores, motocicletas ou bicicletas. Não estacione próximo a árvores ou linhas de transmissão de energia elétrica. FONTES/PESQUISA BIBLIOGRÁFICA FONTES/PESQUISA BIBLIOGRÁFICA Elat/Inpe, Cemig e PUC Minas/Tempo Clima. Elat/Inpe, Cemig e PUC Minas/Tempo Clima.


FOTO: DIVULGAÇÃO

TRÊS PERGUNTAS PARA...

OSMAR PINTO JÚNIOR

Mestre em geofísica espacial e coordenador do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)

REDE DE MONITORAMENTO Qual é o maior destaque ou conquista do Brasil em termos de avanços na detecção e monitoramento de tempestades e incidência de raios? O maior destaque é, sem dúvida, o estabelecimento pelo Elat de uma rede de monitoramento de raios no Brasil, que é uma das mais precisas do mundo. A rede BrasilDAT Dataset, operada pelo Inpe, integra dados de três redes de monitoramento de descargas atmosféricas. Ela conta com mais de 100 sensores, espalhados pelas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste do Brasil. Redes de detecção de descargas atmosféricas estão presentes em 120 países e geram informações usadas por mais de cinco mil instituições. Esses dados alimentam serviços de meteorologia, engenharia e demandas dos setores elétrico e agropecuário. Ajudam ainda a salvar vidas na medida em que possibilitam a previsão e o monitoramento dos raios. Em relação aos impactos das mudanças climáticas no Brasil, qual é o cenário previsto para as próximas décadas? Como as cidades devem atuar para minimizar ou se adaptar a eles, em especial diante da ocorrência de tempestades severas e queda de raios? O cenário previsto é de um aumento dos raios variando de 5% a 15% por década, em

Nós apoiamos essa ideia!

diferentes regiões do país. As principais ações que devem ser tomadas são a melhoria na qualidade do fornecimento de energia elétrica – considerando os impactos do clima no setor elétrico – e a maior divulgação para a população dos perigos causados pelos raios. E no que se refere às tecnologias e ferramentas de alerta para proteção à população? Que aspectos merecem ser destacados ou necessitam de aperfeiçoamento? Já temos no país os primeiros sistemas de alertas da ocorrência de raios ou tempestades, mas eles ainda precisam ser aperfeiçoados nas próximas décadas para terem melhor assertividade. O Elat oferece apoio científico ao Núcleo de Monitoramento de Descargas Atmosféricas da Fundação de Ciência, Aplicações e Tecnologia Espaciais (Funcate), que funciona 24 h/dia, sete dias/semana, em São José dos Campos (SP), e presta serviço de alerta de incidência de descargas atmosféricas com o objetivo de proteger pessoas exercendo atividades a céu aberto. Esse serviço está disponível para todo o país. Os alertas são enviados via telefone fixo, celular e/ou e-mail. 

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FOTO: FERNANDA MANN

1 SUSTENTABILIDADE

PARCERIA APARTIDÁRIA: Eugênio Goulart, Roberto Messias Franco, Evandro Xavier, Hiram Firmino, Fernando Pimentel, Patrícia Boson, Thiago Camargo, Germano Vieira, Sinara Meireles, Maria Dalce Ricas e Celso Castilho. Na ocasião, Pimentel foi homenageado com uma cópia da entrevista que ele concedeu à JB Ecológico, do JORNAL DO BRASIL, antecessora da Revista Ecológico, em 2005. Nessa época, quando prefeito da ex-“Cidade Jardim” do Brasil, ele lançou a campanha ”Quem Gosta de BH tem seu jeito de mostrar”, que reforçava a qualidade de vida da cidade. E autorizou o ajardinamento histórico dos 11 quilômetros de extensão dos canteiros centrais da Avenida do Contorno

ENCONTRO ECOLÓGICO Em reunião com ambientalistas e membros do Conselho Editorial da Revista Ecológico no Palácio da Liberdade, em BH, governador de Minas Gerais apresenta proposta de criação de seis novas Unidades de Conservação

N

o último dia 14 de março, o governador Fernando Pimentel recebeu no Palácio da Liberdade, no coração da capital mineira, representantes da área ambiental e conselheiros da Revista Ecológico para discutir ações e demandas do setor. Durante o encontro, ele anunciou a criação, ainda neste ano, de seis Unidades de Conservação (UCs) no Norte do Estado, onde a devastação e a crise hídrica são mais agudas. Ao lado dos secretários de Es-

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tado de Governo, Odair Cunha; de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Germano Vieira; da presidente da Copasa, Sinara Meireles; e do diretor de Relações Institucionais e Comunicação da Cemig, Thiago Camargo, Pimentel apresentou algumas das ações já realizadas pelo governo para aperfeiçoar a gestão dos recursos hídricos, uma das principais demandas apresentadas pelo grupo de ambientalistas. O governador destacou, ainda, a importância da construção de uma política eficiente e finan-

ceiramente autônoma para o meio ambiente. Além disso, os ambientalistas valorizaram o papel dos órgãos ambientais do Estado revitalizados durante a atual gestão. E foi destacada a abertura do diálogo com o governo para aperfeiçoar os mecanismos de proteção ambiental.  Não perca, na próxima edição da Ecológico, a cobertura completa do encontro, incluindo depoimentos exclusivos dos ambientalistas e informações sobre as futuras UCs.


ENCARTE ESPECIAL (I)


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ENCARTE ESPECIAL (I)

Prefácio à Medicina João Gabriel Marques Fonseca (*) redacao@revistaecologico.com.br

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rancis Bacon, o grande ensaísta, filósofo e estadista inglês, um dos pilares do empirismo renascentista, escreveu em seu ensaio “Of Studies”, de 1597, uma interessante sugestão para os leitores:

Leia não para contradizer nem para acreditar, mas para ponderar e considerar. Alguns livros são para serem degustados, outros para serem engolidos, e alguns poucos para serem mastigados e digeridos.

Este livro, “O Viés Médico na Literatura de Guimarães Rosa”, de autoria do professor, médico e ambientalista Eugênio Goulart é, com certeza, um livro para se degustar... não para contradizer, nem para acreditar, mas para ponderar e considerar! São dois os sabores especiais a serem degustados neste delicioso texto. O primeiro tem a ver com o triplo desafio que Guimarães Rosa nos propõe em sua obra magna, “Grande Sertão: Veredas”: uma instigante viagem existencial que se faz paralela à viagem literária que, por sua vez, se faz paralela à travessia geográfica do sertão, conduzida pelo jagunço/herói Riobaldo. Em sua viagem literária, Guimarães Rosa amalgama saberes oriundos de diferentes modos de pensar: do homem simples, do teólogo, do filósofo, do poeta, do cientista, do político e, como bem nos demonstra o Eugênio, do médico. Unindo saberes, procedimentos e métodos de disciplinas usualmente distintas, numa espécie de associação livre psicanalítica, Guimarães Rosa se torna um grande intérprete da aventura de viver:

“O sertão é do tamanho do mundo [...] Sertão é isto, o senhor sabe: tudo incerto, tudo certo [...] O sertão é sem lugar [...] sertão é dentro da gente.” Essa coexistência de modos tão heterogêneos de expressão e de escrita obriga o leitor a um esforço reflexivo de recomposição e reconciliação que desagua inevitavelmente numa viagem existencial. No livro que temos em mãos, Eugênio Goulart nos mostra a importância decisiva da experiência médica na construção do amálgama literário/existencial do autor. A experiência médica de Guimarães Rosa foi curta, mas contundente. Sua convivência com o sofrimento de pacientes


FOTO: DIVULGAÇÃO

portadores de algumas doenças paradigmáticas de sua época (hanseníase, malária, tuberculose, varíola, ofidismo e algumas doenças psiquiátricas) teve uma imensa influência sobre seu pensamento e sua criação literária. Eugênio nos conta o valor individual de cada uma dessas doenças e sintetiza brilhantemente o “conjunto das influências” no último capítulo, “à guisa de considerações derradeiras”. O segundo sabor especial a ser degustado é mais sutil e tem profundas implicações na vida dos médicos: a percepção (pouco comentada) que Guimarães Rosa teve de que a prática médica não era “a sua praia”. Como leitor privilegiado da realidade, ele desvela um aspecto pouco discutido da Medicina: para a maioria, o núcleo da Medicina é o corpo de conhecimento teórico que a fundamenta, e são poucos os que percebem que, apesar dessa enorme e indispensável base teórica, o ato médico é, a exemplo do trabalho de um ator, um destilado puro de performance, na

SAIBA

MAIS

Escrito pelo ambientalista e professor Eugênio Marcos Andrade Goulart (foto), do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), coordenador de Publicações Científicas e Literárias do Projeto Manuelzão e membro do Instituto Biotrópicos, o livro é uma homenagem a João Guimarães Rosa, o médico-escritor. João Rosa, como era conhecido nos tempos de juventude, foi aluno da Faculdade de Medicina da UFMG, nos anos de 1925 a 1930. Inicialmente clinicou em pequenas cidades do interior mineiro e posteriormente dedicou-se à diplomacia brasileira e à arte de escrever. Teve sua obra literária reconhecida internacionalmente, quando passou a ser o consagrado Guimarães Rosa. Entretanto, nunca abandonou suas raízes médicas.

