Aqui estamos com a nossa décima -primeira revista de artes e letras nadiáspora açoriana, produto da Bruma Publications e sobretudo da generosidade dos escritores que tiveram a amabilidade de partilharem os seus textos com os leitores deste projeto. Numa era marcada cada vez mais pelo populismo e a gratificação instantânea, ainda bem que há homens e mulheres que tiram tempo para a reflexão, para a criatividade, para marcarem a diferença. Esta edição da revista Filamentos está repleta dadiferença que se pode fazer através da criatividade literária. Neste espaçobilingue e na nossa plataforma digital, com publicações diárias sobe o mundo das artes ( https://filamentosarteseletras. art/) nos Açores, na Madeira, em Portugal Continental e na Diáspora, tentamos construir, nas nossas duas línguas, um verdadeiro diálogo cultural entre as artes em ambos os lados do atlântico. É cada vez mais urgente que se compreenda o poder das artes na diáspora para perpetuar a presença açoriana, madeirense e portuguesa na construção das identidades multiculturais que acontecem, quotidianamente, na nossa diáspora no mundo norte-americano. Há um esforço enorme da comunidade criativa. É importante que todos os sectores do mundo público e privado trabalhem em conjunto para apoiar esse esforço e construirmos a diáspora que todos queremos e precisamos.
Here we are with our eleventh magazine of arts and letters in the Azorean diaspora, a product of Bruma Publications, and, above all, of the generosity of the writers who have been kind enough to share their texts with the readers of this project. In an age increasingly marked by populism and instant gratification, I'm glad some men and women take the time to reflect, to be creative, and to make a difference. This issue of Filamentos magazine contains an amalgam of writings that indicate vividly the differences that can be made through literary creativity. In this bilingual space and on our digital platform, with daily publications on the world of the arts (https:// filamentosarteseletras.art/) in the Azores, Madeira, mainland Portugal and the Diaspora, we try to build, in our two languages, a real cultural dialog between the arts on both sides of the Atlantic. It is increasingly urgent to understand the power of the arts in the diaspora to perpetuate the Azorean, Madeiran, and Portuguese presence in the construction of the multicultural identities that occur daily in our diaspora in the North American world. There is a massive effort on the part of the creative community. All sectors of the public and private world must work together to support this effort and build the diaspora that we all want and need.
Diniz Borges
Ambiguidade, oculto e absoluto na poesia: a cumplicidade entre Lourenço e Steiner.
Ângela de Almeida
«Chamaram-lhe misteriosa e enigmática E ela não é senão ambígua. »
Eduardo Lourenço
«A poesia visa reintegrar a linguagemr igorosamente transparente, purgá-la de ambiguidade e confusão.»
George Steiner
O olhar do poeta viaja e demora-se nas fendas, na incompletude, na invisibilidade da verdadeira realidade, fixando-se no detalhe e na fundura de um determinado contexto: o acto criador emerge na inevitável dissonância que o confronto com a realidade provoca, ao desenterrar tudo o que está omisso, oculto, incompleto. E o que é o poema, senão a tradução transfigurada do invisível, da mutilação da vida, dos sentidos, mas também da plenitude do vôo na transcendência de cada vocábulo? O poema é uma constelação vocabular que pertence a um tempo próprio, fora do contexto histórico, tornando-o uma morada eternizante, capaz deagregar vozes, lugares, sentimentos , sentidos, circunstâncias que no imenso clarão do poema podem coabitar. É por isso que «A contradição entre o Poeta e a sua cidade é possível, é quase fatal. Mas é na Obra que ela se resolve. »(LOURENÇO ,1994: 27) Para essaresolução, a síntese
agregadora do poema, concorrem a ambiguidade , o oculto e o absoluto, motivadores da cumplicidade do pensamento crítico de dois nomes fundamentais: Eduardo Lourenço (19232020) e George Steiner (1929-2020) que atravessaram a mesma época e nelacimentaram um pensamento crítico indispensável ao entendimento da poesia e do exercício poético. Em obras como Tempo e Poesia (Lourenço, 1974) e A Poesia do Pensamento (Steiner,2011), convivemos com uma cumplicidade científica visível na análise dessa gramática tão própria que é a do texto poético.
Leia-se
«Chamaram-lhe misteriosa e enigmática.
E ela não é senão ambígua. O seu mistério é o mesmo do homem: não pode ser para outro homem um objecto como todos os outros e, sobretudo, não ser jamais para si próprio senão sujeito, vida original através da qual ascendem à existência todas as coisas que contemplamos: mundo, história, valores e os outros homens.» (Lourenço, 1974/1987: 28) e
« O pensamento na poesia, a poética do pensamento, são obras de gramática, da linguagem em movimento .Os seus meios, as imposições que os constrangem, são os do estilo. O indizível, no sentido imediato da a palavra, circunscreve-os a ambos. A poesia visa reintegrar a linguagem rigorosamente transparente, purgá-la de ambiguidade e confusão.» (Steiner, George (2011/2012 : 219-220)
Com efeito, assistimos à mesma defesa da poesia enquanto alteridade que ora mostra ora oculta o caminho iniciático de acesso a essa «reintegração da linguagem», de que nos fala Steiner e que não é mais do que a síntese agregadora, o lugar onde se dissipa a existência simbólica e onde
emerge «o intervalo entre a luz e a sombra (que) permite ver» (Lourenço, 2005: 15) ou visão do absoluto, necessariamente heterodoxo. É por isso que o poeta viaja demoradamente por dentro de cada vocábulo, sentindo a fragilidade e a espessura de cada sílaba, de cada vogal, a solidão dos alfabetos, a solidão imensa de tudo o que vê e de tudo o que sente, como refere Steiner, « A imensidão inquietante do homem, os seus dons intelectuais, artísticos e manuais, só sublinham ainda mais a solidão essencial da nossa existência no interior do Ser». (Steiner,2011/2012: 212) . O poeta precisa dessa solidão para a criação de uma rêverie ou o poema enquanto «lugar da unidade humana reencontrada».(Lourenço, 1974/1987:120).
