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PARA COMEÇAR

A proposta desta sequência didática é proporcionar uma conversa sobre a construção da história de uma cultura/lugar/povo/grupo por meio da memória que pode estar presente na literatura, na música, na arte, no cinema, no teatro e também nas narrativas individuais. Tem-se como ponto de partida uma discussão sobre música brasileira, com ênfase no samba e em suas características melódicas, poéticas e rítmicas, para que o aluno possa compartilhar seu conhecimento sobre o gênero.

Em um encontro anterior, o professor pode solicitar aos alunos que tragam aparelhos eletrônicos ou instrumentos musicais que tenham em casa para reproduzirem trechos de músicas que porventura conheçam. Essa sugestão de atividade se justifica como uma forma de tentar propor um momento mais descontraído em sala, já que, a partir dela, pode ser suscitada uma reflexão rítmica e melódica do samba. No entanto, o professor não deve perder de vista os objetivos da unidade, que vão além da reflexão sobre os aspectos musicais.

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As atividades 2 e 3, por outro lado, visam ampliar o olhar do aluno sobre o gênero. Afinal, o migrante – e, inclusive, brasileiros – pode relacionar o samba apenas ao carnaval e a festas, conhecendo-o pouco como uma forma de cantar a vivência de um grupo social.

Para ampliar esse repertório, foi escolhida a música Tradição, de Geraldo Filme, que retrata as mudanças ocorridas no bairro Bixiga com o processo de urbanização na cidade de São Paulo no início do século XX. Tal processo impactou os grupos minorizados que ali viviam, como indígenas e ex-escravizados, os quais se viram aos poucos obrigados a migrar para outros bairros da cidade, perdendo seus espaços.

A proposta é que o professor trabalhe a canção, em um primeiro momento, sem a sua letra transcrita, para que os alunos prestem atenção em toda a música, não somente na letra, e possam refletir sobre as questões levantadas na atividade 3. Também é importante que o professor estimule os alunos a tentarem entender a temática da música partindo primeiramente de sua compreensão auditiva e não de uma compreensão de leitura.

Os itens (a), (b) e (c) da atividade 4 têm como objetivo explorar os trechos da música transcritos, para que os alunos entendam o processo de mudança no bairro Bixiga que Geraldo Filme canta em sua música e como ele percebe essas mudanças. O item (d) visa ampliar um pouco mais o conhecimento histórico sobre o bairro Bixiga, a fim de demonstrar que o local foi também alvo de concentração de migrantes italianos, e, por isso, há nele uma forte influência da cultura deste povo. É importante o professor salientar a questão de que a presença negra é apagada enquanto a presença italiana é comumente lembrada e valorada, refletindo com os alunos sobre quais seriam os motivos dessa diferença. Recomenda-se, caso o professor não tenha familiaridade com a história do bairro, que procure saber um pouco mais sobre o assunto.

Para Ler

Como forma de (re)contar a parte da história do Brasil desses grupos, “a história oral ressaltou a importância de memórias subterrâneas que, como parte integrante das culturas minoritárias e dominadas, se opõem à ‘Memória oficial’, no caso a memória nacional” (POLLAK, 1989, p. 4). Essa prática também é encontrada em projetos públicos que compartilham do mesmo objetivo, como é o caso do Inventário Memória Paulistana, que, por meio de placas em pontos representativos da cidade, rememoram um lugar, uma prática, uma pessoa ou um evento que teve seu rastro apagado ao longo dos anos, mas que é de importância para a história da cidade de São Paulo ou para a história do Brasil.

Nesta seção, para a atividade 5, o professor pode dividir os alunos em pequenos grupos para que façam a leitura e discutam entre si antes de compartilhar a opinião com os demais. Alternativamente, pode pedir que um dos alunos leia a notícia em voz alta e que todos respondam às perguntas juntos.

Como o material didático se destina a alunos de um nível mais avançado e o texto é pequeno, com palavras de uso comum, a interpretação pode não ser um grande desafio. No entanto, os sentidos de “memória” são múltiplos. Por isso, as perguntas das letras

(a) e (b) estão direcionadas tanto para explorar os sentidos conhecidos pelos alunos, como também para orientar o entendimento do conceito de memória trabalhado nesta unidade e suas funções. Como explica Pollak (1989, p. 9):

“A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar, se integra [...] em tentativas mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos diferentes: partidos, sindicatos, igrejas, aldeias, regiões, cl ãs, famílias, nações etc.”

As duas últimas perguntas, por sua vez, já requerem um entendimento do que é a memória para o aluno poder imaginar os lugares referenciais que seriam importantes de serem lembrados e se ele conhece algum projeto, público ou não, semelhante.

Nas atividades 6 e 7, além das duas placas presentes no material, o professor pode buscar no Google outros exemplos de memória para mostrar aos alunos ou pedir a eles que, em grupo, busquem exemplos de memórias e expliquem do que se trata e/ ou outras informações que julgarem interessantes. . Na seção “Para saber mais”, estão disponibilizadas algumas sugestões de onde podem ser encontrados relatos e produções culturais.

Para Ouvir

A atividade proposta nesta seção da unidade didática é direcionada inicialmente para a compreensão auditiva. No entanto, o objetivo é também preparar os alunos para a produção de um relato pessoal. O que foi observado nesse gênero, por Amorim e Henrique (2021), é que há uma situação que origina o fato a ser relatado – um ou mais acontecimentos inesperados – e como o autor da memória se relaciona com esses acontecimentos, podendo ou não haver um desfecho específico.

