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CANTIGAS À VIOLA

Um pouco por todas as Ilhas dos Açores sempre foi frequente fazerem‑se “Cantigas à Viola”. Sobre a Viola conhecem‑se várias quadras, que foram sendo passadas, oralmente, ao longo dos séculos, havendo variantes dos versos entre as diversas Ilhas do Arquipélago.

A Viola tem dez cordas, Juntamente dois bordões; E, acima do cavalete, Também tem dois corações.

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Viola, minha Viola, Viola, minha alegria; Eu não te posso largar, Pois és minha companhia.

A Viola sem a prima É como a filha sem pai, Cada corda, um suspiro, Cada suspiro, seu ai.

As quadras saíam improvisadas a meio de um bailarico, ou a meio de um despique, e podiam visar o instrumento ou o Tocador. O Tocador era alvo

de admiração por parte das pessoas pela sua capacidade de tocar e de impulsionar ambientes de verdadeira festa.

O Tocador de Viola, Toca com grande primor; Por isso muito lhe quero, É o meu primeiro amor. Ó Tocador de Viola Repenica‑me esses dedos; Se faltar alguma corda, Aqui tens os meus cabelos.

Algumas quadras poderiam ser de carácter elogioso, como descrito acima, mas outras tinham o cunho de espicaçar o Tocador, com uma crítica subjacente.

O Tocador de Viola É um grande comilão; Deixa as moças no terreiro, Vai à caixa tirar pão.

Viola, minha Viola, Viola de pau de aresta; Viola, estás incapaz Ou o Tocador não presta.

O Tocador de Viola Merece uma rapariga Daquelas que andam no mato Comendo os olhos à silva.

Qualquer assunto do dia‑a‑dia podia dar fruto a um bom despique, dependendo do contexto onde se estava a tocar, a cantar e a balhar. O Tocador, parte fulcral em qualquer destas situações, tinha de ser mencionado, havendo os que melhor se sabiam defender, respondendo em

improviso à letra. Também poderia acontecer que algum Tocador, mais sensível de temperamento, pudesse não aceitar bem as brincadeiras e “arrumar a Viola no saco”. Aí já não havia mais cantoria, bailaricos ou festa e, acreditem, as piadas sobre o Tocador ficariam suspensas largos meses.

É disto que vive a nossa cultura popular: do convívio, da partilha e da provocação saudável, que gera risos e boa disposição, com a imaginação e talento dos improvisadores sabendo insinuar o suficiente para entendermos aonde querem chegar, mas sem ultrapassarem os limites.

A Viola é um sino, O Tocador o pendente; Deus lhe dê muita saúde Para divertir bem a gente.

Para além dessas quadras populares (de autoria desconhecida), cantadas e/ou declamadas desde tempos passados e recolhidas em várias Ilhas do nosso Arquipélago, entendo ser importante que se conheçam outras cantigas: poemas de autores contemporâneos, que dedicaram parte da sua obra à valorização da Viola nos Açores.

Um dos grandes exemplos de Poetas que escreveram sobre a nossa Viola será Vitorino Nemésio. No seu livro “Festa Redonda – Décimas & Cantigas de Terreiro, Oferecidas ao Povo da Ilha Terceira” pp. 77‑79, dedica um poema à Viola de 15 Cordas da Ilha Terceira intitulado “Cantigas à minha Viola”. Deixo aqui o registo de 2 quadras desse poema:

Ó Viola encordoada Com quinze cravos de aposta, Minha pêra acinturada, Minha maçã da Bemposta Minha Viola de luxo, Minha enxada de cantar, Meu instrumento de fogo, Caixinha do meu chorar!

No mesmo livro, o Escritor Açoriano dedica quadras ao Tocador de Viola. Ele próprio foi aprendiz de Viola com o afamado Mestre de Viola Terceirense Laureano Correia dos Reis:

Senhor Mestre da Viola, Aqui cheira a violetas: Será de uns olhos azuis, Por detrás de cravelhas pretas.

Nos tempos actuais verificamos que se continua a escrever poesia sobre a nossa Viola, suas tradições e suas especificidades. Em 2019, o escritor Virgílio Vieira dedica dois poemas à Viola da Terra no seu livro de Poesia intitulado “Entre Silêncios”. No poema “Viola de Dois Corações” pode‑se ler esta quadra:

Gémeos os dois corações São a alma dos olhos teus. A tradição dos Foliões Tem a voz dada por Deus.

Cantas e choras emoções! Mundo fora andam amores Unindo os seus corações Por ti, Viola dos Açores.