REH_v.20, nº20, 2023

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Revista de

Estudos HOMEOPÁTICOS ISSN 2965-3045

Publicação Digital Quadrimestral Gratuita

Uma realização do Grupo Livre de Terapeutas Homeopatas do Centro-Oeste

Nesta edição... Odontologia e homeopatia: uma união possível

Curando com Uva ursi

Ano 7 N° 20 Dezembro/2023

Homeopatia e vitiligo

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Editorial O Saberth voltou ao modo presencial! Finalmente, após 3 anos de espera, conseguimos mobilizar as forças necessárias para o formato híbrido: evento presencial com transmissão online e certificação dos inscritos. Foram muitos esforços, inclusive porque as lives e a Revista, que já consomem bastante tempo, continuaram sendo produzidas, sem interrupção. Em novembro, o estudo mensal ocorreu em Goiânia, no local do evento, para todos os testes necessários, inclusive do cardápio orgânico e equilibrado que será servido aos participantes presenciais. Mais uma vez, sustentabilidade e inclusão fazem trio com a Homeopatia: evento lixo zero, com reaproveitamento de materiais, produtos orgânicos, tratamento de um tema super atual e importante para a sociedade (neurodiversidade) e contratação de um cantor cego para a abertura artística. Aguardamos o apoio e o prestígio de todos do Grupo, para que mais essa iniciativa seja coroada de sucesso! A equipe editorial.

Grupo Livre de Terapeutas Homeopatas do Centro-Oeste revistadeestudoshomeopaticos@gmail.com


Mantenedores da Revista de Estudos Homeopáticos 1. Agda Maria de Freitas 2. Artemiza Coêlho 3. Alessandra Santos 4. Ana Dóris da Silva 5. Bárbara Prandini 6. Benedita Campos 7. Bruna Assis 8. Caroline Macedo 9. Cássia Regina da Silva 10. Cristina Ribeiro Rodrigues 11. Edite Lopes 12. Fabiana Mundim 16. Francisca Silva 13. Jacira Curvello 14. José de Assis 15. Karla Rúbia Souza 16. Lourdes Correia do Prado 17. Maria Helena Nunes 18. Maria Mendes 19. Maria Teresa Menezes 20. Moacir Ferreira 21. Muriel Margareth

22. Nara Magalhães 23. Nestor Scherer 24. Nilvânia Carneiro 25. Osvaldo Dantas 26. Paula Márcia Almeida 27. Perônica Pires 28. Pricilla Gomes 29. Ramon Lobo 30. Rita Olívia Abreu 31. Ronaldo Miranda 32. Sebastião Spolidoro 33. Sheila da Costa Oliveira 34. Sheila Gutierrez 35. Suécia M. Damasceno 36. Telda lima 37. Vanderley Lima 38. Virgínia Stefanichen 39. Walter Labuto 40. Wilson Pires 41. International Academy of Classic Homeopathy

Nossa Revista é mantida com contribuições voluntárias. Quer se tornar também um mantenedor e auxiliar a divulgar a Homeopatia? Envie uma mensagem para revistadeestudoshomeopaticos@gmail.com ou WhatsApp para (61) 99934-5001 e lhe enviaremos o termo de adesão. Sua colaboração garante o sucesso desta publicação!


Termo de Adesão ao Grupo de Mantenedores da Revista de Estudos Homeopáticos Obs: os valores são definidos em assembleia, durante os encontros presenciais mensais. Este formulário de adesão auxiliará na justificativa de recebimento dos valores junto ao banco e à Receita Federal. O Grupo “Terapeutas Homeopatas do Centro-Oeste” é uma organização informal, sem fins lucrativos, autogestionada e responsável pela publicação da Revista de Estudos Homeopáticos, periódico quadrimestral, totalmente digital e gratuito para os leitores, disponível no ISSUU (repositório internacional de revistas digitais). O objetivo dessa Revista é divulgar ao máximo a ciência/arte da Homeopatia, para democratizar o acesso às terapias integrativas e fortalecer a rede de terapeutas homeopatas do Centro-Oeste, bem como os prestadores de serviço correlatos a esta importante área de atuação. Para mantê-la, os membros do grupo e/ou simpatizantes da causa de divulgação da Homeopatia se cotizam mensalmente, quadrimestralmente ou anualmente, de modo a remunerar as duas jornalistas que trabalham nesse projeto. A pessoa responsável pela arrecadação é voluntária e realiza os pagamentos das profissionais no dia 10 de cada mês. Agradecemos muito por sua colaboração e solicitamos que (i) preencha os campos a seguir, para formalizarmos nossa parceria, a qual ajuda significativamente a viabilizar a continuidade da publicação, e (ii) escolha a cota de sua preferência, a qual deve ser depositada/transferida até o dia 8 de cada mês. Após o preenchimento, por favor, salve e envie o formulário para o e-mail revistadeestudoshomeopaticos@gmail.com, em cujo drive ele será devidamente armazenado. 1.NOME 2. ENDEREÇO 3. TELEFONE (FIXO/CELULAR/WHATSAPP) 4. CPF OU CNPJ 5. E-MAIL Por este instrumento, adoto voluntariamente a seguinte cota de mantenedor da REVISTA DE ESTUDOS HOMEOPÁTICOS: I. ( ) Cota 1: MENSAL, VALOR R$ 25,00. II. ( ) Cota 2: QUADRIMESTRAL, VALOR R$ 100,00. III. ( ) Cota 3: ANUAL, VALOR R$ 300,00. 6. DEPOSITAR O VALOR DA COTA ESCOLHIDA para (CONTA EXCLUSIVA PARA ESSES RECEBIMENTOS) NU PAGAMENTOS S.A, Banco 260, Ag. 0001, CC. 35704174-9, em nome de Lourdes Correia do Prado, CPF 179.914.80178. Esse número de CPF também é o PIX cadastrado no mesmo banco e conta. Favor enviar o comprovante para o WhatsApp 61 9885-7413, para facilitar o controle e o acompanhamento. Fraternalmente, nossa gratidão. Brasília, ..................... de....................................................... de 20____.

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Carta do Leitor É uma raridade encontrar uma leitura que instrui com pesquisas e casos científicos de maneira simples e compreensiva. Muito obrigada... Cássia Luz, Goiânia, GO. O Grupo criador e mantenedor da Revista tem conquistado espaços interessantes para somar, fortalecer, ampliar conhecimentos, trocar ideias e defender a homeopatia como direito cidadão de acesso à saúde integral e patrimônio da Humanidade! Edite Lopes, Tabocas do Brejo Velho, Bahia. A Revista Homeopática é gostosa de se ler: Assuntos interessantes, fluidez inteligente, coerência, muitas ilustrações, de fácil leitura, visando à busca do bem-estar do ser total, de forma natural. É um oásis de luz em meio a este turbilhão de chamados apelativos, que visam um consumismo adoecedor de tudo e de todos. José de Assis, Brasília, DF.

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EXPEDIENTE Jornalista Responsável

Angélica Calheiros

Editora-Executiva

Sheila da Costa Oliveira Conselho Editorial

Ramon Lobo Sheila da Costa Oliveira Angélica Calheiros Projeto Gráfico e Diagramação

Karine Santos Redatores

Angélica Calheiros Grupo Livre de Terapeutas Homeopatas do Centro-Oeste Revisão

Sheila da Costa Oliveira Contato

Email: revistadeestudoshomeopaticos@gmail.com


ÍNDICE

EDITORIAL 2 MANTENEDORES 3 TERMO DE ADESÃO AO QUADRO DE MANTENEDORES 4 CARTA DO LEITOR 5 EXPEDIENTE 6 SUMÁRIO 7 PRIMEIRA PARTE: HOMEOPATIA E NÓS 8 DIÁRIO DE BORDO 10 BIOGRAFIA 12 Dr. Claudio Real: O precursor da veterinária homeopática no Brasil 12 VALE A PENA LER 14 Manual de Homeopatia Veterinária 14 NOTÍCIAS 16 BRASIL 16 Produtores de SP recorrem à Homeopatia para tratar animais de produção 16 Livro de Natalia Pasternak considera Homeopatia, acupuntura e psicanálise como “falsificações da ciência” 17 Propostas aprovadas na 17ª Conferência Nacional de Saúde destacam Homeopatia no SUS 17 Consórcio Acadêmico Brasileiro de PICS 18 Reconhecimento da Homeopatia como especialidade médica pode ser revisto, diz representante do CFM 18 Considerada prática complementar pelo SUS, Homeopatia está disponível na rede municipal de São Paulo 19 “Desconsiderar Homeopatia como especialidade é retrocesso” afirma radialista Eduardo Barão 20 AMB repercute lançamento do livro “Homeopatia não é efeito placebo” 21 MUNDO 22 Estudantes saem às ruas exigindo mais produtos ayurvédicos e Homeopáticos 22 Homeopatia no tratamento de bronquite 22 OMS promove Homeopatia como “recurso integral” na medicina 23 Agricultores estudam como a Homeopatia pode ajudar a curar colheitas 24 COM A FALA, OS ATENDIDOS 26 A.O. 26 N.M.S 27 HOMEOPATIA A NOSSO FAVOR 28 Homeopatia em odontologia: Para que serve e quais são os benefícios? 28 ENTREVISTA 32 Homeopatia Veterinária 32 SEGUNDA PARTE: HOMEOPATIA TAMBÉM É CIÊNCIA 38 APRENDENDO COM VITHOULKAS: Tratamento homeopático para Vitiligo 40 CURANDO COM... UVA URSI 48 MONOGRAFIA 40 RESGATANDO LAÇOS ENTRE CATOLICISMO E HOMEOPATIA: PRÁTICAS CURATIVAS E MEDICINA HOMEOPÁTICA NAS TRAJETÓRIAS DE TRÊS SACERDOTES CATÓLICOS 50

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Primeira Parte HOMEOPATIA E NÓS

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Revista de

Estudos

HOMEOPÁTICOS 9


DIÁRIO DE BORDO RETROSPECTIVA DO TRABALHO DO GRUPO LIVRE DE HOMEOPATAS DO CENTRO-OESTE

De agosto a dezembro, o Grupo se empenhou no planejamento e na produção do 5º Saberth, das lives temáticas e da Revista, em sua vigésima edição. Além disso, foi finalizado o estudo do livro Combatendo fogo com fogo, de Ton Jansen, conduzido a muitas mãos por vários integrantes do Grupo. Mais duas novas participantes foram admitidas e contamos agora com 83 integrantes. Os níveis de participação continuam bem diferentes, levando-nos à reflexão constante a respeito de como conduzir um grupo voluntário e autogestionado a seus propósitos e objetivos.

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Foi montado um conjunto dos 6 anuários da Revista, em volumes coloridos e encadernados em capa dura, para que cada membro possa fazer seus pedidos e ter as revistas impressas em toda a sua beleza. Foi aberto um Google Form para registrar os pedidos e os volumes serão entregues presencialmente, no dia do 5º Saberth e pelo Correio, conforme combinado com os solicitantes. Em suma, mais um quadrimestre profícuo de resultados e rico de desafios!


Acompanhe todo o conteúdo disponibilizado em nossas redes sociais e comente, auxiliando a dar mais visibilidade aos nossos perfis!

E em nosso blogue oficial: https://www.saberth.com.br/

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Biografia:

Dr. Claudio Real: O precursor da veterinária homeopática no Brasil

Dr. Claudio Real/Reprodução do site RealH.com.br.

Claudio Martins Real nasceu em 11 de fevereiro de 1926, no município de Capão do Leão, localizado no estado do Rio Grande do Sul. Estudou Medicina Veterinária na Escola de Agronomia e Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e, aos 24 anos, tornou-se o professor titular mais jovem do Brasil.

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Seu pai, Francisco Real, perdeu um dos filhos, vítima de doença grave, por não ter respondido aos tratamentos convencionais da época. Quando mais um filho foi acometido por quadro de saúde similar, ele recorreu à Homeopatia e conseguiu salvá-lo, acontecimento que desenvolveu nele uma confiança inabalável na terapêutica.


Influenciado por ele, Claudio passou a estudar e defender o tratamento de Hanhemann, aplicando-o aos seus conhecimentos já adquiridos na área de veterinária. Logo, passou a atuar como professor e pesquisador. Foi o primeiro profissional a utilizar preparados homeopáticos no tratamento de rebanhos, comprovando sua eficácia. Por isso, até hoje é reconhecido como precursor e criador do termo “Homeopatia Populacional”. Em 1985, fundou uma loja de produtos veterinários no município de Ribas do Rio Pardo (MS) que, anos depois, se transformou na Real H, Nutrição e Saúde Animal, empresa reconhecida internacionalmente por desenvolver e investir em alta tecnologia com o objetivo de promover saúde e qualidade de vida a animais. Atualmente, a Real H figura entre as maiores empresas de medicamentos homeopáticos e nutrição animal da América Latina e trabalha com três linhas de produtos principais: saúde para grandes animais, nutrição para grandes animais e Homeo Pet, específica para cães, gatos e outros animais domésticos. O empreendimento, com sede em Campo Grande (MS), também possui o maior laboratório homeopático da América Latina e conta com centros de distribuição em Cuiabá (MT), Ji-Paraná (RO), Cascavel (PR) e Betim (MG), além de atender países como Paraguai, Bolívia e Guatemala.

Com mais de 70 anos dedicados ao estudo, ensino e pesquisas em medicina veterinária e Homeopatia, o Dr. Claudio Real, é um dos profissionais mais experientes e premiados do país, recebendo o título de “Precursor da Homeopatia Veterinária Brasileira” da Associação Brasileira dos Médicos Veterinários Homeopatas (ABMH), no ano de 2000; o Prêmio Paulo Dacorso do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), em 2007; e a Grã Cruz do Mérito Veterinário Brasileiro, da Sociedade Brasileira de Medicina Veterinária (SBMV), em 2010, entre outros. Hoje, aos 97 anos, Claudio ocupa a presidência da Real H e repassou aos filhos, dois deles também médicos veterinários, os valores que continuam fazendo parte de sua carreira acadêmica e empresarial: o amor pelos animais e o respeito à Homeopatia.

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Vale a pena ler... Manual de Homeopatia Veterinária

Imagem: Divulgação.

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A Homeopatia Veterinária surgiu na mesma época em que Hahnemann iniciou os estudos da Homeopatia médica e, em 1815, participou de uma conferência na cidade de Leipzig, Alemanha, onde apresentou seu trabalho intitulado “O tratamento homeopático de animais domésticos”. Depois disso, suas ideias foram retomadas e aprimoradas por veterinários em diferentes países. Escrita pela veterinária homeopata Stella Maris Benez, em parceria com Nilo Cairo, médico homeopata e também estudioso da área, entre outros autores, a obra Manual de Homeopatia Veterinária

teve sua primeira edição lançada no Brasil em 2002, pela Robe Editorial. Dois anos depois, a segunda edição foi publicada sob o selo da editora Novo Conceito. Ambas as versões seguem o formato de guia prático para consulta rápida, com informações que auxiliam profissionais ligados ao tratamento homeopático veterinário a definirem as melhores opções de tratamento e cura de animais, tanto os de estimação, popularmente conhecidos como pets, quanto os de grande porte, como gado e animais silvestres.

Onde Encontrar: *Amazon *Estante Virtual *Mercado Livre * Sebo Lumiere

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NOTÍCIAS BRASIL Produtores de SP recorrem à Homeopatia para tratar animais de produção da alimentação diária dos animais, gerando uma economia de mais de 50% em relação aos custos com medicamentos convencionais. Ainda de acordo com a publicação, o espaço para produtos homeopáticos é pequeno em farmácias veterinárias, contudo, esse quadro pode mudar graças ao aumento de interesse por parte dos produtores nacionais, sobretudo os criadores de bois e ovelhas, além do retorno positivo nas vendas. Foto: Manfred Richter/Pixabay.Arquivo pessoal.

Segundo matéria veiculada no G1, uma fazenda de Pongaí, São Paulo, tem utilizado preparados homeopáticos para afastar carrapatos de rebanhos, uma vez que estes são atraídos por ambientes com vegetação alta, madeiras e entulhos, e para estimular o cio de ovelhas, resultando no nascimento de 70 novos cordeiros por ano. As doses homeopáticas são oferecidas em pó, misturadas ao sal mineralizado que faz parte

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Já que animais tratados com Homeopatia são isentos de resíduos, os benefícios se estendem a consumidores de alimentos como carne e leite, aumentando a qualidade desses produtos e tornando-os mais saudáveis. Fonte: G1


Livro de Natalia Pasternak considera Homeopatia, acupuntura e psicanálise como “falsificações da ciência” A bióloga Natalia Pasternak e seu esposo, o jornalista Carlos Orsi, lançaram, em julho, o livro “Que Bobagem! Pseudociências e Outros Absurdos que Não Merecem Ser Levados a Sério” (ed. Contexto). Nele, são apresentados diversos estudos acadêmicos que questionam a eficácia da Homeopatia, equiparando-a com crenças em astrologia, paranormalidade, constelação familiar e dietas milagrosas.

“A gente sabia que o título ia incomodar”, diz Pasternak em matéria publicada pela Folha de S. Paulo. “Mas, se não incomoda, não tira ninguém da zona de conforto [...], não traz [o assunto] para o debate público e não causa mudanças na sociedade”, completa. Fonte: Folha de S. Paulo

Propostas aprovadas na 17° Conferência Nacional de Saúde destacam Homeopatia no SUS

Berenice Denez, acredita que não há editais suficientes para pesquisas em Pics e que relatos sobre experiências bem-sucedidas no SUS deveriam ter mais destaque, pois isso contribui para que as práticas integrativas continuem sendo invalidadas.

Foto: Detlev Cosler/Pixabay.

Segundo publicação do site do Conselho Nacional de Saúde (CNS), a representante do Conselho Federal de Farmácia (CFF) na Comissão Intersetorial Comissão Intersetorial de Promoção, Proteção e Práticas Integrativas e Complementares em Saúde do CNS, Karen

Algumas das ações importantes sugeridas por Denez para fortalecer tanto a Homeopatia quanto as demais práticas junto à sociedade são: a inclusão efetiva das Pics nas grades disciplinares de graduação dos cursos de Saúde, a criação de categorias de produtos das Pics na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a instituição de uma coordenação específica no organograma do Ministério da Saúde e a ampliação das equipes que operam no âmbito das práticas integrativas nos territórios.

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Consórcio Acadêmico Brasileiro de PICS Com o objetivo de fortalecer a legitimidade científica das Pics e garantir sua integração ao SUS, o Consórcio de Pesquisadores em Saúde Integrativa da América Latina foi anunciado, pela primeira vez, durante o 1º Congresso Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, que aconteceu na cidade de Natal, em outubro de 2017. O Consórcio foi criado por 25 pesquisadores de 19 universidades brasileiras, e recebeu total apoio da comunidade de atores sociais em PICS, além do Ministério da Saúde. Inspirado no modelo do Consórcio Acadêmico de Medicina e Saúde Integrativa da América do Norte, que reúne 72 centros dedicados ao es-

tudo dos sistemas médicos e práticas de Saúde não convencionais, filiados a universidades nos Estados Unidos, México e Canadá. Os pesquisadores brasileiros também pretendem inspirar outros países latino-americanos a avançarem na consolidação de parcerias nacionais e internacionais para aumentar a pesquisa colaborativa em PICS. A filiação do Consórcio Brasileiro à Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), especializada na área e gerida por uma rede regional de colaboração, contribuirá para que o impacto positivo do Consórcio seja ampliado para além do território nacional. Fonte: CNS

Reconhecimento da Homeopatia como especialidade médica pode ser revisto, diz representante do CFM

Foto: Hanna Metsaunelma/Pixabay.

O tema voltou a ser discutido após o lançamento do livro “Que Bobagem! Pseudociências e Outros Absurdos que Não Merecem Ser Levados a Sério”, de Natalia Pasternak e Carlos Orsi. “O CFM reconhece essa especialidade, porém, como órgão regulador, está aberto para novas discussões”, afirmou Cavalcante à reportagem do Estadão. “Caso as evidências sejam questionadas, nada impede uma nova análise. [...] Eu vou pedir para minha equipe coletar essas evidências e vou levar à apreciação dos conselheiros”. Ainda segundo o vice-presidente do CFM e a publicação do Estadão, até 2015, o reconhecimento de especialidades médicas dependia

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apenas de deliberação por parte do CFM e da Associação Médica Brasileira (AMB). Contudo, desde então, esse processo passou a ser comandado pela Comissão Mista de Especialidades (CME), integrada por CFM, AMB, Ministério da Saúde e Ministério da Educação, e responsável por criar ou excluir especialidades. O presidente da AMB, César Eduardo Fernandes, apontou que a entidade defende o tratamento homeopático por ser uma prática regulamentada, além de ter passado por todos os trâmites legais para ser reconhecida em território nacional. No entanto, prometeu que a Associação vai checar os estudos que colocam sua eficácia em xeque e, se achar pertinente, e então debatê-lo com sua diretoria. “Enquanto AMB, temos que entender um pouco melhor, chamar a Associação de Homeopatia para que traga as comprovações que se façam necessárias e debater o assunto”, explicou Fernandes à reportagem do Estadão. Questionado pelo jornal sobre a falta de evidências científicas acerca da Homeopatia, o Minis-


tério da Saúde respondeu que a gestão atual da pasta valoriza a ciência sem deslegitimar saberes tradicionais, que também devem ser valorizados. Em nota, o CFM esclareceu que a Homeopatia é uma das 55 especialidades médicas reconhecidas no País, praticada, com rigor e ética, por cerca de 2.800 médicos habilitados, e que não há qualquer trabalho em andamento com o objetivo de reava-

liar seu reconhecimento. O Conselho ainda reiterou que a CME é responsável por normatizar o registro de especialidades e que há necessidade de um debate amplo, uma vez que nenhuma das instâncias que a compõem pode deliberar, unilateralmente, sobre o assunto. Fonte: Estadão

Considerada prática complementar pelo SUS, Homeopatia está disponível na rede municipal de São Paulo O tratamento homeopático, como especialidade médica, integra a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (Pics) do Ministério da Saúde (MS) desde 2006 e, na cidade de São Paulo, está disponível em 12 equipamentos da rede municipal, como Unidades Básicas de Saúde (UBSs), Ambulatórios de Especialidades (AEs) e hospitais, em todas as regiões, que contam com 17 médicos homeopatas. De janeiro a junho deste ano, já foram realizadas 7.638 consultas homeopáticas na rede. Em matéria publicada no site da prefeitura de São Paulo, o homeopata Eduardo Nishimiya Takeyama contou que atende no Hospital e Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte, há 20 anos, e tem notado uma boa resposta dos pacientes: “Depois de começar, a maioria decide continuar se tratando com homeopatia”. De acordo com o especialista, uma das características mais marcantes da Homeopatia é o vínculo entre médico e paciente. Este é formado durante um diálogo profundo para ouvir o indivíduo e avaliar seus sintomas, além de histórico familiar e de vida - etapa chamada de “anamnese”. A partir de uma análise cuidadosa dos dados coletados, os preparados homeopáticos que mais combinam com as necessidades do paciente são prescritos, geralmente com o objetivo de estimular os mecanismos de seu sistema de defesa. Ainda segundo Takeyama na publicação original, se um mesmo paciente tiver mais de um

quadro clínico a ser tratado, todos serão considerados na seleção dos medicamentos a serem indicados. Quando isso não for possível, o quadro de maior gravidade deve ser tratado primeiro para não confundir o sistema imunológico. A professora Marcia Cristina Brienza Pereira, 51, é uma das pacientes atuais do Hospital e Maternidade Vila Nova Cachoeirinha e também contribuiu com a matéria, compartilhando que iniciou tratamento homeopático na rede pública de São Paulo em 2003, para tratar dores no corpo, além de sintomas de rinite e enxaqueca, doenças crônicas com as quais convive: “Em relação à consulta, o que mais gosto é a extrema atenção do médico, com muitas perguntas e cuidado com cada detalhe. [...] Os resultados podem demorar um pouco mais, mas em compensação, na minha experiência, a melhora é consistente.” Para agendar consulta homeopática na rede municipal, o cidadão precisa realizar uma solicitação na UBS de sua região e aguardar encaminhamento. Vale lembrar que pacientes cadastrados na rede pública também têm direito a adquirir os medicamentos prescritos gratuitamente, e que sua disponibilidade varia de acordo com a demanda, entre outros fatores. Fonte: Prefeitura de São Paulo

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“Desconsiderar Homeopatia como especialidade é retrocesso” afirma radialista Eduardo Barão A Homeopatia tem uma longa história de contribuições para a saúde e o bem-estar dos brasileiros, por isso, manter-se atento aos desdobramentos e às consequências do debate acerca de seu reconhecimento como especialidade médica é crucial para a sociedade. No dia 20 de julho deste ano, o jornalista e radialista Eduardo Brandão, aproveitou seu programa na Rádio BandNews FM para relatar sua opinião sobre o tema: “A vida inteira eu fui tratado com alopatia, e quando me casei com a minha esposa, Michele, eu conheci um médico homeopata que infelizmente não está mais entre nós, um ucraniano chamado Michail Antoniuk. Ele era formado pela Universidade de São Paulo, médico. A partir daí, eu passei a ser tratado sempre com Homeopatia, e os resultados que eu obtive no meu corpo foram muito melhores. Coisas que eu tinha desde criança, e que a alopatia nunca conseguiu resolver, a Homeopatia resolveu com o Dr. Antoniuk. Na família da minha esposa, Michele, os pais, os avós, sempre foram tratados com Homeopatia, e com excelentes resultados.”

