Portugal durante a Segunda Guerra Mundial: A Política de Neutralidade de Salazar

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Portugal durante a Segunda Guerra Mundial: A

Política de Neutralidade de Salazar

Resumo

O presente trabalho corresponde à atividade concernente à Unidade Curricular A História e as Lições da Diplomacia Portuguesa da Pós-Graduação em Relações Internacionais e Diplomacia Política e Económica no Centro Universitário Lusófona –Porto.

A análise de qualquer política externa é um assunto que nos suscita bastante interesse, especialmente quando consideramos o contexto que Portugal vivenciava na época. Desde 1926, Portugal esteve sobre ditadura, primeiro, por uma ditadura militar (1926-1933) e, segundo, pelo Estado Novo de Salazar e Marcello Caetano (1933-1974). Neste sentido, procuramos explorar as políticas, fundamentos ideológicos e decisões tomadas por Salazar que moldaram a posição de Portugal nesse período desafiador da história que foi a Segunda Guerra Mundial. Salazar optou por uma postura de neutralidade face ao conflito, mesmo enfrentando pressões das potências envolvidas no conflito. Este procurou sempre evitar um envolvimento direto no conflito, estabelecendo acordos comerciais com ambos os lados. A sua política também foi influenciada pela importância dos territórios coloniais representava para Portugal. Assim, questionaremos se a neutralidade adotada por Portugal representou uma decisão estratégica por parte de Salazar, analisando dessa forma, tratados e acordos internacionais, que moldaram a postura portuguesa durante a guerra além de uma análise das relações que Portugal teve com as principais potências envolvidas.

Palavras-Chave: Política Externa; Salazar; Portugal; Segunda Guerra Mundial

Sumário: I. Introdução; II. Política de Neutralidade; III. Conclusão

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Introdução

A Segunda Guerra Mundial, foi um período desafiador tanto na política portuguesa, como na política mundial. Nesse contexto, Portugal, liderado por um governo autoritário representa um excelente tópico de estudo. À primeira vista podemos levar a especulações que Salazar seria um apoiante do movimento fascista que se espalhava pela Europa1 , mas, no outro lado da equação que importância teria a Aliança Luso-Britânica, que já vinha do Século XIV, para Portugal? Pois, “pela lógica das alianças e das tendências ideológicas, Portugal, a não ser neutral, só poderia apoiar a Inglaterra, cumprindo o espírito da Aliança Luso-Britânica” (Fernandes, 2016) No entanto, a realidade revelou-se diferente, uma vez que Portugal não aderiu ao conflito nem ao par da Alemanha, nem como apoiante dos Aliados. Em vez disso, adotou uma postura de neutralidade2, mantendo-se distante de uma ligação “direta” no conflito.

Explorar a dinâmica entre estes dois aspetos contraditórias – a possível inclinação autoritária e a relação com o Reino Unido – será fundamental para compreendermos a política externa adotada por Portugal, durante a Segunda Guerra Mundial.

Porém, não podemos esquecer que “Portugal é um Estado que, à semelhança de outros, sempre justificou a sua política externa em função do que considerou ser a melhor defesa dos seus interesses” (Monteiro, 2019). A política externa portuguesa não poderá ser reduzida a uma única motivação, como a ideologia, uma aliança ou a simples intenção de “salvaguardar o interesse nacional”. Em vez disso, devemos compreendê-la como um conjunto complexo de fatores que moldaram as escolhas de Salazar durante o conflito.

Assim, Portugal, tomou medidas para respeitar os princípios diplomáticos internacionais, comunicando às partes em conflito a sua posição de neutralidade e procurou o reconhecimento delas esse mesmo estatuto, nunca sendo pressionado por qualquer uma das nações em luta para se juntar à guerra.

1 Basta ver pela tendência de governos autoritários apoiarem-se uns aos outros, como os da Polónia, Espanha e Itália, que rapidamente reconheceram o novo regime português (Martins, 2001). No entanto, é importante ressaltar que o ditador português nunca revelou o seu apoio às ideias nazistas e ao antissemitismo alemão.

