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LITTERA - Conto "MOLETOM CINZA" de Vera Lúcia Figueiredo

MOLETOM CINZA

Acordei num sábado muito frio, sem ter o que fazer. Meus pais não queriam sair de casa, na televisão tudo já estava muito enjoado, nem dava para jogar futebol. Olhei pela janela do quarto, via lá embaixo poucas pessoas andando bem encolhidinhas na rua.

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Então, de repente, vi bem claramente o meu primo, Marcelo, me acenando de longe. Pedia para que eu fosse até onde ele estava. Não entendi porque não veio ele até minha casa, num frio daqueles. Há muito tempo não via Marcelo. Crescemos juntos, ele foi como um irmão para mim. Não conseguia lembrar bem porque Marcelo tinha sumido.

Saí de casa, sem que minha mãe e meu pai vissem. A distância até Marcelo parecia grande, ele estava sentado no banco da pracinha amarela, usando o moletom cinza que tinha sido meu. Como eu era bem mais alto, fazia de Marcelo um herdeiro para minhas roupas, embora ele fosse apenas três meses mais novo do que eu. — E aí, Renato? — Vamos lá para casa, Marcelo. Que frio! — Não vamos, não. Quero te convidar para passear comigo, ver uns lugares diferentes. Não vamos demorar...

— Que ideia! Mas, se for rápido, vamos! Não tenho nada para fazer, mesmo!

Começamos a caminhar lado a lado. Paramos no ponto de ônibus.

— Estranho, Marcelo. Nunca vi este ônibus aqui. Deve ser de uma empresa nova.

— Vem, Renato. Este ônibus demora. Se perder este, é difícil pegar o próximo.

Entramos. Poucas pessoas viajavam, a maioria idosos. Sentamos. O ônibus começou a rodar, o frio aumentou, fui olhando as ruas conhecidas, comecei a cochilar.

Acordei num lugar diferente, que nunca vou achar palavras exatas para contar como era. Pedras coloridas no chão, estranhas pedras, mas lindas. Várias pistas de skate. Sim, skate era o esporte preferido do Marcelo. Natureza nos quatro cantos, muito verde e sol. Mas não fazia calor. Também não sentia o frio de antes. Marcelo parecia conhecer bem o lugar, ali se sentia à vontade. Andamos de skate, jogamos no “Play Station”, compramos sanduíches e refri. O tempo voou. Achei que meus pais deveriam estar preocupados, não sabiam onde eu estava. Resolvi voltar. Marcelo e eu fomos ao ponto de ônibus. Vi se aproximar o ônibus alaranjado. Subi e chamei Marcelo.

— Vem, cara! Passa o fim de semana com a gente. Liga para a tia Alda!

— Não, Renato. Você pode voltar neste ônibus. Eu não. Mas você será sempre o meu primo mais próximo, o meu melhor amigo. Entendeu?

Repentinamente, compreendi tudo. Subi no ônibus. Voltei para casa. E vi pela última vez, ao longe, a caminho da pista de skate, a figura do meu primo Marcelo. Enquanto o ônibus se afastava, eu tentava distinguir entre o cinza da paisagem e a cor do moletom usado por meu primo.

Vera Lúcia Figueiredo:

Contista, Cronista e Poeta

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