Referências bibliográficas
LOURENÇO, Eduardo(1994). O Canto do Signo- Existência e Literatura(1957-1993). Lisboa: Presença.
_______________(1974, 1ª ed). Tempo e Poesia. Lisboa: Relógio D´Água(1987). Steiner, George (2011).A Poesia como Pensamento,do Helenismo a Celan. Miguel Serras Pereira, trad. . Lisboa: Relógio D´Água (2012)
EM TORNO DA MOBILIDADE: Provérbios, Expressões Idiomáticas e Frases Consagradas
Maria Beatriz Rocha-Trindade
Ignóbil, inacreditável, inadmissível – alguns adjectivos que descrevem o chinfrim criado ultimamente à volta da imigração em Portugal, país de emigrantes mil, com migração inscrita no próprio ADN da nação! Quem conhece, como ninguém, a realidade migratória da pátria lusa é a Professora Maria Beatriz Rocha-Trindade, investigadora universitária que introduziu o estudo da Migração em Portugal nos anos 80 do século XX. Em 1994, criou o Curso de Sociologia das Migrações, primeiro na Universidade Católica de Lisboa, e depois na Universidade Aberta, também em Lisboa, onde fundou o Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI).
Autora duma vasta bibliografia sobre migração e a mobilidade humana, a Professora Rocha-Trindade brindanos agora com o livro Em Torno da Mobilidade, juntando sociologia à paremiologia, o estudo de provérbios, expressões idiomáticas e frases consagradas, como indica o próprio subtítulo do livro. O resultado é um estudo multifacetado que inclui uma multiplicidade de imagens, ilustrações e quadros, organizados em oito temáticas/ capítulos. Convidando à aplicação dos vários conteúdos no ensino, cada capítulo apresenta, no início, o respectivo Resumo mais Palavras-chaves, e termina com uma
Proposta de Atividade.
Para além de ser dinâmica e inovadora, tal abordagem permite à autora, por exemplo, cruzar a atividade comercial e o chamado mercado da saudade com as festas, homenagens e toponímias, num vai-e-vem constante entre a terra de origem e a terra do destino. Nestas travessias de pessoas e palavras, de passados e presentes, ainda há tempo para considerar preconceitos e estereótipos, expressões como árvore das patacas e captação de poupanças.
Em Torno da Mobilidade leva-nos numa viagem de descoberta em que a Professora
Maria Beatriz Rocha-Trindade partilha connosco as dimensões culturais e linguísticas da migração lusa, do estudo da mobilidade humana a que tem dedicado a sua vida. Obrigada, Professora.
Rosa Maria Neves Simas Ponta Delgada, Maio 2024
MOBILITY: Proverbs, Idiomatic Expressions and Popular Sayings
Maria Beatriz Rocha-Trindade
Intolerable, reprehensible, inadmissible – these are but a few of the adjectives that describe the ruckus that has arisen lately around the topic of immigration to Portugal, a country of thousands of emigrants, a nation that has migration imprinted into its very DNA! Perhaps no one knows this better than Professor
Maria Beatriz Rocha-Trindade, the Portuguese scholar and researcher who pioneered Migration Studies in Portugal in the 1980s. In 1994, she founded the Sociology of Migration Degree, first at the Catholic University of Lisbon, and after at the Open University of Lisbon, where she created the Center for the Study of Migration and Intercultural Relations (CEMRI).
Professor Rocha-Trindade, who has published extensively on Migration, has recently treated readers to a bilingual edition aptly titled About Mobility, a book that joins Sociology and Paremiology, the study of Proverbs, Idiomatic Expressions and Popular Sayings, as the subtitle of the book indicates. The result is a multifaceted study that includes multiple images, illustrations and tables organized into eight topics/chapters. Suggesting that the contents be applied to the classroom, each chapter starts with an Abstract/ Summary plus Keywords and ends with an Activity Proposal for students to try out.
Besides being dynamic and innovative, this approach allows the author, for example, to cross commercial activities and the socalled “saudade” businesses with festive occasions, award ceremonies and place names, in what is a constant over-and-back between homeland and adopted country. In these crossings of people and proverbs, of past and present, there is still time to consider prejudices and stereotypes, expressions and appeals related to savings. Mobility: Proverbs, Idiomatic Expressions and Popular Sayings takes the reader on a voyage of discovery where Professor Maria Beatriz Rocha-Trindade analyzes the linguistic and cultural dimensions of Portuguese immigration, of the study of human mobility to which she has dedicated her prestigious professional life. Thank you, Professor Maria Beatriz
Rosa Maria Neves Simas
Ponta Delgada, May 2024 .
homenagem pedro almeida maia - 39º colóquios da lusofonia
Carta a Pedro de Almeida Maia-Homenagem nos Colóquios da Lusofonia
5 de outubro de 2024, Vila do Porto, Santa Maria – Açores
Helena Barros
QueridoPedro,
Perante uma sala tão nobre, permite-me quebrar todos os cânones – como se eles existissem, ou não fossem momentos como estes especiais para os repensarmos.
Por isso, escrevo-te uma carta que –sendo dirigida a ti e só a ti – só não tem a particularidade de ser aquele pedaço de memória eternizada entre dois sujeitos –o remetente e o destinatário – já que há toda uma plateia a ouvir-nos. Ou será a ler-nos?