FOTO: ALFEU TRANCOSO

“Sim, fui médico, rebelde, soldado. Foram etapas importantes de minha vida, e, a rigor, esta sucessão constitui um paradoxo. Como médico conheci o valor místico do sofrimento; como rebelde, o valor da consciência; como soldado, o valor da proximidade da morte...”

mais precisa e profunda acepção do termo: exercício de atuar, de desempenhar. A percepção da concomitância dessas duas faces da Medicina - a massa teórica e a performance - é sutil, mas radical. Como revelado neste livro, Guimarães Rosa percebeu o tenso ponto de contato entre elas:

Não nasci para isso, penso [...] Primeiramente, repugna-me qualquer trabalho material - só posso agir satisfeito no terreno das teorias, dos textos, do raciocínio puro, dos subjetivismos. Sou um jogador de xadrez - nunca pude, por exemplo, com o bilhar ou o futebol... Seria ótimo que essas vertentes fossem consideradas numa espécie de “exame periódico de consciência” que os médicos deveriam fazer em sua vida profissional; talvez isso contribuísse para melhorar a qualidade da relação médico-paciente, tão em baixa nestes tempos pós-modernos. Fará muito bem aos médicos ler “O Viés Médico na Literatura de Guimarães Rosa”. É o que a Revista Ecológico irá mostrar a partir desta edição. Acompanhe! (*) Professor da Faculdade de Medicina da UFMG.

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João UM TAL DOUTOR

Eugênio Goulart

redacao@revistaecologico.com.br

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oão Guimarães Rosa abandonou a Medicina após Samuel Libânio; e registro da formatura, em 21 de debreves anos de profissão, mas ela jamais se sepa- zembro de 1930. rou dele. Ficou entremeada em seus textos, semAté então, Rosa tinha escrito alguns pequenos pre correndo em sua veia artística. Desde suas primei- contos e poemas, porém ainda manietado por forte ras experiências com contos e estrofes, até nos seus influência dos escritores franceses, que já tinha lido últimos escritos, pouco antes de morrer prematura- vorazmente. Ele mesmo comentou que nessa épomente, aos 59 anos, com muita constância o médico ca escrevia friamente, sem paixão, preso a modelos Rosa sobreviveu na obra do escritor Rosa. alheios. Quatro desses contos foram publicados em De sua epiderme literária, ou seja, da forma como 1929 e 1930 na revista “O Cruzeiro”, de circulação escolhia e agrupava as palavras, à sua carótida poé- nacional, e Guimarães Rosa recebeu 100 mil réis tica, ou seja, suas essências e suas crenças, o viés do por cada um deles. Provavelmente em função desse olhar médico ficou incrustado no cerne da mensagem sucesso, foi escolhido pelos colegas como orador da que deixou para a posteridade. turma da formatura. Seu pendor pelo jogo com as palavras, escolhenNo seu discurso, há um relato que vale a pena ser cido sempre as mais adequadas, mesmo que inusi- tado: “De distinto médico patrício contam que, achantadas, ficou registrado desde a morte de um colega do-se moribundo, gostava que os companheiros o abavitimado pela febre amarela, quando nassem. E a um deles, que se oferecera cursava o segundo ano do curso métrazer-lhe moderníssimo ventilador “As pessoas dico. Proferiu então a frase que ficou elétrico, capaz de renovar-lhe continão morrem, registrada para sempre: “As pessoas não nuamente o ar do aposento, responde, morrem, ficam encantadas”. ficam encantadas.” admirável, no esoterismo profissional e Essa fala, quase um cochicho, foi presublime na intuição de curador. ‘- Obrisenciada pelos colegas Alysson de Abreu gado; o que me alivia e conforta, não é e Ismael de Faria; e João Rosa, como era conhecido o melhor arejamento do quarto, mas sim a solícita solientre os amigos de então, voltaria a usá-la no discurso dariedade dos meus amigos...’.” de posse da Academia Brasileira de Letras, em 1967, Assim que se graduou, e casado há pouco com sua portanto, 40 anos depois. jovem vizinha Lygia Cabral Penna, partiu para ItaguaDepois de sua passagem pela Faculdade de Medi- ra, situada a cerca de 100 quilômetros de Belo Horizoncina, que durante seu curso de graduação passaria a te, onde clinicou até 1932. A vida pacata em Itaguara, se chamar, em 1927, Faculdade de Medicina da Uni- então distrito de Itaúna, na época com no máximo 700 versidade de Minas Gerais, ficaram os seguintes do- habitantes, onde nem sequer havia eletricidade e até cumentos, hoje criteriosamente guardados no Centro então não havia residido um médico, deu-lhe tempo de Memória da Medicina de Minas Gerais, que fun- para coletar mentalmente dezenas de histórias para o ciona no mesmo local: comprovante de inscrição ao livro “Sagarana”. exame vestibular; provas escritas do exame vestibuNo período de não mais que dezoito meses na relar; provas escritas do curso médico; fotos com cole- gião, observou personagens típicos e guardou de megas; reprodução do quadro de formatura; discurso de mória casos antigos e novos, verídicos, improváveis ou orador da turma; discurso de paraninfo, o professor fantasiosos, histórias de crimes e de feitiçarias, e deta-

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FOTO: RICARDO BARBOSA / ALMG

OBJETOS pessoais de Guimarães Rosa, como o seu estetoscópio, fizeram parte de uma exposição realizada em 2008 na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG)

lhes minuciosos de bichos e plantas, que encheram as quinhentas páginas dos originais de “Sagarana”, escrito alguns anos depois. Poucos documentos relacionados à sua prática clínica nesse período ficaram preservados, como, por exemplo, algumas receitas. Nelas, o doutor João Rosa, como era conhecido, receitava elatério, chamado também de pepino-do-diabo, pelo seu efeito laxativo, e ruibarbo, de propriedades digestivas. Ficou amigo de raizeiros, cuja medicina alternativa tinha grande aceitação popular em toda a região, em especial de Manoel Rodrigues de Carvalho, Seu Nequinha, famoso curandeiro, que morava em um grotão na zona rural próxima. Em uma carta, preservada pela Secretaria de Cultura da cidade de Itaguara, recomenda cuidados em relação à esposa de Seu Nequinha, que acabara de ter um filho. Rosa elogia o enfermeiro improvisado (“Pudesse eu ter sempre à mão um auxiliar assim”) e adverte que

angus quentes no lugar da dor. Em uma ocasião, teve que socorrer em caráter de urgência uma paciente que fora baleada no abdome pelo marido, que se supunha traído. Providenciou um caminhão que a transportasse até Itaúna, onde foi operada pelo amigo cirurgião Antônio de Lima Coutinho. O fato foi descrito no livro “A Messe de um Decênio”, de autoria de Lima Coutinho, pois o projétil não foi encontrado na cavidade abdominal, já que, descobriu-se depois, transpassou todo o corpo da paciente e inusitadamente não causou lesões graves. No conto “Corpo Fechado”, de seu primeiro livro publicado, “Sagarana”, Guimarães Rosa se coloca como um personagem, o médico recém-chegado à cidadezinha, a conversar com o amigo Manuel Fulô, falso valentão. No diálogo, em mesa de bar e depois de muitas cervejas, Fulô atiça o doutor novo a combater o feiticeiro local, Toniquinho das Águas:

[...] se as dores nas pernas continuarem, veja se há alguma novidade no lugar dolorido (inchação branca e dura), pois pode tratar-se de uma flebite puerperal. De qualquer maneira, caso a dor continue, a doente deverá manter-se em repouso rigorosíssimo, podendo aplicar

Ele vive desencaminhando o povo de ir se consultar com o senhor. Dizendo que doutor-médico não cura nada, que ele sara os outros muito mais em-conta, baratinho... Ele quer plantar

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ENCARTE ESPECIAL (I)

mato na sua roça e frigir ovo no seu fogão! O senhor não vê? Ele não faz receita no papel, só porque não conhece os símplices, e acho que não sabe escrever, e isso que nem o boticário aviava nenhuns-nada... Mas benze, trata de tudo, e aconselha que a gente não deve de tomar remédio de botica [...] O doutor hipotético (seria mesmo hipotético?)

não faz caso das futricas de Manuel Fulô. Nesse parágrafo rosiano, uma palavra pouco usada: “símplices”, como eram designadas as drogas que entravam na composição dos remédios. O texto do conto é também pontilhado de referências diretas e indiretas a doenças, como erisipela, hanseníase (mal de lázaro), neurastenia, bócio (papo), sífilis (mal gálico) e tuberculose (héctico).

O Médico da Roça

Ainda em “Corpo Fechado”, Rosa descreve a monotonia da vida em um vilarejo, principalmente a incômoda solidão noturna. Um curto diálogo diz todo o sentimento do jovem médico que abandonou a provinciana, porém fervilhante Belo Horizonte, pela mais que pacata Itaguara:

- Tem sim, mas em-antes não tivesse, meu Deus!... Como é que eu, que não sou dono de nada desta vida, hei de poder pagar seu doutor-médico a trinta mil réis a légua, p’ra ele querer vir até cá?!... Já mandei buscar receita-de-informação, e, o resto do cobrinho que o senhor me deu, eu gastei tudo nas meizinhas de botica...

- Mas, gente, que é que vocês fazem de-noite? - De noite, a gente lava os pés, come leite e dorme.