Até que, de novo, achamos um outro médico em São Paulo, o Dr. Zeus, que continua com o trabalho. Ou seja, você tem uma diferença entre profissionais exatamente como acontece na alopatia. [...] Você tem médicos bons, que resolvem o problema, e médicos ruins, assim como jornalistas ruins. É uma situação normal de qualquer profissão.” Brandão também ressaltou que seus filhos são tratados com Homeopatia desde pequenos e sempre responderam bem a isso. “Até hoje eles não têm a menor ideia do que é alopatia e o que é Homeopatia. Simplesmente tomam o remedinho e curam a febre, curam a dor de barriga, curam sei lá o quê. As minhas gatas todas, a minha cadela, sempre foram tratadas com Homeopatia. Como que você vai contar para um gato ou um cachorro que ele está recebendo um produto na boca [...] e que esse produto é um placebo? Eu não vou entrar no mérito das pesquisas que foram feitas, nem no lobby da indústria farmacêutica [...], eu vou entrar na minha experiência pessoal. A Homeopatia funcionou. Nos casos em que não funcionou, me parece que o profissional homeopata não era dos melhores, então eu fui trocando até achar um que voltou a funcionar. Agora, você explicar como que uma criança ou um bebê é tratado e curado com Homeopatia sem saber que está tomando um remédio, eu acho complicado.” O radialista concluiu defendendo o direito dos indivíduos de escolherem como preferem ser tratados, e ressaltou que desconsiderar a Homeopatia como especialidade médica é um retrocesso:

Imagem: Vídeo do canal da Rádio Band News FM, no Youtube.

Ainda de acordo com o jornalista, após o falecimento do Dr. Antoniuk, foi necessário procurar outro homeopata para a família. No entanto, as experiências não foram positivas: “O que estava dando certo com aquele médico, não teve o mesmo resultado com outros médicos.

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“Não são todos os profissionais da rede pública e privada, homeopata ou alopata, que são bons. Vai de cada um identificar o que é melhor para si. A minha experiência pessoal é que a alopatia tem resultados bons, importantes, mas nem sempre resolve tudo. [...] Acho uma pena, um retrocesso, se o Conselho Federal de Medicina voltar atrás nessa decisão da década de 80, que está sendo revista agora por uma pesquisa. [...] Tem que ver o resultado prático e, pelo menos no meu caso, o resultado prático foi extremamente positivo.” Fonte: Band News FM


AMB repercute lançamento do livro “Homeopatia não é efeito placebo” O médico homeopata Marcus Zulian Teixeira, também professor e pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), lançou o livro digital “Homeopatia não é efeito placebo: Comprovação das evidências científicas da Homeopatia”, indexado e disponibilizado online na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS-LILACS-BIREME)(1).

Com treze capítulos interativos, a obra aborda tópicos como epidemiología clínica homeopática, estratégias pseudocéticas e pseudocientíficas usadas em ataques ao tratamento homeopático, fundamentação farmacológica do princípio da similitude, estudos observacionais e experimentais, e ensaios clínicos controlados randomizados, entre outros. Empregando o método científico no levantamento e na análise dos dados, o autor apresenta centenas de estudos, experimentais e clínicos, que fundamentam os princípios, a eficácia e a segurança do tratamento homeopático, comprovando que a Homeopatia tem, sim, embasamento científico, e colocando em xeque afirmações preconceituosas que buscam menosprezar a filosofia e a patologia hahnemannianas. Fonte: AMB

Imagem: Reprodução/Site da Associação Paulista de Medicina (APM).

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MUNDO Estudantes saem às ruas exigindo mais produtos ayurvédicos e Homeopáticos A Universidade Doon recebeu a convenNo dia 25 de setembro, membros da Associação de Estudantes de Odisha Ayush realizaram um protesto próximo à assembleia estadual de Bubanesvar, capital do estado de Orissa, na Índia, exigindo que o governo estadual inaugure novos hospitais e dispensários de Homeopatia e ayurveda para a população.

“O estado tem 562 postos de médicos homeopatas e 619 ayurvédicos para mais de 4,4 milhões de habitantes”, explica Rajesh Mishra, presidente da Associação, ao site Times of India. “Nos últimos 21 anos, mais de 10.000 postos médicos alopatas foram criados em Odisha, enquanto o estado não criou um único posto médico ayurvédico ou homeopata desde 2002.

Eles também exigiram que o governo ofereça mais cargos médicos para profissionais formados em ambas as áreas, tanto em unidades de saúde já existentes quanto nas que ainda serão abertas, em todo o estado. Os membros da Associação incluem graduandos e ex-alunos de hospitais Ayurvédicos e Homeopáticos.

Lopamudra Khatoi, secretária-geral da associação, lembrou que médicos ayurvédicos e homeopatas trabalharam para o estado durante a pandemia de Covid. “Agora, o governo do estado se esqueceu dessa contribuição”. Fonte: Times of India

Homeopatia no tratamento de bronquite Para definir o tratamento mais eficaz em quadros de bronquite, especialistas geralmente procuram, antes de tudo, saber quais fatores contribuíram para seu surgimento, como tabagismo e poluição do ar, além de patógenos bacterianos e virais. Trata-se de uma doença que merece atenção e cuidado, uma vez que pode evoluir para casos mais graves de pneumonia e asma. A bronquite causada por patógenos virais costuma desaparecer após alguns dias. Já a causa-

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da pelo tabagismo exige a interrupção do hábito, com o risco de câncer. O tratamento da bronquite causada por bactérias pode ser feito com antibióticos, que podem ser ingeridos com xarope expectorante para tosse, tornando mais fácil a expulsão de bactérias pulmonares prejudiciais do catarro. A maioria dos sintomas da doença também desaparece poucos dias.


Recorrer a tratamentos naturais também tem se mostrado eficaz, e a Homeopatia é uma das opções.

Kalium bichromicum - ajuda a reduzir a secreção excessiva de muco.

Proporcionando alívio dos desconfortos causados ​​pela bronquite, a abordagem homeopática envolve a melhora do sistema imunológico para combater infecções sem o uso de antibióticos, reduzindo a duração de um ataque agudo de bronquite e os níveis de toxicidade no organismo. Os medicamentos homeopáticos corretos também controlam a bronquite crônica, além de ajudar usuários de tabaco a pararem de fumar.

Antimonium tartaricum – trata sintomas como falta de ar, tosse espasmódica, asfixia e dificuldade de respirar.

O tratamento homeopático não tem efeitos colaterais, pode ser administrado a qualquer paciente de qualquer faixa etária, e previne complicações relacionadas à bronquite, como insuficiência respiratória, pneumonia e insuficiência cardíaca. Alguns dos preparados homeopáticos mais comuns no tratamento de doenças respiratórias são: Cactus grandiflorus – para o tratamento de falta de ar e desconforto no peito. Sambucus nigra – para tratamento de bebês e crianças com asma.

Kalium carbonica – aborda ataques desencadeados por estresse emocional. Phosphorus - trata a asma causada por mudanças repentinas de temperatura. Caladium – trata a asma causada pelo fumo. Bryonia – dá dores no peito causadas pela tosse. Ignatia – acalma a asma brônquica nervosa. Moschus – trata a asma causada por nervosismo acompanhado de dispnéia. Mercurius solubilis – alivia ataques noturnos de falta de ar. A bronquite é uma doença grave e requer atenção profissional. No entanto, em muitos casos, pode ser curada completamente se controlada na fase inicial. Fonte: Philahomeopathy

Lachesis - trata ataques que surgem durante o sono ou de manhã cedo.

OMS promove Homeopatia como “recurso integral” na medicina Em agosto deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) usou suas redes sociais para endossar medicinas alternativas, incluindo a Homeopatia, e encorajar o público a explorá-las como tratamento. “Para milhões de pessoas em todo o mundo, a Medicina Tradicional é a primeira parada quando se trata de saúde e bem-estar”, diz um dos posts. Imagem: Perfil da OMS no Twitter.

“A Medicina Tradicional está enraizada no conhecimento indígena e nos recursos naturais

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das comunidades. Tem sido um recurso integral para a saúde nas famílias durante séculos. A OMS trabalha para fortalecer sua base de evidências, aumentando a sua segurança e eficácia”, continuou a Organização, que defendeu acupuntura, ayurveda, fitoterapia, Homeopatia, naturopatia, osteopatia, medicina tradicional chinesa e medicina Unani em apoio ao seu novo “Centro Global de Medicina Tradicional”, estabelecido em 2020, sob a orientação do governo indiano.

os países a integrá-la nos seus sistemas de saúde e regular a sua qualidade”, concluiu a OMS em suas redes. Fonte: Fox News

“O programa de Medicina Tradicional da OMS visa construir uma base sólida de evidências para políticas e padrões sobre práticas e produtos de medicina tradicional, ajudando

Agricultores estudam como a Homeopatia pode ajudar a curar colheitas

Por mais de uma década, a Sociedade Sri Aurobindo, organização não-governamental sem fins lucrativos localizada na Índia, tem realizado pesquisas para analisar a aplicação da Homeopatia na agricultura. Após anos de investigação, a ONG iniciou experimentos de campo na cidade de Puducherry, em Tamil Nadu, onde está trabalhando em parceria com mais de 30 agricultores.

Figurando entre as mais novas abordagens em pesquisa agrícola mundial, a agrohomeopatia estuda como os medicamentos homeopáticos podem alterar as atividades fisiológicas das plantas, e são utilizados em culturas, plantas, árvores e solo para tratar doenças como alternativa à utilização de fertilizantes químicos, fungicidas e pesticidas.

“A agrohomeopatia é uma ciência relativamente nova e economicamente prática”, apontou F Jayachandran, colaborador da Sociedade que coordenou um workshop nacional de dois dias sobre o tema, em entrevista para o site Times of India.

“[A Homeopatia] fortalece a força vital das plantas, equilibra o solo, é ecologicamente correta e pode impulsionar o crescimento e a produção. É econômica e atua na resolução dos males por meio de uma abordagem sistemática sem quaisquer efeitos colaterais. É socialmente

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benéfica e seus resultados são facilmente replicados”, reforça Jayachandran.

a custos bem menores em comparação com a agricultura convencional.

Ainda de acordo com ele, além de tratar doenças doenças de plantas, a agrohomeopatia também auxilia em ações preventivas: “Pode tratar questões identificadas pela pesquisa moderna como traumas retidos na memória biológica da planta, resultantes de condições tais quais hibridação forçada, translocação para locais fora de seus habitats naturais ou fertilização exagerada que causa produção ao extremo.”

Mais de 65 participantes, incluindo especialistas em agroecologia e agricultores profissionais de diferentes partes do país, participaram do workshop, que delineou os resultados de extensas pesquisas sobre plantações de arroz e berinjela, entre outros.

As substâncias homeopáticas também colaboram para o desenvolvimento de resistência interna dos organismos tratados, tornando-os menos vulneráveis a doenças, contribuindo para o controle de pragas, para a fertilidade do solo, e mantendo a segurança do ecossistema, tudo

“Também estamos analisando a possibilidade de expandir as práticas de agrohomeopatia para mais regiões”, compartilhou Jayachandran. Fonte: Times of India

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COM A FALA, OS ATENDIDOS (nesta edição, excepcionalmente, os depoentes optaram por manter-se incógnitos. Isso, no entanto, não invalida seus depoimentos, checados devidamente pela equipe editorial). A.O. Eu tive muitas crises de pancreatite durante a infância, e o tratamento com medicamentos convencionais agrediu muito o meu organismo, sempre trazendo algum efeito colateral para resolver o problema apenas temporariamente, já que apenas os sintomas que apareciam eram o foco dos médicos, não a origem deles. A minha família descobriu o tratamento homeopático através da minha mãe, e desde então, minhas irmãs e eu passamos a tomar os chamados “preparados homeopáticos”, que trataram, a curto e longo prazo, diferentes quadros de saúde, como gripes, infecções, ansiedade, luto, efeitos colaterais das vacinas que tomamos e dores crônicas. Quando algum problema de saúde era um pouco mais sério e chegamos a precisar de antibióticos, por exemplo, as homeopatias prescritas ajudavam a fortalecer o nosso organismo para recebê-los, e os efeitos colaterais ou não apareciam ou eram bem mais leves do que antes, quando tomávamos apenas os medicamentos tradicionais. Dentre tantas experiências e vivências positivas com o tratamento homeopático, eu gostaria de citar uma que teve grande impacto na minha vida, aumentando, ainda mais, a minha confiança na Homeopatia. Na minha pré-adolescência, surgiu um nódulo no meu maxilar direito, duro e fixo, mas

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não doloroso. Os médicos alopatas que minha mãe e eu visitamos disseram que eu precisaria passar por cirurgia para removê-lo, e eu lembro de ter ficado muito nervosa e preocupada com isso. Minha mãe me levou à homeopata da família em busca de preparados homeopáticos para me tratar emocionalmente e, assim, me preparar para a eventual cirurgia. Contudo, a homeopata também prescreveu um remédio para tratar o nódulo em si. Depois de uma semana tomando os preparados homeopáticos três vezes por dia, o nódulo se dissolveu sozinho, sem a necessidade de intervenção cirúrgica. Quando voltamos aos médicos alopatas, os exames comprovaram que não havia mais vestígios do nódulo. A minha família ficou aliviada, e eu também. Espero que a homeopatia possa chegar a cada vez mais pessoas, e que elas também vivam suas experiências positivas com a ajuda dela, vendo que há formas de fazer o melhor pela nossa saúde sem feri-la de alguma forma. Contar com o tratamento homeopático me ajudou a alcançar uma qualidade de vida sem igual e, mesmo quando eu ainda preciso da alopatia para tratar eventuais problemas, como quadros de pânico, os preparados homeopáticos fortalecem o meu organismo para que reações adversas não me causem danos.


N.M.S Começamos com tratamento homeopático devido a um desequilíbrio emocional muito, grande: uma desavença séria com meu marido, que abalou totalmente minha confiança. Senti que não seria possível continuar a vida a dois após mais de 30 anos juntos. Perdi o chão, me sentia sem rumo. Não conseguia nem conversar porque as lágrimas brotavam e a voz ficava embargada. O tratamento homeopático foi iniciado com Natrum Muriaticum 30CH, e o Floral Rescue Remedy. Na primeira semana, comecei a me sentir mais tranquila e voltei a dormir. Vinha uma paz que não parecia ser minha, porque a vida estava um turbilhão, mas, estranhamente, eu me sentia bem, conseguindo trabalhar, conversar, tocar a vida, apesar do conflito instalado. Após alguns dias, conseguimos ter uma primeira conversa a dois que, até então, eu não conseguia. Iniciamos uma terapia com psicólogo para identificar se o caminho melhor seria o divórcio. Isso se deu de setembro para outubro de 2022. Em novembro, a situação seguia ainda sem resolução porque ainda havia muitas dores. Tinha tido uma briga muito grande com meu marido dois dias antes desse episódio que relato a seguir. Estávamos sem conversar porque cada um de nós tinha certeza que estava certo e o outro errado. Muita mágoa e tristeza! Nosso casamento já estava bastante abalado. Já estava tomando homeopatia Natrum Muriaticum 200CH, e realizando tratamento espiritual, buscando retomar meu equilíbrio. Já não estava mais pensando em divórcio, mas essa última discussão havia me abalado profundamente. Porém, na noite do dia 27 de novembro de 2022, eu tinha participado de uma apresentação do coral do qual sou parte e cheguei em casa muito triste. Orei, mas demorei a dormir. Acordei de madrugada e resolvi fazer a “Oração do Perdão” que aprendi na Seicho-No-Ie. Fiz a oração repetidas vezes, com muita fé. Estava cansada de brigar. Foi então que passei por uma situação muito diferente, uma níti-

da sensação quase material de que começaram a sair galhos, garranchos com raízes da minha boca. Não consigo identificar se estava acordada ou se estava sonhando, mas acho que estava acordada porque me lembro de fazer força para vomitar todos os galhos. Pensei bem forte: eu escolho Amar, eu escolho pedir perdão, eu escolho perdoar. Nesse momento, ouvi o seguinte pensamento: ele não é mais a mesma pessoa. Acordei no outro dia me lembrando de tudo e entendendo que algo muito especial tinha acontecido. Chamei meu marido pra conversar, contei o ocorrido e, principalmente, reconheci que eu também precisava mudar pra conviver com a nova pessoa que ele se tornou. Decidi deixar o passado no passado, e o dia 29/11/2022 foi o primeiro dia da nova pessoa que sou. Esse fato me deixou com uma leveza impressionante. Me lembrei de quem sou, e sou alegre, confio nas pessoas porque confio em Deus, me sinto segura e sem medo do futuro. Agradeço o agora que vivo, desperto em mim imensa gratidão por todas as coisas. Agradeço a mim mesma por querer ser melhor e, principalmente, por decidir pelo caminho do amor! O caminho do amor e do perdão é sempre o melhor caminho! A homeopatia foi um apoio incondicional para conseguir passar pelos problemas existenciais que vivenciei, e ainda é, pois continuo firme no tratamento.

EVITE MESMO A AUTOMEDICAÇÃO! PARA SABER COMO E QUANDO USAR CADA SUBSTÂNCIA CITADA NAS MATÉRIAS DESTA REVISTA, OU EM QUALQUER OUTRO LUGAR, PROCURE SEMPRE UM HOMEOPATA. HÁ RISCO DE EFEITOS INDESEJADOS, SE A PRESCRIÇÃO NÃO FOR FEITA ADEQUADAMENTE.

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HOMEOPATIA A NOSSO FAVOR Homeopatia em odontologia: Para que serve e quais são os benefícios?

Foto: Gerd Altmann/Pixabay.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a Homeopatia é o segundo sistema de saúde mais usado no mundo. Trata-se de uma prática terapêutica que estimula a capacidade de cura do organismo adoecido através da ingestão ou absorção de substâncias naturais. Em Odontologia, é usada para prevenir e tratar doenças próprias da boca e de suas estruturas anexas, bem como doenças sistêmicas que possam interferir no tratamento odontológico e no controle de problemas bucais. No Brasil, o Conselho Federal de Odontologia (CFO) habilita profissionais de odontologia em prescrição homeopática desde 2008, mas só regulamentou e reconheceu a Homeopatia como especialidade clínica em 2015, com a Resolução CFO 160. Para Karla Rúbia, odontologista formada pela Universidade Federal de Goiás (UFGO) e terapeuta homeopata, um dos principais diferenciais do tratamento homeopático na área de odontologia é a análise do indivíduo adoecido em suas particularidades em vez de levar em conta apenas seus sintomas.

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“O tratamento homeopático na odontologia é de fundamental importância por considerar o ser humano em sua totalidade, interligando questões emocionais, psicológicas e sociais que vão culminar nas manifestações patológicas clínicas, objetivando tratar o indivíduo e não somente a doença”, aponta. “É um método de tratamento alternativo, totalmente diferenciado da alopatia – ou medicina tradicional – que utiliza, em seus tratamentos, substâncias que atuam contra os sintomas das doenças, como por exemplo: anti-inflamatórios, antidepressivos, que muitas vezes não tratam a origem ou a causa da doença. Além dos dados clínicos analisados durante uma anamnese tradicional, focados nos aspectos odontológicos, deve-se acrescentar, também, dados sobre a personalidade, hábitos, emoções, modo de vida, entre outras informações individuais de cada paciente, sendo que o profissional deve ter uma escuta ativa, sem julgamentos, buscando manter a empatia, afinidade e confiança”.


Foto: Karla Rúbia e paciente/Arquivo pessoal.

ação. A Homeopatia é uma excelente alternativa aos profissionais que desejam promover tratamentos humanizados, oferecendo atendimento diferenciado através de uma consulta de escuta e acolhimento, visando o bem-estar e a melhora da qualidade de vida dos pacientes, além de medicamentos de baixo custo e sem efeitos colaterais. Um ponto negativo, que dificulta sua difusão, é o fato de haver profissionais que ainda veem a terapia como um placebo, por isso, são necessários mais estudos experimentais para melhor compreensão do método terapêutico, bem como capacitação profissional para correta aplicação na odontologia.” Os preparados homeopáticos podem ser acionados tanto em casos agudos quanto crônicos, de forma preventiva ou de emergência.

De acordo com um artigo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), o primeiro profissional a aplicar preparados homeopáticos no tratamento de doenças bucais no Brasil foi o Dr. Jaime Monteiro de Barros, cirurgião-dentista de Ribeirão Preto, considerado pioneiro na introdução da medicina de Hahnemann no ensino odontológico. Em 1949, Barros passou a divulgar a Homeopatia através de publicações na Folha Acadêmica, divulgando a terapêutica para outros profissionais da área e lutando por seu reconhecimento como especialidade.

No caso da estudante Lorrane de Sá Costa, de 22 anos e moradora de Goiânia - GO, as dores intensas causadas por um tratamento de canal foram o estopim para buscar a ajuda de sua homeopata.

Novamente segundo Rúbia, o tratamento homeopático aliado à odontologia foi introduzido recentemente no País, por isso, ainda é desconhecido pela grande maioria de cirurgiões dentistas, bem como por muitos pacientes. “A Homeopatia é muito confundida com a fitoterapia [...].Não faz parte das grades curriculares das Faculdades de Odontologia, dificultando a oportunidade de acessar esse conhecimento e a sua introdução em um meio totalmente voltado à alopatia, excluindo a chance de poder ser mais uma alternativa às práticas tradicionais”, opina. “Eu mesma perdi a oportunidade de aplicá-la mais cedo em minha prática profissional por desconhecimento da amplitude de sua atu-

Foto: Lorrane de Sá Costa/Arquivo pessoal.

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“Mesmo com anestesia, a dor foi aumentando. Ela me passou apenas uma gotinha de Arnica. No começo, eu não acreditei, até porque era muita dor. Mas, aliviou e parou de doer. Foi incrível. Realmente funcionou.”

Isabela Rizerio, 26 anos, e Social Media de Goiânia - GO, extraiu quatro sisos e procurou tratamento homeopático para administrar sintomas comuns do pós-procedimento, como sangramentos, inchaço, dor e problemas de cicatrização.

Já Nathalia Costa, 31 anos, psicóloga de Taguatinga - DF, fez tratamento homeopático para um abscesso dentário decorrente de uma prótese mal-feita que causou perda de tecido e perda óssea. “A infecção deixou todo o lado direito do meu rosto muito inchado. Precisei tomar Mercurius solubilis 200 CH, Arnica montana 200 CH, Myristica 200 CH, Symphytum 200 CH e Hypericm 200 CH porque o problema estava no osso, na gengiva, na raiz e polpa dos dentes”, lembra. “Também fiz bochecho de calêndula e, em questão de dois dias, o inchaço já tinha ido embora.”

Foto: Isabela Rizerio/Arquivo pessoal.

Foto: Nathalia Costa/Arquivo pessoal.

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“Tomei Arnica, Apis e Pulsatila, e senti que não fiquei tão inchada quanto outras pessoas ficariam. Senti dor, mas uma dor bem tranquila. Tive uma recuperação até rápida. Eu consegui conversar e comer normalmente”, compartilha. Ainda de acordo com Rúbia, é importante lembrar que a prescrição de preparados homeopáticos sempre vai depender das características individuais de cada paciente, por isso, não existe um único remédio que vá funcionar para todas as pessoas, por mais que elas apresentem os mesmos problemas. Contudo, em casos de emergência, é possível recorrer a alguns medicamentos específicos que vão estabilizar o quadro de saúde até que seja possível realizar consulta com um profissional: Aconitum napellus - Para dor intolerável, aguda, acompanhada de agitação extrema, quando o doente não suporta ser tocado ou descoberto.

