Ruinosas Ruminâncias, de Philippe Wollney

ruinosas ruminâncias

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Governo do Estado de Pernambuco Governador do Estado Paulo Henrique Saraiva Câmara Vice-Governador Raul Jean Louis Henry Júnior Secretário da Casa Civil Antônio Carlos dos Santos Figueira

Secretaria de Cultura Secretário Marcelino Granja

Chefe de Gabinete Secretária Executiva Gerente Geral de Articulação Social Gerente de Formação e Capacitação Gerente de Planejamento Gerente de Administração e Finanças Gerente de Políticas Culturais Coordenador de Literatura Assessores de Comunicação

Socorro Lacerda Silvana Meireles Severino Pessoa Aurélio Molina Fernanda Lais Matos Manoel Araújo Teresa Amaral Wellington de Melo Tiago Montenegro e Michelle de Assunção

Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – Fundarpe Presidente

Chefe de Gabinete

Vice-Presidente

Superintendente de Planejamento e Gestão

Gerente de Administração e Finanças

Gerente de Produção

Superintendente de Gestão do Funcultura Gerente Geral de Preservação do Patrimônio Cultural

Gerente de Preservação Cultural

Gerente de Equipamentos Culturais

Márcia Souto Marcela Torres Antonieta Trindade Henrique Lira Sandra Simone dos Santos Bruno Diego Santos Gustavo Antonio Duarte de Araújo Márcia Chamixaes Célia Campos André Brasileiro

Companhia Editora de Pernambuco

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Presidente Ricardo Leitão Diretor de Produção e Edição Ricardo Melo Diretor Administrativo e Financeiro Bráulio Mendonça Meneses

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philippe wollney

ruinosas ruminâncias 4º prêmio pernambuco de literatura Poesia

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© 2017 Carlos Gomes Companhia Editora de Pernambuco

Direitos reservados à Companhia Editora de Pernambuco – Cepe Rua Coelho Leite, 530 – Santo Amaro CEP 50100-140 – Recife – PE Fone: 81 3183.2700

G633e

Gomes, Carlos Êxodo / Carlos Gomes. – Recife : Cepe, 2016.

71p.

3º Prêmio Pernambuco de Literatura – Poesia.

1. Poesia brasileira – Pernambuco. I. Título CDU 869.0(81)-1 CDD B869.1

PeR – BPE 16-113 ISBN: 978-85-7858-371-2

Impresso no Brasil 2017 Foi feito o depósito legal

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“ruínas: ruído e lembrança. em meio ao desap arecimento, são guardiãs do imperecível. são vestígios do invisível” olgária matos

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4º Prêmio Pernambuco de Literatura

Esta obra foi a grande vencedora do IV Prêmio Pernambuco de Literatura, cujo objetivo é fomentar a produção literária no Estado através de uma política editorial de democratização do acesso ao livro, ao mesmo tempo que se apresenta como uma estratégia para promover a distribuição e circulação da literatura contemporânea pernambucana.

Promovido desde 2012 pelo Governo do Estado de Pernambuco através da Secretaria de Cultura, Fundarpe e Cepe Editora, o Prêmio Pernambuco de Literatura prevê a participação dos autores vencedores em atividades de difusão, fruição e formação desenvolvidas pela Secretaria, o que incentiva a formação, qualificação e ampliação da base de leitores das obras publicadas.

Foram 164 inscrições, provenientes de todas as macrorregiões do Estado, o que confirma a importância do prêmio, que atende a uma demanda da sociedade civil, explicitada através de escutas nos Fóruns e Conferências de Cultura, fortalecendo a política de cogestão do Governo do Estado de Pernambuco e seu compromisso no estímulo à leitura e à literatura.

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Sumário

I................................................................................................................11 II...............................................................................................................45 III..............................................................................................................69

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I

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“tristezas são belezas apagadas pelo sof rimento” jorge mautner

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a nossa ruí na

“o amado de hathor, a dona de tu rquesa”

: nas ruínas de uruk não há nenhuma menção sobre nós : não há nossas iniciais gravadas em cunhas nas paredes do templo à inana og ç : : não escreveram nossa história nas plaquetas de nippur : não nos sepultamos no fosso da morte da antiga cidade de ur : não existimos nos hieróglifos do templo de karnak : mas os amantes de serabit já gravavam em rocha : e todas as nossas cartas de amor nos levam à fenícia : porque antes dela : há deuses com cornos de carneiro : n ç : os que parem o caos : os que personificam o amor e a guerra no mesmo corpo na mesma pedra : no mesmo sol : e nas suas placas de argila contavam mulheres e ovelhas :

cevada e vacas : facas : cabeças : espadas – não falam de casais : j : talvez estejamos mergulhados na areia da cidade de tell brak : o nosso eco nos palácios escavados dos anasazis : escrevendo os petróglifos de utah : o nosso mito astro-erótico na pedra do ingá : : escavando o nosso desenho de mostro-casal feito em nazca – ainda desconhecido – assim como era desconhecida a pirâmide submersa em okinawa : assim como é desconhecido os significados dos hieróglifos de harappa : os rongorongos da ilha de páscoa – que podem conter referências a nós : n ch h : 15

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não tenha dúvida que o amor escreve em pedra : arranca topos de montanhas : ergue toneladas de rochas sem nenhum sentido : e continua fazendo o que sabe de melhor : – enterrar civilizados

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ruína ii:

“mas o amor car (o,a) colega este não c onsola nunca de núncaras” carlos drumm ond de andrade

abandonamos os olhos cansados

entre os lençóis amassados na cama :

enfadados dos títulos dourados nas estantes,

porque de tempos em tempos

o tédio : a literatura e o pó

andam juntas :

abandonamos os olhos cansados entre os lençóis amassados na cama

a fuligem fatigou versos inteiros

safra após safra nunca saímos i les os

não há palavras apenas fatos :

e as coisas queimam por si mesmas :

abandonamo s os olhos cansados entre os lençóis amassados na cama 17

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arriscamos ler as linhas da mão e a cada c e n t í m e t r o de epiderme traduzimos as ruínas entre os seios do tempo :

abandonamos os olhos

cansados entre os lençóis amassados na cama trazemos tinta dos impressos nos corpos

no exercício

do mundo

de empilhar palavras

podemos observar o silêncio e a queda

no espaço entre cada linha :

b nç

do

c

s c ma

–

:

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abandonamos os olhos cansados entre os lençóis amassados na cama

vincamos à unha as vontades

jogando o ifá encaro novas rotas

lambo a cicatriz de quem recebe

costura na carne

porém é quando acaba o poema

que percebemos :

– ou se vira a página ou se fecha o livro

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ruín a iii

“sem saber que o d estino diz verdades ao menti r” ângela rô rô

quando eu disse eu te amo haviam se passado anos em que se estouravam cravos e se cravavam unhas roída s em meus cabelos secos :

quando

eu disse eu te amo

o caderno com os nossos

poemas

sorria com tártaro em suas orelhas e flores de café de nossas leituras :

quando eu diss e u

t amo

os discos haviam perdidos suas capas

as canções eram chamadas pelo primeiro verso porque todas elas nos pertenciam :

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quando e u disse e u te amo o bojo do violão no canto da sala

já havia servido de bandeja

para bebidas e petiscos assento para crianças e o pó do vícios

e acompanhou todas as minhas fal has :

quando eu disse

eu te am resolvemos mudar todos os quadros da sala

plantamos alecrim e quentro na pia a geladeira foi interditada para

servir às arrudas e pinhões-roxos :

quando eu di se eu te amo tocava geraldo az evedo – e ele é foda e seu bicho de sete cab ças

e seu bi ho de sete cabeças

e seu bicho de sete ca beças

s a

e eu bich de s ete cab ças

e seu bi ho de sete cabeças

seu bicho de sete cabeças penteava nossos lábios e revirava

as tábuas de marés das estações 21

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quando u disse eu te amo

criaturas dos mares frios de meu peito fizeram vanguarda em nosso desespero tomaram absinto e se habituaram

a sentimentos

profundos :

quando eu diss eu te amo havíamos nos tornado angústia e espera

como os quadros do chirico e escondemos embaixo

do lençol vermelho

a antologia de poemas do brecht :

quando eu disse eu te amo os

anfíbios saíram a passeio e por mais que quiséssemos os nossos tênis 22

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eles não

secaram atrás

da geladeira – nos tornamos pés frios :

uando eu

disse eu te amo

nossas palavras precisavam de fiador e de seguro contra perdas e dano s os fatos necessitavam de testemunhas e perdoar era como receber um cheque sem fundo :

qua do

eu disse eu te amo

a barra havia ficado pesada

nas caixas não cabiam todos os livros

e por mais que precisássemos dos móveis e eletrodomésticos

comemos pão frio lendo manoel de barros :

quando

eu disse eu te amo mais crianças velavam seus pais

mais pais velavam seus filhos e se retomou o hábito de se fazer

presos políticos : 23

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quando eu

disse

e

te amo

já não adiantava chorar

pelo leite derramado

ou pelo o aumento dos aluguéis e seguimos pelos arrecifes da vida :

quando eu disse eu te amo

tenha dito tarde demais com um amor demais para um eu em menos :

quando eu diss u te amo :

eu

di sse

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ruína iv

“como lixo que se que ima eu te amei c omo pude” walter franco

: porque difíceis são os nossos olhos quando se houve nina simone : porque amargo é o nosso suspiro fumando tanto silêncio : porque quase insuportável está o prato frio sobre as costelas :

porque insuportável é a cama de aquário onde se afogam lamentos : porque detestável torna-se essa luz guia de televisor iluminando o corredor : po r qu b

: porque cínico é o momento de dividir as contas e a promessa de dívida futur : porque mentiroso se faz o dia : a tarde e a noite, e constatamos que somos uma piada

: porque ciumento é o colchão que sempre grita por corpos naufragados : porque desonesto foi o poema que não se ouviu e se dedilhou a música de um outro casal : em : e7 : am 25

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: em11+ : am/g : f#m7 : b7 : b7/11 : b7 : em : porque imaturo é o presente e estável é o fruto caído e mofado sobre a grama : porque frio é o barulho das chaves que trancam a porta pelo lado de fora :

porque a esperança que nos unge é sofrer com balas de borracha : porque o que nos sobra é uma senha de fila de banco e um lugar sobrando na fila do outrem

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ruína v

“o amor nunca apre ndeu a ler nas linha s da mão” maria do rosário pedr eira

o

que aconteceu conosco

que neste inverno o que nos tira o frio

são as fagulhas de

nosso inferno:

o que aconteceu conosco

o sarcasmo dos nossos olhares traduzido

em tragédia zodiacal :

o que aconteceu conosco a manhã sorridente de papel celofane desanuviada

sobrando apenas

os dentes caninos :

o que acon eceu conosco

abraços carregados

afagos nas cáries

e um delicado carinho de barbárie : 27

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o qu aconteceu

conosco

brotoejas de amêndoas no pescoço trançando colares de dedos e dentes de crianças :

o que aconteceu

onosco

tórax é uma caixa de muambas

coração do paraguai um futuro made in china :

que aconteceu cono co o reduto do vinho o umbigo

parada obrigatória

da língua

na chaga no ventre :

o qu

conteceu conosco assovios de encantar serpente

a pele morta do dia aparente :

o que aconteceu cono s co

o que se abria em lábios

o sobejo de uma carne

que não se digere :