Sempre com estilo literário apurado e meticuloso, volta e meia usava palavras incomuns, sem quebrar a harmonia da frase, como “meizinhas”, que significa medicamento, palavra hoje totalmente em desuso. Usaria outras vezes a mesma palavra em circunstâncias semelhantes, como no conto “Dão-Lalalão”, do livro “Noites do Sertão”:

Muitos anos mais tarde, em uma autoanálise sobre essa época de sua vida, Guimarães Rosa, que não gostava de dar entrevistas, e que foram muito raras, confidenciou ao amigo Pedro Bloch: Fui exercer a Medicina, durante dois anos, em Itaguara (Itaúna). Só lia Medicina. Naquele tempo, quando eu tinha que atender a doentes, montado a cavalo, longe, achava que qualquer coisa que eu lesse fora da Medicina me enfraquecia. Devorava tudo com angústia, voracidade. Se ao atender um doente eu tivesse lido um jornal ou qualquer coisa não médica, tinha uma impressão de falta, enfraquecimento. Eu não podia aceitar, por exemplo, que doente meu morresse! Durante sua vida de médico da roça, clinicando no arraial, seu consultório era ao lado de sua casa e vizinho da precária farmácia da vila. Fazia também longas viagens a cavalo para atender doentes que não tinham como se deslocar. Procurou abordar em seus textos, como no conto “Duelo”, de “Sagarana”, essas dificuldades do dia a dia: Cassiano perguntou: - Me diz uma coisa, Vinte-e-Um: nas Abóboras tem doutor?

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O triste seo Quincorno não esbarrava de tomar meizinhas, na esperança. Não resignava. Tomava pó de bico de pica-pau torrado, na cachaça, chá de membro de coati, ou infuso, chá de raiz de verga-tesa - coisas de um nunca precisar, deus-livre-guarde. Outra referência à palavra “meizinha” aparece ainda no majestoso livro que escreveria futuramente, “Grande Sertão: Veredas”, quando relata o hábito dos jagunços em improvisar medicamentos com aquilo que estava à mão: Alaripe pegou a gabar a virtude mezinheira das raízes e folhas. – “Até estas aqui, duvidar, devem de poder servir, em doses, de remédio para algum carecer, só que não se sabe...” - ele disse, por uma moita rosmunda de frei-jorge, esfiada em tantos espetos e a povoã por perto crescida. É quase um caminho sem fim ir atrás de todas as palavras utilizadas por Rosa. Para saber o significado da palavra “rosmunda”, no parágrafo anterior, há que se contar com a ajuda da professora de linguística Nilce Sant’Anna Martins, que estudou toda a obra e define


FOTO: DIVULGAÇÃO MUSA

o termo como aquilo que é “lavado pelo orvalho”. Em sua pesquisa, identificou a influência do latim no neologismo “rosmunda”: “ros” significa orvalho e “mundo” significa “limpo”. De fato, conforme Rosa declarou publicamente, o garoto Joãozito, como era conhecido, estudou latim com os padres holandeses que ministravam aulas em Cordisburgo e também no Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte. Entretanto, algumas vivências em Itaguara desgostaram o jovem médico, fazendo-o desejar mudar de vida. Como, por exemplo, teve que dar assistência ao primeiro parto da sua esposa Lygia, pois o farmacêutico e o médico de Itaúna somente chegaram quando sua filha Vilma já havia nascido. Deixou Itaguara em 1932 para se inscrever como médico voluntário da Força Pública de Belo Horizonte (atual Polícia Militar de Minas Gerais). Estava em curso a Revolução Constitucionalista, movimento liderado por São Paulo contra o governo federal, em resposta aos desdobramentos políticos da Revolução de 1930, que colocou no poder o gaúcho Getúlio Vagas. A revolta durou alguns meses e após vários enfrentamentos, e muitas mortes, foi vencida pelas forças federais, apoiadas pelos mineiros. Ganhou o nome de Revolução Constitucionalista de 1932. Um equívoco foi cometido por vários autores, ao afirmarem que Rosa esteve na frente de batalha na região do Túnel da Mantiqueira, próximo à cidade de Passa Quatro, na divisa de Minas Gerais com São Paulo. Na realidade, ficou aquartelado em Viçosa, aguardando o momento de seguir para mais uma sangrenta guerra entre irmãos brasileiros, o que felizmente, para ele, nunca aconteceu. Juscelino Kubitschek, que era contemporâneo de Rosa na Faculdade de Medicina, em Belo Horizonte, trabalhou durante alguns meses como cirurgião-militar no hospital de campanha em Passa Quatro. JK, pouco depois, deixaria a profissão para se tornar político de grande sucesso e, posteriormente, ficou amigo íntimo de Guimarães Rosa, quando ambos residiram no Rio de Janeiro. Em 1933, como oficial médico do 9º Batalhão de Infantaria, mudou-se para Barbacena, terra natal de seu sogro. Foi um período de vida mansa de médico de quartel, pois fazia exames de rotina na tropa, discursava nas solenidades e lia muito. Em Barbacena nasceu Agnes, sua segunda filha. Nas inúmeras horas vagas escreveu alguns poemas do livro “Magma”, o qual, todavia, não permitiu que fosse publicado em vida. Esmerou-se no estudo de línguas, incluindo o alemão, o russo e o japonês, e já reconhecido pelos companheiros como poliglota recebeu o estímulo de um colega de Barbacena para se inscrever em um

ITAGUARA, a 95 km da capital mineira: na época de Rosa, ela tinha 700 habitantes. Além da prática médica, foi lá que nasceram as primeiras estórias para o livro "Sagarana"

concurso do Itamaraty para a seleção de diplomatas, e deixar a profissão de médico. Viajou para o Rio de Janeiro, onde prestou concurso em 1934, tendo sido aprovado em segundo lugar, dentre 57 concorrentes. Finalmente, pôde assumir que tinha alguma incompatibilidade com a prática da Medicina. Expressou claramente isso em carta ao amigo e colega Pedro Moreira Barbosa, datada de 1934: Não nasci para isso, penso. [...] Primeiramente, repugna- me qualquer trabalho material - só posso agir satisfeito no terreno das teorias, dos textos, do raciocínio puro, dos subjetivismos. Sou um jogador de xadrez - nunca pude, por exemplo, com o bilhar ou com o futebol... Com Guimarães Rosa já funcionário do Ministério das Relações Exteriores, no Rio de Janeiro, o livro “Sagarana”, que inicialmente recebera o título de “Contos” e em seguida de “Sezão”, foi escrito em 1937, a lápis, deitado em uma cama (apud Rosa, 1999, p. 378): Então, passei horas de dias fechado no quarto, cantando cantigas sertanejas, dialogando com vaqueiros de velha lembrança, “revendo” paisagens da minha terra, e aboiando para um gado imenso. [...] sete meses de exaltação, de deslumbramento. O livro ficou em segundo lugar em um concurso da Livraria José Olympio, em 1938. O escritor Graciliano Ramos, já reconhecido nacionalmente, e que fazia parte da comissão julgadora, optou por dar o prêmio a outro livro, após um debate passional entre os jurados. Todavia, confessou que ficou com as histórias

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ENCARTE ESPECIAL (I) dos originais do livro em sua memória e sempre de- rante doze dias, acompanhou - da manhã à noite sejou conhecer o autor, de pseudônimo “Viator”, que - homens e bois, sempre com um caderno de notas ninguém sabia quem era. Baseado no texto que lera, pendurado no pescoço por um barbante e um lápis tinha certeza de que quem o escrevera era um médi- à mão. Nessa viagem conheceu o vaqueiro Manuelco do interior de Minas Gerais. Anos mais tarde, Gra- zão, que viraria um importante personagem de sua ciliano Ramos ficou conhecendo Rosa casualmente, literatura, e que em depoimento posterior relatou que se identificou como o misterioso “Viator”. que o doutor João “perguntava mais que padre”. Nos Graciliano se desculpou por não lhe ter dado o prê- anos seguintes Rosa escreveu “Corpo de Baile” e, mio. Aproveitou a ocasião para estimulá-lo a prosse- pouco depois, no mesmo fôlego, o romance “Granguir como escritor e a escrever um grande romance. de Sertão: Veredas”, sua obra-prima. O livro “Corpo “Sagarana” somente foi publicado em 1946, após de Baile”, com quase mil páginas, foi posteriormenexaustivas revisões e redução do número de contos. O te, com a autorização do autor, desmembrado em livro imediatamente recebeu enorme consagração do três volumes: “Manuelzão e Miguilim”; “No Urubupúblico e da crítica. quaquá, no Pinhém”; e “Noites do Sertão”. O escritor que existia em Guimarães Rosa não Algumas anotações desses diários de campo da case manifestou durante alguns anos, envolvido que valgada denunciam o médico que existia nele, como estava com as tarefas de cônsul durante a Segunda ao escrever sobre o mel de jataí e suas propriedades Guerra Mundial. Como diplomata foi transferido terapêuticas: Mel especial. Dos principais. É medicipara Hamburgo, na Alemanha e, além de correr ris- nal. É doce, é puro. Tira-se dele para dar a uma crianco de vida, devido às bombas dos aliados que caí- ça endefluxada. ram muitas vezes próximas ao local onde residia, “Defluxo” é um termo comum no interior de ficou confinado na cidade de BaMinas, usado para designar gripe. den-Baden por quatro meses, até Talvez derive da palavra “fluxo”, ou “Apertou em mim ser libertado em troca de diplomaseja, da coriza que caracteriza essa aquela tristeza, da pior infecção virótica. Outros nomes tas alemães residentes no Brasil. de todas, que é a sem Após quatro anos na Europa, populares são também resfriado e voltou em 1942 para o Rio de Japingadeira. razão de motivo.” neiro, e logo em seguida foi enEm um texto autobiográfico, Rosa viado pelo Itamaraty para a Cofala sobre a miopia, a sua própria lômbia. Suas vivências em Bogotá e a opressora “vista curta”, que passou despercebida durante solidão a 2.600 metros de altitude fizeram com que sua infância. Somente foi diagnosticada aos nove escrevesse o conto “Páramo”, publicado no livro anos de idade pelo Dr. Juca, ou seja, José Lourenço póstumo “Estas Estórias”. “Páramo” significa planí- Viana Filho, médico em Curvelo e amigo de sua facie deserta, e a palavra “soroche”, que empregou no mília. No livro “Manuelzão e Miguilim”, no primeitexto, é um termo popular nos Andes para designar ro conto, de nome “Campo Geral”, escreveu uma o mal-estar provocado pela rarefação do oxigênio cena em que Miguilim encontrou por acaso um em grandes altitudes: cavaleiro rico, doutor da cidade, que visitava para uma caçada os ermos onde morava, o Mutum: Nessa manhã, acordei - asfixiava-me. Foi-me horror. Faltava-me o simples ar, um peso imenso opri- Por que você aperta os olhos assim? Você não é limpo mia-me o peito. Eu estava sozinho, a morte atraíra-me de vista? [...] até aqui - sem amor, sem amigos, sem o poder de um E o senhor tirava os óculos e punha-os em Miguilim, pensamento de fé que me amparasse. O ar me faltava, com todo o jeito. debatia-me em arquejos, queria ser eu, mal me conse- Olha agora! guia perguntar, à amarga borda: há um centro de mim Miguilim olhou. Nem não podia acreditar! Tudo era mesmo? Tudo era um pavor imenso de dissolver-me. uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas, Aquilo durou horas? as árvores, as caras das pessoas. Via os grãozinhos de areia, a pele da terra, as pedrinhas menores, as formi[...] Era o soroche, apenas, o mal-das-alturas. guinhas passeando no chão de uma distância. E tonteEm 1952, numa volta às origens, realizou uma ava. Aqui, ali meu Deus, tanta coisa, tudo... grande cavalgada pelo sertão mineiro, tangendo uma boiada. Saiu das margens do Rio São FrancisA menina Chica, irmã de Miguilim, que voltou já co em direção a Cordisburgo, sua cidade natal. Du- adulta no livro “No Urubuquaquá, no Pinhém”, no

