Revista Piápuru "Universos Invisíveis" (2015-2018)

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ÍNDICE FOTO: Lana Sultani

1.ÍNDICEEDITORIAL 2. SEÇÃO 1: CRIANÇAS QUE VOAM | A Criança Emoldurada ou em busca do encant amento escondido. [ Eliane Weinfurter ] | Invencionário Para Crianças-Pássaro [ Felipe Castelo Branco e Suelen Ribeiro ] | Visit a De Sabiás [ Beth Castro ] | À Toa [ Elienay Anunciação ] | Poemas Feitos Por Crianças [ Beatriz Miguez e Marília Macedo] 30252216141310

3. SEÇÃO 2: LIVRO – LEMBRANÇA DE CRIANÇA | Onde A Lembrança Começa… [ Ana Cristina Souza e Suzana Akemi Fujise ] 4. SEÇÃO 3: MAGIAS, MONSTROS E ABRACADABRAS | Feitiço Azameritonzitos [ Fabiana Louro e Jônatas Dias ] | Tem Uma Monstra Morando No CEU Pq. Bristol [ Camila Feltre ] | Ensaio de Brincar em Interlinguagem [ isso não é ficção ] [ Vanessa Biffon ] | A Caverna Dos Sonhos Esquecidos [ Vanessa Biffon ] 54524038373433

PiU...piu..piA..PIA...PiÁ...PiÁapURU...PiÁaPuRU.... Meninxs, eu vi(!): CRIANÇAS QUE VOAM, que circundam corpo, subindo ar voredos, pululam sementes, do alto de céu jorrando poesia. LEMBRANÇAS DE CRIANÇA, de memórias antigas, infâncias perdidas, reinvent am folguedos e sopram cantigas. MAGIAS, MONSTROS E ABRACADABRAS, mistérios longínquos, uns bichos extintos, cavernas e fósseis, iokala magi i biriu con ka, da língua que nasce, brincante piá. ASSUNTOS INVISÍVEIS, são coisas difíceis, dizse assunto de adulto, inquiet as questões, de prática infância, que criança há de saber: gênero, inclusão e étnico-raciais. PERGUNTAS COSMOGÔNICAS, o que, por que, que t al, como é, onde tem, o que é que tem, e tudo mais que quiser pergunt ar AÇÕES COMPARTILHADAS, criança de dança em cortejo, sapiências do est ar, reconhece o mundo, pertence e permite futuro a criar PiU...piu..piA..PIA...PiÁ...PiÁapURU...PiÁaPuRU.... Ótima leitura!

EQUIPE CURATORIAL Cléia Plácido, Carmem Lazari, Camila Feiltre, Tales Jaloretto, Marilia Car valho. 11

Ouvem? (piu) Vocês t ambém ouvem? (piáa...piáapuru) Tens realmente ouvido o piar que nos tilint a a cada encontro? (piu...piu) O soar do pássaro, o gorjeio da ave tilint ando na ludicidade da brincadeira infantil, o piar que pulsa nos corações infantis dos adultos arte-educadores. Piapuru que nasce na infância, sobrevoa folias e faz ninho na cabeça de criança, e que de lá, carregam fios que costuram est as histórias. Fala, pia, diga lá o que viu, Piapuru.

AGRADECIMENTOS: Samara Cost a, Claudio Gomes, Alexandre Mandu. 12

CRIANÇAS QUE VOAM 1 FOTO: Felipe Gregório Castelo Branco

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A professora, a mãe e o pai que outrora também foram emoldurados revisitam na sua prática todos os emolduramentos possíveis. Do olhar, do sorriso e da escuta, principalmente.

Professoras e professores, que sequer estão formados, questionam desenhos não emoldurados de crianças que ainda trazem laivos de frescor de ação e liberdade do gesto. Não há tempo para encantar-se. Há que emoldurar-se! No Piá, crianças chegam. Umas emolduradas, outras não. E pode-se observar os diferentes materiais que constituem suas molduras: Eliane Weinfurter [ coordenadora de pesquisa-ação | escrito em 2013 ] Criança Emoldurada ou em busca do encantamento escondido BEM BONITO! QUE

É ISSO? COMPORTE-SE! VOCÊ JÁ É UM MOCINHO(A)! NÃO PULE! NÃO GRITE! CALE A BOCA! PARE!!!!

A

ESTÁ ERRADO! FAÇA NOVAMENTE!O

A criança emoldura-se na carteira da escola. A criança emoldura-se na sala quadrada com janelas quadradas, nas grades quadradas e no pátio quadrado. A criança emoldura-se frente ao sulfite branco onde precisa fazer o desenho certo. A criança emoldura-se.

FAÇA

Pessoas sem molduras são mais interessantes e, arrisco a dizer, mais felizes! E quando olho a menina Piá de 6 anos preparando um caldeirão de magias cheio de flor, contribuo com uma e digo que é a flor da lua. Na sequência, jogo outra flor e faço uma provocação, dizendo que não sei qual é. Ela me responde prontamente:

O reencantamento prescinde de ações diárias e contínuas.

O reencantamento é possível! O trabalho de encantamento é poderoso! Consegue romper algumas molduras. Outras, já antigas, apesar da pouca idade, ficam trincadas, rachadas, mas persistem.

O trabalho de reencantamento é árduo, possível e necessário!

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Esse caldeirão ficou cheio de flores de rios, luas, sóis, cometas, estrelas e, é claro, de flores de saudade!

Felipe Castelo Branco e Suelen Ribeiro [ artistas educadores | equipe do PIÁ CEU Jaçanã | 2015 ] Invencionário Para Crianças-Pássaro Jaçanã – Um pássaro muito lindo que tem o canto vermelho… Piá – Um lugar para aprender sobre os passarinhos! Rio Cabuçú – …Jeito de gente grande falar Rio Cabo Sol. “ “1FOTO: Felipe Gregório Castelo Branco

1 Denominação inventada pelas crianças do CEU Jaçanã. AS CRIANÇAS-PÁSSAROS DO JAÇANÃ que escolhem seus ninhos e fazem suas c-asas Ou será que foi com um passarinho? Quem veio antes? O ovo ou o passarinho? . . .

Foi um olhar estrangeiro, como aquele que vê tudo pela primeira vez e diz UAU… UIA só…! Para tudo que já não tem importância, há que se aproveitar este olhar estrangeiro para reinventar o brilho das coisas desimportantes. Não é uma negação das questões problemáticas, mas neste ‘Céu’ tem um rio que tem o nome de um pássaro em si mesmo.

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Ver o que não é visto e abrir os olhos para ver além. Sonhar em ver um rio limpo. Viver um diálogo com pássaros como algo possível e semear expedições para feitura de ninhos. Ah, esses Piás já se tornaram parte do espaço com suas potencialidades plásticas, performáticas, teatrais e narrativas. A história do bairro Jaçanã foi alterada, ganhou asas coloridas e cordas que fazem ninhos. É, Adoniran… Jaçanã não é só o trem das onze… Jaçanã é um pássaro de canto vermelho! A CHEGADA AO CEU JAÇANÃ . . .

Olhando para aquele ovo nos perguntávamos: 2 Poema “Desobjeto” do livro Memórias Inventadas, Infância. Manoel de Barros – São Paulo, editora Planeta do Brasil: 2003. um? Menino ou menina? E o debate se alongou para decidirmos se Maria, João ou ambos?

FOTO: Felipe Gregório Castelo Branco

Esta foi uma conversa que não teve fim nem solução em uma das aulas. As crianças riam, o Sol nos embrulhava e Manoel de Barros desenterrava um pente que já não era mais pente,2 pois perdera seus dentes. A criança olha o ovo, a tia conta uma história e um corpo começa a surgir. O corpo de uma poética de nascer e voar como a própria chegada do PIÁ no CEU. De acolher-se e desprender-se, partindo da máxima contenção e delicadeza, na figura de um ovo, para o voo e para o canto dos pássaros.

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Se entendermos que as narrativas são ao mesmo tempo um olhar sobre as histórias e um ato expressivo que se desenvolve a partir da apreensão dos vários universos existentes em torno das ações compartilhadas, podemos dizer que, sendo assim, durante os encontros no PIÁ, quando estivemos em contato com alguns processos iniciativos, foi preciso que as ELEMENTOS? PROPOSTAS? Felipe Gregório Castelo Branco

. . . FOTO:

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Saímos para voar . .

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Na beira do rio, Rafael se apresenta vestido de pássaro e oferece uma flor ao rio. Dançando, parece conversar-gorjear através de gestos que não temem nada. Simplesmente se fez no tempo com todo seu ser!

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propostas fossem estabelecidas em lugares específicos e instalados alguns elementos pertencentes a este imaginário. Os vários universos existentes se estendem também para uma apreensão do contexto em torno do CEU, neste caso, a origem e as características do pássaro Jaçanã, que dá nome ao bairro e que direcionou todo o processo artístico pedagógico até então, bem como através das ações culturais realizadas.

Ou em algumas abordagens na rua, quando perguntávamos: “Como você atravessa o rio e como o rio te atravessa?” Escutamos isto: Nós, que somos da periferia, quando criança empinava pipa na beira do rio, daí que para poder pegar a pipa do outro lado, fazíamos umas gambiarras… já vi até gente nadando, isso a uns cinco anos atrás. As pessoas entravam, mesmo não sendo limpo, pois em dias de chuva a água parecia mais limpa. “ “ “ “

Sobre estas, viu-se em algumas gravações realizadas em áudio, como por exemplo, um dos PIÁS, o Dênis, ao dizer: Um dia ‘nóis’ viu um negócio se mexendo, pensamos que era pedra… mas era tartaruga. Daí tiramos ela de lá. [ Denis, 9 anos ]

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Vemos que em um determinado local, num pequeno espaço de tempo, muita coisa pode existir. Como também deixar de existir. Da mesma forma que as narrativas se constroem por várias lentes, o começo de uma história, do nascimento-implantação de um programa, pode se fazer por pequenas intervenções poéticas feitas por pequenos criadores em seus pequenos ninhos e castelos imaginários ‘habitados por reis generosos’ (personagem do PIÁ Rafael).Por fim, importante dizer que estes elementos: foram dialeticamente apropriados e compartilhados em poéticas lúdico-artísticas de forma tão complexa, em tão pouco tempo de vivência com as crianças, mostrando para nós, artistas educadores, muito mais do que poderíamos propor e imaginar!

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O sol atravessa as frestas das janelas para iluminar a brincadeira de meninos piás. No meio da brincadeira, uma revoada de sabiás adentra o espaço, faz redemoinho de arco-íris e pergunta: podemos brincar? Sim, sim, disseram os meninos piás, e a brincadeira continuou, com meninos piás se misturando aos meninos sabiás. No meio do corre-cotia, um sabiá de 5 anos disse: – Sabia que não sou de Deus, sou do diabo? Porque Deus não traz comida…

Visita

ninhos.Beth

O sol silenciou, o arco-íris fez-se redemoinho e perdeu suas cores. Sabiá menino voltou a brincar. No meio do rouba-bandeira, ele disse: – Eu pego coisas de outros Castro [ artista educadora | equipe Biblioteca José Mauro de Vasconcelos | 2015 3 ] De Sabiás Beth Castro atua como artista educadora na Biblioteca Alvares de Azevedo

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3 Atualmente,

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Curioso, menino sabiá queria conhecer esse compartilhar, logo se sentou à mesa e entendeu o que seria essa palavra grande. Ainda à mesa, menino sabiá disse: –gaiola, assim eu vou ter comida boa.

O sol perdeu todo brilho que lhe restava, o arco-íris chorou lágrimas sem cor, e todos voltaram a criar histórias no mundo embaralhado. Os olhos de menino sabiá corriam como duas bolas de gude e logo enxergaram barangandão, que fazia festa colorida nas janelas. Menino sabiá pediu um e ganhou, ficou com seu barangandão nas mãos. Já era fim de tarde, hora de meninos piás voltarem para casa. Fizeram roda girar, roda respirar, e lá se foram meninos piás e meninos sabiás, o sol estava quietinho no canto da sala do lado da janela, o arco-íris tentando recuperar suas cores e no meio da sala estava eu, limpando, com vassoura na mão, de costas

O sol se calou, o arco-íris girou, fez-se redemoinho e deixou uma lágrima colorida cair no chão. Menino sabiá continuou a brincar, quando de repente um beija-flor começou a cantar e os meninos piás criaram uma mesa xadrez, cheia de coisas gostosas para compartilhar. Menino sabiá, de olhos arregalados, perguntou: – Eu também posso comer? – Sim! Sim! Disseram os meninos piás.

24 para a saída, quando senti alguém chegar… era menino sabiá com seu barangandão colorido nas mãos: – Eu gostei do piá, gostei muito, aqui mundo embaralhado deixa eu ser criança, pego coisas de outros ninhos, mas daqui só estou levando o barangandão de arco-íris que vocês me deram. Menino sabiá abriu as asas coloridas do barangandão, me deu um abraço e foi embora. O sol se encheu de brilho novamente e acordou o arco-íris, que chorou gotas coloridas que viraram rios e mar, e meus olhos de corre-cotia percorreram norte, leste, sul e sudeste, saltaram para ruas, gritaram: – Acorda, mãe da rua, olhe o menino! Menino sabiá é só um menino! Mãe da rua, deixe-o brincar, é menino sabiá! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Elienay Anunciação [ artista educadora | equipe do CEU Quinta do Sol | 2015 ] À Toa “ “[ Manoel de Barros ] Nasci para administrar o à toa | o em vão | o inútil FOTO: Alexandre Mandu

Atrás do CEU tem uma praça. No meio da praça tem uma árvore. Em riba da árvore tem eu. No tronco grosso e galhos esparramados, sobem e descem PIÁs. Pois foi daqui que eu resolvi olhar. De lá de cima eu quis brincar de ser, eu mesma, aquela árvore. Imaginei-me centenária, com a força dos anos todos, silenciosa e presente. Na minha lógica de árvore, eu tinha só que ser e estar árvore. Não havia que fazeres de antes, nem de durante, nem de depois. O desfrute de ser árvore me trazia a vantagem de não ter apenas dois olhos, uma boca, duas orelhas… presenteava-me com um corpo que era todo ele olhos, ouvidos, braços, pernas, bocas, narinas... Alexandre Mandu

FOTO:

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Eu, fruto de uma desorganização vegetal de minhas partes, me tornava toda árvore, pulsante de sentidos. . . . FOTO: Alexandre Mandu

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Meu movimento de árvore era importante e imperceptível, uma prosa de balanço com os ventos. Meu corpo, firme e esparramado, inspirava subidas medrosas, suspiros preguiçosos, aperta daqui, junta dali, pra caber mais um, descidas fantásticas, balanço no cipó, desafios atrevidos de .