Pulsatilla - Quando a dor melhora com água fria, e o doente deseja ar fresco, sentindo-se pior em lugares quentes e aglomerados. “A Homeopatia tem suas particularidades, como o próprio método de tratamento, que deve ser individualizado e o fato de atuar em campos sutis através de fórmulas altamente diluídas, mesmo além do número de Avogadro”, assinala Rúbia. “Isso faz com que seus estudos experimentais ainda sejam muito questionados quanto à sua eficácia, e ela seja considerada, por muitos, como placebo. Na prática, os resultados [da Homeopatia] são muito significativos e independem de se acreditar ou não em sua ação. Quando utilizados, seus efeitos podem, perfeitamente, ser observados física e mentalmente. É um processo que requer auto-observação e mudança de hábitos para que ocorra o restabelecimento do equilíbrio entre mente e corpo. É necessário dar maior visibilidade a essa prática”, incentiva a odontologista.

Arnica – Traumas. Coffea cruda – Quando dores são sentidas intensamente e parecem quase insuportáveis,levando o paciente ao desespero. Silicea - Relacionada à inflamação dos tecidos, quando esta evolui para supuração. Pode-se usar este se houver formação de pus.

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ENTREVISTA Homeopatia Veterinária Conhecida por tratar animais em caráter preventivo e curativo, além de oferecer auxílio durante processos de reabilitação e cuidado paliativo, a Homeopatia Veterinária é uma adaptação da Homeopatia humana, bem como uma terapia oficial reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária CFMV desde 1995. Trata-se de um método terapêutico voltado para pets, animais silvestres e animais de produção que atua em suas complicações físicas, emocionais e comportamentais, de forma individualizada e não invasiva. A Homeopatia Veterinária também surgiu com Hahnemann, quando ele curou seu cavalo de cegueira noturna - ou oftalmia periódica -, administrando o preparado homeopático Natrum muriaticum. Da mesma forma que o criador da Homeopatia defendia que a base do tratamento de pacientes humanos envolvia um estudo detalhado de seu comportamento, ele acreditava que o mesmo cuidado deveria ser aplicado no tratamento de animais para medicá-los com eficiência, e chegou a afirmar que: Se as leis da medicina que eu reconheço e eu proclamo são reais, verdadeiras, somente naturais, elas deveriam achar sua aplicação nos animais, assim como nos homens” (MITIDIERO, 2002). Para esclarecer alguns pontos acerca da Homeopatia Veterinária, convidamos a graduada em Medicina Veterinária pela pela Universidade Estadual Paulista - UNESP, terapeuta homeopata e professora de Homeopatia, Virgínia Stefanichen, 62 anos, que respondeu a alguns questionamentos sobre o tema.

Foto: Virgínia Stefanichen/ Arquivo pessoal.

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REH: Qual é a importância do tratamento homeopático em animais? Como ela funciona? Virgínia Stefanichen: O tratamento homeopático para animais, assim como para seres humanos, não provoca efeitos colaterais e trata suavemente o organismo como um todo. Age diretamente na energia vital, fazendo com que o organismo reaja contra a maioria dos desequilíbrios, desarmonias e doenças, restaurando a saúde naturalmente. A Homeopatia se baseia principalmente na Lei da Semelhança, onde algumas substâncias da natureza, têm a capacidade de curar homeopaticamente os mesmos sintomas que são capazes de produzir em doses tóxicas. É interessante citar que muitas pessoas imaginam que a Homeopatia só funciona se acreditarmos nesse tipo de tratamento. Os animais nos ajudam a provar sua eficácia, pois neles ela simplesmente funciona, derrubando esse “mito”. E, indo mais além, a Homeopatia atua em qualquer espécie animal, desde os animais domésticos, como cães, gatos, cavalos, aves, bovinos, etc... até os animais silvestres. REH: Quais são as áreas de atuação da Homeopatia Veterinária (ex.: problemas físicos/emocionais, cirurgias, cuidado paliativo, prevenções, etc)?

Virgínia Stefanichen: As áreas de atuação da Homeopatia em Veterinária são muito amplas. Podemos trabalhar na área clínica, em pesquisas, no preparo de animais para esportes, no manejo e aumento de produção animal, entre outros. É importante mencionar que a Homeopatia Veterinária atua não só em problemas físicos e emocionais, mas também nos problemas comportamentais de nossos animais. Gosto muito da Homeopatia preventiva, pois sabemos que são os distúrbios emocionais que acabam acarretando os problemas físicos com o passar do tempo. Embora o tratamento homeopático não substitua uma indicação cirúrgica, há alguns casos que foram evitados alguns tipos de cirurgias. Em todos os casos, a Homeopatia é sempre muito bem-vinda, pois, mesmo em casos mais graves e terminais, sempre poderemos melhorar a qualidade de vida e evitar mais sofrimentos para nossos animais. Como exemplo, posso citar aqui o depoimento de uma ex-aluna, que criava muitos gatos, e que me relatou que a morte de gatos tratados com Homeopatia é muito mais suave.

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REH: Como identificar quando a intervenção homeopática é necessária? Quais cuidados se deve tomar para escolher o melhor profissional de homeopatia veterinária? Virgínia Stefanichen: É interessante frisar que, o quanto antes entrarmos com o tratamento homeopático, melhores resultados teremos, pois a energia vital do animal estará com mais condições de reagir para extinguir a doença. Então, sempre que um animal apresentar alguma alteração física, de humor ou de comportamento, é muito importante a avaliação do veterinário homeopata. A escolha desse profissional deve ser baseada em empatia, conhecimento, confiança e, principalmente, em amor aos animais e preocupação com o meio ambiente.

REH: O que se pode tratar com a Homeopatia Veterinária? E quando não usá-la? Virgínia Stefanichen: Todos os casos podem e devem ser tratados com Homeopatia. Em alguns casos, usamos preparados homeopáticos paralelamente ao tratamento convencional, visando, entre outros fatores, fortalecer a estrutura imunológica, aliviar alguns efeitos cola-

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terais dos tratamentos alopáticos e trazer mais qualidade de vida para o animal em tratamento. REH: Como a senhora analisa o ensino de Homeopatia Veterinária no Brasil? Virgínia Stefanichen: A Homeopatia, de um modo geral, e não só na Veterinária, deveria ser muito mais estudada devido a seu imenso conteúdo. Quanto mais tempo nos dedicamos aos estudos da Homeopatia, mais descobrimos a amplidão desse “universo”. Infelizmente, no ensino atual, vemos muita centralização e politicagem, fugindo totalmente do objetivo de “Homeopatia para todos”. Apesar da Homeopatia Clássica ter mais de dois séculos de existência, hoje em dia há muitas teorias mais contemporâneas aumentando, ainda mais, esse leque de materiais a serem estudados. Com tanta diversidade, é difícil compararmos o nível dos profissionais no mercado, pois cada um tem a sua própria visão, podendo seguir em linhas diferentes no ramo da Homeopatia. Em todas as especialidades médicas e em todas as áreas do conhecimento humano, existem divergências. O mesmo acontece entre as várias escolas homeopáticas no


Brasil e no mundo. Todas têm suas razões e fundamentos. O importante é tentarmos conhecer, a fundo, cada possibilidade antes de sairmos por aí difamando e criticando por pura falta de conhecimento sobre o assunto. REH: Quais são as diferenças no tratamento homeopático de animais domésticos, animais de produção e animais silvestres? Por quê? Virgínia Stefanichen: O Tratamento Homeopático sempre deve seguir a Lei dos Semelhantes, como já foi explicado, mas também há um outro princípio fundamental em que é o Medicamento Único, onde Hahnemann recomendava o uso de apenas um medicamento de cada vez. Esse medicamento deveria cobrir o maior número de sintomas que o paciente apresentasse. Alguns acham a Homeopatia Veterinária mais difícil do que a humana, já que os animais não falam, mas compensamos isso realizando uma análise mais apurada e detalhada. Em se tratando de animais domésticos, isso é mais simples, pois precisamos apenas observar cuidadosamente cada peculiaridade do nosso paciente. Se formos pensar em animais de produção, precisamos pensar de forma mais abrangente e tentar buscar um medicamento que cubra a maior parte dos sintomas do rebanho.

Quanto aos animais silvestres, essa observação pode ser mais dificultosa e o tratamento também pode ser mais difícil de ser aplicado, conforme o habitat em que se encontra. Mas, não é impossível, e, na maioria das vezes, poderemos contornar esses problemas com muita criatividade e força de vontade. REH: Falando de forma geral, quais preparados homeopáticos a senhora costuma indicar mais para tratar animais? Quais quadros de saúde são tratados por cada um deles? Virgínia Stefanichen: Hahnemann costumava dizer que o bom Homeopata não pode ter um medicamento preferido. Uma coisa muito importante é que, em Homeopatia, tratamos o paciente e não a doença. Então, entre dois animais com o mesmo sintoma, podemos ter que usar medicamentos diferentes. Mas, para não deixar tristes os leitores, posso citar alguns exemplos. Se temos problemas de ciúmes, podemos pensar em algumas Homeopatias como Apis mellifica, Lachesis e Pulsatilla, mas é justamente aí que mora o perigo em Homeopatia, pois se eu tenho um animal ciumento com características de Nux vomica, por exemplo, os outros medicamentos podem não fazer efeito, ou então, irão apenas amenizar o problema.

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Contudo, se eu o trato com o seu medicamento mais semelhante, que no caso seria Nux vomica, conseguirei harmonizar não só esse ciúme, como também proporcionar um tratamento mais duradouro e eficaz, além de protegê-lo de muitas outras doenças que ele poderia vir a ter. Podemos tratar os mais diversos quadros de saúde, tanto em animais como em seres humanos, mas cada caso exige uma observação atenta e detalhada para que o tratamento seja realmente efetivo por não existir, em Homeopatia, fórmulas mágicas. Também não estou dizendo que nunca citei o nome de alguma Homeopatia para um determinado caso, mas, dessa maneira, não estaria fazendo um tratamento homeopático, e sim apenas uma tentativa de ajuda. REH: Quais são os casos de emergência mais comuns quando se tem animais? Quais preparados homeopáticos a senhora recomenda que as pessoas tenham por perto para oferecer os cuidados iniciais corretos antes de procurar ajuda profissional? Virgínia Stefanichen: As ocorrências mais comuns são as intoxicações e os machucados. Para os casos de intoxicações, que podem ocorrer por plantas venenosas, alimentos estragados ou mesmo tentativa

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de envenenamento, uma grande homeopatia a se pensar é a Nux vomica, ou alguma para proteger o fígado, como Chelidonium majus ou Carduus marianus. Para os machucados, podemos citar a Arnica montana, que é excelente para contusões e absorção de coágulos, além de tratar, inclusive, o trauma emocional que essa lesão possa provocar. Temos, também, o Hypericum perforatum, que irá ajudar em todos os ferimentos perfurantes, inclusive por mordidas de brigas, tirando as dores dos nervos, evitando o tétano e também equilibrando o emocional pelo trauma. Esses exemplos de Homeopatias são apenas uma tentativa de ajuda, como dito anteriormente, até que o veterinário possa analisar melhor a situação. REH: Como é utilizado o medicamento homeopático para animais domésticos, animais silvestres e animais de produção? Virgínia Stefanichen: Depois de analisar cada quadro, para um bom e efetivo tratamento homeopático, podemos oferecer a homeopatia com um pouco de água. Para os animais domésticos, podemos pingá-la diluída diretamente na boca, ou


umedecer um pequeno pedaço de pão e pingá-la nele antes de oferecê-lo ao animal. Existem veterinários que utilizam sprays para a administração das homeopatias, mas alguns animais podem se assustar com o barulho, principalmente gatos. Para os animais silvestres, dependendo do habitat em que estão, geralmente utilizamos as fontes de água. Para os animais de produção, geralmente utilizamos na água que lhes é oferecida ou então aspergindo sobre os alimentos que irão comer, dependendo do tipo de criação. REH: Há diferenças no tratamento homeopático de humanos e de animais? Virgínia Stefanichen: Não há muitas diferenças no tratamento de humanos e de animais. A maior diferença está no número de gotas ou glóbulos, no modo como administramos os preparados homeopáticos, e, principalmente, em como analisamos o quadro a ser tratado. Sempre que possível, peço para que as homeopatias sejam oferecidas com um pouco de água, mas existem casos em que, por facilidade de manejo, essa homeopatia é misturada na água de beber do animal, como dito anteriormente.

portante ou deixar uma reflexão que não foi contemplada com as perguntas anteriores? Virgínia Stefanichen: Por mais que tentemos deixar claro que a Homeopatia não trata a doença e sim o animal ou a pessoa, sempre ouvimos a pergunta: Qual Homeopatia é boa para tal coisa? Isso se dá ao fato de que, desde pequenos, ouvimos que, para curar alguma coisa, temos que tomar um remedinho. Então, muitos homeopatas como eu, sempre falamos que a Homeopatia deveria ser ensinada desde a pré-escola, para que, de um modo geral, as crianças já se habituassem a pensar e se tratar homeopaticamente.

REH: Para encerrar, a senhora gostaria de compartilhar algum comentário geral para frisar uma informação im-

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Segunda Parte HOMEOPATIA TAMBÉM É CIÊNCIA

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Revista de

Estudos

HOMEOPÁTICOS 39


APRENDENDO COM VITHOULKAS Tratamento homeopático para Vitiligo

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Contextualização O vitiligo é uma condição autoimune adquirida que é caracterizada pela destruição dos melanócitos epidérmicos causando a perda do pigmento da pele [1]. O vitiligo pode progredir e envolver a reserva folicular dérmica e destruir a base celular dos melanócitos [1]. Embora a prevalência global de vitiligo seja menor que 1%, em algumas populações, pode-se chegar a 3% da população [1]. Classicamente, o vitiligo foi categorizado em variantes segmentar e não- segmentar, dependendo da distribuição da despigmentação da pele [2]. O vitiligo pode causar estresse psicológico, especialmente em indivíduos de pele escura, para quem causa preocupações referentes às alterações cosméticas da pele. Além disso, em algumas partes do mundo, como na Índia rural, o vitiligo é considerado um estigma social, especialmente para as meninas. O vitiligo é uma condição autoimune, na qual acredita-se que múltiplos genes da resposta imunológica estejam envolvidos [3]. Estudos têm demonstrado que o vitiligo pode ser causado por uma resposta ao estresse, mediada por células T e envolvendo mediadores como o fator de necrose tumoral alfa (TNFα), proteína de choque térmico 70 (Hsp70) e interleucina 1 alfa (IL-1a) [4-6]. A destruição dos melanócitos é iniciada por um desequilíbrio na produção de espécies reativas ao oxigênio (ERO) e os radicais livres causam danos nos melanócitos da pele, levando a danos estruturais nas proteínas, apoptose celular, ativação de citocinas e dano ao retículo endoplasmático (RE) [4-6]. A gravidade do vitiligo pode ser avaliada pela mensuração da superóxido dismutase, um subproduto do estresse oxidativo que aumenta quando o vitiligo se encontra ativo, mas regride quando as lesões se tornam estáveis [4-6]. Citocinas e quimiocinas, tais como a quimiocina ligante C-C 5 (CCL5), quimiocina CXC ligante 12 (CXCL12), interleucina 1 alfa (IL-1α) e o fator de necrose tumoral alfa (TNFα) mostraram ter um papel importante na indução da apresentação e recrutamento de autoantígenos de células apresentadoras de antígenos (APCs) e células T ativadas e ter um papel na destruição dos melanócitos da pele, sustentando a etiologia autoimune do vitiligo [1,7-11]. Atualmente, as opções de tratamento disponíveis para os pacientes com vitiligo têm eficácia limitada, particularmente para pacientes com vitiligo nas áreas acrais, que são resistentes ao tratamento devido à falta de folículos pilosos que possam servir como reservatórios para os melanócitos [1,2]. Os critérios para avaliar a resposta ao tratamento do vitiligo inclui: cessação da disseminação; o surgimento da repigmentação da pele; e qualidade de vida geral durante o tratamento [1,12–14]. No entanto, nenhum estudo terapêutico demonstrou ainda os benefícios a longo prazo ao utilizar esses critérios e maiores pesquisas se fazem necessárias para estabelecer evidências da eficácia no tratamento do vitiligo [1,12–14]. Existe pelo menos um estudo clínico observacional prospectivo que investigou a eficácia do tratamento homeopático clássico para o vitiligo [15], com um novo estudo clínico observacional envolvendo tratamentos homeopáticos administrados com base em sintomas característicos individualizados do paciente [16,17]. Contudo, até onde sabemos, relatamos agora a primeira série de casos retrospectivos descrevendo os efeitos a longo prazo do tratamento homeopático do vitiligo. Relato de Caso Uma série de 14 casos de vitiligo é apresentada, tais casos foram tratados com tratamentos homeopáticos individualizados baseados em compostos vegetais, animais ou minerais (Tabela 1). A série de casos consistiu em 13 mulheres e um homem, com média de idade de 29,8 anos e um acompanhamento médio do tratamento de 58 meses. O tempo médio entre o início do aparecimento do vitiligo e a primeira consulta em nossa clínica foi de 96 meses. O tratamento homeopático para os pacientes é holístico e foi realizado numa base individualizada. Imagens fotográficas da pele são apresentadas antes e depois do tratamento (Figuras 1 a 14). Todos os pacientes foram tratados de acordo com as leis da homeopatia clássica [18,19]. As seleções dos tratamentos homeopáticos para esses 14 pacientes foram feitas de acordo com os sintomas individuais dos pacientes. Inicialmente, cada paciente foi avaliado em detalhes em relação aos seus sintomas físicos e psicológicos e o tratamento homeopático foi selecionado para cada paciente (Tabela 1).

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Na maioria dos casos, 12 dos 14 casos, mais de um remédio homeopático foi prescrito e utilizado sequencialmente (Tabela 1). Os pacientes foram acompanhados durante o tratamento por um período médio de 58 meses. Os casos que foram tratados nos estágios iniciais se recuperaram de forma mais rápida e completa. No entanto, nos outros casos, em que a despigmentação da pele foi estabelecida por um longo período e não foi solucionada, uma vez iniciado o tratamento homeopático, outros problemas de saúde melhoraram bem, enquanto a lesão da pele foi coberta muito lentamente. Discussão Este estudo retrospectivo de uma série de 14 casos de vitiligo tratados com compostos homeopáticos individualizados mostrou que embora o vitiligo seja uma doença autoimune primária da pele, pacientes com vitiligo podem ter envolvimento de múltiplos sistemas do corpo. Esta série de casos mostrou que períodos prolongados de estresse psicológico possam estar envolvidos no início e na progressão do vitiligo. Estas associações podem apoiar a visão de que o estresse psicológico e o surgimento de condições autoimunes estejam estreitamente conectados [17]. A medicina homeopática inclui uma abordagem holística para a compreensão do paciente e integra essa abordagem ao fornecer tratamento individualizado ao paciente [18,19]. Certas doenças podem ser manifestadas quando a predisposição genética combina com o estresse, e a homeopatia reconhece esses fatores [18]. A homeopatia considera a suscetibilidade do paciente a certos tipos de estresse, o que significa que a homeopatia possa ser mais bem-sucedida durante o desenvolvimento inicial de uma doença, geralmente mesmo antes de se iniciar com o medicamento convencional [18,19].

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Figura 1. Caso 1. (A) A aparência da pele antes do tratamento. (B) A aparência da pele durante o tratamento.

Figura 2. (A) A aparência da pele antes do tratamento. (B) A aparência da pele durante o tratamento.

Figura 3. (A) A aparência da pele antes do tratamento. (B) A aparência da pele durante o tratamento.

Figura 4. (A) A aparência da pele antes do tratamento. (B) A aparência da pele durante o tratamento.

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Figura 5. (A) A aparência da pele antes do tratamento. (B) A aparência da pele durante o tratamento.

Figura 6. (A) A aparência da pele antes do tratamento. (B) A aparência da pele antes do tratamento. (C) A aparência da pele durante o tratamento. (D) A aparência da pele durante o tratamento.

Figura 7. (A) A aparência da pele antes do tratamento. (B) A aparência da pele durante o tratamento.

Figura 8. (A) A aparência da pele antes do tratamento. (B) A aparência da pele durante o tratamento.

Figura 9. (A) A aparência da pele antes do tratamento. (B) A aparência da pele durante o tratamento.

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Figura 10. (A) A aparência da pele antes do tratamento. (B) A aparência da pele durante o tratamento.

Figura 11. (A) A aparência da pele antes do tratamento. (B) A aparência da pele durante o tratamento.

Figura 12. (A) A aparência da pele antes do tratamento. (B) A aparência da pele durante o tratamento.

Figura 13. (A) A aparência da pele antes do tratamento. (B) A aparência da pele durante o tratamento.

Figura 14. (A) A aparência da pele antes do tratamento. (B) A aparência da pele durante o tratamento.

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A esfera de atuação do medicamento homeopático tem como objetivo fortalecer a ação do sistema imunológico através do entendimento primário de os sintomas serem uma tentativa do sistema imunológico para alcançar o equilíbrio [18,19]. Através da aplicação do princípio de ressonância, a base da medicina homeopática é que se uma substância for capaz de produzir um padrão de sintomas similar em um organismo saudável, então a probabilidade do fortalecimento dos mecanismos de defesa do corpo em um corpo doente com os mesmos sintomas é grande [18,19]. O pilar fundamental da ciência da homeopatia é “semelhante cura semelhante” [19]. A base para homeopatia é que qualquer substância (vegetal, animal, mineral ou metal) que possa afetar a saúde humana poderá servir como medicamento, quando preparado da forma correta. Os medicamentos homeopáticos são preparados através de diluições em série e com a utilização de um processo de agitação chamado sucussão ou potencialização, resultando em “material” não detectável na solução, permitindo assim o uso de substâncias tóxicas que podem, de outra forma, ser fatais [20]. Os sintomas obtidos através da “experimentação” dos componentes homeopáticos em humanos saudáveis servem como base para a sua prescrição para os indivíduos doentes. Devido a principal regra terapêutica na homeopatia ser Similia Similibus Curentur (deixe o semelhante ser tratado pelo semelhante), a homeopatia tem a vantagem de levar em consideração as causas das doenças e seus efeitos. [20]. Portanto, o tratamento homeopático, quando administrado em tempo hábil, poderá trazer melhoria duradoura para as doenças autoimunes, quando a homeopatia for administrada nos estágios iniciais [20]. De acordo com a experiência de um homeopata que trata o vitiligo, as lesões podem, em primeiro lugar, parar de se espalhar, as lesões existentes não aumentam de tamanho e não surgem novas lesões. Em segundo lugar, a repigmentação poderá ocorrer, e as bordas das lesões que anteriormente eram difusas tornam-se mais claramente marcadas, indicando a cessação da propagação. A qualidade de vida do paciente pode melhorar e os sintomas de doenças associadas, tais como a disfunção tireoidiana, também pode melhorar [21,22]. Estas respostas clínicas ao tratamento homeopático em pacientes com vitiligo podem ser consideradas como respostas ideais ao tratamento [13]. Entretanto, para que ocorra uma resposta ótima ao tratamento homeopático, o mesmo deverá ser iniciado quando o corpo não tiver sofrido os efeitos da doença por muito tempo e antes que a resposta imunológica se torne irreversível. Nos 14 casos de vitiligo tratados com a homeopatia e apresentados nesta série de casos, quanto maior o tempo decorrido entre o início do vitiligo e a consulta homeopática, mais difícil foi obter uma boa resposta clínica. Os casos de vitiligo que se apresentavam nos estágios avançados, exigiram mais remédios homeopáticos, prescritos em uma sequência correta para observar uma mudança clínica. Uma explicação para estes achados pode ser que o nível de saúde dos pacientes tenha piorado com o tempo e, com isso, o sistema imunológico precisava de maior estimulação e mais tempo para trazer um efeito clínico positivo sobre o vitiligo [23]. Conclusões Em 14 pacientes com vitiligo tratados com homeopatia individualizada, os melhores resultados foram alcançados nos pacientes que foram tratados nos estágios iniciais de sua doença. Nós acreditamos que a homeopatia possa ser eficaz nos estágios iniciais do vitiligo, mas grandes estudos clínicos controlados são necessários nesta área. Referências 1. Jain A, Mal J, Mehndiratta V et al: Study of oxidative stress in vitiligo. Indian J Clin Biochem, 2010; 26(1): 78–81

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2.

