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A VIOLA E O CONVÍVIO

A nossa Viola era o instrumento que impulsionava o convívio entre as pessoas nas nossas Ilhas após longos dias de trabalho. Hoje a Viola continua a ter esse papel congregador em vários contextos.

Em momentos de apresentação musical gosto sempre de falar um pouco desta vertente da Viola e da forma como esta fazia as comunidades envolverem‑se. Com esta ideia em mente, recorro a textos de 3 livros que ajudarão a visualizar essa realidade.

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Um dos textos mais bonitos que já li sobre a Viola é de Dias de Melo no seu livro “As Pedras Negras”. Não sendo possível transcrever todo o texto, faço uma pequena sinopse da narrativa que culmina num capítulo intitulado: “Noite do Casamento. Folguedos, Latas, Violas e Cantigas”.

A história principal é a de um jovem que abandona a Ilha do Pico, dando “o salto” numa baleeira. Seguiram‑se anos de muita fome, muito esforço, sofrimentos, desgostos e trabalho duro. Um dia, ele regressa a casa já melhor da vida e para se casar.

No dia em que o filho partiu, o pai arrumou a Viola e a família “entrou de luto”. O Pai nunca mais tocou Viola, nunca mais se cantou nem bailou naquela casa. Anos depois, o filho regressou, já melhor de vida e com

a intenção de vir casar à terra natal. Na altura da festa do casamento, e com todos querendo bailar, imediatamente, o pai decidiu encordoar a Viola, “sacudiu o pó e as teias de aranha (…) e, de olhos em brasa, rasgava estridente a chamarrita: chamarrita nova, chamarrita velha, chamarrita de cima, chamarrita de baixo e mais a do meio e a choradinha…”

Uma outra bonita crónica integra o livro “Summer in the Azores with a Glimpse of Madeira”, de C. Alice Baker, de 1882, intitulada “A Ball in the Furnas”, que descreve uma noite de baile nas Furnas. Os visitantes queriam experienciar um baile e acabaram por conseguir assistir a um. Descreve‑se que estava a haver alguma demora e começou a circular

Fig. 12 – Excerto do livro “Summer in the Azores with a Glimpse of Madeira”

a piada de que o tocador levava sempre 3 meses a vestir‑se para um baile. Acabou por chegar o Tocador, cantando, tocando, mais bem vestido do que todos os restantes. Assim que entrou em casa logo os homens se colocaram atrás dele, até formarem uma roda, à qual se juntaram as mulheres. Assim estiveram a cantar e dançar, ao ritmo da Viola, em quadras quase sempre improvisadas.

Um outro grande apaixonado pela Viola era o Tenente Francisco José Dias. No seu livro “Cantigas do Povo dos Açores” há um trabalho único na recolha de temas com a transcrição para voz e Viola. Ele dedica vários capítulos a falar sobre a Viola, referindo‑a como “a mola real a incentivar à folgança; a companhia mais íntima dos ranchos (…). A Viola era o chamariz”.

No Capítulo “Festas do Menino Jesus”, ele faz uma narrativa deliciosa sobre um momento de Serão e Convívio que seria, certamente, o espelho de muitas freguesias por todo o Arquipélago. Refere as moças sentadas no quarto e a mães nas cadeiras por detrás delas. Os jovens na rua, com os pais, por falta de espaço no quarto, e, mesmo nas noites frias, com o coração quente pela expectativa de bailarem com a rapariga que tinham “em vista”. Os Tocadores chegavam, “importantes, cheios de presunção, com os instrumentos levantados no ar p’ra dar nas vistas…”. Depois passavam à afinação, demorada, de modo propositado, para fazerem render a expectativa e a atenção dos presentes. Toda a gente aguarda, sem conseguir conter o entusiamo e a ansiedade de começar o bailarico.

A horas tantas, quando o Tocador decidiu, finalmente, que a Viola estava afinada, começaram então a formar‑se os pares, os rapazes e raparigas solteiras, e formar a roda, e depois os casados para completar. Depois… depois bailava‑se toda a noite, cantava‑se, sorria‑se.

Mas, sem a Viola, como fariam aqueles rapazes e aquelas raparigas para estarem juntos, para encostar uma mão, para uns sussurros malandros entre o derriço da noite?