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- “Riobaldo, a colheita é comum, mas o capinar é sozinho...” [...] Ao se referir ao compadre Quelemém, Riobaldo diz que aceita de bom grado suas preces, doutrina de “Cardéque”, e recomenda que o interlocutor, certamente também o próprio Guimarães Rosa, o conheça: O senhor vai ver pessoa de tal rareza, como perto dele todo-o-mundo pára sossegado, e sorridente, bondoso... Da época de juventude na Faculdade de Medicina ficou a amizade com o colega Aurélio Caciquinho Ferreira, vínculo que resistiria à distância e ao tempo. De família enraizada no norte de Minas, em especial em torno de Januária, o Dr. Aurélio, que foi médico nessa cidade por longo período, trocou correspondência frequente e constante com Rosa, que sempre lhe solicitava casos de jagunços e fatos pitorescos da vida de médico do interior. A família Ferreira era adversária jurada do jagunço Antônio Dó, famoso por sua crueldade e poderio, que foi morto em 1929. Ricas memórias dos tempos antigos do sertão é que certamente não faltavam. Lamentavelmente, em 1979, uma excepcional cheia do Rio São Francisco inundou Januária, atingindo a casa e a biblioteca do Dr. Aurélio. Todas as cartas de Guimarães Rosa ao amigo foram destruídas pelas águas barrentas, segundo informação pessoal de

FOTO - REPRODUÇÃO: RICARDO BARBOSA / ALMG

conto “A Estória de Lélio e Lina” também apresentava sinais de miopia: A Chica apertava muito os olhos, muito azuis, para enxergar melhor as pessoas, e sempre em si sorria. No livro “Grande Sertão: Veredas”, o personagem principal Riobaldo seria, em muitos aspectos, o próprio Guimarães Rosa, conforme reconheceu o autor em algumas entrevistas. Como em todo ser humano, existe nele uma mistura de coragem e medo, de certezas e incertezas, de amor e ódio, e uma luta permanente do bem contra o mal. Em uma frase carregada de poesia, Riobaldo relembra uma crise passageira de depressão durante sua juventude, em um momento de conflito íntimo, quando não via um sentido maior para a sua existência, e assim se expressou: Apertou em mim aquela tristeza, da pior de todas, que é a sem razão de motivo [...] Ainda no “Grande Sertão: Veredas”, tudo indica que Seu Nequinha, de Itaguara - ou seja, Manoel Rodrigues de Carvalho - raizeiro, que professava a religião espírita, influenciou o personagem compadre Quelemém, que também era espírita e teve grande ascendência sobre Riobaldo. No texto, é quem o aconselha sobre seus muitos dilemas existenciais:

Em 1952, numa volta às origens, realizou uma grande cavalgada pelo sertão mineiro, tangendo uma boiada. Saiu das margens do Rio São Francisco em direção a Cordisburgo, sua cidade natal. Nessa viagem conheceu o vaqueiro Manuelzão, que viraria um importante personagem de sua literatura sua filha Sônia Ferreira. Rosa vivenciou significativas mudanças na prática médica entre as décadas de 1920 e 1960. Nesse período, em que pesem os avanços cirúrgicos, os antibióticos e outros medicamentos, e a sofisticação dos exames complementares, antigas doenças persistiram em infligir sofrimentos à humanidade. Assim, dezenas de enfermidades e situações de convívio médico/paciente são sempre relatadas poeticamente em sua literatura. Essa, portanto, é a justificativa para este livro: realizar mais uma abordagem, até agora pouco explorada, sobre a obra do médico e escritor João Guimarães Rosa.  Confira, na próxima edição, o segundo capítulo da série. APOIO CULTURAL:

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MINAS RUMO AO

FÓRUM MUNDIAL DA ÁGUA ENCARTE ESPECIAL (9)


ENCARTE ESPECIAL FIEMG (9)

FOTO: ALFEU TRANCOSO

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RIO CIPÓ, em Santana do Riacho: a natureza ainda faz de Minas a "caixa d'água do país"

MINAS GERAIS POTÊNCIA HÍDRICA BRASILEIRA Geodiversidade única e elevada capacidade de produzir água fazem do Estado o maior centro distribuidor desse recurso natural no país e, também, palco de oportunidades e investimentos sustentáveis

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s formas espetaculares e os relevos notáveis tornam Minas Gerais um território diferenciado no Brasil. Sua enorme capacidade de produzir água e sua contribuição para manter o volume e o fluxo dos rios durante cada estação fazem do Estado um centro 44  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2018

distribuidor do mais importante recurso natural do planeta. Não por acaso, em termos de potencial hídrico, Minas está entre os dez estados com maior disponibilidade de água doce do país. Considerada a “caixa d’água do Brasil”, Minas concentra as nascen-

tes dos principais rios das grandes bacias hidrográficas da Região Sudeste, compartilhando também seus recursos hídricos com estados de outras regiões. Ao se comparar, por exemplo, a porcentagem que o Estado ocupa nessas bacias hidrográficas, em área


MINAS RUMO AO FÓRUM MUNDIAL DA ÁGUA 2018

Serra da Canastra

TOPOGRAFIA Minas se situa em relevos com topografia mais elevada, variando entre 900 e 1.500 metros acima do nível do mar, com predominância de planaltos, escarpas e depressões, as quais são mais notáveis em sua região Central. São quatro as cadeias de montanhas no Estado: Serra do Espinhaço, Serra da Canastra, Serra da Mantiqueira e Serra dos Aimorés. Mais de 90% do território mineiro está a uma altitude superior a 300 m, e cerca de 25% entre 600 m e 1.500 m, o que faz de Minas Gerais o estado com as maiores elevações médias no Brasil. FOTO: CLEFERSON COMARELA

(44%) à contribuição das ofertas hídricas superficiais geradas em Minas (56% das vazões médias de longo termo), comprova-se que o território mineiro leva aos rios uma quantidade de água maior do que sua proporcionalidade territorial. É o caso do Rio São Francisco, que nasce na Serra da Canastra e corta outros quatro estados (Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas) até desembocar no Oceano Atlântico. Devido aos desníveis altimétricos por onde passa, o Velho Chico tem grande potencial hidrelétrico, o que explica a presença de importantes usinas ao longo de seu curso, como a de Três Marias (com potência instalada de 396 MW). Minas Gerais atua ainda como um importante centro distribuidor de água, compartilhando recursos hídricos com os estados vizinhos. Toda essa capacidade é distribuída por um território cuja dimensão ultrapassa o dobro de sua própria área. Tamanha vocação hídrica representa não só oportunidades como também uma série de desafios para Minas. A água é essencial para as atividades produtivas. E, por isso, é fundamental que a sociedade e as empresas desenvolvam e implementem ações que promovam o uso cada vez mais racional da água, assegurando a sua conservação.

