

Mas as pessoas da sala de jantar
Essas pessoas da sala de jantar
São as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer
Mas as pessoas da sala de jantar
Essas pessoas da sala de jantar
São as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer
Trabalho apresentado no II Novembro Negro das Universidades do Vale do São Francisco
14 AS VEIAS ABERTAS NO BRASIL 12
O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL E DA
ENFRENTANDO AS DESIGUALDADES: A IMPORTÂNCIA DAS LEIS DE ACESSO 16
Jean-Baptiste Debret, Aplicação do Castigo do Açoite, 18??.
Esta cartilha foi desenvolvida e apresentada por um estudante de História e uma estudante de Pedagogia da Universidade de Pernambuco - Campus Petrolina no II Novembro Negro das Universidades do Vale do São Francisco. É um material voltado para os 8º e 9º anos do Ensino Fundamental, e também para todos os anos do Ensino Médio. Ao abrir a presente cartilha você irá se deparar com um conteúdo que explora o fato do Brasil ser um país criado a partir das desigualdades sociais, tendo a escravidão e o racismo como principal fio condutor e mantedor dessas desigualdades, e como elas se refletem na educação. Ela também traz a importância das leis de acesso, a exemplo da A Lei nº 12.711/2012, conhecida popu-larmente como Lei de Cotas, que procura combater as mazelas dessas desigualdades.
As obras da série “Atualizações Traumáticas de Debret”, da artista Gê Viana, compõem e dão vida a esta cartilha. Uma ótima leitura, e que você possa refletir sobre como o racismo e as desigualdades atravessam nossa nação cotidianamente.
Gê Viana, Levantamento do mastro / Festa do Divino Espírito Santo, [da série Atualizações Traumáticas de Debret], 2020.
O Brasil é um país fundado a partir das desigualdades. Para que alguns possam usufruir de privilégios, outros têm que está em condições de subordinação para proporcionar esses privilégios. Foi assim ontem, e continua sendo replicado no hoje. O historiador Luiz Felipe de Alencastro defende em sua tese que o território pelo qual nos dias de hoje conhecemos por Brasil se alicerça no Atlântico, ou melhor, nos fluxos e nas rotas comercias do Atlântico. Nunca é demais salientar, como aponta Alencastro, que as dinâmicas dessa sociedade colonial e patriarcal se ergue sob a égide do escravismo. O comércio de africanos escravizados, monopolizado pelos lusitanos, “tornou-se mais do que fornecedor de mão de obra para as atividades econômicas nos territórios da América, na verdade, um instrumento de política imperial [portuguesa], ao garantir a dependência e obediência dos colonos às determinações metropolitanas”. Muito disso explica-se pelo caráter institucional do império português, refletido em suas colônias, alicerçado pela “sociedade corporativa de Antigo Regime, cuja expansão moderna, em nome da difusão da fé, desdobrou as categorias de classificação anteriores para incorporar os novos conversos na hierarquia”. O mito de Caim em Abel foi utilizado para justificar a escravização de africanos nas Américas, uma vez que na mente dos europeus, eles eram descendentes de Caim, e carregavam a vergonhosa marca lançada a este por Deus ao matar Abel: a cor da pele. No entanto, a escravização de corpos advindos do tráfico não se restringia à esfera do trabalho, ela extrapolou o setor comercial, e passou a mediar todas as relações sociais, mesmo entre livres O Brasil também foi o último país das Américas a abolir a escravização, criando articulações, a partir de interesses de uma elite escravocrata, para manter a mão de obra escrava até o quanto fosse possível. E, mesmo após a abolição, nenhum tipo de assistência foi concedida a essa população recém-liberta. Esses ex-escravizados foram jogados às margens da sociedade. A recém-liberdade nada de novo trouxe consigo. Muito pelo contrário. A religião deixou de ser usada para justificar a perseguição e marginalização da população negra para dá espaço ao cientificismo das teorias raciais, que fomentou ainda mais as desigualdades no nosso país.
A população negra passou então ser maioria nos manicômios e penitenciárias, cárceres estes apoiados por tais teorias, que ditavam que esses corpos eram propensos a criminalidade e a loucura. Mais um mecanismo de controle utilizado pelo Estado para controle. Dessa forma espaços foram negados a população negra, principalmente os de poder, como a educação Por muitos anos houve o controle das letras no território brasileiro, primeiro pela coroa portuguesa e depois pelas elites locais. As letras eram restrita apenas a uma pequena parcela da população. As obras de Jean-Baptiste Debret retratam isso: brancos exalando ares de poder enquanto os negros estão às margens. Um exemplo mais conhecido é a obra “Um Jantar Brasileiro”, de Debret Enquanto um casal que representa a família tradicional brasileira, uma mulher branca (a escravizadora submissa ao esposo, que cede restos de comida a uma criança negra como se desse a um cachorro) e um homem branco (o patriarca escravizador no auge do seu poderio e virilidade) com feições carrancudas ocupam o centro da obra postos à uma mesa de jantar farta. As pessoas negras na obra estão em lugares periféricos, de subserviência e obediência.
Jean-Baptiste Debret, Um Jantar Brasileiro, 1827.