Escrever uma carta para alguém é criar um lugar de segurança, num espaço imaginário sobre algo que queremos que fique. É um dos atos mais íntimos que podemos ter com alguém, como um abraço imaginário que nos percorre quando nos chegam palavras de outros para nós.
Neste dia em que me convidaram para te homenagear, não sei se este é o caminho certo, mas foi o que a minha intuição me ditou.
Estas palavras são de Adília Lopes e fazem parte do seu livro Estar em Casa. São o mote do que se seguirá: estar em casa a falar de um autor que trataremos por tu – o Pedro.
O Pedro é daqueles escritores que nos fazem acreditar que o maior trunfo é estar atento ao que nos rodeia. Diria Miguel Esteves Cardoso – às ocorrências.
Ele faz do simples algo introspetivo. Ele faz da amargura algo belo. Ele faz do impensável algo ponderável.
Podia continuar a enumerar estas dualidades. O escritor está cheio de contradições que as aceita e as põe à prova em cada novo livro, em cada personagem que nasce numa história mais ou menos ficcionada face às tais ocorrências.
Pedro, tens-nos ensinado a estar mais presentes. A ter um olhar crítico sobre o que nos rodeia. A querer pertencer a uma comunidade, mesmo quando ela nos parece dizer que não tem espaço para nós. Mas tem. Sabemos disso não só pela perseverança, mas pela coragem que imputes nas personagens de cada uma das histórias, vestida de tantos formatos, que o melhor deles é quando se despe de todos os preconceitos. E consegues fazê-lo em escrita de canções, em contos, crónicas, em histórias infantis, em romances, em argumentos e na poesia!
Consegues criar narrativas que nos envolvem em promessas, e que –simultaneamente – nos levam a desilusões. Ecovando Beckett, falhar, falhar mais vezes para falhar melhor.
Só gosto das pessoas boas quero lá saber que sejam inteligentes artistas sexy sei lá o quê se não são boas pessoas não prestam
Adília Lopes, Estar em Casa
E é nessa falha que nos construímos – ou nos reconstruímos – também enquanto leitores.
Acontece em Ilha América. “Aquele” artigo do Pedro Barros Costa que te levou a uma extraordinária obra sobre a emigração, a hegemonia, a decadência e assim sucessivamente.
Não podia vacilar. A escolha estava feita, a decisão tomada, e o arrependimento, diz o povo, nunca salvou ninguém. A cada espichadela,o pó da borracha transferia-se para as mãos e o resto do corpo, deixando-o da cor da clandestinidade, e ele continua a remexer-se no ínfimo espaço.
O narrador fala-nos do Mané e da sua tentativa de partir para uma nova vida em fuga num trem de aterragem dianteiro (enfiar-se na roda) de um Super Constellation, num retrato muito fiel do que seriam os tempos áureos do Aeroporto Internacional de Santa Maria e a presença dos Americanos nesta ilha-mãe-mundo.
Qual barco e o sonho. Aviões e sonhos muitos construídos a partir do Aeroporto Internacional de Santa Maria. Esta ilha, já mencionada por estes dias, como constantemente esquecida e abandonada, numa nostalgia também presente no livro, mas que também nos faz questionar este apego ao passado, numa exaltação de um novo futuro.
Hoje, Pedro, ficas a saber que iniciei as tuas leituras com esta obra que me fez questionar o desprendimento que tinha sobre uma história que também é minha e dos meus antepassados.
Fizeste-me voltar a querer pertencer a este lugar, a âncorar nele, para o tornar melhor: com ou sem aeroporto. Uma vez mais, são as pessoas que criam as pontes entre elas e os lugares.
De malas feitas, com o Amor de Perdição e o terço, estava também a Rosário, essa Escrava Açoriana, rumo a outro império de promessas, desta vez, o Brasil.
Um livro no feminino que rasga a virgindade de qualquer esperança. A força de um vulcão que emerge para sustentar o corpo de uma alma que não estava perdida.
É mais um pedaço da história tão profunda de emigração deste arquipélago. Estamos sempre a querer partir. O que nos fará fazer ficar?
A vida de um açoriano é a arte do desencontro. Rosário abandonara a ilha que a protegia. Afinal, o mar não era o inimigo. O mar aconchegava-a.
Pode ler-se neste livro feito de frases simples, duras, tão certeiras como uma flecha que acerta sempre no alvo. Sempre “o fim antes de um começo”.
Uma mulher livre, independente e lutadora. Uma mulher de corpo rasgado, vendido, mas de olhos esperançosos. É assim que nos apresentas esta personagem que nos oferece um trago amargo e doce da vida, como ainda hoje é no que toca à emancipação da mulher nas mais diversas áreas da sociedade.
Palavras cheias de mar, esse mesmo mar que nos sai dos olhos que nos diz “recomeça-se todas as vezes que for preciso”.
Pedro, fazes-nos olhar para o futuro no presente. Questioná-lo. Uma ideia também presente na Viagem de Juno.
Agradeço-te por isso.
Mas eu é que me questionei: “onde raio estava a cabeça do Pedro quando decidiu fazer futurologia?”.
Na verdade, “adivinhar o futuro” não é a pretensão, talvez potenciar ações disruptivas para almejar novas utopias.
Em 2050, muita coisa irá seguramente mudar. Obrigada por nos fazeres questionar sobre os avanços e recuos do progresso, sobre até onde é que nos poderá levar a ciência e a tecnologia no cuidado pela humanidade, mas, principalmente, sobre a nossa ação antrópica.