Diferenciais hídricos FOTO: JAIRO ABUD

Minas Gerais é um importante centro distribuidor de água, compartilhando recursos hídricos com os estados vizinhos. Toda essa capacidade é distribuída por um território cuja dimensão ultrapassa o dobro de sua própria área

Cânion do Rio São Francisco na cidade de Canindé, divisa de Alagoas e Sergipe

CLIMA Em relação ao clima, Minas se divide em três regiões diferentes. Nas áreas de mais baixas altitudes (próximo à costa e no vale do São Francisco) ocorrem verões úmidos e invernos secos, com temperaturas médias de 23 graus Celsius, e pluviosidade de cerca de 1.300 mm/ano. Nas áreas de altitudes mais elevadas (sobre e em torno das montanhas), as temperaturas médias variam de 17 a 20 graus. As demais áreas apresentam clima de transição. MARÇO DE 2018 | ECOLÓGICO  45


ENCARTE ESPECIAL FIEMG (9) FOTOS: DIVULGAÇÃO

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Rio Piracicaba

FOTO: ALEX’S PARAGLIDING HOLIDAY

REDE DRENAGEM FLUVIAL Nove grandes e importantes bacias nacionais cobrem o Estado. Com destaque para a do Rio São Francisco, o Rio da Integração Nacional, que escoa seu fluxo para o Norte, nas terras secas do Nordeste; e a do Rio Paraná, ao Sul, que tendo como afluentes os rios Paranaíba e Grande, responde por importantes reservatórios para fornecimento de energia elétrica no país, além das águas para a hidrovia Tietê-Paraná. Destaque também para a bacia dos rios Piracicaba-Jaguari, contribuidoras do abastecimento de milhões de cidadãos da cidade de São Paulo e, da mesma forma, para a bacia do Paraíba do Sul, responsável pelo abastecimento do Rio de Janeiro, e que recebe aporte de vazão de importantes afluentes mineiros, como o Rio Paraibuna.

Rio Doce

ÁGUAS “INTERNACIONAIS” Os rios mineiros literalmente atravessam fronteiras: o Paraná, por exemplo, nasce entre São Paulo, Minas e Mato Grosso do Sul, fluindo para o sul do Brasil, chegando finalmente ao Paraguai e à Argentina, no Estuário do Prata. Impossível deixar de mencionar as partes orientais de Minas, que têm rios que fluem para o Oceano Atlântico, como o Doce, o Jequitinhonha, o Pardo e os Rios do Leste.

46  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2018


MINAS RUMO AO FÓRUM MUNDIAL DA ÁGUA 2018

Hidrelétrica Nova Ponte

RESERVATÓRIOS O Estado tem importantes reservatórios de regularização de vazão hídrica, como a Bacia do Paranaíba, responsável pelo armazenamento de 38,43% do subsistema Sudeste/Centro-Oeste); e a do Rio Grande, que chega a 25,32% do subsistema Nordeste. Elas representam quase 45% do armazenamento hídrico do Sistema Interligado Nacional (SIN). Apenas as usinas hidrelétricas de Furnas, Nova Ponte, Emborcação e Itumbiara respondem por mais de 46% da capacidade máxima de armazenamento do subsistema Sudeste.

FOTO: GUSTAVO COUTO

POTENCIAL HIDROENERGÉTICO Segundo o Sistema de Informações do Potencial Hidrelétrico Brasileiro (SIPOT-Eletrobrás), Minas Gerais é o terceiro estado brasileiro com maior potencial hidrelétrico (ficando atrás apenas de Pará e Paraná), com possibilidade de potência instalada total de quase 24 GW. Do potencial total, 52,7% (12,6 GW) já estão em operação comercial. Do potencial remanescente, mais de 8,8 GW (36,7% do total) já foram inventariados.

SERRA DO ESPINHAÇO, vista da Lapinha da Serra

As montanhas da Serra do Espinhaço atingem cerca de 300 m de altura, estendendo-se de Minas Gerais até o norte da Bahia. Essa cadeia concentra recursos minerais importantes, como ferro, manganês, bauxita e ouro MARÇO DE 2018 | ECOLÓGICO  47


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ENCARTE ESPECIAL FIEMG (9)

Indústria sustentável

ECONOMIA CIRCULAR Em 2017, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), baseada nos resultados do Sistema Integrado de Bolsa de Resíduos e do “Programa Mineiro de Simbiose Industrial (PMSI)”, lançou o “Programa de Economia Circular em Distritos Industriais”. A iniciativa propõe planos de negócios coletivos para as indústrias de um distrito industrial e sua área de influência, criando um ambiente sustentável de trocas de recursos. Em Sete Lagoas, onde foi implantado o projeto-piloto, 19 indústrias participam do programa, com 25 ações de economia circular em execução e 10 planos de negócios coletivos identificados. Já o site do Sistema Integrado recebeu, até agora, mais de 660 mil acessos. São mais de 1.830 empresas participantes, que têm a oportunidade de negociação, em tempo real, de diversos tipos de resíduos, agregando valor a eles e evitando custos com a sua destinação final. Por meio do PMSI, foi possível reutilizar 13.650.000 m3 de água; economizar 195 toneladas de matérias-primas, através do reúso de resíduos; evitou-se, ainda, que 140 toneladas de resíduos fossem para aterros sanitários. Os custos operacionais tiveram redução de R$ 8 milhões. MOBILIZAÇÃO PARA PRODUÇÃO E CONSUMO SUSTENTÁVEIS Trata-se da adoção de processos produtivos que considerem a fini48  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2018

FOTO: SEBASTIÃO JACINTO JR.

Empenhada em tornar a indústria mineira ainda mais competitiva, Fiemg chega aos 85 anos comprometida com a busca do equilíbrio entre as três dimensões da sustentabilidade: econômica, social e ambiental. Conheça, a seguir, alguns de seus projetos e iniciativas:

O GOVERNADOR Fernando Pimentel e o presidente da Fiemg, Olavo Machado, durante lançamento do "Pacto Minas pelas Águas", em 2015: compromisso hídrico

tude dos recursos e associem medidas de gestão para minimizar impactos ambientais. Nesse sentido, a Gerência de Meio Ambiente da Fiemg vem desenvolvendo programas como o “Banco de Boas Práticas Ambientais” e as cartilhas orientativas para gestão ambiental focada

em setores industriais. Também são promovidos eventos técnicos e capacitações para fortalecer a cultura de gestão ambiental no empresariado mineiro. Até o momento, foram elaborados seis Guias Técnicos Ambientais Setoriais, nove “Boas Práticas Ambientais” publicadas, nove Normas ISO e ABNT sobre sustentabilidade acompanhadas e oito semanas de Produção e Consumo Sustentáveis, totalizando a participação de 1.578 pessoas. MINAS PELAS ÁGUAS Criado para apoiar a indústria mineira na adoção de processos produtivos mais sustentáveis, o Programa “Minas pelas Águas” é um


MINAS RUMO AO FÓRUM MUNDIAL DA ÁGUA 2018

MINAS SUSTENTÁVEL O programa estimula a adoção de soluções que proporcionem economia e, ao mesmo tempo, receita para as empresas. Tudo de uma forma responsável, por meio de uma nova filosofia de gestão, aliando processos produtivos baseados na otimização de resultados econômicos, ambientais e sociais. Disponibiliza para as indústrias participantes um completo diagnóstico que avalia os impactos e as oportunidades de melhoria em cinco pilares principais: conservação de energia, reúso de água, redução e reciclagem de resíduos, responsabilidade social e emissões de carbono. Reconhecido nacionalmente pelos seus bons resultados – foi o responsável pela Fiemg vencer o “Prêmio

Hugo Werneck de Sustentabilidade & Amor à Natureza” 2014, na categoria “Melhor Empresa”, e, em 2016, conquistou o 2º lugar no “Ranking de Tecnologias, Serviços e Produtos Sustentáveis – Sustentar 2016” – o programa já atendeu 9.228 empresas. Quatrocentos e dois municípios foram visitados. Quatrocentos e quarenta e seis licenças ambientais foram concedias por meio da parceria com o “Minas Sustentável”. E 1.961 indústrias foram orientadas para a ecoeficiência. SUSTENTABILIDADE NA CADEIA PRODUTIVA Para apoiar empresas-âncora de

diversos setores no desenvolvimento de suas cadeias de fornecimento, o projeto oferece, desde 2013, diagnósticos, capacitações e consultorias que facilitam a implementação da gestão sustentável. Com isso, reduzem riscos, impactos e melhoram resultados financeiros, ambientais e sociais. Duzentas e quarenta indústrias foram atendidas, com a participação de quatro empresas-âncoras dos setores de mineração, automotivo e siderúrgico. SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE SUSTENTABILIDADE Realizado desde 2002, o evento promove debate sobre novos conhecimentos e experiências fundamentais para o avanço da gestão sustentável em Minas Gerais. Totaliza 2.811 participantes nas quatro edições, representantes de 324 indústrias de diversos portes e setores. FOTO: DIVULGAÇÃO

movimento da Gerência de Meio Ambiente da Fiemg, responsável pelas orientações sobre a legislação de recursos hídricos vigente e os principais instrumentos (como a cobrança pelo uso da água, a outorga, o cadastro de usuários, etc.) da Política Nacional de Recursos Hídricos. Representa o setor industrial no conselho de recursos hídricos e comitês de bacia do domínio do Estado e da União. Tem, ainda, forte atuação em ações de gestão do uso dos recursos hídricos. O lançamento do “Pacto de Minas pelas Águas”, em 03 de março de 2015, teve a participação de mais de mil colaboradores da indústria em todas as regionais e sede. Por meio da campanha “Todos pela Água”, 30% do consumo hídrico nas unidades do Sistema FIEMG foi reduzido. Também foi oferecido apoio institucional para a obtenção de mais de 1.785 outorgas de direito de uso de recursos hídricos em todo o estado, além de contar com representação em 38 comitês de bacia hidrográfica e 34 câmaras técnicas.