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o qe

aconteceu conosco

pés tilintando

em um salão vago

e uma sinfonia de calos

e vida encravada :

o

aco teceu

conosco

que de morno os nossos nomes o mofo e a fome de pastores

tangendo o rebanho :

o que aconteceu conosco

o que aconteceu com nós

com

os

n ós

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ruína vi

“o amor fez-me far inha e pó e só / o amo r deixou-me a pé e doente de mim” marcus accioly

e nos perdemos e nossos olhos

nunca mais foram os mesmos

a paisagem em chama

da zona da morte

inaugurou as lágrimas : e nos perdemos

e nossos olhos nunca

mais foram os mesmos

nesses antigos engenhos de açúcar

– tudo é passagem : e nos perdemos e n ossos olhos nunca mais foram os mesmos

o lodo nas mãos – e o lixo do aterro

sentimental : e nos perdemos e nossos olhos nunca mais foram os mesmos ilhas que colidiram – os nervos tr êmu los como árvores sem raízes : 30

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e nos perdemos e nossos olhos nunca mais foram os mesmos

não se encontrariam – desertaram do rosto e velaram o futuro : e nos perdemos e nos sos olhos nu nca mais foram os mesmos macacos de prédios – a cultura do asfalto e todo o seu zoológico :

e nos per demos e nossos olhos nunca mais oram os mesmos as roupas rasgadas – unhas na face e foices na voz :

e nos erdemos e nossos olhos nunca mais foram os mesmos

a alergia da derrota – pústulas de cervejas

na selva de nós :

e nos perdemos e nossos olhos nunca mais foram os mesmos seguindo na contramão – por um tempo só foi o que se podia :

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e nos perdemos e n olhos nunca mais foram

os mesmos

o deserto nas pálpebras

– oásis em outros quintais

atrás dos muros :

e nos perdemos e nossos olh os nunca mais foram os mesmos nos confins do apego

ainda gritávamos

– o próprio germe da derme : e nos perdemos e nossos olhos nunca mais foram os mesmos

o agasalho do

inverno serviu para

cultivar brotoejas

no verão

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ruína vii

“o amor tá quase mudo minha vo z também” serg io sampaio

na noite em que anunciamos a nossa morte a saliva pavio-curto incendiou morada e abismo :

na noite em que anunciamos a nossa morte o mormaço e o álcool definhavam os olhos esgotados :

na noite em que anun iamos a nossa morte mãos e pés enterraram o passado e o f turo :

na noite em que anunciamos a nossa morte a nª sª do abutre e seu zé da ruína assinaram o contrato : 33

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na noite em que anunciamos a nossa morte

era encenada a dança

dos ossos no balé dos genocídios :

na noite em que anunciamos a nossa mor o oráculo de belzebu recitava os sonetos de camões :

e na dec om p os i ç ão dos sonhos os corpos suspiravam porém as covas permaneciam a bertas

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ruína viii

“desculpa a paz que eu t roubei e o caminho esperado que não dei” jards maca lé

e nos des pedimos

em uma encruzilhada assim ainda restavam duas direções distintas para ambos :

e nos desped imos

e mais uma vez (esta : agora : sem talvez) nossas costas observavam a silhueta dos corpos

desaparecerem : e nos despedimo s e nas estradas mal sinalizadas os amantes surgiam pedindo carona – fui na contramão : e nos desp edimos

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e os pés não se importaram que estavam descalços e com uma conta bancária em contagem regressiva : e nos d espedimos

um ficou com os livros e o violão o outro com os discos e os pinceis e divi dimos justamente todo o restante : que há nada servia : e no s desped imos

e colocamos colírios em nossos corações e retiramos as remelas do amanhã : nos desp edimos durante muito tempo bebemos de líquidos que não solucionavam os olhos marejados : e n os despedimos e cada um carrega consigo um cheiro de comida uma amargo na língua

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e brasas nos ouvidos : e nos despedimos e nos despimos e nus : nĂŁo nos reconhecemos

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ruina ix

“e nossos salva-vidas do am r não nos salvam e sufocamos e submergimos” lawren ce ferlinghetti

e

a

distância que agora nos habita

perfuma os vizinhos as feridas que assolam o tempo e o corpo :

e

a

distância que agora nos habita

exala os odores do sentimento anúncio da condição de morto :

e

a

distância que agora nos habita

faz as câimbras da vontade ir-se, e recomeço mesmo a passos coxos :

e

a

distância que agora nos habit

é como uma casa a receber visita de mesa posta e paradouro : 38

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e

a

dist cia que agora nos habita

empunha-se duas carrancas a olharem

pra si – catástrofes do desaforo :

e

a

distância que gora nos habita

pós-fácil do tédio : do trauma e da trama em que se trouxe os trotes e transtornos :

e

distância ue agora nos habita

ecoa garras de tigre urge saliva de timbú

sujo o soberano sobejo do desconforto :

e

a

distância que agora

s habita

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a zona da conquista que imobiliza

onde a bordo veleja o aborto :