Não é uma visão pessimista do que virá. É uma visão mais consciente e é isso que promove o pensamento e, quero acreditar, o progresso. Olhar para posições geoestratégicas, politicamente, como novas verdades.
Continuamos esta caminhada contigo, Pedro. E, sim, todas as caminhadas chegam ao fim. Mostras-nos essa maior verdade em A Força das Sentenças
O fim está traçado. É o ponto final parágrafo da última página do livro.
Mas antes do fim, baloiçaremos sempre numa cama de rede, como o professor Penedo Quental a ouvir Mozart nos últimos anos de vida.
É uma obra profundamente humana e realista sobre uma doença que nos mata enquanto ainda estamos vivos – o Alzheimer.
e todos os segundos, antes que a memória se nos varre e com ela nós também.
Sou menos homem, sou mais fraco, e a doença mata-me mais depressa. Levemme, levem-me que eu não faço falta! Nem de mim próprio sentirei saudade.
São palavras duras escritas n’A Força das Sentenças: um dos livros que mais me tocou nos últimos tempos (e olha que não são poucas as leituras!).
Talvez por ser como aquele amigo com quem vamos passear para usufruir da sua companhia, um dado adquirido, que nunca saberemos se o iremos repetir no amanhã.
Tanto nos fazes rir à gargalhada com as peripécias que a vida nos pode proporcionar, como nos fazes verter as mais duras lágrimas.
És atento à individualidade do ser e à beleza da sua diversidade. Escreves com humor também sobre temas que só nos fazem rir com a perícia das melhores palavras. És feminista, e este é o maior elogio que se pode dar a um autor nos tempos que correm.
És um escritor que vive. E isso faz-me voltar ao início desta carta e às palavras da Adília sobre as boas pessoas.
É de saúde mental que se trata. Aliás, da saúde mental que continuamos a não tratar, a maltratar, a esconder debaixo do tapete, com vergonha de encarar todas as possíveis vulnerabilidades do ser humano.
A memória não é mais do que aquilo que somos e, com este livro, fizeste-nos querer tê-la e construí-la. Quiseste-nos mostrar que é preciso viver, viver mais, todos dias
Que importa quem é o autor por trás daquilo que escreve?
Talvez não tenha a mínima importância, se não nos deixarmos afetar pelos contextos dos contextos e nos cingirmos ao novo livro que abrimos, apenas e só.
Mas quando se trata de alguém como tu, Pedro, as boas pessoas são também bons escritores e isso, para mim, importa e basta
Não deveríamos ser tudo num só?
Misturar o real e o imaginário. Estar com quem nos lê, reconhecer as suas críticas, agradecer.
É verdade que o escritor não escreve para o leitor. Escreve, primeiro, para si. Só depois os outros, que ajudam a baixar as guardas do ego e o abrem a outras versões de si próprio.
O Pedro Almeida Maia é esse escritor. Leiam-no. É uma prescrição de alguém que acredita que as palavras nos abraçam e que todos precisamos desses braços que são do tamanho da nossa imaginação.
Um dia gostava de ser como tu.
Que esta carta pública seja a primeira de muitas que, a partir de agora, poderão ficar apenas na nossa intimidade de amigos, companheiros de palavras e de tudo o que elas nos dão.
Abraço-te!
Helena Barros
pedro almeida maia
Sobre a nova ficção de Álamo Oliveira
Vamberto Freitas
Não. O Velho Testamento não tinha estes heróis da paixão, dos rituais da missa, das mortes dos moinhos de vento.
Álamo Oliveira, Os Belos Seios da Serpente
É, ou deveria ser entendido, que Álamo Oliveira é um dos nossos supremos poetas, ficcionistas e dramaturgos da literatura de língua portuguesa. Natural e sempre residente na Ilha Terceira, desde Angra do Heroísmo à freguesia da sua naturalidade, Raminho, a sua carreira literária não é só distinta – deu voz, como diria o mexicano Carlos Fuentes, entre outros, a quem voz não tinha, nem nunca teve. Ser um grande escritor português nunca foi fácil, quanto a reconhecimento e a outros ritos literários premiados no chamado centro do nosso país. Só que ele conseguiu, mais do que muitos outros, que também o mereciam, essa notícia comentada da sua obra a nível nacional. Sei que ele não precisa destas minhas observações um tanto inquietas, mas não resisto ao combate pelo valor da arte literária (de outras artes não vem aqui ao acaso) em defesa ou apologia das suas obras. O presente romance deste nosso autor merece muito mais do que eu direi, é uma obra de ficção suprema fundamentada no Velho Testamento, e muito especificamente no Cântico do Cânticos, em que os nossos mais antigos
davam à palavra a beleza dos homens e das mulheres, aos prazeres que Deus, ou os deuses, lhes tinham destinado e pedido.
Se o “demónio” se tornaria a beleza indescritível de uma mulher desobediente no Paraíso, foi ela que obedeceu à ordem superior de ide e multiplicaivos. Para sempre a nossa Humanidade ficou abençoada e condenada, dentro e fora do permitido e da transgressão.
Não há como julgar ninguém. O novo romance de Álamo Oliveira torna-se muito mais do que isso: a continuidade da história humana em nada mudou – só o estilo da modernidade e o modo como.