O ESTANDE da Fiemg no Fórum também irá reforçar a importância de Minas Gerais como distribuidor de água para outros estados brasileiros

MARÇO DE 2018 | ECOLÓGICO  49


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ENCARTE ESPECIAL FIEMG (9)

O que esperar do Fórum

SAIBA MAIS

www.worldwaterforum8.org www.fiemg.com.br

“O fórum é muito importante. É a primeira vez que ocorre ao Sul do Equador, em um país em desenvolvimento, onde pretendemos ter uma forte mobilização da classe política em torno do tema da água, com discussões que poderão ser compartilhadas com participantes dos outros setores. O evento é movimento vivo, com processo de preparação muito importante, discutindo problemas que precisam de solução.” BENEDITO BRAGA, presidente do Conselho Mundial da Água FOTOS: DIVULGAÇÃO

“A grade temática do fórum foi desenvolvida tendo como base acordos globais sobre a água e o clima, desastres naturais e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Serão nove temas, sendo seis centrais e três transversais. Os centrais serão Clima, Pessoas, Desenvolvimento, Urbano, Ecossistemas e Finanças. Os outros três são Compartilhamento, Governança e Capacitação.” GLAUCO KIMURA, consultor de Conteúdo do Fórum FOTO: REPRODUÇÃO YOUTUBE

Maior evento internacional sobre o tema já realizado no Hemisfério Sul, o “Fórum Mundial da Água” é organizado a cada três anos pelo Conselho Mundial da Água, organização que reúne cerca de 400 instituições relacionadas à temática de recursos hídricos em aproximadamente 70 países. O evento vai promover e ampliar ainda mais o diálogo do processo decisório sobre o tema em nível global, visando ao uso racional e sustentável desse recurso vital. Por sua abrangência política, técnica e institucional, uma de suas características principais é a participação aberta e democrática de um amplo conjunto de atores de diferentes setores, traduzindo-se em um evento de grande relevância na agenda internacional. Essa participação se dá, principalmente, por meio da plataforma online “Sua Voz”, espaço de consulta aberta para que pessoas de todo o mundo colaborem e influenciem os debates. Entre as principais sugestões enviadas pelos participantes estão o desenvolvimento de ações para a proteção de nascentes e o controle de poluição das águas. A Revista Ecológico trará, em sua próxima edição, a cobertura jornalística e análise completa do Fórum Mundial da Água. Aguarde!

“O principal desafio é engajar mais gente em prol desse tema. A água finalmente entrou na pauta da sociedade, e demorou bastante. Todos os alertas que a comunidade técnica e científica podia dar, ela já deu. Mas poucas foram as ações efetivas a partir daí. Essa é a grande oportunidade para uma mudança completa de comportamento em relação ao problema da água.” RODRIGO CORDEIRO, diretor de Operações do Fórum Mundial da Água Fonte: Agência Brasil

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MINAS RUMO AO FÓRUM MUNDIAL DA ÁGUA 2018 ENTREVISTA: MARÍLIA CARVALHO, diretora-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM)

FOTOS: DIVULGAÇÃO

"Minas Gerais avançou" Quais são as expectativas do IGAM para o Fórum Mundial da Água? Este é o maior evento global sobre a temática água e reunirá em Brasília, um número expressivo de pessoas, de diversos países, que vivenciam múltiplas experiências com o uso e a gestão de recursos hídricos. Paralelamente, haverá o “Fórum Alternativo Mundial da Água”, que também discutirá o tema em escala global, reforçando a visão da água como um direito elementar à vida. Conhecer, debater e interagir com toda essa diversidade de saberes, práticas e opiniões será extremamente rico e estratégico para se aprimorar a gestão dos recursos hídricos no âmbito local e regional. Será ainda um momento para estabelecer parcerias e cooperações, que são fundamentais em se tratando de um recurso que ultrapassa as fronteiras políticas. O IGAM também irá compartilhar as suas experiências no evento. É importante destacar que o Estado, embora enfrente importantes desafios, também registra avanços significativos na implementação da política de recursos hídricos, sendo referência no país. No evento, por exemplo, será apresentada a experiência do governo no enfrentamento da escassez hídrica no Estado no período de 2015 a 2018 e a gestão compartilhada da água com São Paulo e Rio de Janeiro, em um painel promovido pelo governo paulista. Que exemplos de gestão e preservação hídrica Minas Gerais levará para o Fórum?

MARÍLIA: "A experiância de Minas no enfrentamento da crise hídrica será apresentada no Fórum"

Com objetivo de ampliar a contribuição de Minas Gerais para os diálogos do evento, o Igam produziu, de maneira coletiva, a publicação “Compartilhando experiências das Águas de Minas Gerais”, que será lançada durante o Fórum. Em dois volumes, a obra reúne 63 artigos de governos, universidades, organizações não governamentais e empresas. E apresenta estudos e boas práticas que promovem o uso sustentável de recursos hídricos no Estado. Os autores foram selecionados a partir de um chamamento público. A publicação estará disponível também em formato digital, no site do IGAM (www.igam.mg.gov.br). Por meio do documento, o Igam também apresentará um breve panorama da gestão das águas no Estado, com enfoque na implementação dos instrumentos de gestão e nas ações realizadas para o enfrentamento da escassez, integrando instrumento de regulação e fis-

calização. Nesse tema, será destacada uma experiência bem-sucedida na bacia do rio das Velhas, nos anos de 2015 a 2017. Ressalta-se, ainda, o esforço no aprimoramento na gestão de dados e informações, com a construção de novas ferramentas como a Infraestrutura de Dados Espaciais (IDE), que traz melhorias no acesso aos dados geográficos do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), e o sistema de Cadastro de Uso Insignificante de Recursos Hídricos, que tem como objetivo estimular a regularização dos pequenos usos. A publicação também levará experiências locais? Sim. A exemplo de programas de produção e conservação de águas desenvolvidas por municípios como Igarapé e Bom Despacho. Outro destaque é o programa “Pró-Mananciais”, em implementação pela Copasa, que se propõe a recuperar e preservar as bacias hidrográficas e as áreas de recarga de mananciais superficiais e subterrâneos onde a Companhia capta água para o abastecimento público. Mostrará, ainda, experiências de instituições de ensino e pesquisa no desenvolvimento de estudos e novas tecnologias que possam contribuir para a melhoria ambiental. Um exemplo é o Centro de Pesquisa e Treinamento em Saneamento (CePTS) da Universidade Federal de Minas Gerais e a Copasa, que desenvolveram uma tecnologia mais simples e eficiente para o tratamento de efluentes e a recuperação de subprodutos do tratamento, lodo e biogás. MARÇO DE 2018 | ECOLÓGICO  51


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MINAS RUMO AO FÓRUM MUNDIAL DA ÁGUA 2018

ENCARTE ESPECIAL FIEMG (9)

O legado do 8º Fórum Mundial da Água Patrícia Boson (*)

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co que devemos adotar. Nesse contexto, outro grande legado para o país ao recepcionar o maior encontro mundial sobre água - e já manifesto como desejo antigo dos maiores especialistas -, é que no Brasil disponibilidade hídrica seja posta e gestada como tema estratégico e de segurança nacional. Isso de fato ocorreu, em 1988, quando a nossa Constituição determinou a instituição de um Sistema de Gestão de Recursos Hídricos. E, em 1997, quando foi instituído o Sistema, com a promulgação da FOTO: ARQUIVO PESSOAL

O Fórum Mundial da Água, em sua oitava edição e que acontece pela primeira vez no Hemisfério Sul, terá alcançado seu objetivo se conseguir, e ao que parece conseguirá, mobilizar milhares de pessoas, de todos os segmentos sociais e de várias partes do mundo, para cinco dias de reflexão sobre água. Chamar a atenção de lideranças políticas, empresariais e da sociedade civil como um todo para que tenhamos uma relação consciente sobre o uso, a preservação, a governabilidade e o cuidado para com esse recurso natural. Quem sabe, ao final desses dias de reflexão, mudar, definitivamente, o comportamento diário de todos nós, consagrando assim um novo paradigma: de infinita e abundante, modelo mental dominante, água é, de fato e cada vez mais, limitada e escassa. Quantas vezes em nosso cotidiano, especialmente como seres urbanos, fazemos uma reflexão madura e ativa de como nós acessamos água, como nós descartamos a água usada e qual o nosso papel no compartilhamento do ciclo hidrológico? O 8º Fórum, como lócus dessa reflexão, poderá dar o primeiro passo para incorporarmos o fato de que, mais que cidadãos de uma unidade federativa (Município, Estado, União) ou de um território, somos cidadãos de uma bacia hidrográfica. Dessa forma, compreendendo que todas as nossas atitudes dependem e que todas nossas escolhas interferem na disponibilidade hídrica. Desde o simplório gesto, mal educado, de jogar lixo na calçada, que acaba sempre em um curso de água, até decisões de grandes dimensões, tal como o modelo de desenvolvimento socioeconômi-

PATRÍCIA: "Quantas vezes no nosso cotidiano fazemos uma reflexão madura e ativa de como acessamos e descartamos água?"