FOTO: Alexandre Mandu

29 Pra o menino Arthur, não carecia subir não, um cochilinho entre uma raiz e outra já era de todo agrado. De vez em vez, ele acordava de susto e começava uma sequência maluca de abdominais, lembrança da aula de judô… eu achava graça, graça. Lívia gostava de inventar descaminhos de subir e descer nos meus troncos e quando percebia no olhar da professora uma pitada de medo, recuperava-lhe a confiança com uma piscadinha marota. Raissa perimpiava de um galho a outro, leve feito flor-de-algodão… Sobe, desce, sobe, desce, sobe… e agora, como eu faço pra descer? O aprendizado era um sussurro de um segredo. O tempo não era mais cronometrado de segundos, era tempo piado. A música era uma dissonância perfeita de burburinhos e silêncios. PIÁs, nas minhas sombras, proseavam desimportâncias e bobagens. Vez ou outra, eu sentia um carinho riscado de giz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

30 TURMA – 8 a 10 anos Beatriz Miguez e Marília Macedo [ artistas educadoras | equipe do CFCCT | 2015 ]

A sorte é do coração e o sapato da infância não esquece não coraçãomeudodentroexplicarconsigonãoquepalavrasTemO meu pé de limoeiro O meu pé de jacarandá, Sim na luz do limoeiro Não tenho por que chorar O meu pé de limoeiro O meu pé de jacarandá, Na rua eu vejo eles E não posso me declarar A cadeira Cadeira cadeirinha Vamos todos se sentar Tendo tudo ao seu redor Vamos todos descansar [ Gabrielly Meireles – 9 anos ] feijãodepéMeu chãonobrotanasceQuando feijãodepélindolindo,lindo,Meu lá…lá,lá,Lá, morrendoestivessesecomolagarta,umafossesecomoencolheseelenoiteàestáQuando borboleta.damedode ]anos8–Isabelly[

Entrouporumaportaesaiupelaoutra,quemquiserquemeconteoutra.

[ Kauanne – 9 anos ] (Em ritmo de rap) Minha árvore pé de maçã Que virou, virou limão Sacode essa árvore Pro limão cair no chão

32 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Letras de músicas criadas coletivamente Essa lua é minha paixão Ilumina o meu coração Traz a paz em noite de verão E a sorte da imaginação UmPequenoMenininho Eraumavez,umpequenomenininho,muitobonitinho,muitodanadinho.OnomedeleeraPaulinho,tinha3aninhos.Maseleeramuitoesperto.Com3anoselejáfaziaMALABARISMO!!!Eletambémfaziaauladepiano,teatro,arteseaindatinhaacreche.Masamãedeleperguntava: comoeleconseguefazertudo,sendoqueelesó mama?

Umdiaeleouviuamãedelefalandoisso,efalouparaela. -Mãe…àsvezeseucomoasverdurasdageladeira.

LIVRO – LEMBRANÇA DE CRIANÇA 2 Jogo da Evolução

34 As mais remotas, doces, felizes e, até mesmo, tristes lembranças se instalam em nossas memórias na infância, nas primeiras descobertas da vida, nas cantigas da suave voz materna, nos cheiros dos quitutes da vó, nas cores do céu e da cidade, na dor do ralado do joelho, no vento na cara ao andar de bicicleta, no frio na barriga do esconde-esconde, na eternidade do tempo, no brincar… E brincar nada mais é que liberdade, é caminhar a uma certa distância do chão, é encontrar um nível acima da gravidade, quase como levitar, e estar física e mentalmente nesse outro estado, onde também está a arte. É por isso que a criança consegue alcançá-la tão naturalmente e desse estado não quer sair mais, ou, ao menos, quando cresce, gosta de retornar a este sempre que possível, revivendo e relembrando. Ana Cristina Souza e Suzana Akemi Fujise [ artistas educadoras | equipe CEU Azul da Cor do Mar | 2015 ] Onde A Lembrança Começa… Corda

35 E eles chegaram tão empolgados, não demonstrando muito interesse em fazer “arte”, mas em busca de um lugar onde pudessem brincar sem se preocupar… Lavar a louça, limpar a casa, fazer a lição, paquerar, cuidar do irmão mais novo… qualquer coisa parece ser mais importante que brincar quando se é adolescente. Mas o chamado do brincar insiste, persiste, resiste! E esse chamado ecoou em encontros de amigos para brincar… Então, brincamos… de esconde-esconde, de jogo da evolução, de rouba marido, de cantar, de dançar, de imitar os vizinhos chatos, do tipo que fura a bola e joga no rio, de pular corda e tantas outras… E mal sabiam eles que faziam arte o tempo todo. Foi através dessas vivências brincadas ao longo dessa estada no Piá no Ceu Azul da Cor do Mar, com a turma de adolescentes, que surgiu a ideia de fazer um livro e um filme, onde registramos, por meio de falas, desenhos e vídeos, algumas de suas brincadeiras favoritas. É como se se despedissem da infância… e guardassem em algumas páginas e minutos suas lembranças.

Kungfu Dança da Cadeira

//issuu.com/suzanaakemifujise/docs/lembrancadecrianca//youtu.be/a65L2x3wHYY

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MAGIAS, MONSTROS E ABRACADABRAS3 FOTO: Camila Feltre

GOSMA DE SAPO RABO DE TIGRE PEDRA MUSCULOSA RABO DE LAGARTO PERNA DE RÃ TERRA XIXI DE CARANÁLIA XIXI DE PIPI COCÔ DE LAGARTO CHULÉ DE KARÉ PAPEL DE OURO FORMIGA FLOR RARA 38 Fabiana Louro e Jônatas Dias [ artista educadora | equipe do CEU São Mateus | turma de 05 a 07 anos ] Feitiço Azameritonzitos GosmadeSapoRabodeTigrePedraMusculosaRabodeLagartoPernaderãTerraXixideCaranáliaXixi RabodeLagartoPernaderãTerraXixideCaranáliaXixiCaranáliaXixidePipiCocôdeLagartoChulédeKaréPapeldeOuroFormigaFlorRaraGosmadeSapoRabodeTigrePedraMusculosadeKaréPapeldeOuroFormigaFlorRaraGosmadeSapoRabodeTigrePedraMusculosaRabodeLagartoPernaderãTerraXixideGosmadeSapoRabodeTigrePedraMusculosaRabodeLagartoPernaderãTerraXixideCaranáliaXixiRabodeLagartoPernaderãTerraXixideCaranáliaXixiCaranáliaXixidePipiCocôdeLagartoChulédeKaréPapeldeOuroFormigaFlorRaraGosmadeSapoRabodeTigrePedraMusculosadeKaréPapeldeOuroFormigaFlorRaraGosmadeSapoRabodeTigrePedraMusculosaRabodeLagartoPernaderãTerraXixideGosmadeSapoRabodeTigrePedraMusculosaRabodeLagartoPernaderãTerraXixideCaranáliaXixiRabodeLagartoPernaderãTerraXixideCaranáliaXixiCaranáliaXixidePipiCocôdeLagartoChulédeKaréPapeldeOuroFormigaFlorRaraGosmadeSapoRabodeTigrePedraMusculosadeKaréPapeldeOuroFormigaFlorRaraGosmadeSapoRabodeTigrePedraMusculosaRabodeLagartoPernaderãTerraXixideGosmadeSapoRabodeTigrePedraMusculosaRabodeLagartoPernaderãTerraXixideCaranáliaXixiRabodeLagartoPernaderãTerraXixideCaranáliaXixiCaranáliaXixidePipiCocôdeLagartoChulédeKaréPapeldeOuroFormigaFlorRaraGosmadeSapoRabodeTigrePedraMusculosadeKaréPapeldeOuroFormigaFlorRaraGosmadeSapoRabodeTigrePedraMusculosaRabodeLagartoPernaderãTerraXixideGosmadeSapoRabodeTigrePedraMusculosaRabodeLagartoPernaderãTerraXixideCaranáliaXixiRabodeLagartoPernaderãTerraXixideCaranáliaXixiCaranáliaXixidePipiCocôdeLagartoChulédeKaréPapeldeOuroFormigaFlorRaraGosmadeSapoRabodeTigrePedraMusculosadeKaréPapeldeOuroFormigaFlorRaraGosmadeSapoRabodeTigrePedraMusculosaRabodeLagartoPernaderãTerraXixidedePipiCocôdeLagartoChulédePipiCocôdeLagartoChulédeKaréPapeldeOuroFormigaFlorRaraGosmadedePipiCocôdeLagartoChulédePipiCocôdeLagartoChulédeKaréPapeldeOuroFormigaFlorRaraGosmadedePipiCocôdeLagartoChulédePipiCocôdeLagartoChulédeKaréPapeldeOuroFormigaFlorRaraGosmadedePipiCocôdeLagartoChulédePipiCocôdeLagartoChulédeKaréPapeldeOuroFormigaFlorRaraGosmadedePipiCocôdeLagartoChulédePipiCocôdeLagartoChulédeKaréPapeldeOuroFormigaFlorRaraGosmade

39 As crianças criaram uma poção mágica com poder de transformar as pessoas em lesma, fizeram toda a poção com coisas que encontravam no parque do Céu São Mateus. Eram todos bruxas e bruxos. Colocaram a poção em uma garrafa e com o pincel espalhavam sua poção nas pessoas, era necessário apenas uma gota. Somente água foi capaz de derreter as bruxas. A poção tinha efeito fortificante nas bruxas que a fizeram. Outras crianças do EMEF do CEU São Mateus se juntaram e pediram um pouco da poção. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Camila Feltre [ artista educadora | equipe do CEU Pq. Bristol | 2015 ] Cuidado, crianças, tem uma monstra lá fora, que entrou na nossa sala e deixou tudo bagunçado. Tem Uma Monstra Morando No CEU Pq. Bristol diário de campo sobre o imaginário “ “FOTO: Camila Feltre

41 Esse foi o começo de uma aventura pelo CEU Pq Bristol, a partir da fala de uma das educadoras, Marina, com a turma de 05 a 07 anos, mais conhecida por nós (equipe do CEU) como turminha dos monstros.Apartir de então, por vários encontros seguidos, vivemos a experiência de procurar monstros: preparar armadilhas, nos fantasiar, construir equipamentos multissensoriais, andar por caminhos desconhecidos, ler mapas, procurar em livros e criar histórias à procura do que viemos a descobrir mais tarde ser uma monstra, que habita o alto do prédio do BEC4, ou, às vezes, se esconde atrás das folhagens amarelas do terreno vizinho do CEU. Dar espaço e tempo ao imaginário das crianças é o que pretendo relatar neste texto. Como embarcar nas fantasias das crianças e estimular com outras referências uma experiência como a de procurar monstros?

4 BEC é o Bloco Esportivo e Cultural do CEU. Depois do anúncio de que um monstro havia passado pelo CEU e devíamos arrumar a bagunça que havia feito, as crianças passaram a falar do monstro com frequência durante os encontros. Mas não era a nossa intenção ao iniciar o assunto. Tudo começou num dia de muita euforia, as crianças estavam muito agitadas e uma vontade de unir o grupo para algo que estimulasse todos e que traria um trabalho em coletivo. E os monstros foram capazes disso; de experienciar vivências coletivas, de criação, de estímulo ao imaginário, de leitura, que reverberaram para fora dos muros do CEU, ou seja, a história de que havia um monstro por ali chegou a outras crianças e mães, que vinham perguntar e contar sobre o que a criança estava falando em casa. A AVENTURA .

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Começamos então a procurar monstros pelo CEU. Mas como poderíamos, sendo simplesCommortais?fantasias e equipamentos. Vários materiais disponíveis na sala do PIÁ começaram a compor a fantasia. Retalhos de tecidos, cabos de vassoura e potes descartáveis começaram a compor os objetos indispensáveis para a captura do monstro, ou dos monstros. Foram criados aparelhos que captavam sons produzidos pelos monstros a partir de um fone que uma criança havia trazido em um dos encontros. Com ele era possível ouvir um ruído de um monstro há quilômetros de distância. Outro equipamento foi a estrela de ficar invisível. Caso sentíssemos alguma presença, com o toque de uma estrela estávamos seguros e invisíveis pelo CEU.

FeltreCamilaFOTO:

A PROCURA . . .

AS

PISTAS . . .

Nessa captura, encontramos muitas surpresas pelo caminho. O que ninguém podia imaginar era que o monstro tinha deixado várias pistas. À presença da fantasia tornava-se visível. Era algo que não tínhamos o controle nem o domínio do que vinha a seguir. Primeiro, a descoberta ao achar uma tiara no chão: , disse Lorena, uma das caçadoras de monstros. Essa informação mudava todo o nosso percurso. Não era mais um monstro, era uma monstra. E Lorena sabia o seu nome: , na verdade, pronunciava com dificuldade a palavra Uma monstra que chamava Zezê e deixava pistas pelo CEU. Descobrimos, em vários dias de capturas, que Zezê gostava muito de doces, pela quantidade de papeizinhos de balas que encontramos pelo chão do CEU. Encontramos também algo bem assustador, uma frase escrita em vermelho que nos deu a entender que eram palavras escritas com sangue. Ficamos muito preocupados. A monstra era má? Precisávamos descobrir isso. Precisávamos de um diálogo com ela.

FOTO: Camila Feltre

44 Monstra, você é legal? A gente quer te ver. “ “ Ass: Caçadores de monstros e amigos

FOTO: Camila Feltre

Como seria essa monstra? Fizemos vários desenhos… Construímos, ao lado do recado, um monstro coletivo, unindo várias características que íamos descobrindo ao longo dos encontros…

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Como resposta, uma carta, construída por nós, educadoras, foi deixada num lugar muito secreto para a turma: no nosso esconderijo, que fica embaixo da escada na entrada do BEC.