Taieb A: Intrinsic and extrinsic pathomechanisms in vitiligo. Pigment Cell Res, 2000; 13(S8): 41–47

3. Jin Y, Birlea S, Fain P et al: Variant of TYR and autoimmunity susceptibility loci in generalized vitiligo. New Engl J Med, 2010; 362(18): 1686–97 4. Alghamdi KM, Khurrum H, Taieb A, Ezzedine K: Treatment of generalized vitiligo with anti-TNF-a agents. J Drugs Dermatol, 2012; 11(4): 534–39 5. Manga P, Elbuluk N, Orlow SJ: Recent advances in understanding vitiligo. F1000Research, 2016; 5: F1000 Faculty Rev-2234 6. Eleftheriadou V, Whitton M, Gawkrodger D et al: Future research into the treatment of vitiligo: where should our priorities lie? Results of the vitiligo priority setting partnership. Br J Dermatol, 2011; 164(3): 530–36 7. Maresca V, Roccella M, Roccella F et al: Increased sensitivity to peroxidative agents as a possible pathogenic factor of melanocyte damage in vitiligo. J Invest Dermatol, 1997; 109(3): 310–13 8. Rezk A, Kemp D, El-Domyati M et al: Misbalanced CXCL12 and CCL5 chemotactic signals in vitiligo onset and progression. J Invest Dermatol, 2017; 137(5): 1126–34 9. Yang L, Wei Y, Sun Y et al: Interferon-gamma inhibits melanogenesis and induces apoptosis in melanocytes: A pivotal role of CD8+ cytotoxic T lymphocytes in vitiligo. Acta Derm Venereol, 2015; 95(6): 664–70 10. Xie H, Zhou F, Liu L et al: Vitiligo: How do oxidative stress- induced autoantigens trigger autoimmunity? J Dermatol Sci, 2016; 81(1): 3–9 11. Singh M, Shoab Mansuri M, Parasrampuria MA, Begum R: Interleukin 1-a: A modulator of melanocyte homeostasis in vitiligo. Biochem Anal Biochem, 2016; 5: 2 12. Whitton M, Pinart M, Batchelor J et al: Interventions for vitiligo. Cochrane Database Syst Rev, 2015; (2): CD003263 13.

Parsad D: A new era of vitiligo research and treatment. J Cutaneous Aesthetic Surg, 2013; 6(2): 63–64

14. Alsubait N, Mulekar S, Al Issa A: Failure of non-cultured melanocyte – keratinocyte transplantation in periungual vitiligo: A case report. J Dermatol Dermatol Surg, 2015; 19(2): 123–25 15. Ganguly S, Saha S, Koley M, Mondal R: Homeopathic treatment of vitiligo: An open observational pilot study. Int J High Dilution Res, 2013; 12(45): 168–77 16. Swami S, Dasgupta S, Basu S, Swarnakar G: Significant remission of vitiligo by ultradiluted alternative medicines. Asian Journal of Pharmaceutical Clinical Research, 2012; 5(2): 33–35 17. Trapp E, Trapp M, Sampogna F et al: Autonomic nervous tone in vitiligo patients – a case-control study. Acta Derm Venereol, 2015; 95(2): 169–72 18. Vithoulkas G, Carlino S. The “continuum” of a unified theory of diseases. Med Sci Monit, 2010; 16(2): SR7–15 19. Vithoulkas G: The basic principles of homeopathy. Homeopathy: The Energy Medicine. 1st ed. Athens: International Academy of Classical Homeopathy; 2013 20.

Vithoulkas G: The science of homeopathy. New York: Grove Press, 1980; 91–92

21. van Geel N, Speeckaert M, Brochez L et al: Clinical profile of generalized vitiligo patients with associated autoimmune/autoinflammatory diseases. J Eur Acad Dermatol Venereol, 2013; 28(6): 741–46 22. Xianfeng C, Yuegen J, Zhiyu Y et al: Pediatric patients with vitiligo in Eastern China: Abnormalities in 145 cases based on thyroid function tests and immunological findings. Med Sci Monit, 2015; 21: 3216–21 23. Vithoulkas G, Woensel E: Levels of health. Alonissos, Greece: International Academy of Classical Homeopathy, 2010.

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CURANDO COM …UVA URSI Planta originária de América do Norte, Ásia e Europa. Embora seja uma espécie vegetal amplamente usada na indústria de produção de doces e bebidas alcoólicas, no Brasil, é registrada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como medicamento fitoterápico, e também é considerada um insumo homeopático.

“[Uva-ursi] é indicado nas infecções das vias urinárias: cistite, pielonefrite, prostatite, uretrite, uretrite e cálculos renais. Enquanto uma função é claramente ativa na parte física, a outra está relacionada com a função oculta da planta e age na alma. A energia que a mesma [planta] tem, incentiva o seu campo de pensamentos, sentimentos e emoções”, explica a especialista.

Para a terapeuta homeopata Lúcia Rossi, 45 anos, de Uberlândia (MG), o preparado homeopático Uva ursi pode tratar diferentes enfermidades: “O tratamento com qualquer medicamento em Homeopatia é individualizado, portanto, para mim, o Uva-Ursi pode ser usado para infecções urinárias e, já para um outro paciente, para outra doença física”, relata. “A Homeopatia é uma medicina que cura a parte emocional, psíquica e física dos indivíduos. É completamente individual onde utilizamos o simillimum [medicamento] que mais se adequa a cada paciente. É um tratamento que cura de dentro pra fora, por isso, cada paciente reage de uma maneira aos medicamentos.” A farmacêutica e homeopata Fabiana Mundim, 56 anos e moradora de Anápolis (GO), complementa:

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Fabiana Mundim - Foto: Rachel Martins Nunes Veloso.


Ainda segundo Mundim, o perfil de pacientes que precisam do preparado homeopático Uva-Ursi possui semelhanças em alguns aspectos. “Podemos dizer que o perfil são os sintomas da patologia, ou seja, infecções relacionadas ao trato urinário”, aponta, contudo, ressalta que o princípio da similitude terapêutica sempre deve ser observado durante a etapa de anamnese homeopática. Uma das dúvidas mais comuns relacionadas ao tratamento com Homeopatia é sobre seu tempo de duração, e se isso interfere na eficácia dos resultados. Novamente de acordo com Rossi, não há prazos estipulados que garantam a cura ou alívio de sintomas: “É o próprio organismo do paciente que responde ao tratamento, de forma mais sensível ou não. [...] Cabe a cada paciente ser disciplinado e seguir as medicações e horários adequados para a cura. Dependendo do quadro do paciente, são necessários meses para que a doença não retorne”. “O tratamento vai depender da condição de cada indivíduo”, concorda Mundim, destacando que a conduta do terapeuta homeopata também influencia nesse tempo de duração.

‘Além de prevenir doenças e aliviar sintomas, o tratamento homeopático também cura quadros de saúde agudos ou crônicos. No entanto, ainda segundo Mundim, é importante observar alguns fatores, como o momento em que o doente procura ajuda, uma vez que o estágio da doença determina se a Homeopatia poderá, ou não, ser usada na com o objetivo de cura total. “Tudo vai depender de um todo do paciente [pois,] a Homeopatia trata o ser, não somente sintomas”, lembra a farmacêutica homeopata. “O tratamento abrange o físico, mental e emocional.” O Uva ursi pode ser encontrado nas farmácias em diferentes formas farmacêuticas: líquidas, glóbulos, papelotes, xaropes, no formato fitoterápico, ou seja, como cápsula para uso oral e, ainda, para uso tópico em formato de gel, pomada ou creme. “O efeito de cada um deles é o mesmo, porém, é o paciente a ser tratado que responderá de forma mais sensível ao medicamento ou não”, esclarece Rossi. “São formas diferentes de dispensação, cada uma com sua eficácia”, acrescenta Mundim. “Lembrando que, na Homeopatia, vamos ter uma resposta rápida, eficiente e duradoura”, finaliza.

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NARRATIVAS TERAPÊUTICAS

RESGATANDO LAÇOS ENTRE CATOLICISMO E HOMEOPATIA: PRÁTICAS CURATIVAS E MEDICINA HOMEOPÁTICA NAS TRAJETÓRIAS DE TRÊS SACERDOTES CATÓLICOS POR: TAYLOR PEDROSO DE AGUIAR Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, 2017. Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Steil “Ninguém banha-se duas vezes no mesmo rio (...) De quem desce ao mesmo rio, vêm ao encontro águas sempre novas.” Heráclito de Éfeso “Por que reconhecemos apenas nossas fontes textuais, mas não o chão em que pisamos, os céus em constante mudança, montanhas e rios, rochas e árvores, as casas nas quais habitamos e as ferramentas que usamos, para não mencionar os inúmeros companheiros, tanto animais não humanos quanto outros seres humanos, com os quais e com quem compartilhamos nossas vidas?” Tim Ingold “Tenho a consoladora esperança que em breve minha obra científica brilhará como o sol do meio-dia... E outros inventores mais afortunados do que eu irão descobrindo meus próprios inventos.” Padre Roberto Landell de Moura RESUMO As relações entre catolicismo e homeopatia têm sido pouco exploradas pela literatura acadêmica, a despeito das potencialidades que oferecem no campo dos estudos antropológicos dedicados a considerar os imbricamentos entre práticas de cura, religião e espiritualidade. Este trabalho é proposto no sentido de fornecer e apresentar informações sobre essa ligação, de forma a “resgatar laços” de uma história obliterada e apontar caminhos às pesquisas que trabalham sobre a interface entre religião, saúde e espiritualidade no âmbito das ciências sociais. Ao utilizar um método de pesquisa qualitativo e documental, através da análise de manuscritos, de jornais de época e das biografias de três sacerdotes católicos que viveram entre o final do século XIX e o início do século XX, e que experimentaram/praticaram/escreve-

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ram/discursaram sobre a medicina homeopática, o objetivo mais geral é perceber de que modos homeopatia e catolicismo dialogaram e se performaram nas trajetórias desses três padres, criando e recriando formas religiosas e de cura. Através da adesão a uma proposta de antropologia que bebe diretamente da fonte das epistemologias ecológicas, a análise das vidas de Padre João Pedro Gay (1815-1891), Frei Rogério Neuhaus (1863-1934) e Padre Roberto Landell de Moura (1861- 1928) oferece possibilidades de visualização dos fluxos surgidos nas e com as relações homeopatia-catolicismo. Nas trajetórias dos três sacerdotes, política, religião, saúde e ciência se encontram sob o prisma da homeopatia. Desta forma, evidencia-se o protagonismo dos remédios homeopáticos como materiais que vazam pelo ambiente e modificam os contextos em que se encontram, constituindo-se nos próprios agentes criativos que constroem o mundo em seu devir histórico. Palavras-chave: Homeopatia. Catolicismo. Práticas de cura. Padres homeopatas. ABSTRACT The relationships between Catholicism and homeopathy have been little explored in the academic literature, despite the potential they offer in the field of anthropological studies dedicated to considering the overlap between practices of healing, religion and spirituality. This work is proposed to provide and present information about this link in order to “rescue ties” from an obliterated history and to point out ways to research that work on the interface between religion, health and spirituality within the social sciences. Using a method of qualitative and documentary research, through the analysis of manuscripts, periodicals and the biographies of three Catholic priests who lived between the end of the nineteenth century and the beginning of the twentieth century and who experienced / practiced / wrote / spoke about homeopathic medicine, the more general objective is to understand in what ways homeopathy and Catholicism dialogued and performed on the trajectories of the three priests, creating and recreating religious and healing forms. Through the adhesion to a proposal of anthropology that drinks directly from the source of the ecological epistemologies, the analysis of the lives of Father João Pedro Gay (18151891), Frei Rogério Neuhaus (1863-1934) and Father Roberto Landell de Moura (1861-1928) ) offers possibilities of visualizing the flows that have arisen in and with the relationships homeopathy-Catholicism. In the trajectories of the three priests, politics, religion, health and science are under the prism of homeopathy. In this way, the protagonism of homeopathic remedies is evidenced as materials that leak through the environment and modify the world in which they are, constituting themselves creative agents that build the world in its historical becoming. Key words: Homeopathy. Catholicism. Healing practices. Homeopathic priests. INTRODUÇÃO Em meio à modernidade, uma visão binária dificulta nossa percepção para o reconhecimento da existência de um diálogo historicamente travado entre religiosidades e práticas de cura. Desde séculos passados, diversas religiões se utilizaram de terapêuticas para a cura dos doentes, fossem eles fiéis ou não do mesmo aprisco religioso. Em muitas ocasiões, o potencial milagroso da cura foi explorado e, às vezes, essa dimensão foi atenuada, sendo acompanhada dos efeitos químicos e/ou naturais dos remédios ou, então, dando lugar a outras possíveis explicações sobre a eficácia do fenômeno da cura. Dessa forma, ambos os domínios se constituíram como âmbitos comunicantes e entre eles se estabeleceram trocas enriquecedo-

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ras. Não obstante essa constatação, quase sempre a relacionalidade existente foi ocultada da bibliografia historiográfica e antropológica. A ausência se torna ainda mais gravemente sentida quando se constata que dificilmente se pode contar com habilidade a história de uma forma religiosa sem recorrer às suas ideias acerca das práticas que englobam a saúde e a cura dos doentes. O ideário moderno de religião e de saúde ofuscou possibilidades de se pensar ambos os elementos como complementares e em constante diálogo, a despeito da persistência de práticas de cura acionadas pela religião, como faz transparecer o caso das relações históricas entre catolicismo e homeopatia no Brasil. Na visão dualista moderna, cristianismo católico e medicina homeopática podem ser interpretados como âmbitos idiossincráticos e incomunicáveis, a julgar pela classificação recorrente do primeiro como “religião” e do segundo como “prática de cura” ou, ainda, “medicina” ou “terapêutica”. Ao pensarmos dessa forma, o catolicismo estaria relegado categoricamente ao domínio da religião, enquanto que a homeopatia estaria circusncrita à esfera da saúde. Todavia, para dizer que catolicismo é religião e homeopatia é medicina, não seria relevante desenvolver uma pesquisa em ciências humanas que tentasse observar as relações travadas entre esses “domínios” na história. Mas é justamente em outro sentido, pelos esforços em superar o binarismo prevalecente que costuma separar religião e cura como “vasos não comunicantes”, que é proposto o presente trabalho. Evocando contribuições da antropologia e das histórias da homeopatia e do catolicismo no Brasil, procura-se estabelecer paralelos entre religião e saúde que agucem a percepção e desnaturalizem dicotomias, a fim de que seja possível lançar um novo olhar e notar o caráter complementar que possuem as práticas de cura e as religiões. Neste trabalho, a abordagem é feita especificamente sobre o catolicismo e a homeopatia, não desconsiderando a presença de outras práticas de cura que aparecem ao longo da história e deste trabalho, e que se relacionam de forma mais ou menos direta com as trajetórias dos sacerdotes cujas relações com a homeopatia são basilares à construção dos capítulos e à argumentação que se pretende seguir. Estudos têm sido realizados no ambiente das ciências sociais com a finalidade de apontar as relações entre práticas de cura, religião e espiritualidade e de superar as dicotomias entre as esferas e ocorrências da vida que a modernidade se encarregou de fortalecer, obscurecendo uma visão integral dos fenômenos sociais e subtraindo uma visão que considera o devir como horizonte possível para a interpretação dos acontecimentos da história. É o caso do estudo de Chiesa (2016), que aborda as continuidades dos fluxos do magnetismo animal, da metapsíquica e da conscienciologia em suas relações com a religião; da produção de Steil & Carvalho (2014), que busca propor uma epistemologia ecológica para a compreensão dos fenômenos da vida; do trabalho de Toniol (2015), cujo foco está colocado nas configurações que a religiosidade assume quando em contato com políticas públicas de promoção da espiritualidade na saúde; e dos resultados da pesquisa de Almeida (2016), que procura perceber os fluxos entre plantas e religiosidades populares em Guarani das Missões (RS). Na esteira desses estudos, este trabalho tem por inspiração uma “percepção sistêmica da vida” (CAPRA, 1996) e uma “percepção sagrada do ambiente” (BATESON, 1976), empenhando-se por oferecer uma interpretação que não seja um mero reforço da naturalização da separação entre os processos que constituem a vida, contrariamente ao que preconiza o projeto moderno. Trata-se de perceber as coisas que existem em um mundo emaranhado de materiais (INGOLD, 2012), e de como esses elementos se conectam em uma teia que não é senão o processo infinito de mudança que a vida propõe no mundo. Assim, o objetivo principal do trabalho é deslocar a atenção do leitor para os fluxos que a homeopatia percorre com o catolicismo, alterando as formas pelas quais ambos se definem e, não obstante, borrando fronteiras entre conceitos. Busca-se uma interpretação que vá além das categorias estabelecidas e forneça uma abordagem ecológica, no sentido da epistemologia proposta, e de forma indisciplinar busque conectar homeopatia e catolicismo como processos que não se encerram em si mesmos, mas vazam, causando confluências e distanciamentos.

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O paradigma holítico e vitalista que contorna a interpretação dos pensadores ecológicos e da argumentação proposta por este trabalho se aproxima da visão que apregoa a homeopatia acerca dos organismos vivos. Samuel Hahnemann (1755-1843), considerado o fundador da homeopatia, sistematizou os princípios básicos da medicina homeopática a partir do axioma hipocrático similia similibus curantur (semelhante cura semelhante), ou seja: a diluição e dinamização de uma substância capaz de provocar os sintomas da doença em um organismo saudável é capaz de provocar nele uma reação contrária à doença, induzindo à cura (HAHNEMANN, 1996 [1810]). As doses dos compostos homeopáticos são extremamente diluídas, potencializando a liberação de energia através da diluição, da dinamização e da sucussão. Assim, a reação contra a doença e a restauração da saúde parte do próprio paciente, de dentro para fora e não de fora para dentro. A homeopatia considera o paciente como um todo integral e holístico. Para ela, é o doente que necessita de tratamento, e não a doença. Pois não se procura combater os sintomas da doença em si, mas garantir o equilíbro do organismo e da energia vital que o sustenta, garantindo dessa forma a cura (TEIXEIRA, 2000). Nas palavras de Ben-Hur Dalla Porta, médico homeopata entrevistado por ocasião deste trabalho e importante interlocutor ao longo da pesquisa, o desequilíbrio da energia ou força vital e o princípio imaterial dos organismos se definem nos seguintes termos: O desequilíbrio da energia vital, segundo a teoria da homeopatia, é o que gera todas as doenças. Em todas as culturas se busca entender o mistério da vida e da morte através do conhecimento e estudo de um princípio imaterial. Ele pode ser o ki para os chineses, pode ser o prana para os hindus, pode ser a alma para os gregos. É bastante estudado [este princípio imaterial] e reverenciado em todas as religiões, inclusive na medicina do século XIX, sendo que agora ela foi substituída no século XX pelos princípios cartesianos, que localizam as doenças nos órgãos, nos tecidos, nas células e consideram que as doenças muitas vezes são causadas pelos micróbios. (Entrevista concedida em 24/07/2017 ao autor, Taylor de Aguiar)

Apesar da solidez histórica desse princípio imaterial do ser humano, presente em várias culturas e sob diferentes denominações, a homeopatia foi gradativamente perdendo espaço no século XX para a medicina moderna ocidental (alopatia), que se tornou hegemônica no meio científico e nas instituições médicas. O trato das doenças esteve mais claramente relacionado ao campo biomédico a partir da metade do século passado, com o progresso tecnológico e industrial. Hospitais, enfermarias, clínicas e espaços de tratamento do modelo biomédico tomaram corpo ao longo das últimas décadas como consequência da estruturação de um sistema global de atendimento à saúde. Em algumas ocasiões, esse sistema de saúde foi fortemente fomentado pelo Estado; em outras, sua existência foi tornada possível e se manteve sob o amparo de recursos privados. Os esforços de organizações supranacionais, como a OMS – Organização Mundial da Saúde, se deram no sentido de promover um modelo de prestações de serviços em saúde que abrangesse o maior número possível de países e melhorasse as condições de vida de seus habitantes1. No entanto, a medicina proposta por esse sistema internacional de saúde, em quase todos os lugares, permaneceu vinculada ao modelo biomédico tradicional.

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Em termos metodológicos, definir os contornos de homeopatia e catolicismo neste trabalho foi uma tarefa difícil tanto devido à abrangência temporal e espacial do tema quanto à complexidade do exercício de reflexividade que foi necessário para um melhor entendimento dos conceitos envolvidos na relação. Para recortar o universo pesquisado e torná-lo possível de ser analisado, foi preciso tomar certo distanciamento dos conceitos vitalistas e homeopáticos estabelecidos na literatura médica e científica das ciências sociais. Assim, o primeiro passo foi seguir as pistas da homeopatia e do catolicismo em instituições e documentos, partindo de Porto Alegre e região metropolitana. Uma pesquisa documental foi realizada entre os meses de agosto de 2016 e outubro de 2017, durante e após a vigência de uma bolsa de iniciação científica concedida ao autor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Durante o primeiro período, em 2016, foi empreendida uma busca por ambientes religiosos católicos em que fosse praticada in loco a medicina homeopática. A ideia inicial era acompanhar as dinâmicas desses locais e dos atores que ali se encontravam inseridos, de modo a levar adiante uma pesquisa etnográfica inspirada nos moldes clássicos. Seguindo as pistas que foram surgindo, essa busca passou por locais onde provavelmente a homeopatia estivesse presente, como em um hospital e antigo leprosário de Itapuã, em Viamão (RS), e em um consultório de um padre fitoterapeuta em Novo Hamburgo (RS). Todavia, não foi possível obter indícios suficientes da utilização da homeopatia no trato dos doentes no hospital e tampouco se verificou no consultório de Novo Hamburgo a presença da prática homeopática. Com o passar do tempo, a aproximação dos documentos foi se tornando cada vez maior. As indicações recebidas de locais onde a homeopatia poderia estar presente não se confirmavam na realidade, levando apenas a curas com ervas e plantas medicinais praticadas por padres e freiras. A pesquisa foi se redesenhando à medida que a centralidade se concentrava nas informações encontradas nas fontes. A bibliografia (LUZ, 2014, p. 159) indicava que a implantação e expansão da homeopatia no Brasil a partir da metade do século XIX teria contado com a colaboração de padres católicos, de irmãs de caridade oriundas de fora do país e de ordens religiosas, como a Sociedade dos Irmãos de São Vicente de Paulo (vicentinos). No acervo da Cúria Metropolitana de Porto Alegre não foram encontrados registros dessa ligação, e tampouco puderam ser encontrados registros de reprimendas à medicina homeopática, o que veio a confirmar certa tendência da Igreja em não se posicionar oficialmente a favor ou contra a homeopatia. Nos arquivos da LHRS – Liga Homeopática do Rio Grande do Sul, foram encontrados nos exemplares do Boletim de Homeopatia, informativo oficial da Liga publicado regularmente de 1941 a 19632, indícios de religiosos católicos ligados à homeopatia, como o padre franco-brasileiro João Pedro Gay (ver capítulo I) e o padre beneditino D. Bento José Pickel, residente do Mosteiro de São Bento, em São Paulo, que recomenda a homeopatia em uma das edições do informativo da LHRS e afirma que o próprio Papa à época (Pio XII) fazia uso da terapêutica (BOLETIM DE HOMEOPATIA, n. 45-46, Ano VIII, mar./jun. 1950, p. 20): A medicina homeopática, emanada do cérebro do genial médico Samuel Hahnemann, é uma conquista da terapêutica que atinge as raias do milagroso e do infalível pelas curas obtidas em casos desesperados e em doenças que pareciam ser incuráveis (...) Embora a alguns espíritos meticulosos ela pareça ser uma espécie de ocultismo ou espiritismo ou catimbó, nada tem de ver um com o outro. A Homeopatia é uma ciência, ela não é um truque. Por isso, todo católico pode curar-se pela Homeopatia: muitos padres se tratam com ela e o próprio Papa toma os remédios homeopáticos.