2 A neutralidade, na sua essência, implica não apenas evitar tomar partido em um conflito, mas também abster-se de qualquer ação que possa beneficiar direta ou indiretamente uma das partes envolvidas

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Política de Neutralidade

Será de referir que durante o conflito, a posição de Salazar foi uma posição neutral, evitando alinhar-se mais a um lado do que ao outro, “também não deixa de ser elucidativo que os seus discursos tenham querido proteger a relação secular que Portugal mantinha com a Inglaterra” (Monteiro, 2019), isso, é mais que evidente no discurso proferido pelo mesmo na Assembleia Nacional em Outubro de 1939: “... não ficaríamos bem como a nossa consciência se (...) não reformássemos naquele grave momento os nossos sentimentos de amizade e toda a nossa fidelidade à aliança inglesa3” (Salazar, Diários das Sessões nº47, 1939) “e mais não é preciso dizer para inferir a perfeita solidez, na atualidade, dos laços que desde séculos nos unem à Inglaterra, sem prejuízo das boas amizades que a outros nos prendem” (Saraiva, 2018). A aliança entre Portugal e a GrãBretanha sempre desempenhou um papel fundamental e abrangente na política externa portuguesa, inclusive durante o Estado Novo. Embora os países tivessem regimes e ideologias políticas completamente opostas “nenhum dos dois queria a hegemonia dos países do Eixo nem a expansão do comunismo” (Saraiva, 2018)

A relação histórica entre Portugal e Inglaterra como países colonizadores também influenciou essa dinâmica. Ambos os países possuíam interesses coloniais, principalmente na África e, nesse sentido, Portugal esperava obter uma compressão e apoio de Inglaterra em relação às suas questões coloniais. A aliança com a Grã-Bretanha será, portanto, “uma das joias da Coroa da política externa portuguesa de que o regime procurou beneficiar em dois terrenos: por um lado, o económico e financeiro e, por outro, o da política colonial” (Saraiva, 2018). Assim, a posição de neutralidade não traduzia qualquer especificidade ou preferência ideológica, não negava a sua aliança com a GrãBretanha, mas recusava-se a seguir as suas orientações, sempre que as mesmas fossem

3 Nas palavras de Manuel Monteiro: “Quando a nós, independentemente quer da explícita vontade em se manter à margem da Guerra, quer da sua lealdade para com a aliança existente entre Portugal e a Inglaterra, não deixa de ser de assinalar que, de facto, Salazar era ideologicamente equidistante tanto do sistema parlamentarista inglês, quanto do totalitarismo hitleriano. Sem embargo de em dado momento poder ter manifestado agrado, com certos modelos económico-sociais internamente adotados na Alemanha e, principalmente, na Itália, nem por isso se deixou seduzir pelo sistema político aí implantado.” (Monteiro, 2019)

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incompatíveis com o interesse nacional e com o objetivo vital de manter a independência e a soberania nacional” (Fernandes, 2016).

Mesmo antes da Segunda Guerra Mundial ter começado, Salazar havia anunciado previamente a sua intenção de manter-se neutro no conflito a Neville Chamberlain, o então primeiro-ministro britânico. Ele procurou estabelecer um acordo que, apesar da aliança entre Portugal e Inglaterra supostamente impedir a adesão ao Eixo, a própria Aliança não implicaria que Portugal fosse obrigado a juntar-se aos Aliados na luta contra a Alemanha4. Os britânicos, por sua vez, não estavam interessados que os portugueses juntassem-se militarmente na guerra, mas reconheciam a importância estratégica da aliança, principalmente no que diz respeito à base militar nos Açores5 .

Ao não se aliar aos Aliados nem demonstrar apoio aos países do Eixo, Portugal buscou preservar sua soberania, proteger seus interesses nacionais e evitar envolvimentos diretos no conflito. Nesse sentido, a política de neutralidade adotado por Portugal foi fundamentada numa combinação de vários fatores, tanto ideológicos e políticos6. Em primeiro lugar, é claro que Salazar queria manter a estabilidade política interna bem como preservar a soberania do país e não queria arriscar perder tudo isso numa guerra mundial pois sabia dos efeitos que a “Grande Guerra” teve para Portugal, tanto da divida monetária como da divida social. Assim, a neutralidade era vista como uma forma de evitar os riscos associados ao envolvimento direito no conflito7, garantindo a continuidade do seu regime