e

a

istância que agor

nos habita

espaço cultivável de arruda e pinhão-roxo

seguir

a

vida

– fora da condição de estorvo 40

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ruína x

“um dia temos que escolher entre a d or que padecemos e a que tentamos i nventar” al berto da cunha m elo

desde que v o c ê

v i r o u

n u v e m

as urtigas crescem no baldio da saudade com seus dejetos desesperos esp al ha dos brilhando como plástico-metálico às promessas incandescentes :

desde que v o c ê

v i r o u

n u v e m

trago tártaro nos livros e suas páginas arame-ouriço contém tuas anotações infectas como iluminuras em carne viva em minha idade das perdas :

desde que v o c ê

v i r o u

n u v e m

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ainda guardo a toalha que ficou manchada de bolor em seu reduto naftalina na espera de teus líquidos – mas o caos impera sem as baratas :

desde que v o c ê

v i r o u

n u v e m

as cartas estão em seu claustro e tua boca de dentes amarelos recita poemas na solitária de meus ouvidos – tua voz são rubéolas falando de um antigo livro tailandês :

desde que v o c ê

v i r o u

n u v e m

aguardo no palato o tempo nublado : uma chuva de verão adocicada que se eu der sorte – monção

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ruína xi

“se pusesses tua língua como fl echa rubra aí onde bate meu coração empoeirado” pab lo neruda

e pensar nas planilhas projetos

e que não há painel de controle para o coração : pensar nos cadernos fichamentos preparação de monografias e na monocromia de meus poemas : e pensar nos furtos propinas e assédios dos beijos sobre o colchão na sala :

e pensar nos cactos e lírios e no sofá do quarto coberto

pétalas de acácia : e pensar na vila de usina em ruína onde seus cabelos acenaram para o meu desejo : 43

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e pensar que sobre teu ventre sagrado violado cicatrizado adormeceu um contraventor de tempo : e pensar nos banhos sob placas de ataque de condrictes o mar o sol o amor e a morte se unam : e pensar nessa vontade de despacho e de uma vida renovada

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II

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“a um jovem bastam um gabinete, um jardim, a mesa e a cama, a manhã e a tarde, assim, todas as horas e lugares lhe servirão” montaigne

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aos nossos vestígios

“as coisas todas que já tive, tenho e sei, um dia terei” gonzaguinha

:: dois caminhos em paralelo sempre se encontrarão no infinito dos desejos : talvez nas ruínas de uruk : onde havia um mural para inana : deusa do amor e da guerra de onde no embrião das escrituras surgiu o esforço de traduzir o teu nome : soterrado : pois as cidades morrem e deixam seus ossos a serem lambidos pela areia ::

:: dois caminhos em paralelo sempre se encontrarão no infinito dos desejos : quem sabe se em hermópolis : no pó dos hieróglifos entre as representações de thoth : com cabeça de íbis – bico de lua ou com cabeça de cinocéfalo – o sábio : escreveu as primeiras palavras no coração apaixonado nos desertos do sol ::

:: dois caminhos em paralelo sempre se encontrarão no infinito dos desejos : será que nas pirâmides de teotihuacan : com quetzalcóatl – a serpente plumada : iluminada por vênus onde seu vento telúrico inscreve nos murais dos mortos : um pictograma – tal qual – meu nome emaranhado ao teu ::

:: dois caminhos em paralelo sempre se encontrarão no infinito dos desejos : nos dentes de huang long : que respira o 49

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dia e a noite : e o seu silêncio : como o quinto elemento em seu voo no abismo das nuvens : trazendo os elementos da escrita no sussurro dos ventos em teu ouvido ::

:: dois caminhos em paralelo sempre se encontrarão no infinito dos desejos : na curva do espaço onde a luz tropeça na esquina dos teus olhos : e eu já cansado entre tantos mitos e escritas : signos e significados : que já não dão respostas apenas me deixam sem palavras por ironia do destino ::

:: dois caminhos em no infinito dos desejos ::

paralelo hão de se encontrar

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vestígio ii

“derramando sua semente nos lábios de yin” allen ginsberg

quando a língua cravar no arrepio de tua nuca e o descontrole de minha ânsia sussurrar em teu libido : quando tuas unhas de acerola contarem todas as palavras caídas nos lençóis de meu peito : quando as orquídeas de tua boca se pousarem nos galhos de meus desejos : quando na cama de mármore brotar cogumelos na cabeceira e untar os versos do neruda : 51

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quando as taças secam e os corpos transbordam de lira e licor : quando no telhado de outrora receber os cardumes de lírios de meu coração : quando a tarde tecer sua colcha de mariscos no lamento da orla de minha face : quando o silêncio e a distância forem nota de rodapé do poema descalço de nosso dia :

quando

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vestígio iii

“me leia enquanto estou quente” lygia fagundes telles

o suor de nossos corpos irritou as feridas emersas e foi como sol e sal nos olhos mas já era noite perpétua e na madrugada fizemos degredo : o suor de nossos corpos desobstruiu chacras : neblinou o espelho fez monção na espera que deixou a pele fresca e fértil quando as águas recuaram : o suor de nosso s corpos se conteve nos poros até a noite irrigou pelos e cactos sublimou cicatrizes e ânsias e tatuou sussurros nas paredes : o suor de nossos corpos

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assentou as palavras e o pó da casa lavou o dorso e adormeceu os ombros embebeu as mãos sedentas de seiva e orvalhou as veredas dos ouvidos : o suor de nossos corpos se fez com olfato e afeto e na caminhada triste do dia uma estranha dança se fez pouso nos corações já fartos da cidade-cicuta

