Guerreiras e Rainhas Africanas

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Guerreiras e rainhas Africanas

SUMÁRIO

A noite não adormece nos olhos das mulheres a lua fêmea, semelhante nossa, em vigília atenta vigia a nossa memória.

A noite não adormece nos olhos das mulheres há mais olhos que sono onde lágrimas suspensas virgulam o lapso de nossas molhadas lembranças.

A noite não adormece nos olhos das mulheres vaginas abertas retêm e expulsam a vida donde Ainás, Nzingas, Ngambeles e outras meninas luas afastam delas e de nós os nossos cálices de lágrimas.

A noite não adormecerá jamais nos olhos das fêmeas pois do nosso sangue-mulher de nosso líquido lembradiço em cada gota que jorra um fio invisível e tônico pacientemente cose a rede. por Conceição Evaristo

A NOITE NÃO ADOMERCE NOS OLHOS DAS MULHERES

EEste produto didático foi elaborado pelos estudantes

Ana Meire Tiburcio, Pedro

Souza Neto e André Luís

Santana, na disciplina de História da África ofertada no curso de Licenciatura

.

em Históri da Universidade de Pernambuco, campus Petrolina. O referido produto tem como objetivo a criação de texto didático, voltado para o ensino básico, mas especificamente para os anos iniciais do Ensino Fundamental II. Em que os conteúdos sobre África Antiga e Sociedades Africanas (Estados, modos de organização dos reinos) estão mais presentes, buscando sempre uma perspectiva decolonial, que se afaste do ideal eurocêntrico de que a África seria um continente sem História, ou sem organizações sociais complexas e saberes científicos e tecnológicos próprios. Nesse

.

sentido, o produto didático trará a trajetória de três mulheres, consideradas lideranças políticas em África em suas respectivas épocas. Com o intuito de aprofundar os conhecimentos dos alunos e alunas sobre a História do continente africano e a atuação das mulheres, como sujeitas extremamente ativas e com papel significativo nas sociedades africanas.

CANDACE AMANISHAKHETO 41-?

a.c

Durante um período conhecido na História como Antiguidade, existiam diversos reinos no continente Africano, um desses era o de Kush (atual Sudão). Neste território d existiam mulheres de linhagem real, que tinham grande poder político, essas recebiam o título de Candaces, que significa rainhamãe, ou rainha-guerreira. Como o nome já diz, elas desempenhavam papéis muito importantes, para o crescimento do reino, isso porque, além de serem responsáveis por gerar os futuros reis e assim dar continuidade ao legado real da região, também poderiam assumir a liderança militar e lutar contra os invasores que queriam tomar o reino. Visto que Kush era um território muito rico e com importantes rotas comerciais, assim, chamava atenção de invasores que queriam dominar a região. Essa era a função realizada por Amanishakheto, uma Candace de kush, que impressionou os invasores romanos, ao elaborar uma estratégia militar complexa para defender seu reino e causou prejuízos aos invasores. Em alguns escritos como o de Estabrão (escritor romano), Amanishakheto é descrita como uma líder forte e organizada, que saqueia cidades egípcias já dominadas pelos romanos, para mostrar sua força e como uma forma de proteção. Mas além de ser

ser uma excelente guerreira, a candace de Kush também exercia funções diplomáticas, quando percebeu o avanço de Roma, a rainha enviou emissários a Cesar (título do líder político romano) para tentar resolver os conflitos entre os romanos e Cuxitas, sem recorrer a violência. Para além disso, segundo a professora Fernanda Chamarelli de Oliveira, em seu trabalho “Senhoras da Núbia: as candaces na cultura material em Kush (África I AEC- I EC), através dos vestígios materiais encontrados por arqueólogos, é possível compreender como governo de Amanishakheto, era forte e que a figura da monarca era associada as divindades da mitologia egípcia, como Amom, para representar que ela tinha o apoio dos deuses. A história da rainha Amanishakheto, além de nos ensinar como a África é um continente potente desde a antiguidade, também apresenta, um contraste interessante de como as mulheres poderiam ocupar lugares de destaque nas sociedades. Principalmente na realeza, podendo ser guerreiras e líderes políticas, respeitadas e admiradas até por povos que não possuíam as mesmas tradições, como os romanos (que não acreditavam na capacidade de liderança das mulheres).

Rainha Amina de Zazau

séculosXV/XVI-?

