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REPERTÓRIOS DA VIOLA

As nossas Violas necessitam de ser tocadas e ouvidas para se poderem afirmar na actualidade. Por todo o País vemos cada vez mais pessoas interessadas no estudo da Viola e na procura e criação de repertório para o instrumento.

Há Violas para as quais o repertório tradicional instrumental conhecido é muito pouco e quase inexistente. Não quer dizer que essas Violas não possam executar todo o género de música, mas deve‑se compreender que a sua execução tradicional baseava‑se em rasgar acordes. Essas Violas, nesses contextos, não tinham um papel solista, nem se conhece repertório a solo para as mesmas.

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Noutros casos há mesmo uma inexistência de registos de repertório, o que deixa os tocadores de Viola da actualidade sem muitas bases de estudo. Desse modo, os tocadores têm adaptado repertório e criado peças originais para os instrumentos.

No caso dos Açores temos um vasto repertório a solo para a Viola, com centenas de modas que são executadas nas nossas Violas, nas várias Ilhas, ao longo das diversas manifestações culturais do ano.

Há em algumas Ilhas peças de um nível de execução extremamente elevado e só ao alcance dos tocadores mais virtuosos. Ao mesmo tempo encontramos muitas variações do mesmo tema, em que cada tocador dava o seu cunho pessoal, acrescentando melodias e ornamentações que o destacavam de imediato em relação aos outros.

Pezinhos, Sapateias, Saudades, Chamarritas, Remas, Auroras e tantos outros temas fazem parte do nosso quotidiano há séculos, com variações de um tocador para outro e de uma freguesia para outra. Há quem assuma que tal se deve à nossa insularidade, que ajudou a manter e a preservar este conhecimento. No entanto, continuamos sem conseguir descortinar a origem de toda esta riqueza musical por não ter paralelo na realidade das restantes Violas do País.

Temos modas dos Reis, das Estrelas, do Carnaval, do Espírito Santo, dos Arraiais hoje assumidos por grupos folclóricos e grupos de chamarritas! Modas dos bailes de roda, da Cantoria, das Velhas e do Pezinho dos Bezerros, dos Ranchos de Natal e das “Rambóias” de amigos. Temos, ainda, peças “solitárias”, que podem ser tocadas só por uma Viola ou por duas Violas: uma Viola “sola” e a outra acompanha modas que dispensam a voz e que dispensam bailaricos, para serem tocadas e apreciadas em silêncio. Felizmente, este repertório foi sendo passado entre várias gerações, começando a ser registado desde cedo.

A “Library of Congress”, na Califórnia, tem registos dos anos 30 com tocadores de Viola da Terra emigrados naquele Estado e onde se encontram temas que todos hoje reconhecem no nosso Cancioneiro Açoriano.

O filme “Quando o mar galgou a terra”, realizado por Henrique Campos, rodado na Ilha de São Miguel e apresentado em 1954, teve na sua banda sonora os sons da Viola da Terra com o tocador Francisco Sabino,

acompanhado ao Violão por Bento de Lima. Há mais de 60 anos a Viola da Terra já figurava na banda sonora de um filme com as suas bonitas melodias!

No final da década de 60, em São Miguel, Francisco Sabino grava um LP com 4 temas a solo em Viola da Terra: “Sapateia”, “Chamarrita”, “Saudade” e “Bailho da Povoação”, apresentando algumas variações com um elevado grau de dificuldade de execução. Este trabalho parece não merecer destaque perante os académicos que estudam as nossas Violas, mas terá sido o primeiro trabalho a solo de um tocador de Viola no nosso País.

Fig. 10 e 10.1 – “S. Miguel em Viola da Terra” – Francisco Sabino, década de 60

Numa altura em que as peças tradicionais a solo para Viola eram algo quase inexistente nos registos das várias regiões de Portugal e em que algumas Violas começavam a ser consideradas quase extintas, tínhamos esta particularidade nos Açores.

Nas recolhas do Professor Artur Santos do final da década de 50 e início da década de 60, editadas em vinil e mais recentemente em CD,

encontramos peças com a Viola a solo ou a acompanhar a voz. São registos que comprovam o virtuosismo dos Tocadores de Viola e a diversidade de repertório.

Seguiram‑se outros trabalhos, com outros tocadores e intervenientes, e ainda álbuns só de Viola, que continuam a ser editados na actualidade. Desses trabalhos editados, numa vertente a solo com a Viola da Terra, importa referir as seguintes edições:

Os álbuns do Mestre Miguel de Braga Pimentel: “Sons d’Outrora”, de 1997, onde ele regista 20 modas instrumentais do repertório da Viola em São Miguel, “A Roda do Ano”, em 2002, e “Preciosos Imprevistos”, em 2010.

“À Viola – José Luís Lourenço”, com 13 modas tradicionais da Terceira, numa fusão da Viola Terceirense com outros instrumentos, é editado em 2002 em memória desse exímio tocador da Viola Terceirense, já falecido, num trabalho de recolha áudio de Paulo Henrique Silva.

“As Violas dos Açores” é outro importante trabalho de recolhas, editado em 2017 por Emiliano Toste e inserido numa coleção da editora Açor sobre a música regional Açoriana. Conta com 41 músicas de várias Ilhas do Açores.

O Grupo de Violas da Ilha Terceira editou, em 2013, o álbum “Percurso pelas Ilhas”.

Hélio Beirão, com a Viola de 15 Cordas, editou na Califórnia o trabalho “Dona Viola Minha Dama”.

Também com a Viola de 15 Cordas, Evandro Meneses editou, em 2019, o seu primeiro álbum a solo “Fados & Guitarradas”, em formato digital, e em 2020, com o Duo Cordibus, apresenta o álbum “Raízes”.

“A Relva e as suas músicas” foi o álbum editado pela Escola de Violas da Relva, em Outubro de 2012, em memória do Mestre José de Oliveira, fundador da escola.

Em 2018, o músico Micaelense Ricardo Melo apresenta‑se a solo com o álbum “Entre primas, segundas e toeiras”.

A título pessoal, aventurei‑me em Fevereiro de 2012 com o meu primeiro álbum a solo, “Origens”, com temas tradicionais da Ilha de São Miguel, mas, também, com 5 temas originais. Seguiu‑se, depois, “Paralelo 38”, em 2014, “Relheiras”, em 2017, “9 Ilhas 2 Corações”, em 2018, e “Um Natal à Viola”, em 2019.

Estas edições acima enumeradas são um importante contributo para o conhecimento, registo e valorização da nossa Viola, nessa vertente mais a solo, mas temos ainda muitos outros trabalhos que foram editados nas nossas Ilhas por músicos, grupos, pesquisadores da nossa música e das nossas Violas, que importa conhecer, ouvir e divulgar.

Devemos estar gratos pela riqueza que chegou aos nossos dias, em vez de só lamentarmos muito do que se perdeu! Isto aconteceu no passado e vai continuar a acontecer no presente. A nossa missão é continuar a investigar e a registar o máximo possível, fazer uso das tecnologias, imortalizar a nossa música e a nossa cultura popular, pois é ela que melhor define quem somos enquanto pessoas e enquanto povo.