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vestígio iv

“desfruta do meu corpo como se meu corpo fosse a sua casa” chico buarque

as anêmonas de tua boca penetram em meu corpo tenro tal qual uma língua madura caída entre os lençóis com seu hálito de manga banhando a jugular : as anêmonas de tua boca penetram em meu corpo tenro húmus sobre os talheres do desejo numa cama de porcelana todas as sementes em sua potência de vida : as anêmonas de tua boca penetram em meu corpo tenro a constelação do escaravelho e a constatação no escafandro – afogados no delírio da delicada pele rosada: as anêmonas de tua boca penetram em meu corpo tenro espasmos rotos nas papilas da madrugada o sal da noite nas tripas das velas : as anêmonas de tua boca penetram em meu corpo tenro desenterram do miocárdio os tesouros moribundos uma anca leitosa e seus pelos de seda dourados : as anêmonas de tua boca penetram em meu corpo tenro e a matilha dos meus dentes rosnam pelas carnes e ossos e uma flor azul que contemplo de meu aquário :

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as anêmonas de tua boca penetram em meu corpo tenro e não me importa as celuloses as celulites os sanatórios é tempo dos leitos úmidos

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vestígio v

“a coisa mais fina do mundo é o sentimento” adelia prado

o dia encharcado de desejos na frialdade que afasta as brotoejas mas aninha percevejos onde eros depositou um colar de artérias a pulsar na disritmia de coltrane em litúrgica síncope de louco de tesão : a porta arrebentada pelo vento ou que arrebata por uma torrente de ar desnudo e liberto – mas não há cachecol que me proteja da frieza de teus beijos : usei todos os panos de chão lençóis toalhas de mesa e banho roupas e panos de pratos mas foi impossível absorver teu mar pluviométrico 57

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de um ser/tão ressacado língua de rocha e sede de coração maduro que cai no quintal do bandido : alagado inundado dilúvio de mim olhos guardados num aquário açude no lençol as correntezas do rio como ponteiros do tempo com as a~n~g~ú~s~t~i~a~s de uma língua sedimentada no lodo d’um lago passageiro de águas rasas que quando seca fica a mostra uma nova paragem

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vestígio vi

“meu corpo sabe melhor do nosso abismo noturno amiga” ednardo

:: perdi a conta dos sinais salpicados em tua pele fincados como hélio incendiando o tecido do avesso da noite esguichando suas sementes de chumbo no epitélio do cosmos com suas constelações que se devoram em enigmas : :: o meu coração indigesto guarda o cheiro de dois corpos esfolados na voracidade sensual dos interstícios a saliva é um vício que só em derrame se contenta uma canção : uma canção por um poema que traduza os urros dos vegetais – foder me parece ter haver com flor : :: cactos em teu quintal e os espinhos de meu abraço as flores agrestes nascem assim 59

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entre os postes e os alumínios entre os colchões do quarto e da sala né por nada não : não é por nada não : mas acho que as nossas peles têm algo de tricô : :: um livro de poesia abandonado sobre os lençóis molhados e sua capa vermelha diz muito disso tudo eu não falo outros idiomas e nem tão pouco a tua língua as minhas papilas gustativas e as dos desgostos se escondem em meu peito – em mim a anatomia também ficou louca – porém o coração bate manso – e espera

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vestígio vii

“átomos, elétrons, quarks e o vazio é o que compõem o meu amor” luiz duarte

o que dizem os meus olhos quando o eclipse nas retinas encoberta as velas e os vales os rios e os rastros de mim : o que dizem os meus olhos quando as monções alargam os pântanos e os palácios de ossos erguidos sob a derme em chama : o que dizem os meus olhos quando o calor cala o sono seca as cacimbas e as cismas e o suor é o suco cítrico do sol : o que dizem os meus olhos quando se salgam os invernos apneia no mar-morto porque para amar necessita-se de fôlego :

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o que dizem os meus olhos quando me pego embalsamado lembrando dos versos de ovídio recitado marotamente aos ouvidos : o que dizem os meus olhos quando os pelos dançam com a vinda dos ventos esses vândalos que vicejam vestidos : o que dizem os meus olhos quando a fuligem e fumaça dos incensos e os incêndios devastam toda a saliva e a saudade : o que dizem os meus olhos quando tua língua umedece os muros erodidos de uma antiga cidade : eu carrego no peito o tempo arruinado

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“deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. porque os corpos se entendem, mas as almas não” manoel bandeira

é que eu fiquei esperando você invadir o meu quarto no hotel enquanto a janela transmitia o desmaio das nuvens enquanto os cactos bocejavam de preguiça enquanto minhas mãos percorriam o zíper da calça : é que eu fiquei esperando você invadir o meu quarto no hotel enquanto o chuveiro soluçava encharcado e frio enquanto a pia se engasgava com pasta dental e cabelos enquanto eu ouvia outras portas abrirem fecharem e gemerem : é que eu fiquei esperando você invadir o meu quarto no hotel enquanto baixava o disco do racionais mc’s enquanto era eu quem esbarrava nos muros do desejo enquanto contava os calos que se aglomeravam nos dedos : é que eu fiquei esperando você invadir o meu quarto no hotel enquanto ainda sentia o gosto da cachaça enquanto sabia que na manhã seguinte era degredo enquanto ruminavam palavras tímidas na praça : 63