Política Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Mas, infelizmente, no que tange à implementação, avançamos muito pouco. A Política Nacional e o Sistema não contam com órgãos gestores independentes, fortes e capacitados. Penso que, em todo o país, temos, no máximo, duas instituições que respondem adequadamente aos desafios da gestão hídrica. Assim, apesar de termos um sistema moderno, coadunado com o que há de mais avançado na administração de um bem público, de múltiplos usos e valores, e assentados sobre um rico modelo de governança, com ampla participação social, pouco se efetiva sem o braço da governabilidade. Como resultado que pode ser alterado (e estamos instrumentalizados para isso, basta vontade política), uma triste realidade: muitas de nossas coleções hídricas estão abandonadas. E, ainda, boas opções de investimentos são abortadas e muitos dos nossos cidadãos sofrem os efeitos dos eventos hidrológicos adversos, desabastecimento e inundação.  (*) Secretária-executiva do Conselho de Empresários para o Meio Ambiente da Fiemg.


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1 MUNDO VASTO

DESMATAMENTO PODE INTENSIFICAR

O AQUECIMENTO GLOBAL Karina Toledo | Agência Fapesp

O

processo de aquecimento global pode ocorrer de forma ainda mais intensa do que o previsto originalmente, caso não se consiga frear o desmatamento – particularmente nas regiões tropicais do planeta. O alerta foi publicado na Nature Communications por um grupo internacional de cientistas. Entre os autores do texto estão os brasileiros Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP), e Luciana Varanda Rizzo, professora do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Unifesp. “Se continuarmos destruindo as florestas no ritmo atual – cerca de 7 mil km2 por ano

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no caso da Amazônia –, daqui a três ou quatro décadas teremos uma grande perda acumulada. E isso vai intensificar o processo de aquecimento do planeta independentemente do esforço feito para reduzir as emissões de gases de efeito estufa”, disse Artaxo. As conclusões do estudo se baseiam em trabalhos de modelagem computacional e medidas coletadas em florestas, sob a coordenação de Catherine Scott, pesquisadora na Universidade de Leeds, no Reino Unido. Após anos coletando informações sobre o funcionamento das florestas tropicais e temperadas, os gases emitidos pela vegetação e seus impactos na regulação do

clima, o grupo foi capaz de reproduzir matematicamente as condições atmosféricas atuais do planeta, incluindo concentrações de aerossóis, compostos orgânicos voláteis (VOCs, na sigla em inglês). Além, ainda, de antropogênicos e biogênicos, ozônio, dióxido de carbono, metano e também os demais fatores que influenciam na temperatura global. Entre eles, o chamado albedo de superfície (a fração da radiação solar refletida de volta para o espaço em comparação à fração absorvida, que muda de acordo com o tipo de cobertura da superfície). No estudo, foi usado um modelo numérico da atmosfera


desenvolvido no Met Office, agência nacional de meteorologia do Reino Unido. “Depois que conseguimos regular o modelo para reproduzir as condições atuais da atmosfera terrestre e o aumento da temperatura do planeta ocorrido desde 1850, fizemos uma simulação em que o mesmo cenário era mantido, mas todas as florestas eram eliminadas. O resultado foi uma elevação significativa de 0,8ºC na temperatura média. Ou seja, hoje o planeta estaria em média quase 1ºC mais quente, se não houvesse mais florestas”, comentou Artaxo. Os estudos revelaram ainda que a diferença observada nas simulações se deve principalmente às emissões de BVOCs (compostos orgânicos voláteis biogênicos) pelas florestas tropicais. “Ao serem oxidados, os BVOCs dão origem a partículas de aerossol que esfriam o clima, refletindo parte da radiação solar de volta ao espaço. Uma vez derrubada, a floresta deixa de emitir

BVOCs e esse resfriamento deixa de existir, levando a um aquecimento futuro. Esse efeito não estava sendo levado em conta em modelagens anteriores”, comentou Artaxo. Segundo o pesquisador, as florestas temperadas produzem VOCs diferentes e com menor capacidade de dar origem a essas partículas esfriadoras. COLETA DE DADOS Atualmente, a vegetação cobre um terço da área continental do planeta – fração bem menor do que a existente antes da intervenção humana. Grandes áreas florestais na Europa, Ásia, África e América já foram derrubadas. As informações sobre o funcionamento das florestas tropicais começaram a ser coletadas em 2009, na Amazônia, sob a coordenação de Artaxo, no âmbito de dois projetos temáticos apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp): “GoAmazon: interação da pluma urbana de Manaus

com emissões biogênicas da Floresta Amazônica” e “Aeroclima: efeitos diretos e indiretos de aerossóis no clima da Amazônia e Pantanal”. Segundo o professor, o desmatamento altera em definitivo a quantidade de aerossóis e de ozônio na atmosfera do planeta, o que muda todo o balanço radiativo da atmosfera. “A partir desse estudo, aumentou a importância relativa de se manter a floresta em pé. Não só é urgente parar a destruição, como também pensar em políticas de reflorestamento em larga escala, principalmente em regiões tropicais. Caso contrário, pouco vai adiantar o esforço para reduzir as emissões de gases de efeito estufa provenientes da queima de combustíveis fósseis”, disse Artaxo. 

Para ler o artigo “Impact on short -lived climate forcers increases projected warming due to deforestation” na íntegra, acesse: goo.gl/LHZS7K

MARÇO DE 2018 | ECOLÓGICO  55


A Mata Atlântica não chegou ao fim . Já plantamos mais de 40 milhões de árvores nativas em 9 estados. Isso é só o começo.

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1 ENSAIO FOTOGRÁFICO

ENCANTAMENTO

E EDUCAÇÃO Imagens do fotógrafo Bruno Maia incentivam o cuidado com a água e com todos os seres que dependem dela para viver

FOTOS: BRUNO MAIA

"PESCADOR NO LAGAMAR" Guaraqueçaba (PR)

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"SALTOS DO RIO PRETO" Chapada dos Veadeiros (GO)

“M

uitas vezes, uma bela imagem é o nosso primeiro contato com algo e desperta o interesse em conhecê-lo melhor. Depois de observar a imagem que nos atrai, passamos a sonhar, desejamos ver de perto, ouvir, sentir e pisar com nossos próprios pés. A partir daí, não tem como não se encantar com as belezas da diversidade da Terra.” É assim que o fotógrafo e professor Bruno Maia, do Rio de Janeiro, descreve como o encantamento, a busca pelo conhecimento e por entender o ambiente que nos cerca são fundamentais para a educação. “É justamente o que nos move, nos faz cuidar e amar cada lugar e cada ser que cruza o nosso caminho. E nos faz também entender a dimensão

das coisas e respeitar todas elas, em busca de harmonia com a natureza, que é a mesma para todos, em todos os cantos do planeta.” Bruno é responsável pelo “Natureza Fotos”, um banco de imagens sem fins lucrativos de apoio à conservação da biodiversidade e valorização das culturas tradicionais, criado em 2008. “Espero que as imagens selecionadas para esse ensaio sirvam de inspiração para cuidar, respeitar e amar os rios, lagos, mares e todos os seres que, como nós, dependem da água para viver.”

SAIBA MAIS

www.naturezafotos.org bruno.maia@naturezafotos.org

MARÇO DE 2018 | ECOLÓGICO  59


1ENSAIO FOTOGRÁFICO

"PARQUE NACIONAL MARINHO" Fernando de Noronha (PE)

"OLHAR DO JACARÉ" Pantanal (MT)

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FOTOS: BRUNO MAIA

"UNIÃO DAS SARDINHAS" Fernando de Noronha (PE)

"ÁGUAS DO RIO" Amazônia (AM)

QUEM É

ELE

Bruno Maia é um jovem aprendiz da natureza, educador, mestre em Educação para a Sustentabilidade, coordenador nacional do projeto Escola D’Água no Brasil, coordenador de sustentabilidade da Escola Parque do Rio de Janeiro e professor de Educação Ambiental da PUC-Rio. O site "Natureza Fotos" também serve de base para a educação ambiental por meio da sensibilização, informação e estímulo à ação. MARÇO DE 2018 | ECOLÓGICO  61


MEMÓRIA ILUMINADA

FOTOS: DIVULGAÇÃO

1

O PENSAMENTO MÁGICO DE

Walt Disney 62  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2018


Luciano Lopes

redacao@revistaecologico.com.br

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le foi um dos primeiros produtores de cinema a colocar a natureza e os animais como protagonistas de filmes. Nos parques de diversão que levam seu nome, consolidado em uma das marcas mais famosas do mundo, cultivou os talentos do seu “elenco” (não gostava de chamar seus ajudantes de “colaboradores” ou “funcionários”) para eles proporcionarem experiências mágicas aos visitantes. Mandava seus diretores e encarregados andarem pelos parques, enfrentarem as filas e almoçarem nos restaurantes para observar a reação dos convidados. O homem por trás de tudo isso é Walter Elias Disney. Nascido em Chicago (EUA), em 1901, foi um visionário que se inspirou na natureza para criar o maior complexo de entretenimento do planeta. Foi ele quem desenhou o Mickey Mouse, ratinho que seria seu principal personagem e que inicialmente foi criado para competir com o gato Félix, que fazia enorme sucesso na época. A questão da sustentabilidade acompanha o trabalho de Walt Disney desde o começo. Entre 1929 e 1939, produziu uma série de desenhos curtos (“Silly Symphonies”) com imagens coloridas. Um dos episódios – “Flores e Árvores” – foi o vencedor do Oscar de “Melhor Animação Curta” em 1932. No desenho, ele retratou uma briga entre duas árvores. A discussão culmina em um incêndio na mata, que é debelado pelos próprios animais. Quem anda pelos parques da Disney em Orlando, na Flórida (EUA), principalmente o Epcot e o Magic Kingdom, fica impressionado com a quantidade de verde que circunda as atrações. A cada primavera, por exemplo, o Epcot se transforma em palco para o “Festival Internacional de Flores e Jardinagem”, evento que realiza exposição de personagens da Disney em topiaria (plantas podadas em formas ornamentais), além de palestras e workshops.