Os Belos Seios da Serpente vai às suas fontes primárias, para ao longo das suas páginas narrativas virar-se para a nossa atualidade – injustiças, medos, sonhos realizados ou desfeitos, ambições desmedidas pela fantasia de cada um ou uma, tantas vezes irreais noutras terras distantes e prometidas. A História dos Açores é o que é, como outros estudiosos já o disseram, de maneira diferente, o verdadeiro destino do nosso povo é a fuga e eventualmente o reencontro com a terra-mãe deixada. Logo depois da chegada às ilhas começava a partida para todo o lado, as ilhas de faias e nem sequer de início sem ratos ou lugar para ninguém. Só que muitos dos que ficaram a trabalhar as terras húmidas, o mar bravo, a sofrer os tremores de terra, e muito gravemente a fome das terras dos capitães dito donatários ou generais, os estranhos que mandavam em nós sem nunca nos conhecerem. Somos nós os verdadeiros heróis porque cuidaram desse lugarpátrio até hoje. Os Açores são uma terra trágica, que alguns outros chamam hoje de “paraíso”. Deve ser pelo tempo ameno do clima, deve ser pela ausência de tiros de outros países, com algumas exceções. Os Belos Seios da Serpente tem tudo
obre alguns destes passos, e não precisa de mais nada. A nossa ruralidade cercada pelo Mar e pela História, os nossos novos e velhos a cultivar o pouco de terra que tinham. Todo o poder, a necessitar da memória do Velho Testamento: ditem novas regras porque aqui não há Bezerro de Oiro nem Moisés a descer da montanha com ordens do seu Deus. Vulcões, sismos, uns mais destrutivos do que outros, medos e pedidos de misericórdia. Eis as ilhas e a pouca terra que nos coube. O mar foi sempre uma fonte de desgraça e salvação, e depois, uma vez mais, de fuga. A Serpente nunca nos deixou, e os seus “belos seios” foram só para quem pensava que estava no mar são e inocente– e a beber o veneno que o Reino, que sem sequer nos conhecia, oferecia aos desgraçados nas prisões e nos arredores de Alcântara, ou de onde lá atracavam as caravelas da miséria depois da bravura incontestável e dos negócios obscuros na Ásia.
Já notaram, suponho, que não nomeio uma única das poucas personagens neste romance. São da nossa ruralidade, quase todos eles com a sabedoria como com tudo que era rude no nosso dia a dia. Creio que não falho aqui quando digo que o narrador é um alter-ego do autor, esse que nos conhece palmo a palmo, cada casa da sua freguesia e os destinos domésticos ou da saída de muitos outros para além dos nossos horizontes marítimos, em que a América é a um tempo território da nossa regeneração, de riqueza – e de uma saudade ainda e sempre vivida. Álamo Oliveira já muito tem escrito sobre tudo isto, tanto na sua poesia como na sua prosa maior, da qual Já Não Gosto de Chocolates é exemplar, em que a tradição entra em conflito com a modernidade. Os Belos Seios da Serpente nunca esquece as nossas viagens para o outro lado Atlântico. Muito menos esquece que a natureza humana não conhece geografias
ou culturas-outras. Neste romance ficamos entre a poesia pura e a prosa com o mesmo poder da metáfora, da sugestão ambígua, da palavra que nunca nos transmite certezas ou incertezas, leva o leitor a pensar e sobretudo a repensarse. O narrador faz chamamentos a certa literatura ocidental, Dom Quixote a tentar a loucura da derruba dos moinhos imaginários do vento e das suas obsessões de guerreiro e amante. O recurso ao primeiro grande romance do ocidente, ou pelo menos da Península Ibérica, tornase a nossa própria noção das batalhas improváveis de açorianos em busca das suas vitórias, mais imaginárias do que reais, a América a princesa (in)desejável e a fonte do perpétuo desafio a abanar por dentro do vento libertador, do amansar o corpo do eventual desejo de regresso às origens, geração após geração.
“Eliseu dos Anjos [o narrador do romance] sabe que já passou a idade de endoidecer por causa das pernas de outra mulher. Chegou depressa à conclusão de que a viuvez também tem os seus encantos. Não ter obrigações de espécie alguma há compensa. Pensou em D. Quixote a ser perseguido por Dulcineia, a única mulher que o amava sem reservas e que era capaz de se despir para que ele descesse do cavalo e fizesse dela a sua égua. Ao lado, Sancho Pança ria com ruído infantil, pois sabia que D. Quixote preferia lutar contra um moinho do que amar o corpo de Dulcineia”.
Toda a grande literatura se torna, por assim dizer, uma espécie de autobiografia para cada um dos seus leitores? De certa maneira, sim, mas nunca na totalidade.
A grandeza de um texto, como este de Os Belos Seios da Serpente, é precisamente o contrário – vermos o “outro” ou a “outra”. Tomemos conta que desde a antiguidade até hoje nada mudou. Somos iguais, como somos diferentes. Só que o mais íntimo
do nosso ser permanece desde o início da nossa dita civilização. Eis aqui a grande literatura, eis a mentira como verdade, por mais inquietante que nos seja.
Finalmente, obrigado a Mário Duarte em Angra do Heroísmo por esta edição de Os Belos Seios da Serpente, um verdadeiro objeto de arte.
vamberto freitas
Diálogos e reflexões de Onésimo Teotónio Almeida
Victor Rui Dores
Em tempo de literatura light, pejada de infindáveis frivolidades sentimentais com foco no “rumor das saias de Elvira” (Eça de Queiroz), sabe bem ler um livro como Diálogos Lusitanos (Quetzal, 2024), de Onésimo Teotónio Almeida (1).
Ancorado em sólida fundamentação teórica, este autor prossegue, ainda e sempre, a reflexão cultural, num permanente diálogo com o seu tempo. Na referida obra, ele reúne um conjunto de ensaios, através dos quais são convocados autores como Fernando Pessoa, Vergílio Ferreira,José Rodrigues Migueis, Jorge de Sena, José Saramago, Natália Correia, José Enes, Eduardo Lourenço, autores tutelares da cultura portuguesa do século XX que o marcaram e o moldaram.