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é que eu fiquei esperando você invadir o meu quarto no hotel enquanto as cidades iam caindo uma-a-uma enquanto os quilômetros nos aproximavam e eu me distanciava enquanto os olhos faziam denúncias e os corpos confissões

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“vejo muitas outras coisas que não ouso compreender...” carlos drummond de andrade em uma noite pedalamos juntos à procura de bebidas ainda não havíamos nos beijado : apenas os olhos se devoravam e as estrelas caíram todas em nossos copos : em uma noite pedalamos juntos à procura de bebidas e teu cheiro me acompanhou pelos becos e largos era novembro e a fuligem nos tingiu para outras estradas : em uma noite pedalamos juntos à procura de bebidas era apenas uma desculpa para se ouvir entre os caninos o sufoco das palavras – definitivamente : eu te quero : em uma noite pedalamos juntos à procura de bebidas talvez fosse realmente necessário diluir os calos na garganta os nódulos do coração : e que para amar é necessário estômago e fígado : em uma noite pedalamos juntos à procura de bebidas o nosso riso amarelo se tornaria ruína : tal qual um muro grego onde retornaríamos a lê-lo : apenas como lição 65

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vestígio x

“o teu corpo é uma casa devagar construída roçando como a asa da casa a asa da vida” jaci bezerra

foram quinze dias até te entregar esse poema e durante esse tempo meus livros se fizeram eclipse e só pude ler os quasares que luziam endiabrados na estante : foram quinze dias até te entregar esse poema e com o violão encostado no peito tentei compor algo no ritmo das diástoles porém meu coração cantava alto demais : foram quinze dias até te entregar esse poema visitei praias e açudes catei do chão flores de acácias e flamboyant e o sexo tem o néctar das belezas decrépitas : foram quinze dias até te entregar esse poema a lua bamboleava na noite com seu jeito ébrio e eu vagando na minha bicicleta sobre o ócio lembrando de seus braços enlaçados na minha cintura 66

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foram quinze dias até te entregar esse poema quinze noites também e quinze tarde de conhaque tentei ler augusto dos anjos mas não pude : meu bem: eu não pude

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vestígio xi

“só tenho inveja da longevidade e dos orgasmos múltiplos” caetano veloso

não se engane eu quero uma vida louca como se fosse possível amar todas as coisas do mais antigo ao moderno do igual ao diferente animal minério gente não se engane eu quero é minha boca em sua boca o contato direto do afeto do verso que repara o toque que inflama eu quero encurtar distâncias não se engane vou abordar o coração a queima-roupa fazendo do céu de sua boca morada – tornar-se sarça sagrada que comunica segredos – a vida como o único desejo 68

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III

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“ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro” belchior

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ruir é o melhor remédio

“eu sofro de juventude essa coisa maldita” tom zé

: puta que pariu aconteceu de novo : não deveria encontrar estada ou moradia na travessia pelo inferno : era pra ser como os eremitas que adentram na floresta e desaparecem por anos : e quando retornam : brilham e sua saliva sacia a sede das multidões : ou como os peregrinos dos desertos : enfrentando as dunas e o tédio : num sol que queima clavículas e omoplatas : ou como os monges tibetanos que escalam montanhas e meditam no topo do mundo : comendo flores com espinhos : e o pior disso tudo : são esses textos que invadem a minha rotina e sacolejam meu acento : esses textos que tomaram todo o meu café : esses textos que me foderam assim como as tropas de choque fodem os manifestantes em todo o país : um texto arma branca em meu corpo não blindado

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ruir é o melhor remédio ii

“tente apagar este teu novo engano” luiz melodia

três grandes amores pousaram em meu peito – foram-se todos : quando chegam se parecem com veneno : e quando vão é ocaso em destroços numa sala de amianto eles deixaram pinos enferrujados nos ossos e todos tiveram os seus momentos de tapioca com café comer pasteis sob o ipê roxo procurar coentro fresco nos dias de almodóvar e muito mais que escrever : receber poemas : certos outros : não os menosprezo mas me vêm com um certo gosto de cerveja ao acordar – e apesar de todos os suores nas noites de lua – esses não me feriram os ossos 74

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ruir é o melhor remédio iii

“a saudade é como um cão sem coleira” juliano holanda

quando percebeu que nunca mais se viriam quando tomou pra si que nunca iriam se ver : coou um café forte – como a violência das lembranças pôs a mesa para dois e ao som do coltrane fez tapiocas com recheio de queijo coalho – achavam que tapioca e café combinam com o free jazz – e comeu ambas porque ainda tinha fome de dois : apenas o café na xícara no lado oposto da mesa esfriou : esse sempre era mais amargo 75

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ruir é o melhor remédio iv

“o filho predileto de xangô” jorge mautner

descubro ainda a tempo a violência de teus olhos a veemência de tua voz não que tenhas revirado minhas entranhas ou embebido minha boca com teus úmidos segredos mas a brisa do toque numa manhã de lençóis quentes foi capaz de trazer à tona um jeito secreto que eu quase esquecera dormido no abismo do peito

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“posso te amar os intestinos, menina, os precipícios, as feridas e as facas” biagio pecorelli

sinapse após sinapse o meu desejo cavalga entre vazios : e assim do abismo dos corpos os líquidos se bebem : é como alguém que sobrevive do orvalho nas manhãs do deserto ou o mel do cálice das papoulas-vermelhas : sabe-se que na natureza rios alimentam outros rios e nos pântanos a vida goza que a chuva em certos casos molha a pele e a fere e dos corpos – o abismo também se bebe 77