Nesse dia, que escrevemos em giz nas paredes externas do BEC, tínhamos um nome: Caçadores de monstros e amigos. A identidade do grupo começava a se construir.

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Otávio e Pedro no nosso esconderijo secreto… Nele acontece a maioria das reuniões sobre como capturar a monstra. As ideias são compartilhadas, esconderijos são criados e armadilhas são pensadas para serem construídas.

E tudo tem de ser feito em equipe. Um dia, um dos caçadores de monstros não estava conseguindo cumprir o combinado. Quase foi expulso do grupo, mas todos, em consenso, resolveram dar uma chance. A preocupação do menino em “ficar fora da turma” me chamou a atenção pelo nível de envolvimento que estávamos todos naquele momento do grupo. Bom, continuando nosso percurso, a carta aos caçadores veio cortada em pedaços para que o grupo montasse e conseguisse ler. Ela dizia o seguinte: FOTO: Camila Feltre

2. Passar por algum lugar do CEU que nunca foram

Para me encontrar, vocês precisam:

1. Encontrar um lugar redondo do CEU onde habitam vários monstros

Assim, outros caminhos foram percorridos nesta busca… E, aos poucos, outras brincadeiras foram surgindo. Mas, às vezes, alguém pede: , ou traz o tema à tona: “Eu vi o pé da monstra outro , “Eu achei esse papelzinho colorido na minha bolsa. Será que foi a No livro “Onde vivem os monstros”, de Maurice Sendak, Max, um menino, vê o seu quarto se transformar em uma floresta e de repente está num barco indo para a terra dos monstros, onde se torna rei. O livro, lido em grupo em um dos encontros, apresenta a transição da realidade para a fantasia, por meio das ilustrações que começam enquadradas e com o virar das páginas começam a fazer parte de todo o papel. Não há mais moldura. Estamos todos na floresta onde Max nos levou.

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O menino que cavalga num cabo de vassoura, imagina que monta um cavalo, a menina que brinca com a boneca, imagina-se a mãe, a criança que no jogo se transforma em ladrão, em soldado ou em marinheiro, todas essas crianças que brincam são exemplos do mais autêntico e verdadeiro processo criativo (VIGOTSKI, 2014).

48 Para Suzy Lee, autora de livros infantis, as crianças não confundem realidade com fantasia, transitam entre ambas com ousadia e brincam de faz de conta com muita seriedade (LEE, 2012).Masprocurar

IMAGINAÇÃO X REALIDADE . . .

monstros é real?

Vigotski diz que, na sua concepção, a imaginação ou a fantasia designam aquilo que é irreal, o que não corresponde à realidade e, portanto, sem nenhum valor prático. No entanto, a imaginação como fundamento de toda a atividade criadora manifesta-se igualmente em todos os aspectos da vida cultural, possibilitando a criação artística, científica e tecnológica (VIGOTSKI,Quando2014).as crianças veem a monstra, com centenas de ouvidos, pelos e pés cor-de-rosa, podem estar associando a capacidade de elaboração e construção a partir de elementos já conhecidos, de fazer novas combinações e isto se constitui o fundamento do processo criativo. Segundo Vigotski, a imaginação é inerente ao ser humano e o processo criativo, muito importante para a infância.

“A imaginação é para a criança um espaço de liberdade e de decolagem em direção ao possível, quer realizável ou não” (GIRARDELLO, 2011). Vamos decolar? Vamos caçar monstros?

49 FOTO: Camila Feltre

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No aeroporto o menino perguntou: – E se o avião tropicar num passarinho? O menino perguntou de novo: – E se o avião tropicar num passarinho triste? A mãe teve ternuras e pensou: Será que os absurdos não são as maiores virtudes da poesia? Será que os despropósitos não são mais carregados de poesia do que o bom senso? Com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende com as crianças. (BARROS, 2013, p. 453) CRIANÇA . . .

EXERCÍCIOS DE SER

51 BARROS, Manoel de. Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2013. GIRARDELLO, Gilka. Imaginação: arte e ciência na infância. In: Pro-Posições, vol. 22, n. 2, Campinas, maio/agosto de 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010373072011000200007&script=sci_arttext. Acesso em: 05. Nov. 2015. LEE, Suzy. A trilogia da margem: o livro-imagem segundo Suzy Lee. São Paulo: Cosac Naify, VIGOSTKI,2012.Lev Semenovitch. Imaginação e criatividade na infância. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

52 Vanessa Biffon [ artista educadora | equipe da Biblioteca Monteiro Lobato | 2014 5 ] IOKALÁ MAGÍ Bia diz forte e sorrindo. As crianças se entreolham. NAGITO BRUNCUCÁ, IT I BIRIÚ, COM KÁ? – Bia aponta para Isadora. COM KÁ I TÊ – tento ajudar, ainda meio perdida. TE TU, TUNUKÁKÔ, MININI – pega algumas pedras e tinta. COM KÁ, COM LÁ, COM PIRICULÁ, IIGÔ TIRÊ – sua voz adocica. BIRICÔ? | BIRI, BIRI – se arrisca João. BIRI TÔ, JOJO! – todos gargalham. QUIRIMÁ TU VÁ NIGUÍ? – pergunta Kátia, desconfiada, apontando um pincel. PAPAQUERÊ DINO DINÉ – afirmo. Vitória, com medo, olha insistentemente para garrafa do Saci que está lá dentro, invisível. Tá todo mundo doido! – Nina tem certeza. MANIQUENÊ, NINE, TUDOKÚ É LOKÚ – digo. E KEN É QUE É OCHÊ? – Pablo misturando idiomas. HHUUMMMMMM… PIÁPORÊ. Kátia já está pintando. Violeta pega uma pedra e mergulha na tinta; seu dedo suja também, decide então pintar as bochechas. SSSSSSSSSSSSSSSSSQUAQUAQUASSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS – Vitor corre por toda a sala QUAQUAQUAQUAQUAQUASSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS | VRUMMMMMMMMMMMM MMMMMMMTÁTÁTÁTÁ … TÓIM TENTÉM… DIONNNNNNN Ensaio De Brincar Em Interlinguagem [ isso não é ficção ] 5 Parte do Ensaio escrito por Vanessa Biffon na edição 2014

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| PIRIQUI KIKI, KÔKÔ, KOKA, KIKI, XIXI, PIRIRI, XOXOTA, (ri) XOXOTA, XOXOTA. Me assusto. KABÔ, TICÁ – Bia me salva. Juliana larga a tinta. Anda um pouco. Vê o que seus amigos fazem. Decide ser a mãe-gata do Otávio. Ele a olha com desprezo… mas acaba deixando. KABÔ TUTO QUI FEZ? – pergunto em alto e bom som. Nenhuma resposta. Passam-se 15 minutos. - aumentando o som: KABÔ TUTO QUI FEZ? Ó O ORÁ –mostro o relógio. Nenhuma resposta. Nisso, Vitor que corria a sala toda há horas kabrubumbum na folha que splaticum da Kátia: BUÁÁÁAÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ! – da Kátia. BUÁÁÁAÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ! – do Vítor. A mãe da menina, que gostava de coçar a orelha na fechadura durante o encontro do PIÁ, ouvindo o choro da filha, entrou e: UI, UI, AI, AI, UI, O KÊ? O KÊ? AI, UI, AI, AI, AINN, GRRRRRRRRR! SEUS, SUAS, AI, AI, GRRRRRR, GRRRRRRRR! – foi o que ela disse. – foi o que nosso olhar falou.

NNNNNNN… TIC TIC TIC POW | POW – Erick acompanha. RÁRÁRÁRÁRÁRÁRÁRÁ… | IRIÚ, XINI? – pergunto pro Otávio. Tô com fome. | IRIÚ NU MOÇÔU? Otávio olha com desprezo. É daqui a pouco, tá? – quebro o feitiço…TEM COR VERMELHALHONA? – quer Juliana.VERMELHALHONA?

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Joice: Mas eles estão em extinção? Emily: Estão quase em extinção, quase todos não vieram pra cá. E esses são os rinocerontes. As árvores, na verdade, não têm cara, só que elas têm. A gente não vê, mas elas têm. A Caverna Dos Sonhos Esquecidos

Vanessa Biffon e Lucas Bêda [ artista educadora | equipe do CEU Lajeado| 2015 ] Na turma de terça à tarde, assistindo o vídeo sobre “A caverna dos sonhos esquecidos”, filme do Herzog, começou o diálogo, apresentado abaixo, entre Emily (8 anos) e Joice (6 anos). Faz-se necessário ouvir a música do vídeo (composição de Ernst Reijseger) ao ler a conversa: Emily: …nenhuma cobra veio pro Brasil. E essas são as mais extintas. Os dinosserontes daí foram conhecidos como hipopótamos, só que não são, só são dinossauros aurissiriosos. Bem ali, ó, ali no topo são os cães, os que mais protegeriam a floresta. Foram os últimos a nascerem com os gatos.

Joice: Quê? Emily: Eles nasceram muito antes. Não, muito mais.

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Joice: O quê? Metafóide, o que que é isso?

Emily: Não, isso são restos de rinocerontes. Não… restos de dinossauro.

Joice: Olha só, ossos de dinossauros.

Emily: (doce) Presta atenção. Sabe aquilo ali?

Joice: Então, por isso que eles estão quase em extinção…

Joice: Então, por isso que eles estão quase em extinção…

Isso é de um metafóide

Joice: Ah, tá. Emily: …que caiu do céu, a muitos e muitos tempos atrás.

Emily: (doce) Presta atenção. Sabe aquilo ali?

Joice: Anrã.

Emily: Um dinossauro…

Joice: Mas eles estão em extinção?

Emily: Não, na verdade, não é só de dinossauros, não. (contando um segredo)

Emily: (séria) Não, ele não era gordo. Ele era muito corajoso e forte. Enfrentou um dinossauro e os dois morreram

Joice: Eita, caramba! Breve Silêncio

Joice: O dinossauro era carnívoro? Emily: Não, o dinossauro nunca é carnívoro.

Emily: Então, é um rinoceronte, só que em extinção, e muito tempo atrás ele não era assim, ele era muito mais bravo, matava muita gente, ele era bem grande…

Joice: E bem gordo. (ri)

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Joice: Tem uns que é, não é, professora? Emily: Alguns. Emily: Esse é o… pra mim esse parece o “metaJoide”. Ele é o cavalo mais raro que eu já vi. Na verdade, ouvi muito falar dele. Ele é o único que foi o mais perigoso na época dos dinossauros.

Joice: Os dinossauros, essas coisas que estão aí já estão em fosseons, né? E já estão em extinção também, né?

Emily: Eles já estão em fósseis, e já foram de instidão… de extingão… ah, sei lá. (ensinando) Fosseons e extinção! Emily: Extinção. Então, mas alguns não estão… E os trabalhos seguiram, agora dentro da nossa caverna PIÁ…

Vale dizer que Emily, de 8 anos, está em uma turma de 5 a 7, porque a mãe insistiu que a filha não se dava bem com os mais velhos, preferia a companhia das crianças menores, pois sofria bullying. Perguntamos o porquê do bullying e ela revelou que Emily não sabia ler, não conseguia gostar das palavras, era mais amiga das imagens. Disse-nos que a menina adorava inventar histórias… ]

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Joice:

[

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4 ASSUNTOS ( IN )VISÍVEIS FOTO: Andrea Rocha

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Tales Jaloretto [ artista educador | equipe do Teatro Flávio Império | 2016 ]

Um até logo materno, um abraço infantil e… uma mãe a dizer, ele tem autismo leve. A primeira reação, vendo-o levemente agitado, foi lembrar das asas com folhas de bananeira, quando criança, e minhas tentativas de voar, e dizer-lhe que eu tinha poderes, que quando ventava forte, eu voava, mas só quando queria. A resposta foi um belo golpe de Power Ranger. Caí, enquanto o pequeno, de longe, disparava vários outros poderes. Pedi misericórdia. Veio o abraço e um olá amigo, mas, aos que não pediram clemência, os golpes continuaram intensamente. A opção foi levá-lo para uma volta no parque. Assim foram alguns encontros, eu com ele, a dupla com os outros, e a incessante dúvida em como juntar todos.

Informações com outros AE’s, com a coordenação, e a aproximação com Waléria Rizzo, mãe de gêmeos autistas e especialista em Educação Democrática pelo ECV/USP – Leste. E na semana de formação, dia 13 de julho, numa roda que tomou todo o palco do Teatro Flávio Império, a palestra sobre Tecendo o Olhar Inclusivo. E tecemos a rede com outros tantos pares que também tinham dúvidas sobre a inclusão da criança autista no PIÁ, sobre a inclusão delas em relação às outras crianças, sobre formações, e outros já com boa experiência neste afeto.

E, disso, essa entrevista!

TECENDO O OLHAR INCLUSIVO ou sobre poderes especiais da criança exclusiva

Sol a criar sombras, vento balançando folhas, cachorros latem e brincam com os seguranças na escada do Teatro Flávio Império. Tudo comum, tudo normal, como as manhãs de terça, enquanto eu e a arte-educadora Suzana Akemi recebíamos os pequenos, que chegavam aos pares e aos montes para a turma de oito a dez anos.

Geralmente os sintomas se relacionam a déficits persistentes na comunicação social e nas interações; pouco contato visual; isolamento; estereotipias corporais, como balançar braços, andar nas pontas dos pés, estar de forma inadequada com objetos e padrões restritos e repetitivos de comportamento. Alguns possuem grande sensibilidade para sons e necessitam de redutor de ruído na escola. Os autistas podem, grosso modo, ser identificados como: leves, moderados ou graves. Estes, os graves, não conseguem se socializar em projetos mistos, necessitando de atendimento especializado. Cada autista possui interesses muito específicos, se forem percebidos e desenvolvidos, podem chegar a impressionantes níveis de desenvolvimentos. São exemplos o Bill Gates e o jogador Messi. Pessoas visuoespaciais, que necessitam realizar atividades concretas, quanto mais estímulos receberem, menos o espectro do autismo se torna dominante. Uma agenda visual onde eles possam ter a visão de cada parte das atividades que deverão realizar no dia ajuda muito. Eles precisam de padrões para se acomodar, mas também necessitam de estímulo para sair de padrões fixos de comportamento. A atividade artística tem se apresentado como um recurso excelente para o desenvolvimento de alguns tipos autísticos.