Para tal, Onésimo faz-se valer daquilo que sempre o definiu como professor, filósofo e autor: curiosidade intelectual, pensamento analítico, lucidez argumentativa, poder dedutivo, imaginação e experiência vivida, sensibilidade e reflexão crítica – sempre com uma pitada de humor a rondar por perto. E neste, como nos seus
anteriores livros, sobretudo De Marx a Darwin (Gradiva, 2009), Despenteando Parágrafos: Polémicas Suaves (Quetzal, 2015) e A Obsessão da Portugalidade (Quetzal, 2017), tudo nos é apresentado através de uma linguagem pragmática e funcional (mais substância e menos ornamento) com minúcia e irrefutável lógica. Ou seja: Onésimo, fugindo a académicas hermenêuticas, pensa claro e escreve claro.
Estes ensaios, escritos (de encomenda) para diversos fins e em diferentes circunstâncias, apresentam uma unidade orgânica que lhes é conferida, antes de mais, pela convergência da dupla perspetiva do autor enquanto estudioso e ensaísta. Relacionando autores (Pessoa e Nietzsche, por exemplo), cruzando opiniões e recorrendo a abundantes citações e notas de rodapé, ele suscita o debate de ideias, não se acomodando a cânones de ordem literária, antes lançando olhares sobre a problemática dos valores (nas suas dimensões ética e estética) relacionados com a obra de cada um dos nomes acima referidos.
Excetuando Fernando Pessoa, Onésimo privou com todos esses autores. Ele viu-os viver e com eles dialogou, contrariamente ao Nemésio de Quase que os vi viver (Bertrand Editora, 1985), obra que reúne uma série de ensaios que o autor de Mau Tempo no Canal deixou prontos para publicação, com estudos críticos sobre Gil Vicente, Bocage, Garrett, Júlio Dinis, Gomes Leal, Cesário Verde, Moniz Barreto, Eugénio de Castro e Júlio Dantas.
Por conseguinte, temos, em Diálogos Lusitanos, um Onésimo em discurso direto, quer escrevendo (em tom de conversa) sobre literatura ou filosofia, quer respondendo a perguntas sobre
lusofonia ou identidade cultural, quer ainda lançando olhares sobre questões ligadas à politica, sobretudo à norteamericana, ele que, fixado nos EUA há meio século, já conheceu 10 presidentes, de Richard Nixon a Joe Biden e que, nos dias que correm, enfrenta muitas dificuldades em entender essa sinistra figura que dá pelo nome de Donald Trump…
São notáveis as reflexões que Onésimo tece sobre o 25 de abril de 1974, e de antologia é o ensaio “Um olhar de relance sobre o humor na literatura portuguesa”, bem como o discurso “Portugal visto dos Açores (em dia dele, de Camões e das Comunidades Portuguesas” – por ele proferido no dia 10 de junho de 2018, a convite do presidente Marcelo Rebelo de Sousa.
Com sugestivo design de capa de Rui Rodrigues e boa respiração gráfica, o livro Diálogos Lusitanos aí fica. Para ser lido com o tal “plaisir du texte” (Roland Barthes) em 382 páginas de reflexão e pensamento crítico.
Horta, 8/10/2024
Victor Rui Dores
(1) Para falar de Onésimo, já gastei, nos últimos 40 anos, todo o meu latim (“homo ludens”, “homo viator”, homo errabundus”), o meu inglês (“story teller”, “globe trotter”, “global traveller”, criador de “catchy phrases”), o meu francês (“jouisseur”, na medida em que ele faz do ato estético um jogo cerebral, e vice-versa). E, na língua de Camões, já esgotei os adjetivos relativos a este açorianocidadão- do-mundo: leitor compulsivo, conversador a todo-o-terreno, interlocutor precioso, viajante lépido e incansável (“embarcadiço” e “voadiço”), fotógrafo devorador de paisagens, multímodo e prolífico,desafiador e memorialista, irónico e evocativo, inteligente e pragmático, divertido e despachado, impressivo e impressionista,
eclético e dialético, witty e acutilante, pantagruélico e… incatalogável.
IRMANDADE DO SÁBADO DO ESPÍRITO SANTO DA SILVEIRA
1723 / 2023 - 300 ANOS DE DEVOÇÃO AO DIVINO
Liduíno Borba
É do conhecimento geral que o culto ao Divino Espírito Santo tem uma longa história nos Açores e na Diáspora. Eis dois textos (prefácio e nota do autor) de um livro publicado para a comemoração da Irmandade da Silveira do Pico, com uma forte ligação à noss Diáspora na Califórnia.
PREFÁCIO
Três séculos são passados sobre a trágica data, em que a destruição, provocada por um temeroso vulcão, se abateu sobre o atrativo e pitoresco lugar da Silveira, sem dúvida, um pânico aterrador e de destruição avassaladora, nos haveres de tanta gente que por ali habitava, pacífica e esforçada. Não nos é possível avaliar com verdadeira exatidão, todo o aparato tenebroso, que semelhante fenómeno da Natureza terá causado, ainda agravado pela falta de conhecimentos sobre os malefícios devastadores dessa terrível catástrofe.
fortemente afetados pela ação devastadora de tal fenómeno funesto.
Naqueles recuados anos e com os parcos conhecimentos sobre os efeitos demolidores, causados pelas labaredas, não é nada difícil admitir a enorme e confrangedora angústia, que se terá apoderado dos malogrados habitantes daquela localidade e seus arredores.