4 Nota Oficiosa do Governo 1 de Setembro de 1939 – “Felizmente os deveres da nossa aliança com a Inglaterra, que não queremos eximir-nos a confirmar em momento tao grave, não nos obrigam a abandonar nesta emergência a situação de neutralidade.” (Saraiva, 2018)

5 Tanto o Reino Unido como os Estados Unidos reconheciam a importância estratégica do arquipélago dos Açores na Luta pela Europa. A sua importância era tanta, que ambos desenvolveram planos – Operation Alacrity e War Plan Gray – para conquistarem pela força. “Como se previa, Salazar reagiu com a promessa de se defender militarmente contra qualquer avanço na direcção das ilhas” (Fernandes, 2016). Porém tais operações essas que não foram necessárias já que em 1943, o governo britânico solicitou formalmente o uso da Base das Lajes, nos Açores, ao abrigo da Aliança Luso-Britânica, persuadindo posteriormente para que este deixasse os americanos também instalaram lá uma base militar. Portugal aceitou ambos os pedidos, após “receber garantias formais, tanto da Inglaterra como dos EUA, quanto à preservação da integridade do império no pós-guerra” (Oliveira B. , 2021). Estas bases “revelaram-se sem sombra de dúvida o grande trunfo estratégico de Portugal na defesa da Europa Ocidental, um ativo fundamental cujo valor acrescido no novo contexto da Europa pós-guerra possuía um valor negocial inigualável para o regime de Salazar” (Saraiva, 2018)

6 Basta ver a referência de Salazar à Paz e Neutralidade – “Amamos sinceramente a paz, e trabalhamos na medida das nossas possibilidades para que seja conservada entre as nações, mas não podemos esquecer que temos interesses consideráveis em diversas partes do mundo, cuja defesa somos obrigados a buscar através da melhoria das condições próprias e das garantias derivadas das nossas amizades” (Saraiva, 2018).

7 Salazar tinha um receio substancial de que, no caso de Portugal aliar-se aos aliados, o país estivesse suscetível a sofrer uma invasão por parte dos países do Eixo. Esta preocupação era refletida não apenas por considerações estratégicas, mas também refletia uma análise abrangente das experiências bem e mal sucedidas, como a Primeira Guerra Mundial, e o seu impacto para o país.

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e da coesão nacional, sendo apoiada por uma visão conservadora da política externa, na qual se defendida que Portugal deveria agir de acordo com os seus próprios interesses e evitar atos que pudessem em causa isso. Dessa forma, “os tratados e acordos celebrados, as alianças estabelecidas e as relações mantidas tiveram em mente salvaguardar o que na época melhor o sustentava” (Monteiro, 2019).

A neutralidade é amplamente reconhecida como um dos pilares fundamentais da política externa do regime liderado por Salazar, desempenhando um papel crucial na orientação e nas decisões tomadas em relação às relações internacionais e aos compromissos diplomáticos de Portugal. “Por outro lado, a colaboração com Teixeira de Sampaio permitia, ainda, sublinhar sistematicamente, que um pequeno estado como Portugal só conseguia rentabilizar e atingir os referidos objectivos nacionais quando a sua comunidade vivia num clima de estabilidade e de comunhão de interesses e valores” (Fernandes, 2016), nesse sentido, “com um cenário de alguma paz e estabilidade, política e económica, Salazar pôde traçar um conjunto de linhas de força para a política externa portuguesa que, no seu conjunto, respeitava o espírito eficaz da diplomacia portuguesa, nunca se desligando daquilo que a nação tinha sido, e apelando à soma de um conjunto de experiências históricas que Portugal tinha vivido ao longo de séculos, demonstrando uma capacidade única para defender o seu bem mais precioso: a independência nacional” (Fernandes, 2016).