Entre os séculos XV e XVI, o território de Zazau passou a ser governado por uma rainha conhecida como Amina de Hauçá. Seu governo foi histórico e até hoje é lembrado em várias d histórias nos mais diferentes lugares do continente Africano. Isso porque, apesar de Zazau ter tido diversas rainhas e alguns cargos da nobreza que eram reservados só para mulheres, já havia algum tempo que a liderança do território estava centralizada na figura masculina, os chamados “sarkin”, mas após o reinado do pai de Amina, que tinha sido um poderoso governante, Zazau conheceria uma nova rainha. Amina de Hauçá, teve uma infância nobre, já que era princesa e filha do sarkin, segundo os tradicionalistas (homens que são responsáveis por contar a História na África), desde muito nova, sua avó Marka notou que Amina já demostrava interesse militar, sendo assim, ela começou o processo para se tornar uma guerreira. Depois de adulta, continuou lutando ao lado de seu pai e conquistando territórios, de acordo com a tradição oral Amina era uma líder militar forte, mas também pensava nas populações que eram conquistadas por seu exército, oferecendo acordos, para que em troca da lealdade dos povos, ela construísse muros para proteger as aldeias e cidades, também construía poços em lugares com difícil acesso a água.

Quando alcançou o posto de rainha, Amina continuou contribuindo para a expansão do reino de Zazau, através das campanhas militares. Mas esse não é o único legado da rainha que é celebrada e reverenciada até os dias atuais, no Norte da Nigéria; Amina também foi uma importante liderança política, fortalecendo as redes comerciais do seu território, além de investir em tecnologia militar, como as armaduras de metal, também se destacou como “a rainha arquiteta” já que construiu diversas muralhas para manter seu reino seguro. Nos dias atuais, a história da rainha Amina é entendida como símbolo de força e poder feminino.

NZINGA OU JINGA

RAINHA DE MATAMBA

Jinga nasceu em 1582, teve uma infância difícil apesar de ser nobre. Isso porque, quando ela ainda era uma criança, seu pai que era o rei do Ndongo (Angola nos dias atuais), já estava cod meçando a sofrer com a intervenção e mais tarde, exploração europeia, mais especificamente portuguesa na África, essa deixou marcas profundas. Já que não só o reino onde Jinga era princesa, mas todo o continente africano, com suas tradições, saberes e formas de organização, mudaria drasticamente depois do contato com os estrangeiros europeus. Porém, apesar da infância agitada, Jinga se destacou na corte de seu pai, desde muito cedo demostrava habilidades para diversos saberes, entre eles a estratégia e a guerra. Ela superava até mesmo seu irmão, que estava destinado a assumir o trono do Ndongo, já que as mulheres nobres até tinham muito poder, mas não se tornavam rainhas. Assim, na idade adulta e após a morte de seu pai, quem assume o trono é seu irmão Ngola Mbande, nesse período Jinga se muda para um palácio em Matamba, uma região do Ndongo e o atual rei Mbande começa a enfrentar diversas crises no seu reinado, visto que os portugueses vão fazer de tudo para conquistar o Ndongo, que era um território muito grande e rico. Sendo assim d

o rei logo perde apoio de senhores de terras que pagavam impostos ao reino, ajudando na economia, conhecidos como Sobas. Os portugueses também começam a organizarem campanhas militares para dominar o território e grande parte do exército é dizimado. Após a morte de seu irmão, ela utiliza diversos saberes que aprendeu desde a infância, para convencer a corte a aceita-la como rainha. Então aos 42 anos Jinga se torna a primeira liderança feminina do seu reino, diferente do seu irmão, que só lutava e fracassava contra os portugueses, ela começou a se empenhar para ganhar a confiança dos povos de seu território, facilitando a libertação de alguns escravizados, que estavam sob o domínio português, além de buscar o apoio e respeito dos Sobas da sua região. Enquanto isso, sabendo da força que tinham os europeus, ela ia tentando negociar com os invasores, aceitou se tornar cristã (que era a religião oficial dos europeus na época), mas sem deixar de cultuar as divindades africanas, principalmente de participar de alguns rituais importantes. Todas as movimentações políticas e militares da rainha Jinga, chamaram a atenção de vários vizinhos do seu território que encorajados e inspirados pela força da Rainha Jinga, começaram a lutar contra os invasores europeus.