60 TJ – Waléria, sendo uma deficiência com muitas variações e poucas informações, o que é importante saber sobre autismo, TEA e seu diagnóstico? Quais os sintomas e características da deficiência? WR – O diagnóstico do autismo é clínico, feito através de observação direta do comportamento, por um terapeuta comportamental e, às vezes, por um neuropediatra. Os sintomas costumam estar presentes antes dos três anos de idade, sendo possível fazer o diagnóstico por volta dos 18 meses. Existem poucos profissionais qualificados e o maior problema é fechar o diagnóstico.

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Existem alimentos que podem disparar mais os sintomas? Durante a palestra, a senhora mencionou que o glúten retira de alguns autistas a sensibilidade para a dor e aumenta a irritação e a agitação. Isto tem comprovação? WR – Um em cada 80 nascidos nos Estados Unidos é autista. No Brasil, um a cada 120. Sabe-se que afeta mais a população masculina que feminina. Nenhuma linha de pesquisa tem resposta final ao autismo, mas que é uma mutação genética que avança em nossa espécie. Alguns cientistas afirmam que o problema está na hiperindustrialização dos alimentos, no abuso de agrotóxicos e transgênicos, na presença de metais pesados na água e alimentação, além do estilo de vida urbano. Os transtornos de espectro autista, TEA, envolvem um grupo de desordens do neurodesenvolvimento que podem vir acompanhados de desordens gástricas. Este tema vem sendo amplamente debatido no meio científico: as possíveis relações entre o consumo de glúten e a piora dos sintomas de autismo em crianças. Alguns autistas quando ingerem glúten ou caseína ficam mais agressivos, agitados e desenvolvem pouca sensibilidade para a dor.

TJ – A senhora comentou, durante a palestra, dentro da análise da psicologia, sobre alter ego, que alguns autistas não possuem capacidade para aprender o óbvio e que é importante os educadores terem esta compreensão. WR – Às vezes, como educadora, vejo esta falta de percepção até com crianças “normais”. A perspectiva do adulto se impondo sobre a da criança. Ninguém é vazio, esta educação onde

TJ

Pesquisas realizadas mostram que a retirada do glúten, da caseína, do corante caramelo e o glutamato monossódico, melhoram o comportamento destes pacientes. Mas qualquer dieta deve vir recomentada por um nutrólogo.

Existem pesquisas sobre a causa das crianças com autismo? Alimentação influencia?

62 o aluno é visto como um balde a receber conhecimento e estímulos de maneira unilateral não funciona, seja com crianças ditas “normais” ou “especiais”. O grande desafio do educador é PERCEBER com quem ele está se relacionando, como este educando se relaciona com o mundo, o que este SER traz, o que ELE também tem a propor, a TROCAR. Bertold Brecht dizia: “desconfie sempre do óbvio.” Enquanto a educação for unilateral, conflitos e desordens de todo tipo serão protagonistas de toda e qualquer ação educativa. Edgar Morin, pai do pensamento complexo, afirma que é importante buscar uma ação global e multidimensional sobre a vida e a educação. Os dois lados aprendem quando o caminho está aberto. TJ – Sobre a evolução da deficiência, como pode ser cuidado ou diminuído, ela pode desaparecer? WR – Eu gostaria de perguntar se na sociedade que vivemos, nesta que exclui os refugiados da Síria, que rouba e mente, e que corrompe, se há cura para isso. Existem casos muito pervasivos que necessitam de cura, mas o jeito autista de ser também tem muito a nos ensinar. Uma coisa é certa, o isolamento não cura, o confinamento piora os sintomas, e, às vezes, não é preciso desaparecer, é preciso tanto o autista aprender a conviver com o nosso mundo, como o nosso mundo precisa aprender a conviver com as diferenças. Temos excelentes exemplos de pessoas que convivem com o seu próprio autismo. Temple Grandin nasceu com autismo grave, severo, só balançava os braços e não falava. Sua mãe não desistiu. É conhecida hoje como a veterinária que revolucionou as práticas para tratamento racional de animais vivos. Tornou-se bacharel em Psicologia na Universidade do Arizona é Ph.D, em Zootecnia, desde 1989, e uma das maiores divulgadoras do autismo. Ela nunca se curou e utilizou o que tinha de melhor: sua própria síndrome. Com ela, percebeu os animais de um jeito que nós, humanos “normais”, não conseguíamos perceber.

63 TJ – Poderia falar um pouco da lei 13.146? Ela vem sendo cumprida pelas Instituições Públicas ou Privadas no que tange ao atendimento inclusivo? WR – A Lei 13.146, da inclusão da pessoa com deficiência, no artigo 4º, afirma que toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades como as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação ou exclusão. É importante dizer que esta lei não veio do governo, mas é uma conquista das famílias e dos deficientes que gozam da mesma Constituição Federal. A Lei em si é apenas o começo, é o elemento moderador das relações, é o instrumento legal para as exigências cabíveis. Temos muito ainda por conquistar. Mas o descumprimento da Lei é grave. Buscar capacitação é o primeiro passo, montar a rede é o segundo e assim por diante. O parágrafo único da Lei afirma que: (…) toda pessoa com deficiência tem o direito de desenvolver potencialidades, talentos, habilidades profissionais e artísticas que contribuam para a conquista de sua autonomia na sociedade (…). Embora o trabalho artístico seja tão antigo quanto a própria civilização, o seu reconhecimento no desenvolvimento cognitivo é relativamente recente. O Programa PIÁ, em sua essência, já proporciona aos participantes todo tipo de inclusão, porque trabalha com situações multidimensionais expressivas que abrem o leque de oportunidades que a educação formal não consegue oferecer. Mas nenhum foro específico oferece, hoje, no Brasil, toda a estrutura. É preciso compreender em que momento o Brasil se encontra na inclusão. Toda construção é única e o Brasil é um bebê de fraldas no que tange à inclusão de todos os tipos de deficiências. A ausência de espaços para a atividade expressiva pode alterar de modo significativo o equilíbrio interno dos humanos e não somente das pessoas com algum tipo de deficiência. Muitos pensam em mobiliário, espaço físico, materiais. A inclusão exige mais, começa no olhar inclusivo e vai se expandindo.

TJ

Quando recebemos, no PIÁ, a criança autista, tivemos apenas a informação da mãe que era um autismo leve, fomos, de alguma maneira, tomados por uma grande responsabilidade, já que não tínhamos formação para recebê-lo, nem estrutura, apesar de já existir a recepção e inclusão dentro do PIÁ. Neste primeiro dia, com picos de agressividade, diante de um espaço e rotinas novas, nossa solução foi a divisão de tarefas entre os arte-educadores, um conversaria com a turma sobre como melhor incluí-lo e o outro se aproximaria e manteria uma relação bem próxima e um cuidado especial. Porém, ainda assim, apesar de recebermos ele, a dificuldade é incluí-lo junto às outras crianças, são breves momentos que conseguimos, existe um caminho para isso? WR – Sim, existe. Primeiramente, todo o grupo estar envolvido na inclusão desta pessoa. Todos estarem de alguma forma pesquisando. Hoje existem vários canais disponíveis na internet. Também se aproximar da família, levar o grupo ao ambiente deste aluno, trazer um pouco deste ambiente para dentro do programa. Suas preferências (como ponte). Criar uma agenda visual de mão com colagens para este aluno manusear e montar sua rotina. Manter uma rotina para recebê-lo sempre parecida, depois ir, aos poucos, introduzindo mudanças. Às vezes, combinar certo distanciamento com aproximação. Verificar os limites e todos estarem atentos. A responsabilidade passa a ser de todo o grupo, sem estigmatização do problema, um dos maiores desafios. Pensem que, o pouco que vocês conseguirem, garantirá a transformação de todo o grupo e não só desta pessoa. Percebo que há ainda uma visão muito unilateral. De vocês para ele. Do educador responsável. Inclusão só acontece em REDE, é preciso aproximar esta mãe do trabalho, trazer especialistas para dentro do programa, pesquisadores que possam observar e realizar reflexões no grupo. Também achar que existe um profissional que trará a resposta de uma forma mágica é outro equívoco. Cada caso é um caso totalmente novo. Pense o quanto todos estão tendo que mexer em suas estruturas para compreender este aluno e o quanto ele também está sendo mexido. Não é fácil, mas todos estão crescendo com esta

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WR –

TJ – Qual o papel das artes e atividades artísticas para as crianças com deficiência intelectual? O modelo vigente de educação auxilia na comunicação destas crianças? De que maneira a educação formal, eurocêntrica/funcional, auxilia e quais suas lacunas? De qual maneira a educação informal auxilia e quais suas lacunas?

65 relação. Há uma impressão de perda de tempo. Mas será que estão perdendo tempo ou ampliando horizontes para esta nova realidade posta e que vem se configurando no mundo inteiro como epidemia? Nossa espécie está sofrendo uma mutação, o autismo é um exemplo desta mutação. Por quê? O que temos feito para nossa espécie entrar em mutação? Como lidar com este novo tipo humano? Negar? Confinar? Será que estamos mesmo perdendo tempo? Será que tirá-los de circulação resolveria? Será que não temos nada para aprender e mudar? Que Universo Multidimensional é este?

O problema a ser enfrentado é difundir o papel das Artes e das atividades expressivas no desenvolvimento global do ser humano. Edgar Morin, defensor do pensamento complexo e da educação multidimensional/integrada, afirma que, ao mesmo tempo em que conhecimentos pautados em verificações científicas – empíricas e lógicas – são produzidos, erro, ignorância e cegueira avançam. Vivemos sob a ditadura da educação conteudista e pouco lúdica. Paulo Freire, um dos maiores expoentes da educação brasileira, já alertava para o problema do currículo bancário, da ausência da cultura popular e da desvalorização da espontaneidade como fator de cognição. Jogos, brincadeiras de roda, brincadeiras cantadas e outros elementos de nossa matriz cultural, na maioria das vezes, não são computados como conteúdos significativos no desenvolvimento intelectual do nosso povo. O modelo vigente de educação, eurocêntrico/ funcional, com algumas exceções, concentra-se em fragmentações lógicas, estruturas prontas e memorizações que atendem o pensamento único ditado pelo mercado. Ainda para Morin, o problema da organização do conhecimento está na seleção de dados considerados significativos.

TJ – O que é considerado um espaço inclusivo? Qual estrutura ideal ou a melhor possível para receber uma criança especial? WR – A mutação é o resultado de nossa forma inadequada de organizar a vida e de se relacionar com a natureza. A primeira coisa é o espaço interno, o coração do educador, estrutura, sem isto, é vazio.

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*Essa entrevista teve a colaboração de Cleia Plácido, Frederico Dale, Thâmile Vidiz, Diego Reis.

66 Isto leva à separação, centralização e hierarquização de saberes. A Arte e a Cultura acabam sempre expostas como perfumaria secundária e não como essência humana e fonte de conhecimento.

HISTÓRIAS INVISÍVEIS

7 Esta atividade da Semana de Formação foi organizada pelas artistas educadoras Giselda Perê, Patrícia Arent e Suelen Ribeiro com o título “O corpo negro da África ao Brasil, nas Artes e na História”.

Mas estava convencida que sairia da minha formação sabendo o que era arte, e poderia assim enfim me chamar artista, poderia então exercer minha função de arte-educadora com fundamentação em conceitos reconhecidos como os verdadeiros e corretos.

6 Atividade de formação desenvolvida tradicionalmente em julho entre artistas educadores e coordenadores do PIÁ, onde ocorrem trocas de experiências e vivências por meio de oficinas, exibição de filmes, rodas de conversas com temas pertinente aos programas.

Na academia, são invisíveis as histórias dos meus ancestrais, negras e negros africanos e brasileiros escravizados durante mais de três séculos.

Na semana de formação de 2016 6 estivemos no Museu Afro Brasil 7 que preserva um grande acervo que materializa a história das mulheres e homens negros africanos e

Mas então me perdi e não me achei por muito tempo, e foi na experiência com a arte em grupos de cultura negra que forjei, com o ouro mais dourado, uma armadura. Agreguei novos adereços, ferramentas, símbolos, agreguei valores que me ajudaram a ver os meus e a mim na arte e na História. Agora me via, e pude ver os outros com olhos com maior repertório, e pude ver quantos horizontes existem quando lidamos com o ser humano e com a arte.

67 Giselda Perê [ artista educadora | equipe do Centro Cultural da Juventude – CCJ | 2016 ] Ao passar por minha graduação em Arte, não me vi, não vi os meus. Não sabia onde estavam e nem como eram, aqueles de quem herdei todo o fenótipo, não ouvi histórias sobre aqueles de quem herdei um arcabouço infinito de riquezas e diversidades culturais.

pelo núcleo de educação do Museu Afro Brasil foi disparador de muitos questionamentos para os Artistas educadores, e nasceu ali um desejo de organização de um grupo de trabalho para que nos debrucemos sobre esses questionamentos, e principalmente ir na direção de agregar e ampliar nossas percepções sobre arte, para além da visão eurocêntrica que recebemos em nossas formações acadêmicas desde a primeira infância. Por mais que nossas práticas não as vejam, elas estão lá. Elas se fazem vivas e pulsantes na experiência de existir de cada descendente dessas histórias, principalmente daqueles que carregam o fenótipo negro e tem sua trajetória de vida moldada a partir da cor que carrega na pele, moldada a partir de uma única história e das histórias que não conheceu sobre seus ascendentes.Aover chegar as crianças do PIÁ no CCJ, vi as histórias invisíveis novamente. O CCJ fica no bairro da Vila Nova Cachoeirinha, zona norte de São Paulo, bairro que funciona como “centro” pra grande região da Brasilândia, onde a porcentagem de jovens negros assassinados pela Polícia Militar só aumenta, onde está uma grande concentração da população negra. Muitas crianças negras chegam e vão, flutuam ao nosso redor, algumas ficam, principalmente aquelas que têm ao lado uma família. E se reconhecem inicialmente nas mulheres negras das duplas. Mas e para ir além? Já é bem diferente pra essa menina e menino negro se ver em nós, que estamos ali guardadas pela capa do saber, do conhecer, do ensinar. Mas é preciso ir além. Estávamos no início dos trabalhos, mergulhadas na ideia da casa, do habitar, do fazer parte, do apropriar-se dos espaços do CCJ. Escolhemos um local junto às árvores e plantas, que as crianças passaram a chamar de Casa do PIÁ. Em nossas reuniões,

68 afro-brasileiros, coloca diante de nós uma riqueza material que tenta traduzir a riqueza e profundidade das culturas e artes negras. Chegamos ao espaço museológico com muitos anseios, mas, para nós, que propúnhamos a atividade, o maior anseio era saber se aqueles artistas-educadores (as), que ali se dispuseram a estar, já tinham se questionado sobre as histórias invisíveis que estão nas suas práticas artístico-pedagógicas.Avisitamediada

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Com as crianças, vimos rapidamente imagens com as casas e com seus moradores, e mergulhamos por dias na experiência de fazer a tinta, de pintar a parede, os vasos, de nos registrar no espaço, de conectar a arquitetura do ser humano à natureza. E assim nos conectar e tornar mais nosso o espaço que ocupamos.