Logo, as perguntas (a) e (b) da atividade 8 estão direcionadas para que o aluno observe aspectos como: a forma com que a entrevistada conta sua memória, a partir de comparações com o presente, bem como de relatos sobre como aquele acontecimento foi interpretado por ela e pela comunidade do bairro; os sentimentos e emoções que foram evocados com a chegada do asfalto e qual a relação dela com aquele fato. Ao final da compreensão auditiva, o professor pode esquematizar no quadro esses pontos de estabilidade do gênero, observados por Amorim e Henrique (2021), e até pedir que os alunos procurem esses mesmos pontos na canção de Geraldo Filme.

Para Esquematizar

Para dar continuidade às reflexões sobre o gênero, o objetivo desta seção é aproximar o aluno dos elementos linguístico-discursivos mais presentes nele. Assim, os itens (a) e (b) estão voltados para a reflexão sobre os organizadores temporais e conectivos, que são elementos importantes nesse gênero para garantir a conexão dos eventos relatados, indicando passagem de tempo, mudança de fase de uma sequência e como se sucedem os acontecimentos (AMORIM e HENRIQUE, 2021).

O item (c), por outro lado, tem o objetivo de fazer uma reflexão sobre os diferentes usos da palavra “então” no português. Segundo Cavalcante (2018), apesar de “então” ainda ter traços adverbiais, o seu uso como elemento de coesão é predominante. A autora constata que existem oito funções para “então”, distribuídas nos domínios textual e discursivo, sendo que pode estar presente mais de uma função em determinado uso. Nesta atividade, serão trabalhadas apenas as funções do domínio textual, pois são esses que aparecem na fala da entrevistada. No entanto, pode-se comentar com os alunos que “então” também é um marcador discursivo usado para introduzir o turno de fala, para inserir o ponto de vista de quem fala, para organizar o que vai ser dito na sequência e para finalizar o turno de fala.

No domínio textual, as funções são:

(1) sequenciadora, que conecta as partes do texto em uma sequência linear dos fatos;

(2) retomadora, que retoma outras partes textuais para reintroduzir o tópico discursivo;

(3) conclusiva, que expressa uma consequência do que foi dito anteriormente; e

(4) resumitiva, que resume o conteúdo da fala em uma frase com a finalidade de encerrar o tópico.

Exemplificando as funções, temos: (1) Então, foi-se construindo uma relação de amizade. E a gente nem tinha muita ideia. Então, essa amizade foi crescendo com o tempo;

(2) [...] Então, isso é o que eu disse pra ele; (3) Ah, está chovendo. Então, não vamos sair mais;

(4) Então, como eu te disse, o trabalho é muito importante para mim.

Nesse sentido, no item (c), o primeiro uso de “então” possui função retomadora. A entrevistada começa a responder a questão proposta no áudio comentando suas percepções sobre o processo de formação de um bairro. Quando termina esta parte, retoma a pergunta feita para respondê-la. Já o segundo uso de “então” é com função sequenciadora. A entrevistada comenta como era o bairro antes e dá sequência, contando o que aconteceu depois. Por último, o terceiro uso de “então” tem função resumitiva, pois, depois de ter dado detalhes de como foi a recepção do asfalto, a entrevistada resume como foi esse momento para a comunidade. Neste uso, é possível perceber um matiz conclusivo também, já que é a felicidade dos moradores de não se sentirem mais isolados que leva à comemoração.

Para Praticar

Após a discussão desenvolvida ao longo desta unidade, é hora de o aluno voltar para si e suas próprias memórias para contar um fato/momento sobre a história de seu bairro. É muito importante que o professor direcione o aluno a pensar em uma memória que tenha a ver com a história de seu próprio bairro ou de sua rua, mas que também esteja relacionada com a sua própria identidade ou com a identidade da comunidade à qual pertence/pertenceu. Essa memória pode ser do lugar em que o aluno vive atualmente ou pode ser de seu próprio país.

Ainda que a tarefa direcione o aluno a produzir um relato escrito de sua memória, o professor pode propor a atividade a partir de outro(s) gênero(s) textual(ais), como um conto, um poema, etc. Pode-se também dar ao aluno a opção de escolher em qual gênero textual ele quer produzir a sua memória. Se a atividade for proposta como tarefa de casa, pode-se ainda possibilitar uma produção oral, seja ela em vídeo ou áudio, como feito pela entrevistada na seção anterior.

Para Saber Mais

Nesta seção, são disponibilizadas, para professores e alunos, outras referências onde podem ser encontrados relatos de memórias em diversos formatos. Essa parte pode ser usada tanto em sala de aula na Atividade 2 da seção “Para Ler”, como servir de base para os alunos produzirem os seus relatos ou ainda como material extra para professores e alunos se aproximarem de memórias de outros grupos. É preciso salientar que outras referências conhecidas pelo professor e/ou pelos alunos podem ser adicionadas a esse pequeno acervo.

REFERÊNCIAS:

AMORIM, N. R. V.; HENRIQUE, M. A. B.. Modelo didático como uma ferramenta para o ensino de escrita do gênero Relato Pessoal. In: CLARABOIA , Jacarezinho/PR, n.15, jan./jun., 2021, p. 69-96.

CAVALCANTE, D. A.. Mapeando multifunções do “então” à luz dos mecanismos motivadores de gramaticalização de Bybee. In: Revista Linguagens & Letramentos, Cajazeiras/PB. v. 3, nº 1, jan./jun., 2018, p. 46-65.

MENDES, E.. A ideia de cultura e sua atualidade para o ensino-aprendizagem de LE/ L2. In: EntreLínguas, Araraquara, v.1, n.2, jul./dez. 2015, p. 203-221.

POLLAK, M.. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.

AULA:

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