Explorando Novos Horizontes

Bruxa Akata

Nnedi Okorafor

2018

322 páginas

Galera Record

Raízes do Amanhã

Vários Autores

2021

224 páginas

Gutenberg

Sunny tem 12 anos e sempre viveu na fronteira entre dois mundos. Filha de nigerianos, nasceu nos Estados Unidos e é albina. Uma pária, incapaz de passar despercebida. O sol é seu inimigo. Castiga a pele e a expõe aos olhares curiosos. Parece não haver lugar onde ela se encaixe. É sob a lua que a menina se solta, jogando futebol com os irmãos. E então ela descobre algo incrível –na realidade, ela é uma pessoaleopardo em um mundo de ovelhas. Sunny é alguém com um talento mágico latente, é uma agente livre. Uma pessoa com poderes que nasceu de pais comuns. Logo ela se torna parte de um quarteto de estudantes mágicos, pesquisando o visível e o invisível, aprendendo a alterar a realidade, sendo escolhida por um mentor e conseguindo, enfim, sua faca juju — com a qual é capaz de fazer seus feitiços.

Uma das marcas deixadas pelo colonialismo é a existência de um presente que dificulta a projeção de futuros para a população negra. Por isso, contar e protagonizar histórias é tão importante para ampliarmos o campo de possibilidades.

Se o real nos impõe, então, tais impedimentos, o exercício de especular, dentro e fora da ficção, é o que nos permite resgatar o passado, questionar o presente e construir futuros. É o que fortalece as raízes do amanhã, que perfuram solo brasileiro e vão fundo em direção ao desconhecido. Evidenciando noções de futuro próximas ou longínquas, os contos de Raízes do amanhã oferecem respostas diversas sobre o tempo e o espaço da juventude negra, proporcionando um espaço revolucionário de experimentação ficcional.

O imenso Azul Entre Nós

Ayesha Harruna Attah

2021

256 páginas

Globo Alt

As gêmeas Hassana e Husseina são separadas após um ataque brutal à sua aldeia, em 1892. A partir desse traumático evento, ambas são escravizadas e seguem caminhos separados, que as levam a diferentes cidades, países e até continentes. Enquanto Hassana fica na Costa do Ouro africana, Husseina cruza o oceano até a Bahia, onde é iniciada no Candomblé. Com o passar do tempo, as irmãs crescem e levam vidas completamente diferentes em muitos aspectos, mas com algo em comum: o sentimento de que há algo faltando. Apesar da distância, elas continuam ligadas uma à outra por meio de seus sonhos.

ELZASOARES RainhaAfricana

Elza Soares é uma das personalidades mais importantes das artes e da música universais. A cantora de voz única deixou um legado de mais de seis décadas de canções interpretadas com a alma e a história de uma mulher negra e brasileira. Do planeta Fome ao estrelato, chegando a ganhar o título de “Rainha Africana”, em uma música composta por outra cantora barsileira, Rita Lee, que pode ser escutada no último álbum de Elza, que foi lançado após a sua morte, e que você pode acessar através do QrCode abaixo.

O Futuro é Ancestral

Aponte a câmera do seu smartphone para o QrCode acima, e tenha acesso a playlist “O Futuro é Ancestral”, e conheça artistas como Erykah

Badu, Grace Jones, Iza, Janelle Monáe, Karol Conká, Xênia França e Whitney Houston.

GUERREIRAS E RAINHAS QUE INSPIRAM GUERREIRAS E RAINHAS QUE INSPIRAM

No decorrer desse produto didático, nós os autores e a autora, buscamos elaborar um material decolonial e de valorização de personalidades negras tão importantes, não só para a História do continente africano, mas mundial. Isso porque, segundo a professora Azoilda Loretto Trindade, a África não é apenas um lugar, mas um movimento e sua influência está presente em diversos lugares, além do seu território geográfico. Também temos o intuito de nos afastar da idéia de que a África é um lugar sem História e memória, ou que não possuia um desenvolvimento político, econômico, militar e intelectual, anterior a colonização e exploração europeia.

CRÉDITOS DE IMAGENS CRÉDITOS DE IMAGENS

IMAGEM DE CAPA (1ª CAPA):

Lois Mailou Jones, Untitled / Three Masks (Sem Título / Três Máscaras), 1996, serigrafia, 40,64 x 32,7 cm, Minneapolis Institute of Art.

IMAGEM DA 2ª CAPA:

p.1-2:

Lois Mailou Jones, Egyptian Heritage (Legado egipcio), 1953, Óleo sobre masonite, 60.5 x 103 cm, Clark Atlanta University

IMAGEM DA 3ª CAPA: p.26:

Lois Mailou Jones, Ode to Kinshasa (Ode a Kinshasa), 1972, mixed media on canvas, 121.9 x 91.4cm., National Museum of Women in the Arts.