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iniciamos essa investigação a partir da obra The Five Skins de Hundertwasser. Mas a reflexão acerca da obra e de como ela inspiraria nossas práticas, me levou a outra referência estética, fui buscar na África Ocidental, em Burkina Faso, no fazer das casas da Vila Tiebélé, a relação com grafismos pintados, que transformam casas em pequenos palácios, pintados com o barro e outros elementos naturais pelas mulheres da Vila.

O racismo e a intolerância religiosa e cultural não desapareceram após essa prática, nós sequer falamos sobre isso. Mas trouxemos outras referências para agregar à percepção sobre a arte e a vida dessas crianças, oportunizamos principalmente as crianças negras de formular quem se é, a partir de uma história de sabedoria e beleza, bem diferente da história repetida sobre aNãoescravidão.háfórmulas, não há respostas prontas sobre como o ensino da arte pode auxiliar no combate ao racismo, a intolerância. O que há é um grande universo cultural desprezado por séculos em nossa sociedade, que pode fomentar saberes milenares e alimentar a autoestima das crianças do PIÁ, massacradas pelo racismo institucionalizado. E cabe a nós, artistaseducadores, buscar as mudanças de referências para além da arte ocidental europeia.

70 Roger Muniz [ coordenador regional de formação | 20168 ] BRINCANDO NOS CAMPOS DAS EXISTÊNCIAS: interculturalidade entre infâncias, artes e tradição étnica 6 Atividade de formação desenvolvida tradicionalmente em julho entre artistas educadores e coordenadores do PIÁ, onde ocorrem trocas de experiências e vivências por meio de oficinas, exibição de filmes, rodas de conversas com temas pertinente aos programas. MunizRoger2:FOTORocha.Andrea1:FOTO

O encontro da equipe aconteceu na aldeia em dois momentos. O primeiro foi para gerar um encontro e reconhecimento entre a equipe e as lideranças, da anciã e de um grupo de crianças indígenas. Nesse encontro, ocorrido na casa sagrada (opy), a anciã trouxe algumas memórias de seu período de infância, em seu depoimento como pertencente ao povo Guarani, sua narrativa contou sobre o apoio aos adultos para o trabalho de subsistência da família na roça e na preparação dos alimentos, porém ao relatar momentos “de brincadeiras”, as imagens eram que os instrumentos utilizados pelos adultos, como, por exemplo, o pilão, eram construídos em escala menor para o “ato de brincar” das crianças. Nos dias de hoje, alguns meninos indígenas da aldeia fazem pequenos arco e flecha e realizam, no dia a dia, essas “brincadeiras” com esses instrumentos utilizados no mundo adulto em tempos remotos. Um elemento trazido na história da infância da anciã foi a produção de bonecas feitas de cuia, essas deveriam ter um formato que se aproximasse com o perfil de uma cabeça e tronco de um corpo, nelas, elas riscavam as partes dos olhos e da boca e confeccionavam, com outros elementos, outras partes, como os cabelos. A partir deste depoimento, propomos a ela a criação de uma dessas bonecas, para isso, foi necessário a aquisição de uma cuia fora da aldeia, pois naquela região não há esse material. Ao final desse encontro, as artistas educadoras do programa convidaram as crianças da aldeia que assistiam atentamente ao depoimento da anciã para brincarem juntas, todos se direcionaram a um campo na entrada da aldeia e alguns jogos envolvendo adultos e crianças foram realizados com muita diversão, além disso, as crianças ensinaram parte de uma música

Essa ação, mediada pela coordenação regional, entre outras realizadas ao longo dos anos, teve como propósito gerar uma ação intercultural a partir dos princípios do programa e de sua territorialidade, visto que essa região está localizada na zona sul de São Paulo.

A equipe de Artistas Educadores e Coordenadores da Região Sul 01 realizaram, no ano de 2015, em uma de suas reuniões artístico-pedagógicas, uma ação de aproximação com a aldeia Guyrapa-ju do povo indígena Guarani. Essa aldeia foi recém-homologada como Terra Indígena Tenondé Pora, localizada na zona sul da capital paulistana, e as famílias são em sua maioria oriundas da Aldeia Krukutu, pertencente ao município de São Paulo.

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indígena para os artistas. No segundo momento, retornamos à aldeia com as cuias para a construção da boneca e propomos, no final da tarde, uma apresentação com um grupo de teatro que tinha no elenco uma das integrantes da equipe. Na casa sagrada, a anciã cuidadosamente começa a raspar a cuia para marcar os olhos, bocas e traços do rosto da boneca indígena, esse momento de criação instaurou uma relação com um tempo e uma imersão de algo remoto vindo daquela anciã. Nessas experiências de um outro tempo, fora de um entendimento cronológico, trouxe a possibilidade de viver algo próximo à criação de um tempo sagrado, não cotidiano, o surgimento daquela boneca nunca havia sido visto naquela aldeia e nem havia referência nas próprias crianças e adultos que presenciaram aquela criação. Ao terminar a boneca, a anciã a colocou em seu colo, nela via-se um estado de infância revivido como algo frágil, porém persistente. No final da tarde, todos de dirigiram ao campo da aldeia, localizado na entrada, lá, uma trupe de teatro aguardava para a apresentação de um espetáculo de rua para toda a comunidade indígena.

FOTOS: Andrea Rocha.

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Essas experiências de encontro, envolvendo aspectos de pertencimento cultural, tempos e transversalidades, estão em consonância com alguns princípios constitutivos do Programa de Infância e Arte. E nesse contexto de criação de sentidos e ressonâncias entre os envolvidos, algo emerge como possibilidade poética, estética, política e ética dentro da natureza do próprio programa, as relações interculturais envolvendo adultos e crianças. Essa possibilidade de troca se constrói entre pessoas, conhecimentos, saberes e práticas culturalmente diferentes, buscando desenvolver um novo sentido entre elas, na sua diferença em condições de legitimidade mútua, diminuindo o desconhecimento, os preconceitos, os equívocos e as desinformações generalizadas sobre os povos indígenas, inclusive entre artistas e educadores. Devido aos tempos do programa, as ressonâncias ainda estão latentes e a aproximação das crianças para

FOTOS: Roger Muniz.

74 com essas relações precisam ser estreitadas. Essa ação intercultural, dialogando com pensamento local daquele povo indígena aldeado, visando sua atualidade e tradição, em sua singularidade entre centenas de povos indígenas e reconhecendo sua participação na construção de um conhecimento simbólico e histórico, traz não somente um processo de reconhecimento étnico ou de afirmação das diferenças culturais, mas da renovação e coexistência das novas formas de infância, arte e vida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . . . POVOS INDÍGENAS: HISTÓRIA, CULTURAS E O ENSINO A PARTIR DA LEI 11.645 Edson Silva PEDAGOGIA DECOLONIAL E EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA E INTERCULTURAL NO BRASIL Luiz Fernandes de Oliveira* Vera Maria Ferrão Candau** . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Bruno César Lopes [ artista educador | 2015 ]

Quando eu era pequeno, tinha os meus 5 ou 6 anos, morava em uma casa com o chão de tacos. Minha maior felicidade eram os dias em que minha mãe encerava o chão. Eu e minha irmã mais velha colocávamos meias e íamos fazer uma das coisas que mais gostávamos: dançar. Nós colocávamos a música do He-Man, da Turma do Balão Mágico ( EEUUU TEENHOOO A FORÇA!! SOU INVENCÍVEL!!! ), e dançávamos loucamente. Tenho, até hoje, gravado, vídeos que meu pai fazia de nossa felicidade em dançar. Hoje, quando assisto – além daquela “vergoinha” – me pergunto: É deste dançar “assim” que gostaria de falar aqui. É deste assalto da própria corporalidade que desejo escrever. Que forças e poderes são esses que nos fazem nos alijar de nosso processo de entendimento do mundo por meio do corpo, do movimento e, sobretudo, da sexualidade? O prazer que eu sentia ao dançar aquela música, o gozo em realizar os meus movimentos, E A CRIANÇA VIADA? QUANDO TERÁ O DIREITO DE SER PROTAGONISTA DO SEU PRÓPRIO CORPO?

76 a sensação de liberdade, o gesto sem intenção representacional: simplesmente um corpo em movimento no espaço. Mas se era só isso, se era apenas um corpo em movimento, de onde nascem as forças repressoras capazes de qualificar e de dar nome aos meus movimentos? VIADINHO. BICHINHA. MENININHA… Mas, não era apenas um corpo dançando? Ao longo da história do feminismo, foram elas, mulheres guerreiras em luta pelo voto com o sufragismo, em luta por angariar espaços políticos, foram elas as grandes responsáveis pela implantação da discussão de gênero. E, a partir dos seus estudos, hoje investigamos a possibilidade do gênero enquanto um constructo social. O gênero enquanto uma “fabricação sócio-histórica”.Poisentão, poderíamos dizer que esse assalto à corporalidade da criança VIADA, é, senão, também, uma fabricação. Um projeto político. Foucault nos disse que tudo isso é senão a construção de uma sociedade disciplinadora, uma criação de corpos dóceis, uma invenção de uma verdade absoluta sobre a sexualidade.

Teria sido eu então – e todas as crianças VIADAS do mundo – uma ruptura diante do projeto de normalidade corporal imposta no ocidente? Algumas pessoas talvez fiquem provocadas com o título deste artigo e retruquem dizendo: “Mas por que a junção de ‘VIADA’ com ‘criança’? É apenas uma criança, ainda nem sabe direito se é isso ou aquilo!!!”. Com toda minha delicadeza de drag queen que tenho eu responderia: “Gata, pode ser mesmo um equívoco adjetivar uma criança. Mas, e se, de fato,

77 ela for mesmo viada? Qual o problema?” E abriria meu leque dando um VRÁ na cara!

Assumir o espaço da viadice enquanto potência. Muito parecido com o que fez Judith Butler com o termo “queer”. Se o que dizem por aí é que somos viadas e bichinhas, então que assumamos isso pra nós e que façamos disso potência de vida. Sim, somos BICHAS, ABJETAS, MONSTRAS, TERRORISTAS DE GÊNERO.

aos passos do He-Man, eu mexia minha crista ilíaca de forma circular. Usava os meus apoios, fazendo giros com a cabeça. Chutava o ar com força e vitalidade. Outras crianças de hoje – que certamente seriam amigas minhas – criam saltos com tijolos e dançam Beyoncé. Outras realizam desfiles com vestidos criados com retalhos e lixo. Outras criam dramaturgias próprias, textos, novelas no Youtube9. Outras fazem paródias e misturam música do Belém do Pará com músicas norte-americanas. Outras dublam músicas e fazem seu “lip sync”. E outras e outras e outras tantas… 9 https://youtu.be/giY65fSwOaE

Por que nos incomodamos tanto quando começamos a pensar que uma criança tão pequena possa ser dona de sua sexualidade? Ou dona de sua identidade de gênero? Neste sentido, emprego o termo “VIADA” aqui, muito mais como uma atitude e menos como uma orientação sexual (homo, hétero, bi, pan…) Utilizo a palavra “VIADA” num contexto macro. Minha intenção é pensar uma visão de mundo viada. Uma visão de mundo BICHA-ABJETA-MONSTRUOSA

Incomodamos a normatividade heterossexual não mais por acaso, mas por vontade política! Me interessa pensar então o que poderia vir a ser uma epistemologia VIADA. Ou seja, uma forma de pensar VIADA, um modo viado de produzir, articular e problematizar o conhecimento.Emmeio

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ficariam os desafios: como pensar uma possível epistemologia VIADA ligada à infância? Como pensar as questões de gênero ligadas às questões de raça e classe social? Afinal de contas, uma criança negra, VIADA e pobre exerce sua posição no mundo bem diferente de uma criança, branca, VIADA e rica. Mas daí, talvez caiba a nós, educadores e educadoras, repensar as nossas práticas pedagógicas e artísticas. Sempre em movimento… Sempre dançando… De forma livre e VIADA!

Seria pensar uma pedagogia que em vez de buscar criar identidades de gêneros ou determinar orientações sexuais (como muitos imaginam por aí), estaria voltada a criar atritos e fricções nas verdades absolutas disciplinadoras. BOMBA. Explosão das essencialidades.Masainda

Isso não é criação de conhecimento? Não é forma de pensar e ver o mundo? Nesse sentido, pensar uma pedagogia VIADA, seria pensar uma pedagogia do estranhamento. E aqui pego emprestado pesquisas de Jimena Furlani, que pensa uma pedagogia do estranhamento como “o processo de questionar e contestar os significados contidos nas representações”.

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Laura Salvatore e Paulo Petrella [ artistas educadores | 2015 ] Equipe Sul 2: Ana dos Anjos, Ana Suely, Angelica Avante, Jeferson Cristino, Juliana Leme, Laura Salvatore, Paulo Petrella, Tales Jaloretto. Coordenador de Pesquisa-Ação: Lia Mendelsberg MENU DE RISCO

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MURAR O MEDO | Conferência de Estoril 2011 [ Mia Couto ]

81 AUTOBIOGRAFIA | Livro Vaga e Lumes [ Mia Couto ] nessa(...)Pois,terra que é tanta para tão pouco céu, calhou-me a mim ser ave. Pequenas que são, as minhas asas parecem-me enormes. escondo-asEnvergando,dosolhares vizinhos. Nas minhas versospesamcostaseplumas.(...)