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ruir é o melhor remédio vi

“nos teus olhos cinza talvez, eu vejo o tempo passar” valfrido santiago e josé torres

a saudade nos meus olhos é do brilho desolado dos teus e polvilha o meu coração com o carbureto que lavra os interstícios onde cochila a paixão fera : retalha a todo momento com as unhas cravadas a serenidade : como quem cava a terra úmida a suor e dedos o leito a ser posto a semente de um deus criança de um eu-criança que brinca com as folhas secas imitando o voo de arraias em um céu molhado : me amparo nos arquipélagos das nuvens onde faço pouso em cada praia de chuva na busca de um banho profundo que leve na enxurrada dos minutos o nome que mancha o meu texto como icterícias : esse ato falho de escrevinhaduras os desdéns da memória e o desprezo do azedume dos dentes : as chicotadas do tempo criando aftas em minhas pupilas deixando calvas as minhas retinas e aleijadas as pálpebras que agora não dormem apenas silenciam em leitos de breu a saudade nos teus olhos é do brilho desolado dos meus : 78

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“seres trêmulos e cálidos submersos em cálices de dopamina” liedja marques

tua voz tropeça em meu pensamento como um punhal que morde a carne da lembrança deixando sequelas em meu pulso inflamável : e minha escrita que de ansiosa : gagueja e manca e me marca : como um beijo no rosto de quem que se despede o cheiro que se exala de dois corpos que se pedem imãs que de iguais se aceitam mas se repelem rios que desaguam e na violência os leitos alargam os desmoronamentos que entendem a chegada da hora abstêmios que acordam trêmulos pela falta como o último talho de uma faca antes de ir pra amola o derradeiro brio que o sol no dia larga uma vontade dentro dos olhos que permanece acesa o sopro que acalenta as feridas e apaga as velas como uma casa que desaba mas permanece suspensa uma voz que tenta da garganta a fuga e se perde tensa essa revolta que me devora por ser poesia – apenas 79

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“procurei aquela coisa pra te dar e não achei” itamar assumpção

trago no rosto o limo das palavras a ferrugem dos afetos nos dentes âmbar e cafeína numa rima em colapso hálito em febre há hiato nos encontros sonego desculpas e procrastino pontos finais sem entender jamais o que sempre perco quando permaneço com o olhar alado no derramado silêncio

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“eu posso te acompanhar no meio da devastação” aline de andrade

assim como as árvores tombam as bibliotecas caem espalhando papéis murchos pintados tuas aquarelas vertigem de vergéis falseando as querelas dos muros da cidade-xerox achei a cartela do bingo que vai sortear poemas e no rádio toca a música que o cantor nunca teve a coragem de lançar em vida caem teus cabelos em meu copo de cerveja essa noite de falsos esquadros – desejos tortos teu rosto nas páginas do livro nas paredes do limbo; – o meu coração é como um jambo maduro que acabou de cair teus pelos que ocupam o verso eclipsando junto com estrelas e estradas rotas apagadas dos mapas – o meu beco sentimental sem saída da fome da foice da faca – teu nome 81

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naquela noite eu me calei quando li a tua mão naufragava botões e lençóis; e eu covarde ou prudente saí por aí trajando a minha camisa sempre amassada vasculhando coxas abissais olhares abismais procurando uma nova cidade perdida

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“e não tem mais razão pra suportar tanto” beto guedes e ronaldo bastos

quando eu voltar à tua casa na villa onde as crias amam o sol não precisas de logo abrir a porta sente se meu cheiro invade as tuas fendas espera um pouco e aguarda eu cantarolar aquela tua canção preferida do milton nascimento e se o silêncio for maior que o calor de tua respiração – não te incomodes vou passar por debaixo da porta o papel chinês que carrego com meus últimos poemas apregoarei em tua janela uma grinalda de flores de acácias deixarei uma carranca do são francisco para afugentar esses vultos de páginas 83

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– e tudo isso não durará mais do que três minutos e irei embora encontrar o tempo suspenso no fim da tarde na cidade onde as flores sempre rompem o asfalto

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“chaga e peste fez o coração assim sertão” fred caju

vivo em um não lugar já não caibo mais em meu peito : há fissuras chega mais perto e você ouve o pinga-pinga do coração : parece goteira na bacia não é samba de morro não : é telhado vazando no toró ando encharcado mas no zodíaco sou de água mesmo não sabendo o que isso realmente signifique : quando sol tem um pontinho de luz que se desloca com as horas cria o mapa de minhas leituras que a essa altura 85

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tudo que tenho são livros de bolso seus títulos que se acumulam na cozinha entre o sal e o açúcar e entre um copo de café e outro esse coração doente foge

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“os poetas como os cegos podem ver na escuridão” chico buarque

nos olhos cansados os desmaios dos lírios chá de nós : cidades inteiras erguidas na derme das cajazeiras : levar baculejo da polícia : embrenhar-se no triste brio da cana – a monocultura e suas varejeiras : naus nos abismos de massapê : o urro da caldeira : uma espuma de fumaça a ira das nuvens um grito a basílio machado – o arrombador de celas abdução por espíritos não identificados que trazem no carma o ódio aos coronéis fazer desse canavial uma grande chama bater tanto bombo – ilú baixar tanto exu – malungo beber tanta cachaça – navalha 87

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quando assentar a poeira da gira iniciar-se a hora do pomar e fazer brotar no coração displicente os amores perdidos no peito