IMAGEM DA CONTRACAPA (4ª CAPA):

Lois Mailou Jones, Design Têxtil para Cretonne, 1928, aquarela sobre papel, 71.1 x 53.3 cm, Smithsonian American Art Museum.

IMAGEM DO SUMÁRIO:

p.3-4: Lois Mailou Jones, Ode to Kinshasa (Ode a Kinshasa), 1972, mixed media on canvas, 121.9 x 91.4cm., National Museum of Women in the Arts.

IMAGENS DO MIOLO

p.5-6:

Lois Mailou Jones, La Baker, 1977, acrílico e colagem sobre tela, 102.9 x 143.5 cm, Museum of Fine Arts Boston.

p.7-8:

Lois Mailou Jones, Two African Hairstyles (Dois penteados africanos), 1982, acrílico sobre tela, 91 x 91 cm, Collection University of California San Diego, San Diego, California.

p.15:

Silvana Mendes, Afetocolagens: Desconstrução de Visualidades Negativas em Corpos Negros, 21 x 29,7cm, Coleção Particular do Artista.

p.17:

Elza Soares por Salvador Cordaro / Revista giz (ago/out.17)

p.22:

Lois Mailou Jones, Sem Título, 19??, Oakland, CA, EUA

Todos os esforços foram envidados no sentido de garantir o devido crédito aos detentores de direitos autorais. No caso de um detentor se identificar, faremos com prazer constar o crédito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Sani, Ibrahima Kankara, Mariana Bracks Fonseca, and Bruno R. Véras. "Amina: Representação de uma África pré-colonial entre Kannywood e Nollywood." Sankofa (São Paulo) 16.28 (2023): 50-72;

MATTOS, Regiane Augusto. as Candaces na cultura material em Kush (África, I AEC-I EC). Diss. PUC-Rio, 2019;

HEYWOOD, Linda. Jinga de Angola: a rainha guerreira da África. São Paulo: Todavia, 2019. Caps. 01, 02 e 03;

TRINDADE, Azoilda Loretto. “Valores Civilizatórios Afro-Brasileiros na Educação Infantil”. Revista Valores Afro-brasileiros na Educação. Disponível em http://gruel.com.br/wpcontent/uploads/2011/10/Valores_a...pdf. Acesso em: 15/07/2024.

COMPLEMENTARES COMPLEMENTARES

ATTAH, Ayesha Harruna. O Imenso Azul entre nós. Trad. Valéria Almeida. Rio de Janeiro: Globo ALT, 2021.

Cadernos Negros 19. Organização Esmeralda Ribeiro, Márcio Barbosa, Sônia Fátima Conceição. São Paulo: Quilombhoje/Editora Anita, 1996.

MATOS, Marina. Conheça a Pintora Loïs Mailou Jones: Negra e Empoderada. FALADELAS. Disponível em: https://revistafaladelas.wordpress.com/2015/03/03/conheca-a-pintora-lois-mailou-jones-negra-eempoderada/. Acesso em: 19/07/2024.

OKORAFOR, Nnedi. Bruxa Akata. Trad. João Sette Câmara. Rio de Janeiro: Galera, 2018.

RIZZI, Nina. Elza - A Voz Do Milenio. Ilustrado por Edson Ikê. Cotia-SP: VR Editora, 2023.

SOUZA, Waldson (Org). Raízes do amanhã: 8 contos afrofuturistas. São Paulo: Gutenberg: Plutão Livros, 2021.

Loïs Mailou Jones foi muito mais que pintora. Foi professora, ilustradora de livros e designer de estampas. Nascida em Boston, Massachusetts, em 1905, cursou aulas de desenho na Boston Museum School of Fine Arts durante seis anos até 1927, quando se formou e ganhou também o diploma de professora.

. Seu trabalho plástico é marcado por algumas fases por conta das suas constantes “mudanças de ares”. No início da década de 30, suas pinturas retratavam a cultura afro. De 1937 a 1951, quadros de paisagens francesas e estudos de corpo. De 1950 até os anos 60, Mailou Jones retomou os estudos de inspiração afro, retratando a cultura haitiana e desde então não parou de dar cor, forma e beleza às suas origens. As obras de Loïs Mailou Jones já foram expostas em mais de 90 exposições coletivas e individuais e sua arte se estende pela África, América do Norte e Europa. A artista faleceu em 1998, em Washington.

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Guerreiras e Rainhas Africanas by Pedro Alves - Issuu