O medo foi um dos meus primeiros mestres. Antes de ganhar confiança em celestiais criaturas, aprendi a temer monstros, fantasmas e demônios. Os anjos, quando chegaram, atuavam como uma espécie de agentes de segurança privada das almas. O medo foi, afinal, o mestre que mais me fez desaprender. Quando deixei a minha casa natal, vislumbravamse mais muros do que estradas. Nessa altura, algo me sugeria o seguinte: que há, neste mundo, mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas. Os fantasmas tiveram o fim de todos os fantasmas: morreram quando morreu o medo. O que era ideologia passou a ser crença. O que era política tornou-se religião. O que era religião passou a ser estratégia de poder. Para fabricar armas, é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos, é imperioso sustentar fantasmas.

Há uma arma de destruição massiva que está sendo usada todos os dias, em todo o mundo, sem que seja preciso o pretexto da guerra. Essa arma chama-se fome. É sintomático que a única construção humana que pode ser vista do espaço seja uma muralha. A Grande Muralha foi erguida para proteger a China, mas provável que mais chineses morreram a construindo do que das guerras e invasões. Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos, mas não há hoje, no mundo um muro, que separe os que têm medo dos que não têm medo. Há quem tenha medo que o medo acabe.

FOTO: Rodrigo Munhoz.

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A atual sociedade e, especificamente a cidade grande, local em que as preocupações com a segurança de seus integrantes é eminente, pauta prioritária na imprensa e plataforma de campanhas eleitorais. Falamos de segurança no trânsito (atropelamentos, colisões), violência urbana (assaltos, sequestros), violência doméstica (agressões físicas, abuso sexual), segurança do trabalho, entre outras. Para lidar com essas questões, são estabelecidas leis e normas de restrição para que situações que ultrapassem esses limites estabelecidos sejam “destacadas” para serem punidas ou corrigidas de modo que as pessoas se sintam seguras. Porém, podemos chamar de efeito colateral que essas restrições nos trazem uma sensação de cerceamento, de falta de liberdade e até mesmo de direito tolhido. Eis a questão: até que ponto essas restrições realmente nos protegem em situações de riscos sérios, nos protegendo até mesmo da morte, ou existe um excesso provocado pelo medo das “possíveis possibilidades” de situações arriscadas?

FOTO: Rodrigo Munhoz.

85 Se vivemos de fato esse paradigma, não é nada diferente num ambiente educacional que lida diretamente com pessoas em formação e sendo preparadas para viver em sociedade. E existe sim uma grande responsabilidade, nesses ambientes, em lidar com um número, muitas vezes, excessivo de crianças confiadas pela família, que espera que estejam seguras e salvas ao voltar para casa. Portanto, além dos muros, paredes, grades, vigias, bedéis, professores, entre outros, existe uma série de normas impostas pelas instituições, leis, ministérios, vigilância sanitária etc., para que o ambiente se torne seguro. Chegamos às palavras de ordem: , tudo para que não haja ocorrências e não nos sintamos responsáveis por prováveis percalços como quedas, cortes e arranhões, o que atrasaria a dinâmica e a rotina estabelecida. Até que, especificamente no CEU Guarapiranga, os Artistas Educadores do PIÁ ouviram frases como: “NÃO DEIXEM AS CRIANÇAS ANDAREM DESCALÇAS NA GRAMA PORQUE “CUIDADO COM O TATAME, PORQUE ESTÁ RASGADO NA PONTA E HOUVE Uma vez que o PIÁ é um programa que propõe outra relação com o espaço, objetos e pessoas, gerou-se aí um estranhamento e um conflito: para nós, as crianças estavam em plena segurança dentro das atividades, mas aos olhos dos outros, não.

Sendo assim, surgiu a necessidade de estudar, compartilhar e debater este tema: O RISCO Com a oportunidade aberta da Semana de Formação do PIÁ decidimos fazer uma oficina com este tema objetivando os itens: Propor momentos de ludicidade e prazer através do brincar de maneira livre e poética;

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| Levar aos participantes objetos para que eles criem suas brincadeiras sem determinação de regras, exceto o momento de início e o momento do fim;

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| Estimular a criação de jogos que levem à subversão de regras;

| Criar situações onde os participantes se sintam podados de alguma maneira em relação aos seus jogos; Compartilhar as referências bibliográficas e cinematográficas usadas na pesquisa dessa oficina; Colocar em pauta a discussão sobre risco inventado e risco real, e a posição dos educadores de acordo com sua disponibilidade perante o seu público e às instituições; Refletir com os participantes sobre o tema.

FOTO: Rodrigo Munhoz.

Para estruturar esta oficina, usamos uma estratégia usada pela equipe S2 (CEUs Gurapiranga, Vila do Sol e Butantã) de troca entre os equipamentos que consiste num “menu”, este menu é desenvolvido em conjunto com as crianças, que elaboram um menu de atividades para que outro equipamento possa escolher e desenvolver, com a seguinte estrutura: atividades de entrada, prato principal e sobremesa.

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TERMO DE RESPONSABILIDADE Eu______________________, RG__________________, CPF____________________ me responsabilizo por todo e qualquer risco que eu possa correr e por qualquer acidente que possa acontecer em decorrência dos riscos os quais porventura eu venha a passar. Me responsabilizo ainda pelas minhas escolhas em correr ou não cada um dos riscos que surgirem durante esta oficina de formação “MENU DE RISCO” do PIÁ – edição 2015/16.

Inicialmente criada para a Semana de Formação do Programa de Iniciação Artística, edição de 2015, a Oficina “Menu de Risco”, ministrada pelos Artistas-Educadores e Coordenadora da equipe Sul 2, teve continuidade no seminário Processos Artísticos, Cidade e Infância(s) no CEU Caminhos do Mar, na Primeira Semana do Brincar na Periferia no sacolão das Artes, no encontro de pais no CEU Guarapiranga e também na Semana de formação, edição 2016, sempre com a mesma estrutura, um menu de degustação com Prato Principal, Entrada e Sobremesa. Mas tudo começava com a assinatura de um Termo de Responsabilidade Ele determinava que cada pessoa fosse responsável pelos riscos que pudesse vir a correr: “ “

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“ “ ... ...

“Arrisque-se num risco!”

Durante a experiência na Semana de Formação do PIÁ, oficina realizada na EMIA – Escola Municipal de Iniciação Artística, todos assinaram o Termo de Responsabilidade sem hesitar. A partir do momento em que todos tinham se responsabilizado por si próprios, a Entrada do Menu de Risco foi servida: UM GIZ, UM TEXTO (Brincadeiras Arriscadas de Cidália Carvalho) e UMA PROVOCAÇÃO

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Recordo o prazer que sentia, em criança, a andar em cima do risco. Não, não é em sentido figurado, andava mesmo em cima de um risco. Com um pau desenhava um risco no chão, colocava-me numa extremidade, abria os braços, procurava o equilíbrio do corpo e, com o olhar em frente, começava a andar em cima do risco. A ideia era não colocar os pés fora do risco: um passo, dois passos, três passos, e o quarto passo, já ao lado, obrigava-me a recomeçar Cresci e deixei de andar em cima do risco ao pé-coxinho e de olhos fechados na beira do passeio e em cima dos muros, mas ficou-me de então esta mania de não virar as costas aos riscos. E como poderia virar se o meu conceito de vida está associado à capacidade de enfrentar desafios e de correr riscos.

Munhoz.RodrigoFOTO:

Mais uma vez, o sino era tocado, chamando os participantes para a sobremesa: pela sala

As pessoas ocuparam diferentes espaços, criando riscos no chão, no banco, na ponte, quintal, entre outros, e se colocaram sobre riscos, em risco. Após aproximadamente 15 minutos de degustação da Entrada, ouviu-se o tocar de um sino, o qual alertava aos participantes que o Prato Principal seria servido, e os convidava a deslocarem-se para outro lugar do Parque.

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O Prato Principal era um Quintal de Aventuras, onde estavam, dispostos pelo espaço, diversos tipos de materiais, como pneus, tecidos, madeira, pregos, ferramentas, bexigas, papéis, cordas, isqueiros etc. Naquele instante, os participantes poderiam se aventurar e usar a criatividade para brincar coletivamente e criar o que desejassem. Uma cabana de madeira com elementos da natureza foi criada e deixada no local. No desenrolar das brincadeiras, os ministrantes da oficina alertavam os participantes sobre os riscos envolvidos nas ações do brincar por meio de placas com frases como: , e outas como “SUBIR NA ÁRVORE – RISCOS: CAIR E QUEBRAR OS OSSOS; E não demorou muito para, na EMIA, por exemplo, (que fica dentro de um parque administrado por outra Secretaria), que os participantes fossem advertidos ou se sentissem vigiados: algumas brincadeiras que envolviam perigos foram exploradas, como o jogo de tacos e a tentativa de criação de um balanço na ponte do parque, o que, rapidamente, foi interrompida pela Segurança do Parque. Além disso, o brincar com o fogo também foi cessado, com a justificativa de que não tínhamos a devida autorização da administração do Parque por escrito.

FOTO: Rodrigo Munhoz.

Do lado de fora: lições de um Jardim da Infância na floresta. Sobre duas mesas, havia trechos de referências teóricas de autores como Mia Couto, Cidália Carvalho, Tim Gill, entre outros.Osparticipantes

estavam dispostos três computadores que mostravam os vídeos The Land, documentário que relata o funcionamento de Adventures Playgrounds, criado na década de 1960 por Lady Allen of Hurtwood (1897-1976), inspirado nos playgrounds do arquiteto Aldo Van Eyck, onde o brincar livre e arriscado é estimulado, existente em diversos países. Também foi exibido o trailer do Documentário

tiveram um tempo para a digestão do Prato Principal. Após este momento de visualização de vídeos, leituras e de alimentar-se de referências, os ministrantes da oficina serviram um papel, um envelope e uma caneta para que cada pessoa, individualmente, registrasse por escrito suas reflexões, questões, e/ou pensamentos. Os envelopes foram misturados e distribuídos entre as pessoas. Aos poucos, cada participante leu a reflexão de outra pessoa ao ponto de se gerar uma discussão coletiva.

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No escopo de buscar uma reflexão crítica e questionadora acerca de atitudes, maneiras, estilos que costumam ser extremamente comuns no cotidiano de pessoas que, de algum modo, tem proximidade com crianças em suas vidas. Sejam na função de pais, irmãos, tios, professores, arte-educadores, entre outros, todos têm um tipo de influência e de responsabilidade na educação destas crianças. Que atitudes, muitas vezes impensadas, são essas? Como e onde se revelam maneiras de lidar com a criança que costumam ser reproduzidas sem a necessária consciência do que se possa criar ou interferindo no desenvolver e na formação desta criança? Com o intuito de buscar compreender, falar sobre, tirar a névoa sobre o tema, criticar, refletir, questionar, fez-se necessária a realização de uma pesquisa sobre a importância do risco no brincar.Em diálogo, os artistas-educadores destacaram onde e como eles identificam a relação dos educadores com suas crianças, a respeito do risco e do medo (considerando que o educador não é apenas a pessoa formada na área da educação, mas é também aquele que, de algum modo, lida com crianças e, por isso, tem influência em sua educação). No iconográfico sobre os benefícios do brincar arriscado do Playground da Inovação (2014), encontram-se argumentos que incentivam um brincar que contenha altura, velocidade, FOTO: Rodrigo Munhoz.

96 ferramentas que possam machucar, elementos perigosos, como fogo e água. Além disso, o iconográfico afirma que as crianças devem experimentar brincadeiras brutas, lutas e brincar em lugares que elas possam se perder ou desaparecer. Para o Playground da Inovação, o excesso de preocupação de pais, professores etc. cerceia o direito da criança de arriscar-se.

O risco no brincar é fundamental para o desenvolvimento de diferentes patamares da formação da criança. Com esta qualidade em seu brincar, ela é estimulada a experimentar as sensações de medo e adrenalina num contexto lúdico, o que a ensina a controlar estas emoções. Além disso, podem-se enumerar infinitas capacidades que são estimuladas e criadas no brincar que envolve riscos. Nele, a criança se torna confiante e segura sobre as suas capacidades; cria uma memória destas experiências na infância para serem aplicadas na idade adulta; cria adolescentes e adultos inovadores, afinal, sem risco, não há inovação; prepara e as protege para os perigos da vida; ajuda a criança a perceber sua evolução motora, cognitiva e Munhoz.RodrigoFOTO:

social; fortalece todo o seu corpo; previne fobias; testa os limites e ensina as consequências de ultrapassá-los; desenvolve a coragem. (Playground da Inovação, 2014).

FOTO: Rodrigo Munhoz.

Bujes (2010) apresenta uma noção de risco vinculada às ideias de poder e governamento, conforme propostas por Michel Foucault. Noção esta que, segundo a autora, está presente tanto nas políticas públicas quanto nas práticas cotidianas, isto é, está associada à ideia de administração social que se relaciona em especial com as iniciativas que tratam da vida das populações: como geri-las, como garantir sua integridade, como torná-las mais produtivas. Ela amplia esta discussão quando informa que as reflexões no domínio pedagógico têm resistido a pensar o campo da infância como atravessado por elações de poder. Para tanto, a autora alerta por certa desconfiança no olhar para o modo como são feitas as políticas públicas para a infância.

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A noção de governamento, criada por Foucault (1993) e desenvolvida por Bujes (2010), está relacionada às formas de exercício do poder para conduzir a conduta dos indivíduos. As ações de governamento não se constituem como um modo próprio de ação das estruturas políticas ou de gestão do Estado, unicamente; referem-se, igualmente, àquelas formas de agir que afetam a maneira como os indivíduos conduzem a si mesmos.