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Embora as fontes fossem escassas3 e a procura de informações se tornasse muito difícil por conta da ausência de ambientes católicos onde a experimentação da homeopatia se tornasse visível, as contribuições de interlocutores foram essenciais para prosseguir na pesquisa. Através do médico homeopata Ben-Hur Dalla Porta, foi possível descobrir que o padre-cientista Roberto Landell de Moura teria uma relação próxima com a homeopatia. Ao investigar sua biografia, os caminhos cruzados levaram o autor ao Memorial Landell de Moura e ao biógrafo landeliano Ivan Dorneles Rodrigues, que apontaram para a veracidade daquela suspeita. Padre Landell de Moura também esteve envolvido com a medicina homeopática (ver capítulo III). Àquela altura da pesquisa, o trabalho ia se delineando em torno de figuras do passado, de padres que viveram entre o século XIX e o início do século XX e tiveram diferentes experiências com a homeopatia. A tendência se confirmou com a descoberta em Monteiro (1974) de que Frei Rogério Neuhaus, missionário franciscano alemão atuante por muitos anos no Planalto Catarinense, também tinha sido um fervoroso homeopata. A leitura de sua biografia revela aspectos importantes de sua vida sacerdotal que se relacionam claramente com os remédios homeopáticos. Assim, a presente pesquisa veio a se constituir sobre a análise das trajetórias de três sacerdotes católicos que experimentaram, praticaram e/ou discursaram sobre a homeopatia entre a metade do século XIX e o primeiro quarto do século novecentista. O primeiro deles, padre João Pedro Gay, estudou e lecionou no Instituto Homeopático do Brasil nos primeiros anos de existência da instituição carioca, quando a homeopatia ainda estava em sua fase de implantação no Brasil. O erudito francês é o personagem do capítulo I, que se debruça em comentar sua prática e interpretação da homeopatia em torno de um ideário político. Padre Gay se estabeleceu na fronteira oeste do Rio Grande do Sul a partir de 1848 e desenvolveu seu ministério como padre secular e homeopata em Alegrete, São Borja e Uruguaiana, até 1891, ano de sua morte. Sua contribuição para a pesquisa pode ser encontrada nos arquivos do IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e no trabalho da historiadora da homeopatia Beatriz Teixeira Weber, além das menções que se encontram a seu nome no Boletim de Homeopatia da Liga Homeopática do Rio Grande do Sul. O segundo capítulo é dedicado à biografia do franciscano Frei Rogério Neuhaus e aos entrecruzamentos entre sua vida e a prática da homeopatia. No contexto da Guerra do Contestado e da romanização do catolicismo no Brasil, a trajetória de Frei Rogério demonstra como a homeopatia pode ser mais do que apenas remédio, servindo também para a “cura d’almas” de uma população desassistida religiosamente pela Igreja católica e em meio a um cenário político conflitivo. Naquele ambiente, a homeopatia também havia se encontrado com a fitoterapia e com as atuações de outros três religiosos que curavam (com ervas e plantas medicinais) e tinham fama de santidade: os monges João Maria, em suas três manifestações corporais e históricas. Não somente os profetas eremitas eram considerados como “santos” pela população, como também Frei Rogério, em decorrência de sua reconhecida virtuosidade moral e de sua administração dos remédios homeopáticos aos doentes, ganhou uma aura de santidade à semelhança dos monges que inspiravam os sertanejos em sua luta política. O capítulo III, por fim, trata da figura do padre Roberto Landell de Moura, célebre padre-cientista porto-alegrense conhecido mundialmente por seu papel como um dos precursores das telecomunicações. Conhecedor de muitos temas científicos, padre Landell foi um erudito que circulou por diversas áreas do conhecimento e incluiu a homeopatia em seu ideário de ciência e antropologia, que pretendia, em linhas gerais, “desvendar o mistério do ser humano”. Foi professor da curta experiência da Faculdade de Medicina Homeopática do Rio Grande do Sul e fundou o polêmico Gabinete de Antropologia Experimental, onde pretendia demonstrar ao público a eficácia de terapêuticas de cura e técnicas de transe cuja imagem estava amplamente associada aos “espíritas” de seu tempo. Em seus manuscritos, encontrados no acervo do IHRGS – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, evidencia-se sua relação com a homeopatia e

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com as técnicas de cura e transe que utilizava em sua trajetória como padre-cientista, notadamente nas sessões de exorcismo e nos experimentos realizados no interior de seu Gabinete de Antropologia Experimental, no centro de Porto Alegre. Os apontamentos que se seguem nos três capítulos e na conclusão têm como proposta a abertura de horizontes à reflexividade antropológica no tocante às relações entre religião, cura e espiritualidade. Somando-se aos estudos que são realizados no sentido de entender melhor esses imbricamentos, este trabalho pretende resgatar laços que se perderam no decorrer das histórias do catolicismo e da homeopatia. Propõe evidenciar fluxos em suas continuidades e descontinuidades e linhas que se cruzam atravessando catolicismo(s) e homeopatia(s) em biografias e trajetórias de padres que muito podem dizer sobre o tema abordado. Para esta tarefa, no entanto, não é apenas necessário pesquisar e ler documentos, mas deixar que eles falem por si próprios. Fazer reviver Pe. Gay, Frei Rogério e Pe. Landell de Moura seria o sonho de qualquer antropólogo que lidasse com estes ricos personagens. Mas, como não pode ressuscitálos e/ou entrevistá-los com suas próprias perguntas, o autor decide deixar que os manuscritos, documentos, jornais e biografias reproduzam um pouco de suas vozes nas páginas a seguir. CAPÍTULO I: UM PADRE HOMEOPATA NA CAMPANHA GAÚCHA DO SÉCULO XIX Em meados da metade do século XIX, praticamente tudo estava em falta para o bom funcionamento da Igreja católica na fronteira oeste do Rio Grande do Sul. As igrejas se encontravam em ruínas e sem paramentos, os cemitérios abandonados e como campos abertos e não se celebravam quaisquer festas nas localidades4. No povoado de São Francisco de Borja, a mais antiga colônia jesuítica dos Sete Povos das Missões, residiam principalmente comerciantes de origem portuguesa e indígenas descendentes dos guarani catequizados pelos padres da Companhia de Jesus. Diante de um cenário tão crítico, a reanimação espiritual da população daquela região exigia muito empenho do escasso clero de que a instituição católica então dispunha5. Medidas enérgicas se faziam urgentes. A disciplina eclesiástica, em situação de abandono, deveria ser retomada e, para tanto, todos os esforços possíveis deveriam ser tomados, como, por exemplo, a realização de festas de muita “pompa exterior” para atrair os “rudes indígenas” à religião. A avaliação acima exposta6 do cenário da Igreja na fronteira com a Argentina é feita pelo padre francês João Pedro Gay, sacerdote secular que se instalou no município de Alegrete no ano de 1848 e em São Borja a partir de 1849, atuando posteriormente em Uruguaiana, de 1874 a 1891. João Pedro [Jean-Pierre] Gay nasceu no dia 20 de novembro de 1815 em Grenoble, na região montanhosa dos Alpes, ao sul da França. Em Embrun e Gap, concluiu seus estudos como seminarista e foi ordenado sacerdote secular em 1840. Foi vigário em Cherina, na França, antes de emigrar para a América do Sul. Algumas fontes (BLAKE, 1898, p. 19-20) indicam que seu destino anterior ao Brasil tenha sido Montevidéu, onde o padre teria estabelecido uma igreja para imigrantes franceses. Em 1844, em virtude do estado de sítio imposto à capital uruguaia pelos argentinos, padre Gay transfere-se para o Rio de Janeiro. Na capital do Brasil, atua como cônego honorário da Capela Imperial, é professor de francês e matemática em escolas e estuda e dá aulas no Instituto Homeopático do Brasil. Primeiro projeto da homeopatia brasileira a ser bem sucedido, o IHB foi fundado em 10 de dezembro de 1843 pelo médico francês Benoit Müre e por outros pioneiros da homeopatia no país, como o também médico Vicente José Lisboa, oriundo de Portugal. O Instituto Homeopático do Brasil deu origem, na década seguinte, ao Instituto Hahnemanniano do Brasil, criado em 1859 e existente até aos dias de hoje, funcionando, desde sua fundação, como o centro da homeopatia no Brasil. Após lecionar no IHB, padre Gay atende, em 1848, ao chamado ministerial para a paróquia de Alegrete, onde exerce a função de vigário até 31 de março de 1849. Naquele ano, obtém a cidadania brasileira, faz concurso e é aprovado para a paróquia de São Borja, onde permanece até 1874, vindo a ser transferido em seguida para o município de Uruguaiana, onde falece no ano de 1891. Nesse meio tempo, concomitantemente ao exercício como vigário em São Borja, também administr a paróquia de São Luiz Gonzaga, entre 1862 e 1872 (RUPERT, 1998).

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FIGURA 1: Padre João Pedro Gay

Fonte: Blog Imagens Missioneiras7

O levantamento biográfico de Pe. João Pedro Gay revela que o padre francês era, além de um religioso empenhado nas tarefas eclesiásticas, um homem com alta inteligência, letrado e influente, notório historiador e linguista, e interessado por temas que iam da matemática à filosofia. É de sua autoria o célebre livro História da República Jesuítica do Paraguai (GAY, 1942), que lhe rendeu o posto de sócio-correspondente do IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, instituição de pesquisa e preservação histórica fundada pelo imperador Dom Pedro II em 1838 e com sede no Rio de Janeiro. Padre Gay escreveu ainda o livro História da Guerra do Paraguai e um dicionário comentado da língua tupi em quatro idiomas, assim como compêndios de história natural e dezenas ou até mesmo centenas de textos e documentos que acabaram se perdendo na invasão paraguaia a São Borja em 1865, o que veio a destruir boa parte de seu legado escrito. Ainda no contexto atual, sua obra é considerada referência para os estudos da formação histórica do Rio Grande do Sul e da língua tupi-guarani. O padre também deixou contribuições para a geografia e a geologia da região da campanha (WEBER & SILVA, 2012). Apesar da destruição por ocasião da invasão dos paraguaios, padre Gay teve uma considerável parte de sua contribuição preservada pelo IHGB, em função de sua estrita relação com a instituição de pesquisa e memória histórica. No contraste de sua intelectualidade arguta, padre Gay encontrou na campanha gaúcha uma população de fiéis quase que em sua totalidade analfabetos, desprestigiados pela Igreja e pelo Estado, sem acesso a bens de serviços os mais básicos e geograficamente distantes de Porto Alegre, a capital provincial. Era uma situação difícil para os católicos sobreviver dignamente naquele contexto, ainda mais quando se tinha em curso um conflito como a Guerra do Paraguai (1864-1870), que dizimou muitos brasileiros e causou a invasão paraguaia à cidade de São Borja em 1865. A guerra se conflagrava especialmente nas regiões de fronteira, como era o caso de São Borja, causando traumas às famílias e aos fiéis. A situação de pobreza econômica e a escassa assistência religiosa eram visíveis naqueles rincões, levando padre Gay a um desafio nunca antes enfrentado em sua vida sacerdotal. O francês reconhecia a importância de seu papel como padre na comunidade e tinha o claro entendimento de que estava sob sua responsabilidade fazer algo que atenuasse o sofrimento da população da fronteira. Neste ínterim, uma prática aprendida durante sua estada no Rio de Janeiro, como aluno e professor do Instituto Homeopático do Brasil, viria a servir como um bálsamo para as feridas daquela gente.

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A prática da homeopatia por João Pedro Gay Uma das principais preocupações de padre Gay no tocante aos fiéis da fronteira era seu acesso aos serviços de saúde. No século XIX, praticamente todos os médicos e as escassas instituições clínicas e hospitalares que existiam se concentravam nas capitais, de modo que no interior o acesso a bens de saúde era alcançado por uma pequena parcela de pessoas com renda superior às demais, que podiam se deslocar aos centros de tratamento das capitais ou, no mínimo, trazer médicos das médias cidades regionais para atender às suas necessidades. Com essa lacuna diante de si, Pe. João Pedro Gay sentiu que deveria pôr em prática os conhecimentos de homeopatia que obtivera no Rio de Janeiro, abrindo desta maneira um laboratório homeopático e receitando e distribuindo remédios aos são-borjenses. Há um único documento encontrado nos acervos do IHGB, datado de outubro de 1849, cujo teor se refere a um pedido oficial de padre Gay às autoridades eclesiásticas para exercer a homeopatia de forma legítima:

O P. J. P. G. Vig. De S. F. de B. tem a honra de humilde expor à V. C. Rna. Q. no exercício de vig. nas várias igrejas em q. agora se dignou encomendar (... ilegível), aonde tem visto ora a triste posição de descontentar seu (sic) paroquianos por não poder lhes indicar remédios para se curar de suas moléstias, pelo motivo que o suppe. Não tem bastante conhecimento da medicina alopática para remediar, nem estando autorizado para isso, (...) seu coração nunca deixou de ser transpassado de dor quando viu tantas vezes enfermos (...) socorro da medicina ou levados mais depressa a sepultura por remédios violentos administrados por curiosos e curandeiros. Não teria tido a alma etmista (sic) e a caridade (...) se não tivesse sentido vivamente estas desgraças, se não tivesse tido uma idéia de me por no estado de algm. Alivio por tantas misérias. E por isso que quando aqui a esta corte, dantes de fazer concurso para (alpharay?) tratei de me habilitar para poder socorrer aqueles dos meus paroquianos que me pedissem remédios e estudei a homeopatia debaixo da direção do prof. [José Vicente Martins]. Sendo agora (...) S. Fco. De Borja que uma extensão (catino?) e cujos habitantes falta freqüentemente dos socorros da medicina Venho pedir a V. Gdm. Q. se digne me autorizar a exercer a homeopatia do exercicio do qual me acho habilitado.8

O excerto revela uma confissão de desconhecimento de padre Gay quanto aos métodos da medicina alopática (medicina convencional) e denuncia uma condenação aos “curiosos e curandeiros” que, com seus remédios – não se sabe qual a terapêutica utilizada por tais curadores – estariam “levando mais depressa à sepultura os enfermos”. O pedido de autorização de padre Gay parece ter um sentido ainda maior quando se leva em conta o restante da carta, que indica a defesa do padre em relação a uma denúncia de que estaria praticando medicina irregular, o que, de acordo com a denunciante, não seria permitido aos clérigos. Apesar das palavras ilegíveis e do português arcaico, é possível extrair o sentido do trecho da carta de padre Gay (ibid., documento 11):

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Tenho a dou confiança de que V. Exma não é proibido aos cléricos como foi declarado por Bruna (?) do Exmo. Br. Nunca S. S. de 11 de junho de 1849 em resposta ao sr. Casa e Vigário do Carmo em Montevidéo, se dignarão me outorgar a graça que imploro e da qual hei de fazer uso só perto (...) da humanidade, procurando aliviar as enfermidades dos meus paroquianos com a caridade e o desvelo que (...) ter em parocho.

Dentro do mesmo conjunto documental, encontram-se notas indicando Aun, Arnica montana, Arsenicum allum, Belladona atropa, Bryonnia allá, Chamomilla vulgaris e Nux- vomica. Padre João Pedro Gay se preocupava em fornecer uma medicina menos agressiva a seus paroquianos, em suas palavras, “sem [uso do] fogo” e “sem derramar sangue” (ibid, doc.11). Tudo indica que seu ideal de atenção à saúde através da prática da cura por terapêuticas não agressivas era anterior à sua chegada à fronteira oeste gaúcha e se confundia com seu ideário cristão-católico de caridade e humanidade. Esse caldo ideológico estava presente nas suas aulas no Instituto Homeopático do Brasil e na vivência que tinha no cotidiano com os pioneiros homeopatas no Rio de Janeiro. Mesmo na campanha, padre Gay mantinha contato com aqueles que haviam sido seus mestres na medicina homeopática. Uma correspondência de 01 de julho de 1851 mostra o diálogo do padre com o médico português João Vicente Martins, que havia sido seu instrutor no IHB anos antes. A essa altura, o Instituto Homeopático do Brasil recebia a denominação de Escola Homeopática do Brasil e contava com João Vicente Martins como seu primeiro-secretário. Na correspondência, o padre francês exalta os efeitos e a importância da homeopatia e o resultado da distribuição de remédios no trato dos doentes, especialmente em meio a uma epidemia de bexiga (à época, não necessariamente varíola, mas qualquer doença de pele em geral) que acometeu São Borja em 1850:

Muito folgo do triunfo que obteve a homeopatia durante a epidemia do ano passado e dou os parabéns a V. As. a quem são devidas quase todas (sic) os benefícios que a humanidade tem recolhido da medicina salvadora. Permita-me também V. Sra. de lhe dar os louvores que merece por seu zelo incansável a (...) a ciência Benfazeja. Bem quisera eu poder pagar lho o meu tributo, mas ele é tão pequeno que é só uma gota no oceano de Maravilhas com que ela vem brindando a humanidade padecente. Durante uma epidemia de bexigas que reinou nesta vila dei preservativo homeopático a 80 pessoas pela mor [maior] parte crianças (...) No mês de março chegarão aqui o 5 bat de fuzileiros e vários oficiais (sic) trouxerão boticas homeopáticas administrando os glóbulos a torto e a direito.9

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Segundo Weber (2007), a proposta da Escola Homeopática do Brasil para a difusão da medicina homeopática no território brasileiro incluía a distribuição de conjuntos homeopáticos e manuais básicos de homeopatia a partir de farmácias do Rio de Janeiro e de pedidos enviados pelo correio, extensamente divulgados pelos jornais. Além disso, havia o estímulo a que os formandos da instituição homeopática pesquisassem no país novas substâncias para servirem como novos medicamentos, especialmente em casos de epidemia, contribuindo assim para a consolidação da homeopatia como uma medicina popular. A ideia da popularização da medicina é recorrente entre os pioneiros homeopatas – não somente entre aqueles que aportaram ao Brasil, mas também entre os que desenvolveram a medicina na Europa a partir de Samuel Hahnemann e de seus discípulos. Uma homeopatia socialista? As influências de Benoit Müre e do fourierismo na trajetória de Pe. João Pedro Gay Além do já mencionado João Vicente Martins, um dos mestres de Pe. Gay no Instituto Homeopático do Brasil provavelmente tenha sido o médico francês Benoit Jules Müre, o introdutor da homeopatia no Brasil. Salvo da tuberculose pela homeopatia em 1833, Müre estudou na tradicional escola de medicina vitalista de Montpellier, tornou-se um adepto da medicina homeopática e foi um de seus mais fervorosos propagadores pelo mundo10. Trocou correspondências com Hahnemann e manteve contato com o “pai” da homeopatia em Paris, antes de viajar ao Brasil para implantar um projeto político socialista nos moldes de Charles Fourier (1772-1837), que defendia a criação das chamadas falanges, ou falanstérios. As falanges eram comunidades cooperativas e autossuficientes, que visavam a concretização do socialismo utópico e libertário fourierista através da subversão do que o pensador francês chamava de “moral burguesa e cristã”. Benoit Müre, juntamente com outros imigrantes franceses, construiu o Falanstério do Saí (ou Colônia Industrial do Saí), próximo à cidade de São Francisco do Sul, em Santa Catarina, e ali viveu por cerca de três anos. Em 1843, mudou- se para o Rio de Janeiro, onde fundou o Instituto Homeopático do Brasil. No falanstério, a homeopatia de Müre era a prática clínica e terapêutica, relacionando-se indissociavelmente com a visão de mundo socialista de Fourier, de Müre e dos colonos franceses (THIAGO, 1995). A inspiração política fourierista não somente foi a fonte da qual bebeu Benoit Müre em sua peregrinação pelo mundo, como também serviu de suporte para os ideais de padre João Pedro Gay. Sua visão de cristianismo, que enfatizava a caridade e a humanidade, encontrou correspondência tanto no socialismo utópico dos falanstérios como também na medicina homeopática. A militância política de padre Gay se torna evidente nos vários casos em que trava contato com as instâncias administrativas da província, reivindicando melhorias na área de sua paróquia e se envolvendo em polêmicas da política local (WEBER & SILVA, op. cit., p. 148-152). Uma delas diz respeito à delimitação das fronteiras entre os municípios de São Borja e Itaqui, debate no qual o padre se inseriu argumentando em torno de uma posição favorável aos são-borjenses, utilizando todo o seu conjunto de conhecimentos sobre a região missioneira. Padre Gay era também um importante intermediador entre os munícipes e as autoridades provinciais, reafirmando essa posição privilegiada sempre que se entremeava em uma situação de conflito político. Sua relevância era considerada por todos os paroquianos. Na prática homeopática do cotidiano, o padre franco-brasileiro fazia com que se encontrassem e se diluíssem os remédios e as convicções políticas, em um cenário que era de pobreza econômica e social e de carência da presença institucional católica. O atendimento aos doentes era feito com dedicação pelo padre Gay, que entendia que a homeopatia tinha diante de si uma missão salvadora e humanitária. Em uma carta dirigida à Câmara Municipal de São Borja, o sacerdote esclarece seu pensamento e exprime a justificativa dos ideais que lhe servem de guia para a missão religiosa e política de atenuar o sofrimento do povo pela homeopatia:

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É do dever dos Párocos, os quais Ela (a Igreja) nas freguesias de tratar com zelo de interesses dos cristãos, seus filhos queridos; e para preencher cabalmente os desígnios da autoridade que os mandou, eles devem promover todos os amaclioramentos (?) que (sic) reclamão a religião e a humanidade. É por este motivo que para corresponder a confiança que o Prelado que governa a Igreja Fluminense fez (sic) na mim, quando me incumbiu da Vigarario desta vila, e para cumprir meu dever para com os povos que apesar de minha indig. sou encarregado de guiar no caminho da salvação e conduzi-lo pela Vereda da Religião, venho agora apresentar a Ilma Câmara Municipal desta vila uma humilde representação. A causa que venho advogar não é só a minha causa é a causa de Vas. Sras. A causa de todos os habitantes desta vila, a causa da humanidade e da religião.11 É do dever dos Párocos, os quais Ela (a Igreja) nas freguesias de tratar com zelo de interesses dos cristãos, seus filhos queridos; e para preencher cabalmente os desígnios da autoridade que os mandou, eles devem promover todos os amaclioramentos (?) que (sic) reclamão a religião e a humanidade. É por este motivo que para corresponder a confiança que o Prelado que governa a Igreja Fluminense fez (sic) na mim, quando me incumbiu da Vigarario desta vila, e para cumprir meu dever para com os povos que apesar de minha indig. sou encarregado de guiar no caminho da salvação e conduzi-lo pela Vereda da Religião, venho agora apresentar a Ilma Câmara Municipal desta vila uma humilde representação. A causa que venho advogar não é só a minha causa é a causa de Vas. Sras. A causa de todos os habitantes desta vila, a causa da humanidade e da religião.11 Vê-se que, dessa forma, que para João Pedro Gay a homeopatia não era apenas uma terapêutica para a cura dos doentes, mas também um instrumento de realização de um ideal político bem definido, baseado nos princípios da caridade e da humanidade. Esse ideal, de fronteiras que se confundiam entre o humanitarismo cristão e o socialismo utópico de Fourier, alimentava-se das inspirações que o padre recebera no Instituto Homeopático do Brasil, em sua ligação direta com João Vicente Martins e Benoit Müre, entre outros homeopatas, e que se manifestava institucionalmente na estratégia de “conversão à homeopatia” tomada quando da legitimação da medicina homeopática em suas primeiras décadas no Brasil (LUZ, op. cit., p. 105). Para os primeiros homeopatas, era preciso “converter” o Brasil e o mundo à homeopatia, como numa missão evangelística. E, para tal empreitada, os padres e a Igreja seriam grandes auxiliares, na condição de dar importantes contribuições ao projeto homeopata então em curso. Entre padre Gay, socialismo utópico e humanitarismo cristão: uma tentativa de reunir um ideário político sob a ação dos remédios homeopáticos Um dos questionamentos possíveis a partir do caso de padre João Pedro Gay e de seus remédios homeopáticos na campanha gaúcha é aquele que versa sobre as dinâmicas envolvendo o padre, a Igreja e os fiéis. Ao contrário da trajetória de Frei Rogério Neuhaus (ver capítulo II), onde há relatos que potencializam a discussão sobre os efeitos que podem ter os remédios em tensão com a presença de monges curadores e seus outros remédios, os caminhos de padre Gay não parecem evidenciar muitas pistas para encontrar choques, antagonismos e conflitos especialmente no que tange à utilização da homeopatia como prática de cura na fronteira oeste do Rio Grande do Sul. Talvez por conta da destruição infligida pelos paraguaios à paróquia onde residia, o que acabou devastando boa parte de sua biblioteca e de seus arquivos, os documentos preservados de padre Gay não contam histórias de outros curadores locais ou de reações