O diplomata Joseph Arthur de Gobineau, em uma passagem pelo Brasil para visitar seu amigo D. Pedro II, disse que uma nação miscigenada como esta era destinada ao fracasso, uma vez que a “mistura de raças” trazia comorbidades a população. Por muito tempo essa fala de Gobineau afligiu e foi motivo de noites mal dormidas para as elites brasileiras, que encontraram nas teorias raciais e no movimento eugenista do final do século XIX formas de driblar esse terrível e iminente destino, nem que para isso eles tivessem que exterminar a população negra completamente. Com isso se instaurou um projeto que pretendia a limpeza das impurezas da nação, tendo o negros como principais alvos e culpados pelo status de sujidade patológica que permeava o Brasil na época No entanto, procurando pôr um fim nesse horror que atingia a sociedade brasileira, Gilberto Freyre publica “Casa Grande & Senzala” no ano de 1933. Com isso, Freyre acalma o coração das elites dominantes ao mostrar que ainda ainda havia futuro para o Brasil. Freyre não cria o conceito de “Democracia Racial”, mas sua obra é a principal responsável pela propagação dessa ideia. O livro “Casa Grande & Senzala, além de se tornar a magnum opus queridinha pelas elites brasileiras, também influenciou gerações a adocicarem nossas relações raciais. Em seus escritos, Freyre amenizou as relações desiguais de poder entre a população branca, negra e indígena, afirmando que a imposição de poder pelos brancos sobre as demais populações, mesmo mediante a violência, foi crucial para uma formação miscigenada, sendo o Brasil um exemplo mundial de uma sociedade diversa e harmoniosa a ser seguido Por muito tempo esse foi o jeito costumeiro de narrar a história do Brasil. Utilizando-se de apoio figuras como Freyre e Debret, pessoas brancas das elites brasileiras falavam pela população negra e as representava a seu grosso modo. Elas ditaram o pensamento de que “somos todos iguais” e que todos temos “a mesma 24 horas diárias”, em um país levantado primordialmente em cima das desigualdades sociais. Esse monopólio do contar a história pelas elites brasileiras revelou-se ser mais uma artimanha para manter seus privilégios e marginalizar a população negra cada vez mais sem que ela pudesse se rebelar Porém, no hoje, pessoas negras tem reivindicado o dire
Jean-Baptiste Debret, Uma Senhora de Algumas Posses em sua Casa, 1823.
reito de contar história e, principalmente, de narrar a sua própria história. É o caso de Gê Viana, artista brasileira com origens negra e indígena. Com a série “ Atualizações traumáticas de Debret”, Viana recria a obras do “celebrado” artista francês, retirando as pessoas pretas da condição subjugada e coloca-as em destaque no centro em lugares de poder.
Nunca é demais salientar que a abolição da escravidão em 1888 não ofereceu nenhuma política de reparação para os egressos da escravidão. Eles foram lançados às margens. O racismo só viria a ser criminalizado 100 anos depois da abolição, na Constituição Brasileira de 1988 O ensino de cultura afro-brasileira só se tornaria obrigatório nos currículos escolares em 2003, com a instituição da Lei nº 10.639/03. Essa lei seria reforçada posteriormente pela Lei nº 11.645/08, que também incluiu a obrigatoriedade do ensino da cultura indígena. Mas, certamente, um dos atos mais revolucionários foi a Lei nº 12 711, conhecida vulgarmente por Lei de Cotas A Lei de Cotas aparece enquanto um dispositivo de reparação histórica, dando oportunidades aqueles que até então tinham acesso negado a instituições de poder.
Amanda Rodrigues da Silva Teixeira, Ana Meire Tiburcio, Maria Clara do Vale, Pedro Alves de Souza Neto e Tatiana Silva de Lima. Musicalidade, Ancestralidade e Festividade: Uma ode às mulheres negras. Pernambuco: UPE, 2022.
Beatriz Mamigonian A proibição do tráfico atlântico e a manutenção da escravidão In Keila Grinberg e Ricardo Salles (Org) O Brasil Imperial 1808-1830 Vol 1 RJ, Civilização Brasileira, 2009, p 207-233
Fabiana Moraes. Miguel, Sari e Gilberto Freyre se encontram no elevador. Socialista Morena, 2020. Disponível em: https://www.socialistamorena.com.br/miguel-sari-e-gilberto-freyre-se-encontram-no-elevador/
Gê Viana, Thayná Trindade . Retirar o sol das cabeças, uma reza das imagens. São Paulo: Galeria Superfície, 2022. Disponível em: https://galeriasuperficie.com.br/exposicoes/retirar-o-sol-das-cabecas-uma-reza-das-imagens/.
Joé José Dias. Do Oriente ao Ocidente: a ocidentalização - do espaço cultural brasileiro em Gilberto Freyre. INVENTÁRIO (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. ONLINE), v. 6, p. 4, 2007.
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Nascido em Senhor do Bonfim, cidade do interior da Bahia, é estudante no curso de Licenciatura História da Universidade de Pernambuco, campus Petrolina. Desenvolve trabalhos com temas de Ensino de História da África e da Cultura Afro-Brasileira.
Gê Viana nasceu em Santa Luzia, Maranhão, em 1986, mas vive e trabalha em São Luís. Formada em Artes Visuais pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a artista produz colagens e fotomontagens, analógicas e digitais, inspiradas em acontecimentos da vida familiar e do cotidiano, confrontando a cultura colonizadora hegemônica e os sistemas de arte e comunicação.
Nascida em Senhor do Bonfim (BA), é licencianda em Pedagogia pela Universidade de Pernambuco (UPE), campus Petrolina. Entusiasta da educação, defende a afetividade como um pilar essencial no processo de ensino-aprendizagem. Sua linha de pesquisa é voltada para a literatura infantil e afro-brasileira, explorando seu potencial tanto no ambiente escolar quanto em outros espaços socioeducativos.