Desde o início, Salazar adotou uma postura de isolamento em relação aos acontecimentos internacionais8. Esta postura de recusa em se envolver foi uma característica marcante do regime salazarista, mas como verificamos pela afirmação de Salazar, Portugal não estava completamente isolado: “Como as outras nações, Portugal não vive isolado do Mundo; tão-pouco o poderia lograr. As relações que mantém, a colaboração que presta, os apoios de que dispõe derivam em parte da sua índole e do conceito de vida internacional e, no mais, da extensão e natureza dos interesses a defender como agregado político autónomo”. Mas, num período extremamente complicado para a Europa e para o Mundo, Salazar tinha como objetivo principal não assumir atitudes de grande protagonismo internacional, cuidar do Império, preservar a segurança e o bemestar da população e governar em paz (Saraiva, 2018). Diante das agitações e desordens

8 Numa ótica de um “pequeno país que se deve manter à distância dos grandes centros de decisão europeus” (Cardoso, 2018)

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que assolavam a Europa, Salazar repetidamente afirmava a postura de não se envolver no conflito.

Além disso, a política de isolamento, como já referimos, oferecia uma vantagem dupla no campo das relações internacionais. Por um lado, permitia que Portugal beneficiasse economicamente e politicamente da neutralidade, evitando os custos e consequências de se alinhar a um dos lados do conflito. Por outro lado, essa posição de não alinhamento proporcionava a construção de uma imagem positiva perante a comunidade internacional.

Ao permanecer neutro e evitar alianças diretas, Portugal conseguia manter relações cordiais com um número significativo de países envolvidos no conflito9. Essa abordagem estratégica garantia que o país não se posicionasse como parte dos vencidos, evitando assim possíveis consequências negativas para sua reputação e influência.

“Salazar defendia pois a neutralidade como uma linha tradicional e transversal da política externa do regime, sendo esta postura coincidente com os interesses da pátria portuguesa que se queria estável e pacífica, longe dos conflitos internacionais, mantendo as suas alianças e amizades históricas (como com a Espanha ou a Grã-Bretanha, por exemplo) ao mesmo tempo que se concentrava na sua vertente atlântica, desenvolvendo e salvaguardando o seu império colonial” (Saraiva, 2018).

Assim, Salazar pretendia o melhor dos dois mundos, manter a amizade com Inglaterra e preservar a relação que tinha com a Alemanha. Salazar entendia assim que para garantir a sobrevivência do Estado Novo, seria necessário manter a paz, garantir a inviolabilidade das fronteiras e proteger o território ultramarino de qualquer envolvimento direto no conflito.

Esta postura de “neutralidade” enfrentou vários desafios ao longo da Guerra, uma vez que era inevitável que surgisse problemas ao tentar manter “boas” relações com ambos os lados10. Um desses desafios surgiu em 1939, quando a Grã-Bretanha

9 Nas palavras de João Paulo Fernandes: Portugal, que na sua tradição diplomática recorria muitas vezes à neutralidade, não como uma figura jurídica que, decididamente, já não o era, voltou a invocar esse estatuto que lhe permitia, perante as desordens europeias, e em cada momento, ajustar o tipo de neutralidade que aplicava aos seus objectivos. Sendo um país de projecção atlântica mas inquestionavelmente europeu, ao recorrer à neutralidade, Portugal não se demitia do seu papel de ser o único juiz, em cada momento, dos seus objectivos vitais (Fernandes, 2016)

10 Por outras palavras: “Ainda que a Aliança com a Grã-Bretanha fosse uma constante, com cerca de 550 anos de existência, a situação geográfica portuguesa não representou sempre, ao longo desse tempo, o

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implementou uma política de bloqueio no continente europeu, impondo restrições para a circulação de transportes marítimos. Esta medida tinha como objetivo evitar que os produtos portugueses chegassem à Alemanha, uma vez que havia preocupações em relação ao fornecimento de recursos e materiais estratégicos, principalmente volfrâmio11 , que poderiam beneficiar o esforço de guerra alemão. Esse bloqueio representou uma ameaça significativa para a economia portuguesa, mas, como tácita paralela a esta, os britânicos adquiriram ainda grandes quantidades de produtos portugueses de forma a elevar os preços, dificultando a constituição de stocks de forma a evitar que os produtos portugueses chegassem aos países do Eixo. Também no âmbito de prejudicar os países do Eixo, a Grã-Bretanha foi adiando os acordos comerciais com Portugal, de forma a pressionar o país a reduzir os negócios existentes com a Alemanha (Oliveira B. , 2021)

Mesmo com estas iniciativas britânicas, a relação que Portugal mantinha com a Alemanha, foi motivo para considerar o país como um “país neutro adjacente aos inimigos” (Oliveira B. , 2021) e, como resultado, implementaram um rigoroso sistema de racionamento e de bloqueio, com vista a restringir o acesso a recursos e bens essenciais.