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à medicina homeopática que tiveram os paroquianos de sua circunscrição, exceto a menção feita nas páginas 4 e 5 deste capítulo a uma denúncia de prática irregular da medicina feita contra o padre por uma denunciante provavelmente chamada Bruna. Por considerar o acontecimento da denúncia um ponto importante a ser levado em conta, a atenção do texto será levada ao final deste capítulo às polêmicas que a homeopatia pode ter suscitado no contexto da atuação de padre Gay na campanha gaúcha em função de seu ideário político. O arcabouço ideológico de padre Gay parece ter se sustentado sobre as bases de pelo menos três elementos complementares: homeopatia, fourierismo e humanitarismo cristão. O desafio posto está em considerar estes três aspectos da formação do padre como indissociáveis, não vindo eles a significar domínios ou aspectos separados do conhecimento, a saber: o primeiro curativo, o segundo político e o terceiro religioso. Pelo contrário, uma interpretação como a que está proposta por este trabalho tende a observar a relacionalidade dos elementos que formam a vida e a trajetória do padre. Práticas de cura, pertencimento político e função religiosa são elementos que se misturam e dialogam constantemente na biografia dos sacerdotes católicos que pertencem ao contexto das curas, transparecendo uma relação de complementaridade entre o que pensavam a respeito da saúde, da política e da religião. Com João Pedro Gay, as diferenças são aquelas pontuais e que lhe são próprias, pois também o padre franco-brasileiro tinha um ideário no qual se confundiam seus conhecimentos adquiridos ao longo de sua trajetória de vida. Assim, o ideário político de padre Gay mistura os elementos que constituem sua biografia sob os mais variados ângulos pelos quais se possa olhar. A denúncia feita às autoridades eclesiásticas de que o padre estaria praticando irregularmente a medicina pode ser um indício da rejeição à homeopatia que, afinal de contas, tinha recém chegado ao Brasil e a São Borja, suscitando polêmicas e adversidades de grande alcance. No entanto, essa tese perde força, principalmente quando é levado em conta o fator altamente popular das curas praticadas pelo padre através da homeopatia e constatação da popularidade e influência do próprio clérigo, o que tornaria inusual reprimendas de parte da população a ele. Uma outra possibilidade da denúncia seria uma reação advinda de uma camada de alto poderio local, o que, supõe-se, torná- la-ia distante das práticas homeopáticas e do laboratório do padre. A reação teria sentido por conta do intenso engajamento do padre em lutas políticas locais, mas esta hipótese também perde força à medida que a influência do padre junto às autoridades provinciais é trazida à tona. Fosse como fosse, os remédios homeopáticos de padre João Pedro Gay eram materiais que transitavam e não paravam de percorrer os seus fluxos, indo e vindo do laboratório do sacerdote aos lares e organismos dos habitantes da fronteira gaúcha e brasileira. Não obstante, aqueles remédios também tinham linhas históricas que seguiam, anteriores até mesmo à sua prescrição e distribuição pelo padre. Ainda no Rio de Janeiro, a homeopatia praticada na campanha ganhava corpo a partir dos estudos e das aulas de um intelectual e religioso francês no Instituto Homeopático do Brasil. Enquanto se formava na capital imperial, ainda no meio do caminho ela se cruzava com o ideal socialista utópico de Fourier e Benoit Müre, para se juntar com a leitura humanitarista que o padre tinha do cristianismo. Os conflitos da Guerra do Paraguai, o cenário de pobreza em todos os sentidos e a ausência da Igreja católica na campanha do Rio Grande do Sul eram outros ingredientes que se somavam ao caldo que a homeopatia e João Pedro Gay prepararam, saciando a fome de todos aqueles que se uniam às suas trajetórias. CAPÍTULO II: A “CURA D’ALMAS” CISCANO E SEUS REMÉDIOS NO SUL DO BRASIL A Guerra do Contestado e os três monges João Maria

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PELA HOMEOPATIA:

UM FRAN-


Durante os primeiros anos do século XX, uma extensa faixa de terra ocupando desde o centro-oeste de Santa Catarina até a fronteira sul do Paraná foi palco de conflitos políticos e religiosos intensos. A região vasta, rica em erva-mate e madeira, atraiu na primeira década empresas norte-americanas como a Southern Brazil Lumber & Colonization Company, do ramo madeireiro, e a ferroviária Brazil Railway Company, incumbida da construção do trecho catarinense da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande do Sul. Inicialmente, ambas as empresas contrataram camponeses locais como mão-de-obra e, mais tarde, trabalhadores oriundos de diversas partes do Brasil. As condições de vida dos trabalhadores empregados eram deploráveis, os salários muito baixos, a posse de terras dos camponeses se mantinha em situação irregular e o atendimento do Estado às necessidades da população era insuficiente, para não dizer inexistente (AURAS, 1995; GALLO, 1999). Não havia naqueles sertões uma estrutura mínima para receber as centenas de imigrantes que chegavam de outras partes do Brasil. De igual modo, naquele contexto a Igreja não se fazia presente, contando com pouquíssimos padres e paróquias estabelecidas. O princípio do século era um momento em que a instituição religiosa se concentrava nos grandes centros e capitais e ainda se recuperava da crise do século XIX, ocasionada por conflitos com o Império brasileiro decorrentes do regime do padroado12. Por volta de 1910, os trabalhadores sertanejos se sentiram usurpados pelas autoridades brasileiras quando, após a conclusão das obras da estrada de ferro, foram todos demitidos e tiveram suas terras desapropriadas em benefício das companhias estrangeiras. O governo fez doações de amplas porções de terra à madeireira americana, em detrimento da posse anterior dos camponeses. Diante de tais acontecimentos, o sentimento de revolta cresceu e foi tomando forma revolucionária com a constituição de grupos armados. Teve início, então, o conflito armado do Contestado (1912-1916), surgido através da contestação dos rebeldes às autoridades republicanas e à exploração das companhias estrangeiras na região. Na Guerra do Contestado, o principal papel de liderança foi exercido por uma figura religiosa: o monge José Maria, eremita que, inspirado na lenda messiânica do antigo rei português Dom Sebastião, ganhou centenas de seguidores e foi aclamado como um enviado divino. José Maria de Santo Agostinho apareceu por volta do ano de 1911 no município de Campos Novos, Santa Catarina, peregrinando por entre as vilas e cidades vizinhas. A polícia de Vila de Palmas, no Paraná, acreditava ser o monge um soldado desertor do Exército, de fama nada invejável, condenado por ocasião de um estupro. Seu nome original seria Miguel Lucena de Boaventura. A insurgência do monge José Maria foi precedida pela atuação de dois outros líderes religiosos que peregrinaram nas regiões próximas no século XIX: monge João Maria de Agostini, italiano, de quem José Maria se dizia irmão; e monge João Maria de Jesus, de nome verdadeiro Atanás Marcaf, provavelmente de origem turca. Os três andarilhos constituíam “versões” diferentes de um único monge João Maria, cuja imagem, revestida de uma aura de santidade, fizera nascer no imaginário popular a devoção à figura do santo São João Maria, mais conhecido como o “monge dos excluídos” (KARSBURG, 2014). O terceiro monge João Maria assumiu lugar de protagonismo nos conflitos que envolveram os rebeldes do Contestado na primeira década do século XX. Instigados pela pregação messiânica do líder, que se dizia enviado por Deus no propósito de uma missão especial, os seguidores do monge pegaram em armas contra as autoridades da República, regime que consideravam demoníaco, suscitando contrapartidas do Exército em batalhas que continuaram até ao menos o ano de 1916. Entre as disputas com as forças republicanas, José Maria tinha o costume de liderar e fundar os “Quadros Santos”, algo como acampamentos de resistência. Também montou os “Pares de França”, uma guarda de 24 homens que sempre o acompanhavam e o defendiam. José Maria morreu em 22 de outubro de 1912, na Batalha do Irani, por um destacamento militar do Exército. Assim como os dois monges que o antecederam, o terceiro monge tornou-se popular tanto pela fama de santidade e pelos supostos milagres que realizava, como também pela distribuição que fazia de chás e remédios extraídos de plantas medicinais (fitoterapia). Frei Rogério:

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um homeopata no Planalto CatarinenseFoi nesse contexto conflitivo que viveu um frade franciscano alemão, que assim como os três monges João Maria ganhou fama de santidade entre os sertanejos. Henrique Neuhaus, terceiro filho do casal João Geraldo Neuhaus e Cristina Haddick, nasceu em 29 de novembro de 1863 no vilarejo de Grütlohn, em Borken, Münster, região da Westfália, na Alemanha. Seus pais eram católicos zelosos, incutindo nos filhos uma forma piedosa de religião que marcaria para sempre a vida do futuro padre. O mundo da infância e adolescência de Henrique passava pela vivência religiosa católica e era ilustrado pelas missas que frequentava e pelos exercícios religiosos com que tinha contato na escola e em casa, de forma contínua. Tal proximidade com a religião despertou no jovem o desejo de se tornar padre, em uma Alemanha marcada pela kulturkampf de Bismarck13. Em decorrência da perseguição religiosa, parte do atendimento eclesiástico aos católicos de Münster e, consequentemente, de Borken, era feito pelos religiosos holandeses. Tanto é que Henrique Neuhaus, por ocasião da prisão e do exílio do bispo de Münster, teve de ser crismado em Winterswijk, no país vizinho. Nesse contexto de crise, seu pai João Geraldo Neuhaus manteve contato frequente com irmãos franciscanos leigos enviados pelos frades da Holanda, que vinham de tempo em tempo a Grütlohn e circunvizinhanças para pedir mantimento a seus confrades. Na ocasião de um desses contatos, Henrique Neuhaus foi apresentado a um dos irmãos, aproveitando a oportunidade para pedir a aceitação na ordem franciscana. Ao receber resposta positiva, foi autorizado a partir para o colégio seráfico de Harreveld (SINZIG, 1939, p. 46).

FIGURA 2: Frei Rogério Neuhaus (fotografia de 1934, doada por Frei Rogério a Frei Pedro Sinzig).

Fonte: (ibid., p. 1).

Na Holanda, Henrique Neuhaus começou seus estudos e recebeu o burel de São Francisco no dia 03 de maio de 1881, passando a adotar o nome de Frei Rogério. Jurou votos de obediência, pobreza e castidade, concluiu os votos simples e os votos solenes e recebeu as ordens menores, do subdiaconato e do diaconato. Durante sua permanência no círculo de estudos, passou por Harreveld, Bleyerheide e Beesel, na Holanda; e Düsseldorf e Paderborn, na Alemanha, onde ocorreu sua ordenação sacerdotal a 07 de agosto de 1890. A personalidade calma, simpática e humilde de Frei Rogério foi enfatizada por quase todas as pessoas com que conviveu. Era-lhe indissociável a imagem de religioso puro, piedoso e sincero. Sua aura de santidade começou a ser desenhada por essa época, ainda na Europa. Os testemunhos existem desde a época do seminário, como este de Frei Lucínio Korte, que escreve ao biógrafo de Frei Rogério, Frei Pedro Sinzig (ibid., p. 49):

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Eram muito edificantes a sua simplicidade de criança e humildade, seu contentamento sempre igual e sua boa disposição mesmo em contrariedades. Não me lembro tê-lo visto zangar-se seriamente, uma vez que fosse. Estava pronto, a todo e qualquer momento, para atender aos outros e prestar serviços.

Essa disposição se manifestaria em sua trajetória posterior como missionário e homeopata no Sul do Brasil. Como regra dos franciscanos, Frei Rogério não foi enviado imediatamente para a “cura d’almas” após a ordenação sacerdotal, mas continuou seus estudos e somente no ano seguinte obteve autorização para exercer sua missão. Em 1891, aos 02 de dezembro, Frei Rogério aporta à Bahia, acompanhado de outros três sacerdotes e quatro irmãos leigos da ordem franciscana. Era a segunda leva de religiosos da mesma missão, destinada a se instalar na pequena povoação alemã de Teresópolis, no estado de Santa Catarina. A viagem até o Sul demorou dez dias, chegando Frei Rogério e seus confrades a Teresópolis na noite do dia 12 de dezembro, depois de paradas no Rio de Janeiro e em Desterro (antigo nome da capital Florianópolis). Durante a viagem, Frei Rogério adoeceu e esteve prestes a falecer, mas resistiu graças ao socorro de seus confrades. Por essa época, em função da crise da Igreja mencionada no início do capítulo, quase não havia padres pela extensão do território brasileiro. Os conventos estavam desertos e as bibliotecas e igrejas se encontravam abandonadas. A missão dos franciscanos, assim como de outras ordens religiosas que chegavam ao país recém-republicano, era a de restaurar a oficialidade eclesiástica e romanizar o catolicismo no Brasil, ao mesmo tempo formando uma nova geração de sacerdotes e “purificando” o catolicismo dos elementos misticistas e populares constituintes das práticas religiosas brasileiras (AZZI, 1983; STEIL, 2001). Em Teresópolis, Frei Rogério encontrou um cenário bastante diferente daquele que teria de enfrentar durante seu ministério no Planalto Catarinense e na região do Contestado. Os colonos alemães católicos que se instalaram no povoado haviam se mantido fiéis às tradições religiosas de além-mar. Reconheciam a autoridade do sacerdócio e consideravam a importância dos sacramentos, características que Frei Rogério não encontraria nos fiéis dos municípios sob a jurisdição eclesiástica da paróquia de Lages, onde se instalaria como vigário a partir de 1892. No final de ano anterior, o único padre da região havia falecido, restando a Frei Rogério a incumbência de tratar da “cura d’almas” dos católicos de um território imenso, que abrangia desde Lages, São Joaquim, Curitibanos e Campos Novos até as fronteiras ao Norte, com o Paraná, e a outras fronteiras ao Sul, com o Rio Grande do Sul. Para o desenvolvimento da tarefa, contava-se com meios de transporte rudimentares, pois não havia estradas de rodagem em toda a região. O lombo das mulas e dos burrinhos era o local onde Frei Rogério encontrava seu assento mais confortável para as longas viagens que realizava. O que o sacerdote encontrava nas cidades que percorria era um cenário desolador do ponto de vista do zelo religioso, mas de certo modo desafiante para um missionário em terras abandonadas. Frei Rogério encontrou pessoas sem nenhuma instrução, desprovidas do conhecimento dos princípios mais elementares da religião e, em alguns casos, privadas há anos do recebimento dos sacramentos. O franciscano afligia-se quando se deparava com casais vivendo em situação irregular, sem a bênção matrimonial, ou com crianças ainda não batizadas. De igual forma, a ausência de confissão por parte dos fiéis era-lhe um absurdo que necessitava de correção. Com um “zelo apostólico”, Frei Rogério atendia a centenas de pessoas todos os dias, percorrendo às vezes diversas cidades em poucas horas. Frei Pedro Sinzig, em posse das Reminiscências que recebeu das mãos de Frei Rogério, conta acerca do desafio que o campo missionário do frade impunha. Houve um dia (um dos tantos relatados que se passaram desta maneira)

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em que Frei Rogério pregou na Serra de Campo Belo para mais de 200 pessoas em uma casa, rezando o terço, recebendo penitentes e confessando até altas horas da noite. No dia seguinte, o franciscano teria batizado mais de 40 crianças (SINZIG, op. cit., p. 96). Mas, suas visitas e extensas peregrinações pela paróquia de Lages não se reduziam à administração de sacramentos e ao atendimento pastoral convencional. Frei Rogério era muito procurado pelos habitantes locais e por pessoas de regiões as mais distantes, que acorriam a Lages com a finalidade de receber os remédios homeopáticos que o padre distribuía e para serem curadas de toda sorte de doenças. A primeira menção à presença da homeopatia na trajetória de Frei Rogério, a constar em sua biografia, ressalta a preocupação do padre com os doentes de sua paróquia diante da ausência de médicos e comenta como a população se mantinha fiel a procurar os remédios do frade franciscano mesmo após a chegada de profissionais de saúde a Lages (ibid., p. 92):

Frei Rogério, por piedoso que fosse, não desprezou os meios justos da prudência humana para abrir caminho à religião. Seu coração, extraordinariamente compassivo, em dois tempos compreendera as necessidades da população, que nem médicos tinha. Mandou vir, então, uma farmaciazinha portátil, de homeopatia, começando a dar remédios a quem lhos pedia e a oferecê-los, ao encontrar algum doente. Em breve, os remédios de frei Rogério foram reclamados em toda a parte. Mesmo quando, mais tarde, Lages já tinha um e mais médicos, à portaria do modesto conventozinho franciscano se viam constantemente pessoas da cidade e caboclos vindos de fora, com uma garrafa na mão, à espera de frei Rogério e de seus remédios.

Em toda parte por onde andava, Frei Rogério levava consigo sua botica homeopática e seus remédios, que o acompanhavam mesmo nas circunstâncias mais adversas e difíceis para atuar um padre e homeopata. Caso exemplar é o da epidemia de gripe espanhola que abateu as cidades vizinhas de Porto União, em Santa Catarina, e União da Vitória, no Paraná, em outubro de 1918. Pelo cenário catastrófico “já não havia casa sem doente” naquela ocasião, mas Frei Rogério, incansavelmente, ia de casa em casa “levando remédios para corpo e alma”, preparando os doentes para a cura ou para a eternidade. Arriscava-se a si mesmo em favor dos outros, “quando ele mesmo se sentia fraco e meio gripado” (ibid., p. 254). Se a cura para o corpo era a homeopatia, a cura para a alma era a administração dos sacramentos, sem os quais os moribundos não obteriam a preparação necessária para a morte e para a salvação. Frei Rogério fazia questão de enfatizar a importância do recebimento de todos os sacramentos para além das doses de homeopatia. Essa relação é evidenciada na narrativa de Frei Pedro Sinzig (ibid., p. 293), que diz: “No mais, sua vida sacerdotal tinha dois outros pontos culminantes: confessionário e doentes, pontos que, aliás, se refundiam num só, porque a visita aos doentes e moribundos visava a salvação das almas pela confissão.” Certamente homeopatia e sacramentos andaram juntos na trajetória de Frei Rogério, o que fica claro em episódios como o contado por Frei Solano Schmidt a Frei Pedro Sinzig em carta de 08 de maio de 1934: um dia, em Canoinhas, a esposa de um homem chamado Lucindo estava gravemente adoecida, à beira da morte, quando Frei Rogério chegou em visita à sua casa e lhe preparou um remédio dissolvendo duas pílulas em um copo de água. Em face da relutância do marido, que insistia em dizer que a mulher não

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conseguia engolir “nem um pinguinho d’água”, o padre teria dito com segurança: “Não faz mal; basta molhar os beiços dela com este remédio”. No dia seguinte, afirmou Frei Rogério, ele mesmo traria os sacramentos a ela. Algumas horas depois, a doente havia melhorado definitivamente de sua doença e o padre voltou para lhe ministrar a eucaristia, como havia prometido (ibid., p. 359). Era de costume do padre passar por todas as casas onde houvesse doentes. Aproveitando a oportunidade, receitava remédios homeopáticos, dava conselhos religiosos e ministrava os sacramentos. No entanto, é preciso fazer uma ressalva quanto à “pureza” ou homogeneidade dessa relação existente entre homeopatia e sacramentos. Pois, de se um lado é evidente que ambas as práticas faziam parte da trajetória de Frei Rogério, de outro isso não significa que a medicina homeopática fosse apenas um pretexto ou um meio para a administração dos sacramentos àquela população desassistida religiosamente. Uma primeira leitura da biografia do padre pode fazer crer que a homeopatia tinha uma funcionalidade específica e delimitada: ser um instrumento a serviço dos sacramentos, facilitando o trabalho de Frei Rogério de ministrá-los às famílias. Mas, ao invés disso, deve-se levar em conta que a narrativa que Frei Pedro Sinzig faz da vida e dos feitos de Frei Rogério é recheada de esforços no sentido de propor uma visão romanizada de catolicismo , movimento do qual o próprio Frei Rogério fazia parte, posto ser um missionário franciscano vindo da Europa quando dos marcos da romanização do catolicismo no Brasil. Para os romanizadores, a prática dos sacramentos ocupava um lugar central nos serviços religiosos e constituía questão crucial para a definição do que fosse a espiritualidade do catolicismo (OLIVEIRA, 1985). Um santo homeopata e um santo fitoterapeuta Se as práticas homeopáticas de Frei Rogério não se encerram em pretextos para a administração de sacramentos, tampouco elas são simplesmente práticas de cura acionadas por um padre homeopata. Em acréscimo à colocação acerca do tratamento homeopático de Frei Rogério à mulher de Lucindo, acima mencionada, o biógrafo Frei Pedro Sinzig faz questão de enfatizar o caráter milagroso da cura. Ele questiona como a cura poderia acontecer se o remédio havia apenas sido molhado nos lábios da doente com algumas gotas. O autor também conta outros episódios que aconteceram no Planalto Catarinense para testemunhar do poder sobrenatural que pairava sobre a figura do sacerdote, a despeito do conhecimento de que ele utilizava a homeopatia como terapêutica para as curas (SINZIG, op. cit., p. 359-365). De fato, uma aura de santidade rondava a figura de Frei Rogério desde antes de sua chegada ao Brasil, pois, como vimos, ainda no seminário de Harreveld seus colegas o tinham como um religioso de virtudes sobre-humanas. Em terras brasileiras, sua fama de santidade correria longe com a notícia dos supostos milagres realizados por meio das curas com remédios, atraindo “pacientes” de vários cantos da região e do país e de doenças com variados graus de complexidade. Quando a farmácia homeopática portátil de Frei Rogério se esgotava, o frade se afligia bastante, pois era díficil conseguir os remédios em Lages. Tinham de vir de lugares longínquos e demoravam a chegar. Numa dessas ocasiões, Frei Crisóstomo Adams deu uma sugestão em forma de gracejo ao padre homeopata: “Meta um pouco d’água nos frasquinhos! O efeito será o mesmo”. Frei Rogério replicou, entendendo a provocação: “Não, não! A homeopatia é coisa muito boa”. Ao que Frei Crisóstomo insistiu: “Qual o quê! O que tem efeito não é o remédio, e sim a sua bênção, Frei Rogério” (ibid., p. 102). Apesar de proferir essas palavras em tom de brincadeira, Frei Crisóstomo remeteu a um sentimento constante da população, o de que as curas que aconteciam por intermédio de Frei Rogério se deviam à santidade do frade e não à ação dos remédios homeopáticos propriamente ditos. O franciscano desconversava, afirmando ser a homeopatia – o meio de cura – uma “coisa muito boa”. Rejeitava assim o status de santidade que lhe conferiam. Na mesma época em que Frei Rogério viveu no Planalto Catarinense, outros dois religiosos com fama de santidade curavam a população sertaneja com remédios14. Eram os dois últimos monges João Maria,

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que receitavam e forneciam remédios fitoterápicos. Neste ponto voltamos ao início do capítulo, quando os monges foram apresentados no contexto da região da Guerra do Contestado. O primeiro contato de Frei Rogério com o monge João Maria de Jesus, o segundo monge João Maria, é datado de dezembro de 1897. Estando o profeta andarilho a visitar Capão Alto, na paróquia de Lages, foi chamado a pedido de Frei Rogério para prestar esclarecimentos. O monge executava funções sacerdotais, como batizar crianças, e pregava uma mensagem apocalíptica de penitência. Não obstante, receitava remédios e era muito procurado pela população. Instado pelo franciscano a deixar a rebeldia, ele rebatia em discordância, questionando a autoridade dos padres. Ao final do diálogo registrado nas Reminiscências e transcrito por Frei Pedro Sinzig (ibid., p. 153-157), a justificativa de João Maria de Jesus para não assistir à missa do dia seguinte, celebrada por Frei Rogério, foi a de que muita gente o procurava para conseguir remédios, e que por isso não tinha tempo para comparecer. Anos mais tarde, na mesma região surge o terceiro monge, chamado José Maria. O último dos profetas andarilhos teve influência decisiva no contexto da Guerra do Contestado, sendo o líder dos rebeldes. Os registros atestam uma ocasião em que Frei Rogério tentou contato com José Maria, convidando-o para se confessar, mas recebeu como retorno a negativa: “Não quero dar motivo para falarem de mim” (ibid., p. 218). Conta-se que José Maria teria chamado a confissão de “bobagem”, o que bateria de frente contra os esforços romanizadores de Frei Rogério em valorizar a prática dos sacramentos. Sobre o monge José Maria, escreve o franciscano em suas Reminiscências (ibid., p. 218):

Agora mesmo, em 1912, anda em Campos Novos um sujeito que se chama José Maria, dizendo-se irmão do afamado João Maria de Agostinho. É verdade que tem dado alguns remédios acertados, e por isso o povo o procura. (...) São homens que iludem o povo simples com palavras sonoras e alguns remédios, afastando-o da prática da s. [santa] religião.