Walt Disney também era muito preocupado com a preservação da natureza, fato externado por Beth Stevens, vice-presidente de Meio Ambiente da Walt Disney Worldwide Services, durante visita ao Brasil em 2015. Desde o início da construção do primeiro parque em Anaheim, na Califórnia (EUA), no início da década de 1950, ele percebeu que a questão da sustentabilidade deveria estar no DNA da empresa. No Walt Disney Resort, em Orlando, quase 50% do terreno de 11 mil hectares é mantido como área de preservação. O conglomerado Disney também criou, em 2013, um fundo (“Climate Solutions Fund”) para investir em projetos de compensação de carbono, que contemplam o reflorestamento, o aperfeiçoamento de manejo florestal e iniciativas para evitar o desmatamento, como a manutenção de matas antigas. No parque Epcot também foi construída uma fazenda solar, com o formato da cabeça do Mickey, composta de 48 mil painéis fotovoltaicos e capaz de gerar cinco megawatts/mês (que equivale ao abastecimento de 1.000 residências). Recentemente, a Disney anunciou um projeto para aumentar a produção de energia solar para 50 megawatts. O legado de Walt Disney vai além do entretenimento. Ele contribuiu para desenvolver uma cultura de consciência ambiental nos negócios e de atendimento que é um dos destaques nos parques, principalmente entre o “elenco”: educadíssimos, seus integrantes estão sempre dispostos a orientar os convidados com um sorriso. O esforço ajuda a manter a atmosfera mágica criada no parque. Todo o cenário – pessoas, paisagismo, atrações – e os detalhes estão alinhados no propósito de manter viva a ideia de que os visitantes fazem parte da história. A seguir, a Ecológico selecionou algumas frases de Walt Disney que permitirão a você conhecer um pouco do pensamento deste grande visionário:

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MEMÓRIA ILUMINADA – WALT DISNEY l NATUREZA “Eu não gosto de jardins formais. Gosto de natureza selvagem. E isso é o instinto selvagem em mim.” l CONHECIMENTO “Sempre tentamos nos orientar pela ideia básica de que, na descoberta do conhecimento, há uma grande dose de entretenimento – da mesma forma como, inversamente, em todo bom entretenimento sempre há uma semente de sabedoria, humanidade ou esclarecimento.” l DIVERSÃO “Estou interessado em divertir as pessoas, trazendo prazer e alegria. Não buscamos entreter os críticos. Eu prefiro apostar no público.” l PESSOAS “Você não constrói nada sozinho. Você descobre o que as pessoas querem e constrói para elas.” “Você pode sonhar, criar, projetar e construir o lugar mais maravilhoso do mundo. Mas são necessárias pessoas para fazer do sonho uma realidade.” l RISO “O riso é o produto de exportação mais importante da América.” l INÍCIO “A melhor maneira de se iniciar algo é parar de falar e começar a fazer.” l FAMÍLIA “Um homem nunca deve neglicenciar sua família em nome dos negócios.” l MICKEY MOUSE “Ele saiu da minha mente em uma plataforma de desenho há 20 anos, durante um passeio de trem de Manhattan para Hollywood. Era um momento em que as minhas finanças e do meu irmão Roy estavam no menor refluxo e o desastre parecia nos aguardar na esquina.” “Nascido da necessidade, este pequeno amigo literalmente nos libertou de uma preocupação imediata. Ele forneceu os meios para expandir a nossa organização para suas dimensões atuais e ampliar a animação dos desenhos para novos níveis. Ele expressou a

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“Nossos filmes proporcionaram um entretenimento emocionante de qualidade educacional e desempenharam um papel importante no aumento mundial da apreciação e da compreensão da natureza.”


FOTOS: DIVULGAÇÃO

libertação da produção para nós.” “Sentimos que o público, e especialmente as crianças, gosta de animais fofinhos. Eu acho que estamos em dívida com Charlie Chaplin pela ideia do Mickey. Nós queríamos algo atraente e pensávamos em um pequeno rato que teria algo da melancolia de Chaplin - um colega tentando fazer o melhor que podia.” “A vida e os empreendimentos de Mickey Mouse foram intimamente ligados à minha vida pessoal e profissional. É compreensível que eu tenha um apego sentimental para com o pequeno personagem que desempenhou um papel tão importante no decorrer da Disney Productions e foi tão felizmente aceito como um amável amigo, onde quer que filmes sejam exibidos em todo o mundo.” l DISNEYLÂNDIA “Para todas as pessoas que chegam a este lugar: sejam bem-vindos. A Disneylândia é o seu lar. Aqui a idade revive boas lembranças do passado e a juventude pode saborear o desafio e as promessas do futuro. Ela é dedicada aos ideais, aos sonhos e aos fatos que criaram a América, com a esperança de que seja uma fonte de alegria e inspiração para todo o mundo.” “Quando abrimos a Disneylândia [o primeiro parque foi construído na Califórnia], muitas pessoas tiveram a impressão de que era uma coisa passageira, mas elas não perceberam que estávamos fazendo isso porque gostamos de fazê-lo.”

“O riso é a produto de exportação mais importante da América.”

“Eu vi pela primeira vez o local onde construiria a Disneylândia em 1953. A terra era toda plana, sem rios, montanhas, castelos nem foguetes. Tinha apenas laranjais e alguns hectares de nogueiras.” “Ela nunca será completada. Continuará a crescer enquanto houver imaginação no mundo. Nós acreditamos na ideia de criar um parque familiar onde pais e filhos poderiam se divertir juntos.” “A Disneylândia é uma obra de amor. Nós não a construímos apenas com a ideia de ganhar dinheiro.” “O parque significa muito para mim. É algo que nunca estará terminado, algo que eu posso continuar desenvolvendo, ajustando e expandindo. Ele é vivo. Será uma coisa viva e vibrante que precisará de mudanças.” “Eu não apenas posso acrescentar coisas, como até mesmo as árvores continuarão crescendo. A coisa ficará cada vez mais bonita a cada ano. E o parque

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MEMÓRIA ILUMINADA – WALT DISNEY DIVERSÃO sem sujeira: nos parques Disney, há uma lixeira a cada 20 passos

FIQUE POR DENTRO

A Walt Disney Company possui atualmente 15 parques e seis resorts espalhados pelo mundo. O Walt Disney Resorts em Orlando, Flórida (EUA), é o mais visitado de todos. É composto por seis parques, quatro temáticos (Magic Kingdom, Epcot, Hollywood Studios e Animal Kingdom) e dois aquáticos (Typhoon Lagoon e Blizzard Beach).

l ESFORÇO “De todas as coisas que fiz, o mais vital é coordenar aqueles que trabalham comigo e apontar seus esforços para um determinado objetivo.”

FOTO: LUCIANO LOPES

l SONHOS “Todos os nossos sonhos podem se tornar realidade, se tivermos a coragem de persegui-los.”

melhorará à medida que eu descobrir o que o público gosta.” “Quero que as pessoas entrem em um prédio de cinco milhões de dólares no parque para comprar um hambúrguer de cinco centavos.” l VULNERABILIDADE “Você se torna mais vulnerável justamente quando todos falam da sua grandiosidade.” l SER ORIGINAL “Quanto mais você é você mesmo, menos é como qualquer outra pessoa - o que o torna único. O problema com a maioria das pessoas é que eles passam suas vidas tentando imitar os outros e, portanto, temos muitas cópias. Mas poucos originais.” l OTIMISMO “Eu sempre gosto de olhar para o lado otimista da vida, mas sou bastante realista para saber que a vida é uma questão complexa.”

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l VIDA ADULTA “Por que temos que crescer? Conheço mais adultos que têm a abordagem das crianças à vida. Eles não têm medo de ficar encantados com prazeres simples, e eles têm um grau de satisfação com o que a vida trouxe - às vezes também não é muito.” l FILMES “Nós não sucumbimos às tentações sedutoras de fazer vilões ou santos das criaturas retratadas em nossos filmes. Mantivemos uma consideração sensível pela sabedoria do design da natureza e não pelos padrões do homem.” “Nossos filmes proporcionaram um entretenimento emocionante de qualidade educacional e desempenharam um papel importante no aumento mundial da apreciação e da compreensão da natureza. Esses filmes demonstraram que os fatos podem ser tão fascinantes quanto a ficção, a verdade tão sedutora como o mito. Abriram os olhos de jovens e velhos para as belezas do mundo ao ar livre e despertou seu desejo de conservar recursos naturais inestimáveis.” l

FONTES/PESQUISA BIBLIOGRÁFICA Livros “Nos Bastidores da Disney”, de Tom Connellan (Ed. Futura)/ ”O Jeito Disney de Encantar os Clientes”, do Disney Institute (Ed. Saraiva)/www.justdisney.com/”How Walt Disney Invented the Nature Film”, Eyewitness News, ABC)/Revista Exame.


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www.waycarbon.com

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