Não só encontrava problemas do lado dos “Aliados”, mas como também encontrou problema com a vizinha Espanha, a qual tinha uma importância extrema para a política de Salazar12. Isso foi mais que evidente no encontro de Hitler e Franco em 23 de outubro de 1940, em Hendaye, no sul da França, num encontro em que Hitler procurava persuadir o líder espanhol a entrar na guerra ao lado do Eixo. Durante o encontro, Hitler esperava convencer Franco a unir-se à causa do Eixo, fortalecendo assim a posição do Eixo na Europa Ocidental e ampliando sua influência na região. No entanto, as negociações não foram bem-sucedidas, e Franco optou por não entrar diretamente na mesmo capital estratégico, e a dinâmica das próprias relações internacionais foi colocando ao estado desafios diferentes, consoante as conjunturas peninsulares europeias e, até mundiais” (Fernandes, 2016)

11 Volfrâmio é um mineral utilizado na produção de armamentos, era uma commodity valiosa que Portugal era um importante fornecedor desse recurso. A demanda tanto da Alemanha como da Grã-Bretanha fez com que o país se visse num dilema de equilibrar interesses económicos e políticos. Em primeiro lugar, Salazar decidiu por vender a mesma quantidade de Volfrâmio a ambas as partes, mas, com uma diferença, Salazar optou na venda à Grã-Bretanha pela possibilidade de crédito, enquanto para Alemanha exigia o pagamento antecipado. Este mineral encontrou-se novamente em cima da mesa diplomática. Perto da Operação Overlord, os aliados pediram que Portugal parasse de fornecer à Alemanha, nesse sentido, para continuar a ser considerado neutro, Portugal parou todas as exportações de Volfrâmio tanto para o Eixo como para os Aliados.

12 Como Salazar referia: “Nós desejamos tão amigáveis e cordiais relações com Espanha, que desapareçam desse lado todas as desconfianças e preocupações. Não só no campo económico se podem desenvolver muito as relações entre Portugal e Espanha, mas ainda no campo político parece não ter hoje aquela nação nenhum interesse contrário aos interesses portugueses” (Salazar, Discursos e Notas Políticas, Vol. II, 193537, 1945)

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guerra, mantendo a Espanha oficialmente neutra. Depois do encontro com Franco em Hendaye, Hitler fez um comentário famoso a Benito Mussolini, expressando sua aversão ao líder espanhol: "Prefiro arrancar três ou quatro dos meus próprios dentes do que ter que falar com aquele homem novamente!". Neste sentido, surgiram especulações sobre os possíveis pedidos de Franco a Hitler para que este se juntasse à guerra, ou se Franco deliberadamente exigiu concessões excessivas como uma maneira de evitar entrar no conflito.

Durante o regime de Salazar, a diplomacia portuguesa concentrou-se em manter uma aliança estratégica com Espanha. Ambos os regimes, inspirados pelo fascismo e caracterizados por uma abordagem autoritária, compartilhavam princípios e objetivos semelhantes13 . Contudo, Salazar sabia que Espanha podia ser um perigo para o regime português, por um lado, pela aproximação com a Alemanha, que poderia resultar numa influência alemã indesejada na península ibérica e, por outro, por uma possível ocupação hispano-germânica de Portugal. Nesse contexto, manter uma relação de amizade com Franco tornou-se uma prioridade na política externa portuguesa (Saraiva, 2018).