Agora mesmo, em 1912, anda em Campos Novos um sujeito que se chama José Maria, dizendo-se irmão do afamado João Maria de Agostinho. É verdade que tem dado alguns remédios acertados, e por isso o povo o procura. (...) São homens que iludem o povo simples com palavras sonoras e alguns remédios, afastando-o da prática da s. [santa] religião. No excerto, vê-se que Frei Rogério reconhece a validade da indicação de remédios por parte do monge José Maria. Aqui, o “santo homeopata” se encontra com o “santo fitoterapeuta”, ambos na condição de “santos”, mas inseridos em uma relação permeada de conflitos. As tensões se manifestam na biografia de Frei Rogério e se irradiam pelas diferentes trajetórias dos monges, dos rebeldes, da Igreja em processo de romanização e de todos quantos se encontram com o franciscano no percurso de sua caminhada de fé e cura. Frei Rogério constitui-se ao longo de sua vida no Planalto Catarinense em uma espécie de mediador entre as forças republicanas e da Igreja e os rebeldes do Contestado, no período de José Maria, e entre a Igreja romanizada e os ignaros sertanejos do final do século XIX, quando do encontro com João Maria de Jesus. Em um cenário adverso, o franciscano alemão tentava estabelecer vínculos, criar modos de se conectar aos católicos abandonados do Sul do Brasil, curar as enfermidades dos doentes e ministrar-lhes os sacramentos. Ao tempo em que espelhava a missão romanizadora da igreja, o frade entrava em tensão com os rebeldes, criava uma figura opositora aos monges venerados como santos e figurava um duelo de

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representações. Frei Rogério interpretava a imagem da Igreja, do corpo eclesiástico instituído e da República, ao passo que os monges encorpavam a resistência política, o “herético” e uma versão não aceitável de catolicismo. Cabe ressaltar, porém, que nem somente de conflitos distanciantes é tecida a colcha que aquece as relações entre Frei Rogério e os monges João Maria. A teia que enreda Frei Rogério e a população sertaneja das regiões pelas quais peregrinava como padre-homeopata também não pode ser simplificada por discrepâncias que não dialogam entre si. O ponto de encontro é que, à medida que ia prescrevendo e distribuindo seus remédios homeopáticos, curando enfermos e ganhando fama, Frei Rogério ia se tornando um santo à semelhança dos monges. Nesse contexto, uma diferença é encontrada na semelhança, e uma semelhança é encontrada na diferença. A santidade no mundo sertanejo parece não ter muito a ver com a santidade no mundo do seminário de Harreveld, onde o importante era a vida virtuosa e piedosa de Frei Rogério. No Planalto Catarinense e no Contestado, as curas é que importavam e tornavam um religioso santo, fosse ele padre ou profeta andarilho. A julgar pelas descrições encontradas em sua biografia, a reputação de Frei Rogério no Brasil permaneceu a mesma da Europa. Mas, a respeito dos monges João Maria, circulam muitas acusações morais que transgridem toda e qualquer aura de santidade católica. O que nos resta dizer, então? Se nossa atenção for educada, veremos que nos remédios homeopáticos de Frei Rogério havia algo que não era apenas homeopatia, mas continha um componente de efeitos para além da terapêutica e da cura das doenças. Afinal de contas, a pergunta nevrálgica é: que importavam o remédio e o religioso naqueles sertões, se ao fim e ao cabo a cura era a mesma? CAPÍTULO III: FLUIDO(S) VITAL(IS), FORÇA ESTÊNICA, HOMEOPATIA: CURA E CIÊNCIA POR UM PADRE CATÓLICO E “ESPÍRITA”15 Na pacata Porto Alegre dos anos 1920, um homem alto, magro e narigudo tinha o costume de sentar-se diariamente à janela de sua residência, de forma a observar o movimento dos transeuntes que caminhavam pela Rua da Praia. Ali, no coração da capital gaúcha, o curioso indivíduo de ar sisudo morava e exercia suas atividades. Do alto de sua notoriedade, revestia- se do respeito de boa parte dos cidadãos porto-alegrenses; outra porção deles, porém, o condenava enfaticamente ou o considerava um lunático. Por mais incompreendido que fosse, o motivo da condenação residia nas polêmicas que envolviam o exercício de sua principal ocupação: a de padre-cientista. À altura da última década de sua vida, o erudito católico já havia abandonado seus inventos e experimentações científicas. De seus equipamentos não se tinha mais notícias. Referia-se ao passado como sendo “águas passadas” (RUSCHEL, 2009) e, da cadeira em que sentava, fumava seu cigarro. Ninguém sabia o que pensava o padre naquelas tardes solitárias à janela. Entre o final do século XIX e o início do século XX, a figura de Roberto Landell de Moura chamava a atenção por ilustrar matérias em jornais de grandes cidades do país e do exterior. As intervenções na imprensa davam conta das polêmicas que envolviam a trajetória e a atuação do padre católico como sacerdote, erudito (físico, químico, botânico), interessado em temas de ciências os mais diversos e eminente inventor. Conhecido mais por suas inovações no campo das telecomunicações do que pelo legado religioso ou eclesiático que tenha deixado, Pe. Landell de Moura é frequentemente lembrado como um dos “pais” da radiofonia e das telecomunicações. Foi ele contemporâneo de inventores reconhecidos mundialmente, como Guglielmo Marconi, Nikola Tesla e Alexander Graham Bell. No Brasil, o conhecimento público e a preservação de seu legado são bastante limitados, apesar de sua importância para a história da ciência brasileira e mundial.

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Roberto Landell de Moura nasceu a 21 de janeiro de 1861 em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Filho do comerciante Ignácio José Ferreira de Moura e de Sara Marianna Landell de Moura, era o padre neto do médico escocês Robert Landell. Seu avô, diplomado na Universidade de Oxford, havia se mudado para o Brasil com a finalidade de construir sua vida familiar e profissional. Tendo recebido sua primeira instrução na Escola Pública do Professor Hilário Ribeiro, no bairro da Azenha, o jovem Landell de Moura continuou sua formação no Colégio Jesuíta de Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo, a poucos quilômetros de Porto Alegre. Naquela instituição, que posteriormente daria origem à Universidade do Vale do Rio dos Sinos, ele concluiu com seu irmão Ignácio o curso de Humanidades. Pouco depois, ambos os irmãos terminaram os estudos iniciais em Porto Alegre, no Colégio Gomes, à época a mais conceituada instituição educacional de todo o Rio Grande do Sul. Influenciado por outro de seus irmãos, Guilherme Landell de Moura, o futuro padre- cientista transferir-se-ia em seguida para o Rio de Janeiro, convicto de sua adesão à vida religiosa. Acompanhado de Guilherme, ele prosseguiria para Roma em 1878, onde estudaria Teologia e Filosofia no Pontifício Colégio Pio Latino-Americano e, simultaneamente, cursaria Física e Química na conceituada Universidade Gregoriana, instituída pelo fundador da Companhia de Jesus (Ordem dos Jesuítas), Inácio de Loyola. Desde a infância, ao passar pelo Colégio Conceição até chegar à Universidade Gregoriana, Pe. Landell passaria pelo crivo de uma formação jesuíta, apesar de não ter sido jamais membro dessa ordem. Ordenado padre secular em 28 de outubro de 1886, Roberto Landell de Moura retorna ao Brasil, mais especificamente ao Rio de Janeiro, onde celebra sua primeira missa. Em 1887, volta a Porto Alegre, sua cidade natal, onde se estabelece como pároco da Capela Nosso Senhor Jesus do Bom Fim. Até o final do século XIX, Pe. Landell passaria também por Uruguaiana (RS) em 1891; Santos (SP) em 1892; Campinas (SP) de 1894 a 1896; e Santana (SP) a partir de 1898.

FIGURA 3: Padre Roberto Landell de Moura

Fonte: RODRIGUES, 2015, p. 382

Biografias de Roberto Landell de Moura dão conta de detalhes mais gerais da vida do padre, para além dos que pretendo aqui frisar (ALMEIDA, 2006; FORNARI, 1984; RODRIGUES, 2015). Utilizo-me dessas fontes para ilustrar alguns dos aspectos que considero mais relevantes para o propósito deste capítulo, que é o de demonstrar como a trajetória do padre Landell de Moura está relacionada diretamente com práticas de cura, especialmente com a homeopatia. Nos documentos manuscritos, nas biografias e em jornais de época também é possível encontrar elementos que indicam e clarificam a presença de outras terapêuticas de cura e técnicas de transe que se entrelaçam com o trabalho do padre e que se confundem com o seu projeto de ciência e de religião. Essas outras formas de lidar com doentes, pacientes e fiéis, oriundas de terapêuticas diversas, também indicam caminhos profícuos para pesquisas que abordam a interface entre religião e práticas de cura e apontam para uma direção paralela à da interpretação que

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demonstrarei mais adiante sobre os imbricamentos entre catolicismo e homeopatia. Por ora, voltemos à trajetória do Pe. Landell de Moura. Um padre “espírita” transitando entre a ciência e o exorcismo Em Campinas, a partir de 1894, o padre gaúcho começa a realizar suas primeiras experiências científicas. Desde a formação primária, passando pelos estudos com os quais teve contato em Roma – doutorando-se em Física e Química – Pe. Landell de Moura sempre teve uma forte inclinação à ciência e à erudição. Profundamente interessado na religião católica, tinha confiança absoluta na existência de Deus e de Jesus Cristo e era zeloso de suas tarefas como sacerdote. Todavia, a teologia e a religião não eram os únicos assuntos de suas conversações e tampouco de seus escritos ou do tempo de que se ocupava. Landell de Moura, pelo final do século XIX, revelou-se um padre-cientista. Nutria especial interesse pela leitura de revistas científicas estrangeiras, e agora não só lia e discutia como também fazia ciência. Em torno de suas experiências, originaram-se polêmicas acerca da veracidade e da aceitação de seus aparelhos, que à época soavam bizarros para a opinião pública. Landell de Moura buscava especialmente – e insistentemente – transmitir a voz humana à distância, o que não raras vezes fora considerado como “coisa do demônio” ou “bruxaria” pelos fiéis e populares. Exemplo dessa associação dos experimentos landelianos a forças ocultas é melhor visto na passagem do padre pelas paróquias de Botucatu, Mogi das Cruzes e Caconde, todas localizadas no estado de São Paulo. Antes dessas passagens pastorais, Landell recebeu uma licença especial da Igreja para continuar com seus trabalhos como cientista. Esteve de 1901 a 1904 nos Estados Unidos, onde conseguiu patentes para alguns de seus inventos e foi reconhecido como um inventor (reconhecimento que, aliás, não obtivera no Brasil), sendo destaque em notícias de jornais de Nova York. De volta ao seu país de origem em 1905, Landell passa pelas três paróquias mencionadas. Todavia, é em Mogi das Cruzes que alguns fatos ocorridos aparentemente entram em contradição com as palavras publicadas pelo jornal A Vida em 17 de junho de 1906. Em uma extensa carta, sob o título “Uma ideia christã”, o autor, que se identifica como Silva e Costa, elogia a atuação do padre Landell na paróquia por conta de seus “esforços no sentido de impedir as festas (...) [onde] às vezes (...) acha-se colocada simplesmente uma cruz, a pretexto de milagres (...), sem razão alguma” (RODRIGUES, op.cit., p. 124-125). Segundo o autor, ao agir de forma a combater a “idolatria” e as “crendices” de uma parcela dos fiéis, Pe. Landell agiria racionalmente e em conformidade com as normas do cristianismo e da Igreja, em direção oposta às “doutrinas espiritistas” que estavam em evidência. Os elogios se seguem de forma eloquente e fervorosa em outra carta, datada de 09 de julho de 1906, publicada no mesmo jornal. Era evidente o zelo do padre Landell de Moura em tentar expurgar da igreja de Mogi das Cruzes todo tipo de catolicismo que apelasse para formas “milagreiras” de religiosidade, cuja representação se desse através de símbolos ou objetos religiosos e que atuasse por meios de curas ou modos de ação sobrenaturais, e sobre os quais não se pudesse ter uma elucidação minimamente teológica ou racional. Ao mesmo tempo, porém, eram recorrentes episódios de exorcismo na paróquia. Eram ocasiões em que a intervenção divina se fazia necessária por meio da presença do sacerdote. Chamado a atuar nos sinistros, padre Landell realizava um exorcismo monitorado pelos aparelhos que inventava, proporcionando um ponto de encontro, em um momento de tensão, entre o padre e o cientista. Ou entre a fé – que, em última instância, não se explica – e a ciência – que tem necessariamente de ser explicada. Aqui há uma aparente contradição, pois se de um lado Landell enfatizava um catolicismo mais racional, desligado de mitos, “crendices” e fenômenos excepcionais, de outro o exorcismo era admitido e exercido por ele com o uso e o auxílio da ciência.

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Episódios de exorcismo seriam recorrentes nos anos seguintes de sua atuação sacerdotal. Landell de Moura retorna a Porto Alegre para trabalhar na paróquia da igreja do Menino Deus, a partir de 1908. Logo depois, atua na igreja do Rosário de 1915 a 1928, quando então falece em decorrência de tuberculose. Durante sua atuação na paróquia do bairro Menino Deus, padre Landell dá continuidade a seus trabalhos científicos. Em 1913, naquela paróquia, ele teria aperfeiçoado seu projeto de televisão, bastante tempo antes do experimento do escocês John Logie Baird (1924), que levou a fama pela invenção do aparelho. Pe. Landell de Moura, em 1913, já tinha um projeto de televisão e dava exatamente este nome – televisão – ao aparelho que pretendia colocar em funcionamento (ibid., p.135). Paralelamente, os episódios de exorcismo continuaram a acontecer. O Gabinete de Antropologia Experimental, a Faculdade de Medicina Homeopática e as práticas “espíritas” do padre Landell de Moura Quando padre Landell já era pároco na igreja de Nossa Senhora do Rosário, no coração de Porto Alegre, uma notícia veiculada no jornal Correio do Povo de 08 de fevereiro de 1916 chamaria mais uma vez a atenção da população e das autoridades eclesiásticas para o trabalho de Landell de Moura como padre e cientista. A matéria jornalística anunciava a inauguração de um Gabinete de Antropologia Experimental mantido por Landell ao lado da igreja do Rosário, onde o padre provaria “todos os fenômenos do grande e pequeno hipnotismo e do espiritismo sem os processos e invocações usados pelo hipnotismo, pelo magnetismo e pelo espiritismo, agindo diretamente sobre o sistema nervoso central e periférico” (p. 05). Um desafio foi colocado pelo padre a toda a população: Landell estabeleceu um prêmio de um conto de réis para quem provasse, diante de uma comissão de honra, que os fenômenos ali manifestados eram decorrentes da invocação de espíritos ou da atuação de elementos de qualquer doutrina espiritista. Landell de Moura enfatizava uma dissociação entre o que ocorria no gabinete – fenômenos explicados pela ciência – e o que se cria no mundo da fé no sobrenatural. Apesar de ser um religioso, ele não procurava explicações transcendentais para os fenômenos que se produziam naquele ambiente; cria, ao invés disso, que não havia nada de sobrenatural nas técnicas e experimentos que ali punha em realização. Sua intenção era clara. Tinha como objetivo demonstrar que hipóteses atreladas ao espiritismo, em suas diversas formas possíveis, deveriam ser descartadas. Pois, afinal de contas, o que se manifestava ali não era “espiritismo” e ele não era um “padre espírita”. Nesse momento histórico, havia uma efervescência de religiões mediúnicas no Rio Grande do Sul (representadas, principalmente, pelo kardecismo e pelas religiões afro- brasileiras), que tinham na cura e no transe aspectos marcadores que as distanciavam do catolicismo oficial. Weber (1999) trata do período histórico em questão apontando para a presença dessas religiões no cenário gaúcho da Era Castilhista, que era o mesmo da atuação de Pe. Landell nas igrejas do Menino Deus e do Rosário. Frequentemente, Landell era chamado de “espírita”, “feiticeiro”, “bruxo” e de outros adjetivos pejorativos por conta de suas práticas, que eram imediatamente associadas às das religiões mediúnicas tão presentes na capital gaúcha daquela época. Landell de Moura respondia condenando o espiritismo e enfatizando o caráter científico de seus experimentos, como demonstram alguns dos manuscritos do padre que foram preservados, aos quais tive acesso no IHGRGS – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Um deles atribui ao espiritismo as pechas de “doutrina de Satanaz” e “blasfêmia contra Deus”, claramente relacionando a doutrina kardecista ao aspecto pejorativo e condenatório que rondava as religiões mediúnicas na Porto Alegre do início do século. Um ambiente de turbulência religiosa como aquele, em que Landell era acusado e acusava o espiritismo, e onde não havia uma convivência harmoniosa do catolicismo com as religiões mediúnicas não poderia ser imune a tensões. Logo após a inauguração do Gabinete de Antropologia Experimental, o espírita Il-

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defonso Gomes responde às acusações de Landell ao espiritismo escrevendo um texto no jornal Correio do Povo, datado de 16 de fevereiro de 1916. O texto, intitulado “Uma doutrina em progresso”, defende os pressupostos básicos do espiritismo kardecista. O autor não deixa de expressar grande consideração pelo padre-cientista, ao questionar o motivo pelo qual ele, por sua excelente inteligência, não havia ainda chegado ao episcopado. Do lado espírita, havia uma confirmação da validade das práticas levadas a cabo por Landell de Moura em suas experimentações. Não se tratavam, pois, de uma ofensa ao espiritismo, mas de uma confirmação in loco dos pressupostos mediúnicos. As práticas do padre, no entanto, continuavam dissociadas dos conceitos de mediunidade conforme a doutrina religiosa, incluindo em sua justificação uma aberta condenação ao espiritismo. O Gabinete de Antropologia Experimental, aberto a franca visitação, seria um local onde Pe. Landell não realizaria apenas sessões contendo técnicas de transe como o hipnotismo e a levitação. Aquele também foi um lugar de cura (RODRIGUES, op. cit., p. 172). Não se tem informação a respeito dos métodos utilizados para a cura dos pacientes, pois nos manuscritos landelianos não há nada a respeito do gabinete. Em jornais há apenas a menção à presença das curas e das técnicas de transe. Mas, há algo nos manuscritos e na trajetória de Landell que nos permite visualizar como essas curas poderiam ser realizadas. Landell de Moura não era apenas um conhecedor de física, química, psicologia e teologia, mas também um exímio botânico, prescrevendo em seus manuscritos remédios fitoterápicos para doenças diversas. Os arquivos do IHGRGS contêm um catálogo escrito por Landell a respeito de todas as plantas medicinais encontradas em Porto Alegre e nos arrabaldes. A fitoterapia, no entanto, não parece ser a única terapêutica em que Pe. Landell confiava para a cura dos doentes. Em seus manuscritos encontra- se também lugar para a homeopatia, que figura ao lado da alopatia em um esquema ilustrativo acerca das “leis sobre a força medicamentosa das substâncias” (fig.4).

FIGURA 4: “Leis sobre a força medicamentosa das substâncias”. Manuscrito do Pe. Roberto Landell de Moura

Fonte: Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul.

A menção à homeopatia nos escritos landelianos por si só poderia ser tomada como algo trivial, não apontando para alguma relação mais forte do padre com essa terapêutica a não ser o conhecimento que ele detinha sobre ela, como bom erudito que era. Todavia, podemos encontrar uma relação mais forte de Pe. Landell de Moura com a homeopatia fora de seus escritos ao invés de propriamente neles. Dalla Porta (2012) comenta sobre a atuação de padre Landell na fundação da Faculdade de Medicina Homeopática do Rio Grande do Sul, projeto áureo da homeopatia gaúcha que acabou tendo uma curta duração devido a uma dissensão no corpo docente. Na inauguração da instituição de ensino, em 02 de março de 1914, padre Landell de Moura fez um eloquente discurso abordando o princípio básico da homeopatia: o axioma hipocrático similia similibus curantur (semelhante cura semelhante). Porém, sua contribuição para a faculdade foi ainda maior, pois não se reduziu ao discurso na cerimônia de inauguração. Padre Landell estava entre os

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catedráticos da Faculdade, e nela lecionaria as disciplinas de Antropologia e Psicologia Experimental. Nas incursões documentais, é possível encontrar pistas de seu entendimento dessas duas disciplinas. Por antropologia Landell de Moura entendia o conjunto de interpretações e conhecimentos a respeito do homem, destinados à busca de “desvendar os mistérios do ser humano”. Tal interpretação pode ser atestada em um esquema por ele criado e encontrado entre seus manuscritos no IHGRGS (fig.5).

FIGURA 5: Esquema acerca da antropologia. Manuscrito do Pe. Roberto Landell de Moura.

Fonte: Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul.