Munhoz.RodrigoFOTO:

A palavra risco, na linguagem cotidiana, é compreendida como perigo, associada à ideia de uma ameaça. No campo da segurança, risco não designa nem um evento, nem um tipo geral de evento que ocorre na realidade, mas “um modo específico de tratamento de certos eventos que têm a possibilidade de ocorrer a um grupo de indivíduos – ou mais exatamente aos valores ou capital possuído ou representado por uma coletividade, isto é, a uma população” (Ewald, 1991, p. 199). Ao afirmar, então, que nada é inerentemente (em si mesmo) um risco, o autor argumenta que riscos não existem na realidade. No entanto, todos os eventos podem suscitar a possibilidade de riscos. Isso sempre depende do modo como o perigo é analisado, o evento considerado (Bujes, 2010).

Talvez fosse bom lembrar que, em relação às crianças, consolida-se também um conceito de infância, como um período com características específicas, que é preciso proteger das vicissitudes do mundo adulto e, ao mesmo tempo, vigiar e cuidar. No século XVIII, se ampliam as formas de confinamento que atingem as crianças, não apenas com o surgimento de novas instituições, mas com o deslocamento de seus propósitos, com vistas à administração da vida infantil (Bujes, 2010). A noção de risco e as práticas dela derivadas estão associadas a um deslocamento da sociedade disciplinar para uma outra, que Foucault denominou de sociedade de segurança.

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Esta nova forma de organização política, social e econômica é orientada por uma racionalidade potencialmente capaz de transformar a vida dos indivíduos e das populações e lança mão de

As ideias apresentadas pela autora permitem pensar que há uma confusão entre o que seria um risco real à criança e o risco que corre determinado educador ao participar de uma possível eventualidade onde uma criança possa se machucar. Incluem neste pensamento os aparatos de disciplina e de segurança que levaram a sociedade (disciplinar) rumo ao autocontrole, onde quase nada pode, não se questiona sobre o porquê não pode e onde tem-se o controle dos fatos, em Enquantodetalhes.adisciplina, como uma mecânica de poder, aprisiona, fixa limites e fronteiras, determina o permitido e o proibido, produz com suas técnicas as aptidões e capacidades necessárias ao mundo do trabalho, vê-se desenvolver já no século XVIII uma preocupação com as populações, com as suas vidas, no sentido de preservá-las. Inicia-se a era do biopoder, de uma biopolítica voltada para a população. Tendo como superfície de aplicação o corpo-espécie, a biopolítica assume intervenções e controles reguladores cujos focos são a fecundidade, a morbidade, a higiene, ou saúde pública, a segurança social. Assim, a vida das populações, como objeto biológico, se torna passível de intervenção política e governamental. A sociedade se caracteriza, a partir de então, como uma sociedade de segurança, que tanto explora os dispositivos disciplinares e de soberania quanto funciona segundo uma lógica estratégica da heterogeneidade.

FOTO: Rodrigo Munhoz.

101 outros instrumentos para exercer o governamento. Os dispositivos de segurança possibilitam, segundo o filósofo, inserir determinado fenômeno dentro de uma série de acontecimentos prováveis. Assim, a segurança constitui um tipo de racionalidade – formalizada pelo cálculo de probabilidades que coloca a intimidade das pessoas numa zona de governamento. Em suma, os mecanismos de segurança operam uma proliferação/fabricação de riscos que são confrontados com uma forma de normalização que parte de uma definição do normal e do anormal, segundo curvas de normalidade (Bujes, 2010). Se o interesse fosse o aprimoramento dos mecanismos de proteção à infância, os riscos a que elas estariam sujeitas poderiam ser localizados em pontos como o nível de escolarização dos pais, sua situação profissional, sua renda, a forma de estruturação familiar, o acesso ao atendimento médico comunitário, a posição relativa da criança na constelação familiar, os hábitos de higiene familiar, as horas em frente à TV, a frequência escolar, e tantos outros (Bujes, 2010). O que não acontece, de fato. Assim sendo, o excessivo cuidado com a criança demonstra que há um processo histórico-cultural que o deu à luz, independentemente, do risco que uma criança corra durante o seu brincar. Munhoz.RodrigoFOTO:

| Separe o que é o medo do próprio adulto do que é de fato perigoso para a criança; | Confie mais nas capacidades da criança e valorize as conquistas desafiadoras. [ Playground da Inovação, 2014 ]

Se os riscos estão vinculados a algum tipo de real perigo ou se eles poderiam causar problemas de responsabilidade para o educador;

| Busque mais informações sobre a importância do risco no desenvolvimento infantil;

102 Desse modo, torna-se fundamental, para cada educador, que observe seus modos de lidar com as crianças quando se encontra em relações que envolvem o risco. A partir desta observação e consciência de si neste relacionar-se, torna-se importante, então, que o educador se questione:

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| Se os riscos apresentados no instante de um possível cerceamento da parte do educador não seriam fundamentais para o desenvolvimento daquela criança, entre outras reflexões que possam surgir;

| Ajude a criar espaços para brincar que ofereçam desafios na medida adequada para diferentes idades; | Estimule, entre os adultos, discussões abertas sobre segurança e risco;

BENTO, Maria Gabriela Castro Portugal Granja. O Perigo da Segurança: Estudo das Percepções de Risco no Brincar de um Grupo de Educadores da Infância. UC/FPCE (Dissert ação de Mestrado), 2012. BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Infância e Risco Educ. Real., Porto Alegre, v 35, n. 3, p. 157 174, set./dez., 2010. CARVALHO, Cidália. Brincadeiras Arriscadas Disponível em: http://milrazoes.blogs.sapo. Cpt/120217.htmlOUTO,Mia. Há quem tenha medo que o medo acabe Disponivel em: http://www papodehomem.com.br/mia-couto-ha-quem-tenha-medo-que-o-medo-acabe/

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . . .

103 Os Artist as-Educadores da equipe Sul 2 se apropriam do tema para que est a reflexão permeie e persist a dentro do universo infantil, onde pais, educadores, irmãos, tios, trabalhadores de ambientes escolares como o Segurança, o Inspetor, a Faxineira, o Gestor, a Assessora Administrativa, e toda e qualquer pessoa que interfira no brincar de crianças, possam refletir sobre o tema e adquirir o mínimo possível de consciência, ao ponto que se possa criar o aprendizado da autocrítica e da autotransformação de atitudes impensadas, reproduzidas sem se ter noção da repercussão de t al ato.

104 GILL, Tim. Sem Medo – Crescer numa sociedade com aversão ao risco. Principia: Cascais, 2010. 1.ed. Playgrounds: Reinventar la Plaza – Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia – 30 de Abril de 2014 – 22 de Septiembre de 2014. Siruela. Filme Documentário: . Disponível em: https://vimeo.com/32463946. Natureza, riscos e brincadeiras numa discussão que dá o que pensar. Disponível discussao-que-da-o-que-pensar/http://www.tempodecreche.com.br/acao-pedagogica/natureza-riscos-e-brincadeiras-numa-em: Brincar arriscado – Playgroud da Inovação, 2014. Disponível em: Filmeinovacao.com.br/beneficios-do-brincar-arriscado-porque-se-arriscar-faz-bem/http://www.playground-Documentário: The Land. Disponível em: http://playfreemovie.com/about/ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

O Grupo de Pesquisa de Culturas Negras nasceu em 2015, organizado por um grupo de artistas, dentro do Programa de Iniciação Artística, da Prefeitura de São Paulo. Surgiu da necessidade que tínhamos de valorização e defesa da arte de matriz africana, da cultura popular dos mestres e também enquanto uma proposta de descolonização de currículos, buscando maneiras e possibilidades de introduzir a questão étnico-racial nos espaços em que atuávamos, em nossas praticas com as crianças e dentro do próprio programa, na forma de ações-refexivas.

A formalidade do nome: “grupo de pesquisa”, surgiria somente em 2016, quando já havíamos discutido amplamente sobre a importância de nos reunirmos em ações conjuntas e direcionadas, mas desde 2015 já nos víamos atravessados por essa demanda.

Das Rotas, Fugas e Caminhos

Considero como um dos disparadores importantes na nossa decisão de unirmos forças dentro do programa, bem como propor mais ações ligadas ao tema nos equipamentos em que atuávamos, deu-se na semana de formação de 2015, ocorrida na Escola Municipal de Iniciação Artística (EMIA), através da vivencia: “Olhar no espelho: a questão de raça no PIÁ”, proposta pelos artistas: Val Lima, Fernando Siviero e Luciana Ponce. A ofcina buscava realizar uma vivência de sensibilização dos educadores para o tema, tendo em vista acontecimentos recentes, como a lei n°10639, de 2003, que tornava obrigatório nas escolas o ensino da História e da Cultura AfroBrasileira, e a lei de cotas, n°12711, de 2012, que garantia a reserva de vagas para alunos de escolas públicas nas universidades federais e nos institutos federais de educação. Essas leis são claramente conquistas que vão de encontro ao mito da democracia racial brasileira, que afrma que em nosso país não há preconceito/discriminação e que, portanto, todos têm as mesmas oportunidades. Sabemos que isso é uma grande falácia, que mascara a questão da desigualdade racial e diante desse contexto, qual é a importância que o educador, e em especial, o artista educador, enquanto sujeito privilegiado para desencadear mudanças de atitude, da ao tema, em suas experiências e principalmente, nos encontros com as crianças?

105 Eduardo Mansu [ artista educador | 2018 ]

A vivencia consistia em uma visita ao acervo permanente do Museu Afro Brasil, mediada pelo núcleo educativo do MAB, buscando lançar luz sobre o percurso do corpo negro, desde sua origem no contexto tradicional do continente africano, passando pela exploração escravocrata, chegando às expressões artísticas afro - brasileiras tradicionais e contemporâneas.

Nesse ano de 2018 retomamos essa empreitada, buscando a parceria de grupos, coletivos, poder publico, e principalmente entre nós, artistas do programa, a fm de fortalecer, difundir e valorizar a cultura afro-brasileira, bem como o papel da mulher negra em nossa sociedade, pensando em ações concretas, tais como: encontros, seminários, explanações históricas, vivências, ofcinas culturais, rodas de conversa, contação de historias e dinâmicas em grupo. 106

Vale ressaltar que o Museu Afro Brasil nesse ano foi um grande parceiro e também um refugio na nossa busca de referencias, vindo inclusive a ser o local escolhido para o nosso encontro geral de famílias, realizado como de praxe, ao fnal de cada ano. No ano de 2017, devido a diversas mudanças no cenário político, que desaguou na reconfguração de programas públicos, como o Vocacional e o PIA, muitos artistas que já vinham desenvolvendo uma linha de pesquisa não foram recontratados e vários grupos de trabalho acabaram sendo extintos dentro do programa. O GT de Culturas Negras estava entre eles.

O ano de 2016 representou, nessa perspectiva de unir forças contra a desigualdade racial, um grande avanço no que concerne ao que conseguimos realizar: ações, encontros de famílias, ofcinas e formações. Um dos marcadores importantes desse ano, por exemplo, foi à ofcina: “O corpo negro da África ao Brasil, na arte e na historia”; proposta das artistas Suelen Ribeiro, Patrícia Arent e Giselda Perê, dentro da Semana de formação.

É fato que o racismo surge junto com a difculdade de a criança negra identifcar-se com a sua própria raça, o que muitas vezes não é percebido pelos artistas educadores, desaguando na invisibilidade dessas crianças, que tem necessidades especifcas de reconhecimento e autoafrmação. Portanto, enquanto mediadores, se faz necessário olhar para as crianças negras, levando em conta não apenas a sua corporeidade, mas também suas vivencias, dos seus familiares, comunidades onde estão inseridas, bem como a historia de seus antepassados. O que nem sempre é uma tarefa fácil, dada à complexidade de relações imbricadas.

Acreditamos que o reconhecimento da cultura negra enquanto um dos pilares constitutivos de nossa sociedade é condição para o fortalecimento da identidade negra. Esse resgate cultural é imprescindível diante da política histórica de genocídio e racismo, que opera, ainda que de modo velado, através do apagamento de tradições e silenciamento dos sujeitos, tanto na sociedade, quanto nas instituições e programas públicos e privados.

A partir do momento em que um programa público, como o PIA, através do GT Culturas Negras e Periféricas, proporciona espaço para encararmos com profundidade o tema: afro-indigena-brasileiro, abrimos oportunidades para erradicar o racismo, institucionalizado na nossa sociedade, afrmando com isso um espaço onde as crianças de periferia possam sonhar e brincar.

Defender e fomentar o ensino da arte negra dentro e fora das escolas, principalmente nas periferias da cidade, produzindo e facilitando o acesso a ela, bem como à arte que se faz nas comunidades, é ir contra o apagamento social, genocida e histórico que vem sendo praticado há séculos nesse país, visto inclusive como algo natural – vide o caso Marielle e tantos outros.

Nesse ano buscamos enquanto eixo temático dar visibilidade à fgura da mulher negra, pois de fato foram elas as que mais sofreram com o apagamento histórico, tendo suas trajetórias mergulhadas em um contínuo processo excludente (quantas heroínas negras são lembradas em nossos livros de historia, por exemplo).

Ser um dos propositores desse grupo de trabalho, ao lado de tanta gente sensível a causa, dentro de um programa público de ensino de arte, tem um gosto mais que especial no momento político atual que vivemos. Não só pela minha trajetória artística e do meu corpo-político-histórico, mas também e principalmente pelos meus ancestrais, familiares, amigos-afetos, alunos, mães, mulheres e tantos outros que cruzaram, cruzam ou virão a cruzar essa minha estrada.

O próprio conceito de “raça negra”, que utilizamos despreocupadamente, conforme aponta Kabenguele Munanga, não trata de uma realidade biológica, mas apenas de um conceito arbitrário, como todos os que se prestam à classifcação – ainda mais se utilizado com interesses particulares, como foi o caso das práticas da “raciologia”, do inicio do século XX, que não apenas dividiu os grupos em raças, mas também as hierarquizou, na lógica do poder e da dominação.

E ainda que se diga o contrário ou se utilize argumentos sobre mudanças na atualidade, uma coisa é certa: a concentração de renda, de qualidade de vida, de bem estar e, portanto, de 107

Essas vozes não são apenas daqui: são da rua, das valas, das margens; vozes de mestrxs, antepassados, esquecidos ou usados por um sistema caduco, que não valoriza e fomenta a tradição oral e seus desdobramentos, mas tão somente o lucro; vozes de gente sofrida: mães, mulheres, mão de obra barata, marginais e migrantes – sempre a atravessar o oceano, como no passado, ao encontro do esquecimento certo.