Muitos dos habitantes deverão, por certo, ter recorrido à intervenção divina e, muito naturalmente, ao Divino Espírito Santo, na ânsia angustiante de rogar pela proteção divina. E, sem qualquer dúvida, esse sentimento de tormentosa preocupação aterradora, terá levado muitos daqueles habitantes sofredores, a implorarem a proteção divina particularmente à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade.
Esse devastador e trágico evento, levou a que muito boa gente, movida pela tremenda e angustiante catástrofe recorresse em sentida agonia, ao Divino Espírito Santo na esperança de que Deus lhes pudesse valer.
Contudo, as marcas profundas deixadas à vista de quem por ali passa, apesar de tantos anos se terem passado, permitemnos antever o terror experimentado e arrepiante pelos residentes, que terão sido
Este sentido apego é merecedor do nosso mais profundo respeito e sincera admiração, pois por experiência bem penosa, vivida por ocasião do vulcão dos Capelinhos, sabermos avaliar, ainda que com outro esclarecido conhecimento, como terão sido vividos e sofridos, tantos dias e tantas noites, um permanente sobressalto, sem que na expectativa dolorosa de poder vir a acontecer o pior para aquelas gentes. Por todas estas terríveis e penosas circunstâncias, parecenos mais que respeitável esta crença e forte apego ao Divino Espírito Santo, pois são três séculos sobre as penosas vivências aflitivamente pelos nossos antepassados, tanto deles, verdadeiramente pessoas veneráveis.
Nos dias de hoje, os atuais habitantes continuam a prestar solene cumprimento ao voto ancestral de ação de graças.Por tudo quanto aqui fica registado, é de louvar e de aplaudir que neste tempo que corre, se prepare com assinalado rigor, a celebração antiga, com a tradicional procissão dos açafates com os vistosos pães de massa, uma Filarmónica a acompanhar o cortejo, com seus acordes especiais, após a celebração festiva da Eucaristia votiva, solene, ou solenizada e, ainda, com a cerimónia sempre comovente da Coroação.
Na verdade, todo este profuso e sentido movimento celebrativo de reviver dos trezentos anos da tragédia abatida sobre a qual a população laboriosa, fica-se a dever ao dinâmico e ilustre filho desta terra, o distinguido comendador Manuel Eduardo Vieira que, com a sua dedicada e preciosa colaboradora Esposa, aqui estão ambos, com simpatia e dedicação, a promoverem, empenhadamente este momento histórico evocativo em louvor do Divino Espírito Santo.
José Augosto Silva Azevedo Silveira, maio de 2023.
NOTA DO AUTOR
A comemoração dos 300 anos da Irmandade do Sábado do Espírito Santo da Silveira (1723-2023), no concelho das Lajes, ilha do Pico, Açores, começou a ser falada, pelo menos que eu tenha conhecimento, no ano de 2016, em conversas com o amigo Manuel Eduardo Vieira.Na minha deslocação à ilha Montanha, em 2019, participei num almoço/reunião em casa de outro amigo, Tomás Orlando Cardoso, no dia 3 de julho, com a presença de várias pessoas, entre elas o maestro António Bettencourt. Nessa reunião foram abordados alguns dos pormenores que envolvem a festa, que
com o forte apoio de Manuel Eduardo, ficaria gravada nos Anais da Silveira, como um grande evento de sucesso: organização e preparação; programa de ação; recolha de informações, fotografias, letras e músicas; dados sobre a preparação das sopas do Espírito Santo e da cozedura do diversos pães; colaboração com o pároco local; publicação de um livro, após os festejos; faixa impressa alusiva à comemoração.
A organização e preparação da Festa obrigam a um conhecimento aprofundado dos pormenores envolventes. A inexistência de açafates adequados ao transporte do pão, no dia da Festa, obrigou a que fossem importados vimes da ilha da Madeira, via Lisboa, para que fossem confecionados na ilha do Pico, com a agravante de só terem chegado metade dos necessários, já com prazo muito curto. Foi necessário traçar um programa de ação, para saber onde começar e acabar. Quanto à recolha de fotografias uma parte já tinha sido feita para o livro Silveira –Sintra Picoense. O livro dos 300 anos da Irmandade será publicado após os festejos, como forma de incluí-los.
Nos festejos foi incluído um grande «cortejo, denominado o ESPÍRITO SANTO DE ONTEM E DE HOJE, seguindo a ideia do mais famoso e grande cortejo etnográfico de que há memória nesta nossa terra a “Silveira de ontem e Silveira de hoje”, realizado no ano da graça de 2003.»1, com organização de Manuel Eduardo Vieira.Para além da Direção e corpos sociais da Irmandade terem colaborado incansavelmente em toda a organização do evento, foi a Dupla da Silveira – Manuel Eduardo e Tomás Orlando – que despendeu grande parte do seu tempo, para que tudo fosse organizado ao pormenor.
Manuel Eduardo, a viver em Atwater, na Califórnia, deslocou-se para a sua ilha de berço, em princípios de 2023, e ali permaneceu até à conclusão dos trabalhos. Foram muitos os momentos de grande emoção por ele vividos.Durante os festejos estarei na Silveira, na companhia do amigo Edgardo Vieira, eu para a cobertura escrita dos festejos e ele para a cobertura fotográfica.Uma palavra final de agradecimento à Alexandra Grilo que mais uma vez se esmerou no seu trabalho de design, contribuindo assim para uma obra bem-apresentada, e também ao Edgardo que “ornamentou” a obra com a sua objetiva profissional.