O esquema manuscrito revela que a compreensão de Landell de Moura acerca da antropologia era muito amplo, e evidentemente nada tinha a ver com o sentido que a disciplina tem hoje, ou mesmo com o que tinha à época para seus grandes autores. Para ele, a antropologia dividia-se primeiramente em antropologia metafísica, histórica e experimental. Depois, seguiam-se ramos e subdivisões dentro dessas primeiras divisões, como a teologia, a filosofia, a psicologia e a fisiologia. Os métodos de cura estavam circunscritos ao domínio da antropologia experimental, de onde vinham o nome e a função de seu gabinete. Como eram as aulas práticas de padre Landell na Faculdade de Medicina Homeopática do Rio Grande do Sul, não o podemos saber, pois não existem registros arquivados sobre aquela curta experiência de ensino e aprendizagem que, assim como a instituição educacional, teve poucos dias de existência. Idealizada por Ignácio Capistrano Cardoso e outros homeopatas, a faculdade legou seus alunos à Escola Médico-Cirúrgica, que não possuía uma orientação homeopática e contava com um corpo médico quase exclusivamente formado por alopatas (ibid., p. 57). Landell de Moura como curador ou propagador de terapêuticas de cura como a homeopatia e a fitoterapia não se restringia à escrita de seus manuscritos e ao ensino de antropologia e psicologia experimental na Faculdade de Medicina Homeopática. Um amigo próximo do padre, o médico espírita Hernani de Irajá, relata em seu livro Feitiços e crendices (1932) alguns episódios envolvendo Landell e técnicas de transe que eram acionadas pelo sacerdote, utilizadas ora por experimento, ora por práticas curativas, ora ainda por exorcismo. Conta Irajá que, certa feita, estando ambos juntos em um bonde, padre Landell teria lhe colocado a “mexer” com uma menina que estava assentada no segundo banco do veículo. Propondo que ele e Irajá olhassem fixamente para o pescoço da menina e desejassem ardentemente que ela se coçasse, como se fosse picada por um inseto, Landell almejava que por força de pensamento o desejo fosse cumprido. Era o padre um fiel crente na hipótese da telepatia. O amigo aceitou o desafio e a menina correspondeu imediatamente se coçando. Em seguida, ambos desejaram que ela voltasse a cabeça e olhasse firmemente para eles, o que, não demorou muito, aconteceu. Outro episódio ocorreu numa noite de fevereiro de 1919, na residência de uma moça que sofria de sonambulismo. Todas as noites, ela se levantava da cama, ia até o lado exterior da casa e saltava um muro e

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o portão, voltando para a cama logo em seguida. Pe. Landell foi chamado para atender a mulher a pedido da família, que manifestava preocupação com o caso dela. Quando o padre finalmente se encontrou com a sonâmbula, tendo em mãos um recipiente de água-benta, a moça tremeu de ódio, seus olhos se arregalaram e suas palavras contra o sacerdote foram as mais torpes possíveis. Era um caso que, identificado como possessão, necessitava de exorcismo. Ao chamá-la pelo nome e ao borrifar nela água-benta, padre Landell fê-la cair ao chão e ser curada, e a paciente nunca mais apresentou aqueles sintomas de sonambulismo (ou, poderíamos dizer, possessão). Em conversa com Hernani de Irajá, Pe. Landell revelou o meio pela qual a sonâmbula tinha sido livrado da perturbação. Segundo o padre, ela não havia sido curada por meio da água-benta ou de uma intervenção divina, mas pela prática da hipnose que ele havia praticado no momento da borrifação, seguindo métodos que não eram transcendentais, mas científicos. Pe. Landell explicou ao amigo que havia estudado minuciosamente “o hipnotismo medievo, as exibições magnéticas de Mesmer e Puységur (...), as habilidades de Moisés, os milagres de Jesus, de Pedro e de Paulo”, conseguindo decifrar “a golpes de raciocínio, de lógica, de ciência, a cura dos leprosos da Judeia, dos paralíticos da Galileia e dos lázaros de Cafarnaum” (RODRIGUES, op.cit., p. 182). Ou seja, até mesmo os milagres de Jesus e dos apóstolos eram creditados por Landell a motivações explicáveis pela ciência e não a uma intencionalidade transcendental. Havia aqui, mais uma vez, um ponto de contato entre a fé e a razão e entre o padre e o cientista Landell. Sempre que via ocasião, estava o padre-cientista a defender que suas práticas, ensinos e experimentos não estavam dissociados da fé cristã, ao mesmo tempo em que não eram contrários à ciência e à racionalidade humanas. Sua atuação no Gabinete de Antropologia Experimental lhe havia rendido reprimendas das autoridades eclesiásticas da Igreja, especialmente vindas da parte do Vigário Geral da Arquidiocese, Monsenhor Luiz Mariano da Rocha. A postura da Igreja diante do exercício das “práticas espíritas” do Pe. Landell de Moura era de contrariedade. Mas, em que pese toda a polêmica gerada pela proximidade com essas práticas, o padre não sofreu ameaças de perda de seus ofícios religiosos ou de excomunhão. A propósito de uma ciência que não exclui a fé (e de uma fé que não exclui a ciência): seguindo a trajetória landeliana por entre as práticas de cura Ainda sobre a homeopatia, cabe considerar que seu exercício não se dava apenas em ambientes legitimados pela medicina (e neles, não sem atritos com a alopatia), mas também nos centros espíritas kardecistas, estando desde cedo sua imagem muito atrelada a esta doutrina religiosa. De fato, muitos médicos espíritas aderiram à orientação homeopata, por conta de uma correspondência entre os conceitos de força ou energia vital para a homeopatia – conforme sistematização de Hahnemann (1996 [1810]) – e de fluido vital para o espiritismo. Giumbelli (1997), ao discorrer sobre a história da legitimação e da condenação do espiritismo no Brasil, fala-nos acerca do importante papel que a homeopatia teve dentro do espiritismo brasileiro, como uma terapêutica exercida dentro e fora dos centros espíritas e com forte apelo entre os adeptos daquela religião. A despeito da associação entre homeopatia e espiritismo, no entanto, Landell de Moura não condenava a prática homeopática, antes a considerava como uma prática científica. As técnicas e terapêuticas de cura empreendidas na trajetória landeliana confundem-se, em certa medida, com o projeto de ciência e religião do padre. Landell de Moura procurava superar as presumidas divisões e incongruências entre fé e ciência, ao atuar como padre- cientista e ao, simultaneamente, crer e escrever seguramente sobre a religião católica e sobre as técnicas “espíritas” de transe e de cura que utilizava nas sessões experimentais de seu gabinete e nos episódios de exorcismo com os quais lidava. Para ele, não havia nada de absurdo em superar a barreira que separava ambos os domínios. A homeopatia e a fitoterapia, terapêuticas menos polêmicas do que o hipnotismo, estavam inseridas em seus discursos e em suas lições. Provavelmente estiveram presentes em sua prática no Gabinete de Antropologia Experi-

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mental e certamente se encontravam em outros locais, como na Faculdade de Medicina Homeopática. Assim, também elas fazem parte de um conjunto de práticas curativas que se relacionam com a vida intelectual do padre. Quando se fala em homeopatia no contexto da trajetória científica de padre Landell, trata-se de um assunto que se relaciona amplamente com técnicas “espíritas” utilizadas como terapêuticas de cura em cenários diversos, como em hipnotismos e exorcismos. E, não obstante, fala-se de um dos temas que mais ajudavam Landell de Moura a exemplificar e difundir seu ideário de ciência. A inclusão da homeopatia pelo Pe. Landell de Moura no rol de práticas curativas e conhecimentos científicos que faziam parte de suas experimentações e de seus esquemas intelectuais revela-nos um pouco sobre a abrangência de sua ideia/projeto de ciência. Os manuscritos de Landell contêm várias referências à elaboração de uma espécie de teoria sobre a força do pensamento, denominada por ele mesmo de “força R estênica”. Essa força adviria do “elemento R” que, na analogia landeliana, consistiria no próprio espírito segundo a terminologia kardecista. Hernani de Irajá, ao novamente comentar sobre o padre Landell de Moura em Feitiços e crendices, explica melhor e exemplifica o que seu amigo tentava dizer com a teoria proposta, por vezes parafraseando-o em memórias de diálogos. Alguns trechos do capítulo V do livro são transcritos na revista Ciência Popular, n. 35, de agosto de 1951 (fig.3), como o que fala de uma “projeção de vibrações ainda não entendidas cientificamente e que agem como irradiações poderosas do centro volitivo de maior poder sobre o mais fraco” (p. 24).

FIGURA 6: Trechos do Capítulo V de IRAJÁ, Hernani de. Feitiços e crendices. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1932.

Fonte: Ciência Popular, n. 35, agosto de 1951, p. 24.

Em alguns momentos nessas lembranças de diálogos, Hernani de Irajá dá voz ao padre Landell de Moura, que estabelece uma correspondência de sua teoria da “força R estênica” (ou simplesmente “força estênica”) com manifestações mediúnicas das religiões afro-brasileiras, com o movimento do fluido magnético do magnetismo animal e com a eficácia da hipnose. Pe. Landell ainda admite a existência do ectoplasma do espírito, que para ele seria uma espécie de “perispírito do corpo anímico ou do fluido

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vital”, e do espírito segundo o ideário kardecista, nomeado por Landell como “elemento R”. O que quer dizer que todas essas concepções – consideradas “espiritistas” – de um fluido ou força vital existente ora nos seres, ora nas coisas ou ora em ambos, e que irradia deles ou não, a depender da linha religiosa ou filosófica a que estão ligadas as concepções, de uma forma clara se conectam com a teoria da força estênica landeliana. Afirma o padre ter estudado Mesmer, Puységur e outros mestres do magnetismo, assim como o próprio Jesus Cristo, de cujos milagres a força estênica seria a causa, demonstrando beber de uma fonte que não se limita a seu tempo histórico. As práticas de cura e de transe – e, ainda, de cura pelo transe – parecem fazer parte do catolicismo do Pe. Landell de Moura sob uma roupagem não autorizada ou não oficial. Uma vez que mantenham certa continuidade com as experiências anteriores à elaboração da teoria da força estênica, podemos falar em uma força estênica ou do elemento R que se confunde com o(s) fluido(s) vital(is) e que se encontra em alguns momentos com o fluido magnético mesmeriano, com a mediunidade das religiões de possessão e, ainda, com a própria força ou energia vital da homeopatia. As teorias científicas landelianas ligam-se às ideias do padre não apenas em relação a uma noção geral de ciência que engloba a medicina como ramo importante a ser considerado no esquema landeliano de antropologia, ou seja, acerca dos conhecimentos existentes sobre o homem. Elas também encontram correspondência nas terapêuticas que tomamos em conta como co-participantes do percurso e do trajeto científico de Landell de Moura. Sua teoria da força estênica, ou do elemento R, parece estar ligada à ideia de força vital presente na homeopatia, assim como esta última está ligada ao fluido vital do espiritismo kardecista. Como uma força que anima os seres vivos, a força estênica proveniente do elemento R pode ser uma elaboração aproximada do que Samuel Hahnemann chamaria de força ou energia vital. Assim, deslumbramos a força vital como algo desprendido da homeopatia, o fluido vital não como mero produto do espiritismo kardecista e a força estênica como uma elaboração não exclusiva de Landell de Moura. Suponho que estas concepções todas estejam entrelaçadas, evidenciando continuidades e rupturas no devir histórico, manifestando criações e recriações durante o processo da vida, unindo fé e ciência sob a égide daquilo que é imanente com roupagem de transcendente. CONSIDERAÇÕES FINAIS À guisa de conclusão, é viável dizer que parte da história perdida ou obliterada das relações entre homeopatia e catolicismo no Brasil pode ser resgatada pela consideração das trajetórias de padres homeopatas que acompanharam de perto as fases de implantação e/ou expansão da homeopatia no país. A difusão da homeopatia no interior brasileiro só foi possível graças aos esforços de religiosos que, tendo em vista o aspecto popular da medicina homeopática, inseriram esta prática de cura em seus discursos e experimentações. As trajetórias de Padre João Pedro Gay, Frei Rogério Neuhaus e Padre Roberto Landell de Moura evidenciam diferentes maneiras de interpretar e vivenciar a homeopatia, diferenciando-se umas em relação às outras de acordo com o contexto, o tempo em que os padres viveram, o local onde atuaram como homeopatas, etc. As formas pelas quais os três sacerdotes tomaram conhecimento da manipulação dos remédios não se fazem muito visíveis nos documentos e nas biografias, à exceção de João Pedro Gay, que foi aluno e professor do Instituto Homeopático do Brasil. O aprendizado homeopático de padre Gay está relacionado ao que viu e aprendeu durante sua estada no Rio de Janeiro e no IHB em um período de tempo de quase quatro anos na década de 1840. Mas, não obstante sua experiência institucional, constata-se que seu conhecimento se expande para o ministério exercido nas cidades fronteiriças de Alegrete, São Borja e Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, levando aos rincões gaúchos as influências que recebera durante sua vida e o ideário próprio que construíra em sua trajetória. Sua preocupação com os pobres e oprimidos, que se inspirava em um humanitarismo cristão, encontrou-se no Rio de Janeiro com o socialismo utópico fourierista de Benoit Müre e de outros homeo-

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patas e simpatizantes da homeopatia. Mas as fronteiras desse encontro não são rígidas a acontecimentos que ficam claros nos documentos biográficos existentes. A vida pregressa de João Pedro Gay na França, ou suas leituras de obras literárias, por exemplo, podem lhe ter proporcionado um outro encontro com a visão política de seu conterrâneo Charles Fourier. Assim, as fronteiras desses cruzamentos são borradas, não permitindo demarcar “momentos puros” de uma trajetória, mas apenas apontá-los como fatos que carregam potencialidades criativas para a vida. Afinal de contas, a manipulação dos remédios homeopáticos de padre João Pedro Gay e a experimentação pela população da fronteira oeste do Rio Grande do Sul não podem ser reduzidas ao que se pode ver e ler nos documentos que restaram da história. Pois, como visto, a história também muda, e o laboratório de padre Gay, bem como seus escritos e muito de sua produção intelectual, perdem-se ao toque de uma invasão por ocasião de guerra. A invasão paraguaia a São Borja não teria sido de tamanha importância se não tivesse alterado ainda outras possibilidades da vida naquelas localidades e trajetórias pessoais, para além daquelas circunscritas ao ambiente em que padre Gay receitava seus remédios. As dores da população são-borjense eram, sem dúvida, físicas, e por esta razão indicavam a necessidade de remédios para a cura das doenças. Mas, por outro lado, havia dores emocionais e traumáticas da guerra que os remédios não podiam curar. E, neste caso, fica evidente que o papel do sacerdote católico não se reduzia à prescrição e distribuição de homeopatia, mas vazava e assumia várias outras facetas, transformando e recriando o olhar do povo sobre o padre e seus remédios. A “cura d’almas” que existia na fronteira brasileira com a Argentina também se fazia presente no Planalto Catarinense, de forma que Frei Rogério Neuhaus teve que lidar em sua caminhada sacerdotal com diversas outros elementos para além da homeopatia. Os sacramentos eram importantes para a visão romanizadora de Igreja que o frade carregava e aplicava em seu ministério. Mas, não obstante, eles não constituíam os únicos elementos que faziam parte de sua peregrinação, ou mesmo os aspectos que fossem os centrais e determinantes para toda a sua atuação em solo brasileiro. Ao entrar e sair das casas dos sertanejos, o franciscano alemão se deparava com episódios de exorcismo, com a imoralidade das uniões em situação irregular e com o conhecimento insuficiente da população em relação àquela que considerava a norma de vida correta, religiosa, piedosa e justa. Mas, a despeito de tudo isso ser verdade, o missionário estrangeiro também ocupava lugar de proeminência na representação da Igreja junto ao seio do conflito da Guerra do Contestado, travando contato com os rebeldes e seus familiares e com aqueles que seriam como seus antítipos, os dois últimos monges João Maria. Nas terras que viviam em revolta e sob um clima politicamente tenso, Frei Rogério e a homeopatia se cruzaram com João Maria de Jesus e José Maria de Agostinho e com a fitoterapia que praticavam, curando toda sorte de doenças e ganhando fama de santidade. O contato entre Frei Rogério e os dois monges foi curto e circunstancial, mas não deixou de envolver a dimensão da disputa e do conflito. De um lado, o frade defendia e representava oficialmente a posição da Igreja, que colocava um limite ao tipo de catolicismo praticado pelos rebeldes. Por outro, os monges eremitas apontavam para um caminho de fé e salvação milenarista, que Frei Rogério e a instituição católica não podiam entender e aceitar, relegando-o logo à heresia. Em meio a todo esse cenário conflitivo, as práticas de cura serviam como bálsamo para as feridas da população, que praticamente não tinha nenhum acesso à medicina das instituições médicas que se concentravam nas capitais. Naquele contexto, pouco importava quem curava, se eram os monges ou Frei Rogério, ou ainda se a ação dos medicamentos estava na propriedade terapêutica dos remédios ou na santidade que carregava quem os prescrevia e distribuía. O resultado do encontro entre o frade franciscano e os monges da região do Contestado foi não apenas o conflito de poder entre a Igreja e os rebeldes messiânicos que saltou à vista. Com a manipulação dos

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remédios de sua botica homeopática – conjunto de medicações que sempre levava nas visitações aos lares ou em qualquer circunstância em que se encontrasse – Frei Rogério foi ganhando fama de santidade à semelhança dos monges João Maria. O efeito dos remédios já não era mais tanto creditado pelos doentes à ação das substâncias contidas nas medicações (se é que algum dia o foi) quanto ao caráter milagroso que possuíam as receitas de Frei Rogério. O frade, que já tinha certa fama de santidade desde os tempos de seminário por conta de sua reconhecida virtuosidade moral, foi elevado à devoção dos sertanejos do Planalto Catarinense, a despeito de sua relação conflitiva com os monges João Maria, cuja veneração como santos também derivava, em grande medida, de seus milagres realizados pela cura. A trajetória de Frei Rogério Neuhaus revela que certos aspectos se cruzam e se combinam mesmo quando, em um único contexto temporal e espacial, encontram-se inseridos em uma relação permeada por conflitos. Em discordância da impressão de dualidades que se chocam e não produzem novos elementos, ela demonstra possibilidades para a configuração de diferentes catolicismos e práticas de cura dentro do mesmo local e diante dos mesmos personagens. A aura de santidade que Frei Rogério e os monges João Maria adquiriram ao longo de seus percursos de vida e de cura é uma demonstração de que até mesmo os milagres, a virtuosidade moral e a devoção espiritual podem se modificar substancialmente de acordo com o contexto envolvido e, ademais, não se encontram como categorias estáveis. As caminhadas de Frei Rogério e dos monges João Maria pelo Planalto Catarinense desmistificam a impressão que se pode ter de biografias que não se comunicam e de esferas da vida que não dialogam, como se estivessem inseridas em dualidades inflexíveis e irreversíveis. O padre-cientista Roberto Landell de Moura também quis dizer que dicotomias artificiais são produzidas onde o que está em jogo é algo que simplesmente abrange o fenômeno da vida. O projeto de ciência landeliano, que tentava superar as aparentes incongruências entre religião e ciência, considerando a intencionalidade divina por detrás da existência de todos os fenômenos científicos, pretendia incluir em seu âmbito todos os conhecimentos a respeito do ser humano. De uma forma genérica, este projeto ou ideal foi chamado de antropologia. Se bem que o padre estabelecesse um quadro de nomenclaturas referentes à divisão dos conhecimentos científicos em antropologia experimental, antropologia física, antropologia filosófica, etc., sua interpretação era a de que todos estavam unidos sob o mesmo prisma da criação e inteligência de Deus. Dentro desse quadro, técnicas “espíritas” de cura e transe eram destacadas das práticas e doutrinas mediúnicas e consideradas exclusivamente como científicas. Uma terapêutica bastante relacionada ao espiritismo kardecista já em sua época, a homeopatia estava inserida no projeto de ciência de Roberto Landell de Moura e se encontrava presente em seus escritos, figurando ao lado da alopatia. A biografia de padre Landell revela uma relação mais próxima do sacerdote-cientista com a homeopatia em sua atuação como professor da Faculdade de Medicina Homeopática do Rio Grande do Sul, onde deu aulas de psicologia e antropologia e, por ocasião da inauguração da instituição de ensino, proferiu um discurso exaltando os princípios básicos da homeopatia. A trajetória landeliana permite ainda visualizar uma possível utilização da medicina homeopática no polêmico Gabinete de Antropologia Experimental, fundado pelo próprio Landell em 1916, ao lado da igreja onde era pároco. Naquele ambiente, o padre-cientista realizaria sessões de cura e transe por meio do hipnotismo, da levitação e de outras técnicas e terapêuticas amplamente associadas aos “espíritas” de seu tempo. Padre Landell de Moura, em oposição às acusações de “bruxaria”, “feitiçaria” e “espiritismo” que constantemente recebia, responderia condenando os pressupostos das religiões mediúnicas e atribuindo a veracidade das técnicas e terapêuticas que utilizava exclusivamente a explicações científicas. As trajetórias de vida dos três sacerdotes católicos que este trabalho apresenta revelam que práticas de cura e religião são domínios que de forma alguma ficam estanques às modificações da história, e tam-

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pouco são como esferas incomunicáveis que não dialogam entre si. No decorrer das biografias lidas, dos documentos analisados e das histórias contadas dos três padres, torna-se possível vislumbrar formas pelas quais religião, cura, política, saúde, ciência e diversos outros elementos se encontram de uma maneira não planejada, cruzando vidas e performando catolicismos e homeopatias (colocados desta forma, no plural). Pois o que se depreende dos percursos homeopáticos de Padre João Pedro Gay, Frei Rogério Neuhaus e Padre Roberto Landell de Moura é que eles constituem diferentes formas de catolicismo e de homeopatia. Nada é exatamente igual e a vida se modifica o tempo todo, gerando novas coisas, criando e recriando formas e emaranhando os materiais que compõem a teia na qual todos estão inseridos. Os fluxos contínuos que as práticas de cura percorrem no caminho da história não ocorrem simplesmente dentro da religião, mas com a religião, de sorte que ambas as coisas são complementares e só podem existir como são e serem descritas com uma percepção aguçada se forem vistas na relação que as enreda como uma teia. As coisas no mundo nunca são mesmas, pois tudo está em constante mudança. Este já era o diagnóstico do grego Heráclito de Éfeso. E o que parece mais interessante é que a história cujos laços a pretensão deste trabalho foi resgatar revela uma homeopatia que, com todo o seu aporte de conceitos holísticos e vitalistas, é ela mesma um agente que permite perceber melhor como cura e religião podem existir juntos. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Hamilton. Padre Landell de Moura: um herói sem glória. Rio de Janeiro: Editora Record, 2006. ALMEIDA, Juliano Florczak. Bom Jardim dos Santos: plantas, religiosidades populares e seus fluxos em Guarani das Missões (RS). Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2016. AURAS, Marli. Guerra do Contestado: a organização da irmandade cabocla. 2. ed. Florianópolis: Editora da UFSC, 1995. AZZI, Riolando. História dos religiosos no Brasil. In: AZZI, Riolando (Ed.). A vida religiosa no Brasil: enfoques históricos, p. 09-23. São Paulo: Paulinas, 1983. BARROS, Roque Spencer de. A Questão Religiosa. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. (Org.) História Geral da Civilização Brasileira. Tomo II, vol. 4, p. 340. São Paulo: Difel, 1974. BATESON, Gregory. Pasos hacia una ecología de la mente. Buenos Aires: Ed. Carlos Lolhé, 1976. BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Diccionario Bibliographico Brazileiro. 4º Vol. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1898. BOLETIM DE HOMEOPATIA. Órgão Informativo da Liga Homeopática do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, n. 45-46, Ano VIII, mar./jun. 1950. BROWN, Theodore; CUETO, Marcos; FEE, Elizabeth. A transição de saúde pública “internacional” para “global” e a Organização Mundial da Saúde. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 13, n. 3, p. 623647, jul./set. 2006. CAPRA, Fritjof. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 1996.

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2 Sobre a Liga Homeopática do Rio Grande do Sul e a publicação do Boletim de Homeopatia entre os anos 1940- 1950, ver Weber (2011). 3 A escassez de estudos sobre a história da homeopatia já era sentida e apontada por Weber (2002). 4 Lata 406. Documento 24. Livro manuscrito: rascunho sobre a administração dirigidas de Alegrete e São Borja. 1848-58. 13 out. 1848. IHGB. 5 Para o contexto de crise da Igreja no século XIX, ver capítulo II. 6 Lata 406. Documento 24. Livro manuscrito: rascunho sobre a administração dirigidas de Alegrete e São Borja. 1848-58. 03 mai. 1850. IHGB 7 Disponível em: <http://imagensmissioneiras.blogspot.com.br> Acesso em 07 dez. 2017. 8 Lata 404. Documento 11. Pedido de autorização para exercer, na paróquia de São Francisco de Borja onde é vigário, a medicina homeopática que alega ter estudado; notas sobre med. homeopática. 1849. IHGB. 9 Lata 406. Documento 24. Livro manuscrito: rascunho sobre a administração dirigidas de Alegrete e São Borja. 1848-58. 01 jul. 1851. IHGB. 10 Depois de deixar o Brasil, Benoit Müre retorna à França e, após se casar, vive no Egito, no Sudão e em Gênova, locais onde se dedica ao ensino da homeopatia para leigos. 11 Lata 406. Documento 24. Livro manuscrito: rascunho sobre a administração dirigidas de Alegrete e São Borja. 1848-58. 23 set. 1848. 12 Desde o período colonial, a Igreja manteve estrita relação com o Estado brasileiro sob o chamado regime do padroado. As relações entre Igreja e Estado, que já eram deficientes durante o século XIX, foram pioradas a partir da Questão Religiosa (1872), quando os bispos de Olinda e Belém resolveram acatar as ordens do papa Pio IX e punir os religiosos que apoiavam a maçonaria, a despeito da posição favorável do imperador Dom Pedro II aos maçons. Para mais detalhes acerca da Questão Religiosa, ver Barros (1974). 13 Kulturkampf é o termo que dá nome à “luta pela cultura” promovida pelo chanceler alemão Otto von Bismarck entre 1871 e 1890, na esteira dos esforços pela construção de uma identidade cultural para o povo alemão. Bismarck governou a Alemanha no primeiro período da história em que os povos germânicos constituíram um Estado nacional único. Ao adotar posturas antiliberais e anticlericais, Bismarck opôs-se duramente à Igreja católica, perseguindo e banindo do país bispos como o da diocese de Münster, a que pertencia a paróquia de Borken. 14 Para maiores informações sobre o contexto envolvendo o contato de Frei Rogério com os monges João Maria e a Guerra do Contestado, ver o estudo clássico de Monteiro (1974). 15 Uma versão preliminar deste capítulo foi apresentada no I Congresso de Graduação em Antropologia da UFRJ, em 04/10/17, sob o título “Cura e ciência por um ‘padre espírita’: homeopatia, fitoterapia e técnicas de transe na trajetória do Pe. Roberto Landell de Moura”. O trabalho está em processo de publicação, após ser selecionado como destaque da sessão II do GT “Antropologia das Religiões”.

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Revista de

Estudos

HOMEOPÁTICOS

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