Aqui buscamos que essas vozes se somem, ganhem corpo e se façam potentes. Feito um pássaro que cruza abismos e em seu voo destemido, entre brisas quentes e ventos de desencontros, carrega sementes para dias mais justos e férteis.

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pleno desenvolvimento de capacidades, a partir de investimento afetivo, fnanceiro e cultural, ainda se encontra melhor distribuído entre os grupos não negros da sociedade. Se analisarmos, por exemplo, a participação efetiva de negros e negras em programas públicos de fomento e ensino de arte, o quadro permanece desanimador, pois não é surpresa que a porcentagem seja muito pequena, ainda mais se comparada ao numero de cidadãos negros autodeclarados nas pesquisas censitárias. Perguntamo- nos o quanto as políticas de inclusão ainda são defcitárias nesse sentido, vendo o montante de artistas negros, com ótimos currículos, mas desempregados e não raro, em condições de vida extremamente precárias.

No outro extremo, quando pensamos no publico que atendemos nas periferias da cidade, o quadro se inverte, pois notamos que a grande maioria de famílias e crianças atendidas são negras. Diante dessa realidade, quais estratégias podem ser utilizadas a fm de diminuir as marcas das políticas de exclusão que atingem todos esses indivíduos? Mecanismos capazes de promoverem afrmação desses sujeitos diante de uma lógica que os marginaliza sistematicamente, ainda que de modo velado. É dessa “encruzilhada” que nasce os nossos esforços, na busca de diminuir a desigualdade de acesso a bens culturais, procurando trazer para o centro das discussões e dos nossos encontros, a arte popular e de matriz africana, bem como artistas, mestrxs, comunidades, intelectuais e suas obras sobre negritude. Acreditamos que valorizar e apoiar ações desse tipo é reconhecer a cultura afro-brasileira em sua potencia e importância na constituição identitária do Brasil.

Para os oprimidos por um sistema caduco, há um momento em que silenciar deixa de ser a melhor opção, ainda mais quando se juntam a nós outras vozes, em coro uníssono, reclamando por direitos, participação e visibilidade.

5 COSMOGÔNICASPERGUNTAS FOTO: Tales Jaloretto

106 Como nascem as perguntas? Quem inventou o ponto de interrogação? Ai, que dúvida! Aqui as crianças perguntam e (às vezes) respondem: Cristiane Santos, Elisa Araújo, Tatiana Eivazian e Thaís Marcolino. [ artistas educadoras | equipe CEU Jardim Paulistano | 2015 ] Programa de Interrogações Artísticas — POR QUE A GENTE MORRE? [ Ana Carolina, 7 anos ] – Porque a gente não consegue viver todo dia. [ Ana Clara, 6 anos ] – Porque tem gente que fuma. [ Cláudio, 5 anos ] – Porque a gente leva um tiro. [ Artur, 5 anos ] – Porque a gente corta algo da gente. [ Alexandre, 6 anos ] – Porque o coração para. [ Leo, 7 anos ] – Porque o sangue seca. [ Nicholas, 7 anos ] ??? ?? 110

107 NASCE?GENTEAQUEPOR— ]anos6Alexandre,[ barrinamaiscabenãoPorque– ga da mãe. [ Letícia, 5 anos ] melhor.humanoserumserPara–]anos6Gustavo,[]anos9Marcele,[ ?? ? FOTO: Lana Sultani 111

— QUEM INVENTOU O CORAÇÃO? [ Ana Carolina, 7 anos ] – Eu! [ Ana Clara, 6 anos ] ??? — POR QUE EXISTE POMBO? [ Ana Clara, 6 anos ] — POR QUE EXISTE MINHOCA? [ Ana Carolina, 7 anos ] – Pra abrir espaço para a semente nascer. [ Cláudio, 5 anos ] — POR QUE ESTÁ TÃO CALOR? [ Leo, 7 anos ] – Porque o sol está perto do planeta. [ Nicholas, 7 anos ] FOTO: Lana Sultani

—DA ONDE VEM O CHEIRO DA FLOR? [ Gustavo, 6 anos ] – Do mel. [ Nicolas, 7 anos ] – Alguém colocou perfume... [ Letícia, 5 anos ] ?? — POR QUE O CÉU É AZUL ? [ Alexandre, 6 anos ] – Porque alguém pintou ele. [ Miguel, 7 anos ] FOTO: Tales Jaloretto FOTO: Lana Sultani

110 —POR QUE O GATO MIA? [ Leo, 7 anos ] – Porque é o jeito dele de falar [ Miguel, 7 anos ] — POR QUE TEM NUVEM ? [ Letícia, 5 anos ] – Porque a fumaça sobe. [ Nicolas, 7 anos ] —POR QUE O SANGUE É AVERMELHADO? [ Marcele, 9 anos ] – Porque tem corante. [ Ana Carolina, 7 anos ] —POR QUE QUANDO MACHUCA DÓI? [ Cláudio, 6 anos ] – Porque nosso sangue é quente. [ Leo, 7 anos ]? ? FOTO: Lana Sultani 114

— POR QUE EXISTE DEUS? [ Marcele, 9 anos ] ? Outras perguntas sem respostas: — POR QUE TEM POUCA ÁRVORE? [ Leo, 7 anos ] — COMO FAZ UM PARQUINHO? [ Alexandre, 6 anos ] —POR QUE A GENTE TÁ AQUI? [ Ana Carolina, 7 anos ] — POR QUE EXISTE PESSOA FEIA? [ Ana Clara, 6 anos ] — POR QUE A GENTE DÁ RISADA? [ Cláudio, 5 anos ] —POR QUE O BICHO-PAPÃO É TÃO MAU E TÃO FEIO? [ Artur, 5 anos ] —BATMAN, POR QUE VOCÊ SÓ SALVA AS OUTRAS PESSOAS E EU NÃO? [ Miguel, 7 anos ] ? 111 115

112 – Você não tem wi-fi na sua casa? Por que você não sai do celular? TURMA DE 8 A 10 ANOS Layane, 10 anos, perguntaria para alguns professores da EMEF: – Por que você não arruma professor melhor? E por que tem funcionário que finge que trabalha? Jhenifer, 10 anos, perguntaria para o diretor da escola: . . . ??? 116

? 113 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . – Porque amanhã eu fui no mercado. – Porque amanhã você vai.... é assim que se fala. Ontem você foi. – Ahhhh… meu Deus do céu! Parece que todo mundo, todo mundo, tem que nascer com o mesmo relógio na cabeça! TEMPO – SERÁS! Diálogo de Nicolas Knak Ribeiro e Júlia Saturnino da Silva, crianças do CFCCT – 2015 . . . ? 117

5 COMPARTILHADASAÇÕES 10 PlácidoCléiaFOTO:

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Ando sozinha pelo centro da cidade. Vou e volto no meu tempo. Atravesso no farol vermelho quando acho que dá, faço o caminho mais longo quando não tenho certeza de onde estou indo.Ocaminho é sempre outro quando não estamos sozinhos. Muda o passo, muda o ritmo, muda o olhar, muda a atenção. Sair da biblioteca Monteiro Lobato e caminhar até a Galeria Olido com as crianças, passar pela Praça da República, atravessar apenas na faixa, esperar ansiosamente pelo farol verde. É no verde que se atravessa. Nessa curta caminhada, as crianças pré-adolescentes faziam muita questão de demonstrarem o que já conheciam do bairro ou dos atalhos manjados pra chegar ao mesmo lugar. MINHA VÓ MORA ALI, MEU PAI TRABALHA AQUI, DÁ PRA IRMOS POR AQUELA RUA. Pertencer: ser próprio de Foi muito bom estarmos juntos fora da caixinha da biblioteca, em geral gelada e silenciosa. Muitas das crianças por ali passam a maior parte do tempo dentro dos prédios e condomínios, muitas vezes sozinhas. Uns não sabiam o que era camelô (ou, pelo menos, não os entendiam sob este nome), outros acharam super subversivo parar pra olhar os DVDs de filme pornô expostos à venda na calçada. Marília Carvalho [ coordenadora pesquisa-ação | 2015 ]

SOBRE ANDANÇA COM CRIANÇA CRIANDO DANÇA 10 Articulações em diferentes instâncias artístico-pedagógicas, que visam proporcionar experiências geradoras de processos artísticos entre crianças, famílias e comunidade. 119

CarvalhoMaríliaFOTO:

Percebi, nesse trajeto, como era de se estranhar, aos olhos dos que passavam, um grupo de crianças andando junto pelo centro da cidade. E, por isso, mais uma vez percebi o quanto falta espaço ou falta acesso para que as crianças possam também ocupar e se apropriar dessa cidade.Acesso, neste sentido, não é apenas portas abertas, não é só direito a acessar espaços e ideias, não é só arquitetura que convida a ficar ou localização geográfica. Acesso não é só poder estar dentro, mas ter também a sua vivência refletida nas escolhas dos modos de ser da cidade. O acesso diz respeito não só às ‘ilhas’, mas a todo mar em volta delas que as impede de ser um continente, o acesso implica principalmente em ver a cidade como organismo dinâmico, feito de escolhas políticas e poéticas passíveis de serem transformadas. E se entender como sujeito dessa transforação.

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Fomos até a Galeria Olido para sermos piá-repórteres do evento Criança criando dança Chegando lá, encontramos diversas salas e muitas crianças dançando pra lá e pra cá. Nosso combinando para o caminho, de estarmos sempre juntos, foi suspenso lá no oitavo andar da Olido. E como dá gosto ver o exercício da autonomia deles para entrar e sair, ficar, parar, olhar, participar do que dá vontade. Tantas escolhas, tantos corpos pra ocupar aquele mesmo lugar. Olhar a cidade do oitavo andar. Na volta, nossos corpos estavam muito mais soltos e à vontade para deslizar por aquelas ruas cinzas e movimentadas do centro. Caminhávamos sem nos perdermos de vista e o combinado agora era: atravessar pisando só na faixa branca. E

girando.DESENHOS:

Maíra Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

Foi assim, “Brin-criando de fazer”, que um monte de pequenos processos se transformaram num grande Cortejo. CORTEJO? É DE CORTAR? É O IRMÃO DO PERCEVEJO? É UMA FESTA? AFINAL O QUE É ISSO MESMO?… Ricardo Mingardi [ artista educador | equipe do CEU Sapopemba | 2015 ] CORTEJO??? IesusDouglasFOTO:

Cortejo: “acompanhamento que se faz a alguém…” isso virou o processo e a ponte que ligou todas as turmas do Piá Sapopemba. Um acompanhamento de tudo aquilo que existe dentro de nós… uma forma de brincar com o que é nosso, uma festa urbana, mistura de resistência e transgressão. Sem saber ao certo onde daria essa ideia, começamos uma viagem à nossa identidade. Qual é a nossa história? O que realmente aconteceu com nossos antepassados? Somos negros? Índios? Europeus? Olha só tudo isso, quanta coisa podemos pensar… mas o que realmente somos? ACHO QUE É TUDO MISTURADO, TIO. Então tá! Vamos fazer isso: misturar!

IesusDouglasFOTO: 123

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Cada passo foi uma nova descoberta, um olhar surpreso, as mãos contagiantes nas baquetas ecoavam a música preta! Bonito… ISSO É MACULELÊ OU FUNK ? É HIPHOP OU PONTO DE UMBANDA ? As linhas não separam, porque “eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente… poder me orgulhar… e ter a consciência…”, alguns rostos mascarados, os guardiões, a Kalunga, um grupo cheio de cores, gingando num caminho que todos conhecem, mas ninguém nunca viu assim, tão alegre e cheio de expressão.

FOTOS: Douglas Iesus 124

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121 A proteção que veio de cima foi o Sol…“Papai me manda um balão com todas as crianças que tem lá no céu”. Nos tornamos um grande balão, do CEU para as ruas. Corpos que caminham para frente, para os lados, em círculo, sem destino, com desejo, Cortejo! FOI ASSIM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . FOTOS: Douglas Iesus 125

Elienay Assumpção, Ágata Cércole, Alexandre Silva [ artistas educadores | equipe do CEU Quinta do Sol | 2015 ] PÉ DE MOLEQUE FOTO: Cléia Plácido

PRÔ, O QUE A GENTE VAI FAZER HOJE? O QUE VOCÊS ACHAM DA GENTE IR VISITAR UMA PRAÇA QUE TEM AQUI ATRÁS DO CEU? AH, AQUELA PRAÇA SUJA? PRAÇA, QUE PRAÇA? PlácidoCléiaFOTO:

A exploração dos cantos e encantos da praça trouxeram a vontade de ressignificar o lugar em espaço de brincadeiras e lazer, pincelando com novas cores, formas e belezas. Correria, combinados, metas, articulação e pincel na mão. O rastelo não tinha, Dona Rosa da casa da esquina emprestou. A tinta era pouca, mas o pai da Camila doou. Braços e mãos criaram um coletivo de processos de ações poético/políticas que fizeram a transformação do espaço. Tais ações despertaram os olhares da subprefeitura da região sobre a praça, iniciando, assim, um processo de reformas e melhorias.

FOTO: Cléia Plácido

Árvores, símbolo da resistência, e suas raízes e folhas tornam-se observatório, base de novos olhares, olhares estes que do alto de cima contemplam o subir e descer, o tempo do E VEMMMMM do cipó e transita entre o brincar e suas ações, criando assim uma dilatação do tempo no canto do sabiá laranjeira com os sabores da amoreira.

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VAAAAAAAI

A praça mudou de cara, já avisava a plaquinha A PARTIR DO DIA 24/10 ESTA PRAÇA VAI MUDAR E mudou! “ “ FOTO: Cléia Plácido

FOTO: Cléia Plácido

127 Depois de ter passado por transições ao longo do tempo, a comunidade notou que a praça já não era como antes, e também que a história só começou nesse dia. O PIÁ plantou uma sementinha, que, se bem regada, poderá florescer em novas ações. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . FOTO: Cléia Plácido 131

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