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nota de falecimento

“me xinga me deixa me cega” toninho horta e ronaldo bastos

:: me tornei um canceriano doente que se enforca em seus próprios versos : meu sexo só cheirava a álcool : a sudorese das paredes saciava minha sede nos dias nublados : domestiquei os demônios : os fiz encoleirados : onde passaram a vigiar o meu quintal de gesso : comecei a recortar das revistas as promoções de viagens que nunca faria : me desfiz do violão que sempre repousava sobre uma pilha atestados médicos para uma vida a dois : resolvi voltar a contar as estrelas no céu de minha boca : e na magreza do tédio se criavam os corvos que serviam o jantar : e foi por isso que na sexta casa do sexto dia da idade anunciada – não aconteceu o previsível – não aconteceu o predestinado – e a sétima casa apareceu para lembrar todo um quarteirão de horóscopo vazio : as rugas foram deixando seus estados de potência e se tornaram uma torrente de semanas mal cuidadas e dentes não escovados : trago a tatuagem do rei lagarto no pescoço : e foi por isso que sonhei com shiva sambando com seu trishula sobre a cama de casal – amaldiçoando as mãos frouxas e os porta-retratos vazios : me tornei um espectro tão distante que meu rosto se assemelhou aos fantasmas do futuro : escavei a minha derme e enterrei lá no tutano o silêncio – e por uma geração inteira só se houve genes recessivos :

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:: muito foi preciso para diluir o nome que há semanas não me deixava dormir : e pouco me importa o massacre de pinheirinho, as revoltas árabes, o corte do décimo terceiro ou aumento das passagens – a minha dor não se importa com mais ninguém e me faz destroçar minha solidariedade : e vão tomar no cu todos os diplomatas : rebeldes : anarquistas : militares : sogra : tias : companheiros de fraqueza : eu só quero explodir e jogar minhas vísceras magras naquele outdoor com propaganda de plano de saúde : eu me perdoou por não conseguir arrancar das tripas o anel que iria te dar : errei quando quis misturar sexo e trabalho e levar para minha cama o ódio da rotina : onde a relação se sustentava em pau duro e buceta molhada : ofícios e cartas de anuência de projetos de vida falidos onde falsificávamos a assinatura de casal feliz : e reconheço a minha aptidão para burocrata que resolve tudo em notas de reclamações : poemas de protesto : escrituras de cagão que treme-na-base : e agora à sete-palmos de texto sou defunto e coveiro : comendo pela raiz as flores de aniversário de noivado : jogo a primeira e última pá de sal em nosso canteiro : esmago todos os gastrópodes do quintal : e só assim fraco fodido falido que consegui diluir o teu nome que há muito não me deixava dormir

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juro que é o último sopro sobre os nós

“as paredes do meu tempo são fatais” júlio holanda

juro que é o último sopro sobre os nós porque um dia as coisas acabam e por sorte recomeçamos juro que é o último sopro sobre os nós porque a cada dois dias : homens morrem no deserto de catar pela copa de 2022 juro que é o último sopro sobre os nós porque há um grupo chamado boko haram que já assassinou mais de duas mil pessoas na nigéria juro que é o último sopro sobre os nós porque depois de tentar assassinar malala yousafzaï o ttp massacrou 100 crianças em peshawar juro que é o último sopro sobre os nós porque quero escrever sobre o mundo antes que venha o ebola e me sucumba 91

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juro que é o último sopro sobre os nós porque há veneno sobre a mesa e declarei guerra contra o agronegócio juro que é o último sopro sobre os nós porque uma mulher morre por semana vítima de violência doméstica neste país juro que é o último sopro sobre os nós porque na construção da hidrelétrica de belo monte há exploração sexual de menores indígenas juro que é o último sopro sobre os nós porque ainda neste país possuímos duzentos mil camponeses sem ter terra para cultivar juro que é o último sopro sobre os nós porque sabemos que a polícia militar matou o pedreiro amarildo – e seu corpo ainda não apareceu juro que é o último sopro sobre os nós porque lá fora tem um monte de gente pedindo a volta dos milicos ao poder juro que é o último sopro sobre os nós

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porque lá fora tem um monte de gente : com cartazes : pedindo a volta dos milicos – você entende? juro que é o último sopro sobre os nós porque desde junho de 2013 há jovens encarcerados por receberem gás lacrimogênio na cara juro que é o último sopro sobre os nós porque desde 2013 se voltou a prática de se fazer presos políticos juro que é o último sopro sobre os nós porque os preços das passagens subiram e pedras devem elevar-se sobre as cabeças juro que é o último sopro sobre os nós porque novamente tentaram violar um templo de matriz africana – o mito da democracia dócil juro que é o último sopro sobre os nós porque ainda ontem morreu mais um jovem assassinado com requintes de sadismo : por ser gay juro que é o último sopro sobre os nós porque a “carne mais barata no mercado é a carne negra” – como grita a minha diva 93

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juro que é o último sopro sobre os nós porque o meu coração é o mundo porque o meu coração é um mundo

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Superintendência de Produção Editorial Luiz Arrais Superintendência de Produção Gráfica Júlio Gonçalves Projeto gráfico e capa Foto da capa Produção editorial Produção gráfica Diagramação Revisão Copidesque

Luiz Arrais Creative Commons Marco Polo Guimarães Joselma Firmino de Souza Stéfane Quezado Jussara Salazar Wellington de Melo

Este livro foi composto em Fairfield LT Std, corpo 12/16, o papel utilizado para o miolo é o Pólen Soft 80g/m2 e para a capa é o Cartão Supremo 250g/m2.

Companhia Editora de Pernambuco – Abril de 2017

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