Que esta obra seja mais um contributo para os Anais desta idílica Silveira –Sintra Picoense.Boa leitura…
Maio de 2023
Liduíno Borba
liduiino borda
jose augusto silva
Mediterranean
By Angela de Almeida
was the last sea the full extent of the eyes breaking the skin of the world
the full circumstance of the journey tearing the solitude of the verse
all the commotion of thirst at the banquet of the birds humming the astonishment of the exodus
we are left with human misery on the deck of the night drinking the blood of a shipwrecked
and the confession of another biography to be born in the sky of the poem liquid house in the immense flash of the name
primordial sea
Translated by Diniz Borges
In A Janela da Matisse
angela de almeida
NO CORAÇÃO DO ARQUIPÉLAGO
Virgilio Vieira
A montanha altiva reserva-se à surpresa
Ora é figura de proa que ao longe fulgura
Ora se mostra ora se esconde em sua beleza
Ora mistério que só o tempo lhe conhece
Ai de quem convencido lhe fique encantado
E a vendo em triunfo julgue que a esquece
Em frente S. Jorge e o Faial
Mais além a Graciosa e a Terceira
Portas abertas ao azul para lá do canal
No sonho cabe a América inteira
Aqui o ritmo do coração é açoriano
Não sei como será o paraíso
- E não me falta a curiosidade -
Mas se lá houver esta vastidão de mar
A música sussurrada do silêncio
Os garajaus animando as fajãs em frente
A gente feita de saudade
Então de pouco mais eu preciso
Santo António, São Roque do Pico, 17-VIII-2023
Do Novo Livro de Virgílio Vieira O Perfume das Paisagens que sairá em breve nos Açores.
virgilio vieira
Luís de Camões: poetry and truth
Maria do Céu Fraga
The attempt to design or anticipate the future has undeniably taken hold in our daily lives and, along with the cult of the contemporary, produces a restlessness that leads to a more or less passive or voluntary devaluation of the past. Nevertheless, at the center of our literature - when we talk about creation, criticism, and literary history - we naturally continue to find Luís de Camões and dialogue with his work. And in this year that marks the 500th anniversary of the poet’s birth, we need to reflect: where does this imperative for Camões to be present in our society come from? What does his work represent in today’s culture? What is it worth, and what purpose does it serve? Today’s culture? What is it worth, and what purpose does it serve?
Few books and rare writers resist the usury of time. Many achieve notoriety in their time and are read, praised, and discussed because they correspond circumstantially to the demands of their time and society, but after a few years or decades, they age on the shelves, and only those who read them remember them. Others, not even that. Both Os Lusíadas, published in 1572, and the Rimas, posthumously collected and published in 1595, have endured, imposed their author’s name,
and retained the power to interest and move us with each reading. They are works of a very different nature. Still, in both, we recognize ourselves, individually and collectively, in the pride of sharing a language made noble by poetic work, in the epic spirit that runs through national history, in the constant questioning of man’s place in the universe, in the multiplicity of sentimental shifts that coexist in each of us, despite contradicting each other, and make us recognize human glory and misery.
Interest in the work also naturally leads to curiosity about the poet, his life, and his place in the historical and social world. Hence, in part, the interest that has been reborn today in the testimonial value of the prose letters attributed to him, as well as in the details of a biography in which, since the 16th century itself, it was felt that there were aspects to be forgotten.
Camões lived at a time when poets “went all out,” as Sá de Miranda used to say, who, around 1526, introduced us to the forms of Renaissance poetry and, with them, the possibility of literarily adopting the humanly representative ideals of his time. Sá de Miranda is from the generation before Camões, and it was he who first composed sonnets and songs in Portuguese, for example, moving from a short verse of 7 syllables, typical of peninsular poetry (it persists today in popular poetry) to a long verse, in which ten syllables allow for greater discursiveness.
At the end of the 15th century and throughout the 16th century, in Portugal as in the rest of Europe, letters were entrusted with reordering the world, rationally constructing society and man. To the writer, the humanists pointed out the power of the word, demanding that culture be made responsible for personal and civic improvement. By the first half of the 16th century, letters had gained
a vigor primarily fueled by the Crown’s policy, namely by the actions of King Manuel and then King João III. They accompanied changes in political and social life. The formation of new ideal standards for the courtier did not forget the role of arms but included love, human dignity, and letters.
Until the beginning of the 16th century, the Portuguese had seen poetry above all as a form of entertainment and conviviality - the brilliance of the evenings at the Portuguese royal court at the end of the 15th century and beginning of the 16th is reflected in the troves of the Cancioneiro Geral, published in 1516. Now, in his characteristic plain and expressive language, Sá de Miranda guaranteed that there were no subjects off-limits to poets; what’s more, it was up to them to enlighten political leaders.
Without losing its function of sublimated communication and social, courtly play, literature would also become responsible for revealing a new world, artistically imagined and perfected; alongside scientific discovery, society would make room for knowledge and reflection on man himself, his place in the universe, the individuality of each person.
“Poets go all out” - and Camões went all out. Total and passionate at every turn, there are no themes or attitudes that he considers to be outside his sphere of reflection, even if they might seem inconvenient to some critics.
When we read Camões and try to create an image of him, we become aware that it is part of the human condition that the unity of the personality, individual or collective, is not achieved by sacrificing what “jumps out” of the rationality required of those who literarily construct a fictional character. Epic and elegiac sentiment, dramatic tone, and tragic despair do not exclude the delicate love or lyrical bucolicism with which they coexist and
often intersect. Whether he is happy or sad, angry or accepting the uncertainties and contradictions he feels and knows are part of himself and our condition, Camões affirms his own dignity in each poem. And with that, by reading Camões, we rediscover the world and are free to imagine it.
in Diário da Lagoa, Azores
Translated by Diniz Borges
Professor Maria do Céu Fraga is a Professor at the University of the Azores and a specialist in Luís de Camões.