Relação essa que vinha já da Guerra Civil Espanhola, onde o líder português, demonstrou o seu apoio quer logístico14 quer diplomático15 ao General Franco, reconhecendo o governo de Franco na Assembleia Nacional, em 28 de abril de 1938. Ambos os líderes, atentos aos acontecimentos no continente europeu, pretendiam a mesma coisa, a neutralidade e “a marginalização da Península como cenário bélico” (Cardoso, 2018), além disso o “governante português, pretendia reter a Espanha dentro da área de influência britânica, moldando a atuação do Novo Estado espanhol e impedindo perigos estratégicos para com Portugal”16 (Cardoso, 2018), perigos esses, que resultavam de uma possível aproximação de Franco a Hitler e, conjuntamente a entrada de Espanha na Segunda Guerra Mundial.

13 “O “problema espanhol“, leva Oliveira Salazar a acompanhar cada vez mais de perto a política externa, o que faz inicialmente entregando a pasta a Armindo Monteiro entre 1936 e 1939, passando a ter por esta via e como centro fulcral das suas preocupações a Guerra Civil de Espanha (Cardoso, 2018)

14 Por exemplo, portugueses que batalharam na guerra civil espanhola, denominados como Viriatos.

15 Através de iniciativas diplomáticas, Portugal demonstrou apoio a Espanha, como demonstrou à GrãBretanha a necessidade de ajudar Franco na luta contra o comunismo na Europa.

16 “Por outro lado, a aspiração do governo franquista era a de ir progressivamente alterando a tutela britânica, pela espanhola, para com Portugal, procurando a primazia da aliança peninsular” (Cardoso, 2018). Porém, para Franco, era essencial afastar um possível desembarque de soldados britânicos na sua fronteira.

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Para a manutenção da neutralidade e da paz na península ibérica seria necessário um tratado diplomático entre os dois países. Nesse sentido, propôs-se a assinatura de um pacto de não-agressão entre os dois países, como observamos quando “o embaixador de Espanha em Lisboa, Nicolás Franco, procurou Oliveira Salazar, em férias, no Caramulo e colocou o seguinte problema: a Espanha, pretendia manter uma estrita neutralidade em caso de um futuro conflito europeu, pretendendo saber a atitude de Portugal numa situação de emergência, questionando se o governo português, poderia garantir a segurança das fronteiras terrestres num compromisso de absoluta reciprocidade” (Cardoso, 2018). Desse encontro, resultou a assinatura do Tratado de Não Agressão e de Amizade ou o Pacto Ibérico17. Portugal procurava evitar que a crescente influência alemã sobre Franco levasse a Espanha a entrar na guerra, já que uma possível entrada espanhola poderia acarretar problemas para Portugal. No entanto, esta procura encontrou obstáculos logo no início. Em julho de 1939, após a celebração do Tratado, “Teotónio Pereira foi recebido por Franco, que lhe assegurou a publicação imediata de um novo decreto de neutralidade. Contrariamente ao prometido, dois dias depois o governo espanhol declarava-se não-beligerante, concretamente: não participante belicamente no conflito, mas simpatizante com a causa do fascismo europeu” (Cardoso, 2018).

Porém, com a continuação da Guerra, em julho de 1940, foi assinado um Protocolo Adicional a esse, com o objetivo de reiterar a neutralidade ibérica18 O Bloco Ibérico, assim, surgiu como uma estratégia conjunta para salvaguardar a paz e a estabilidade na Península Ibérica.

Este pacto teve o apoio da Grã-Bretanha que receava a expansão da Alemanha, tanto na Península Ibérica como no Norte de Africa. Nesse sentido, surgiram bastantes elogios a esta iniciativa, como verificamos pela afirmação de Ronald Hugh Campbell

embaixador britâncio em Lisboa – If portuguese neutrality instead of beign strict had been

17 “O Tratado compreendia seis artigos, estipulava o absoluto respeito pelas fronteiras e território do país vizinho, obrigando cada uma das partes a não praticar qualquer ato de agressão e invasão, assim como a não prestar auxílio a agressor e a não participar em aliança ou pacto contra a outra parte, sendo que nenhuns compromissos futuros poderiam ser assumidos em contrário ao estipulado no documento diplomático” (Cardoso, 2018)

18 “Teixeira de Sampaio, diretor geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, admitia que as cláusulas do tratado cerceavam a liberdade de ação dos dois governos em relação a tratados ou atitudes que tivessem que tomar no futuro” (Cardoso, 2018), ou seja, este Pacto não implicava nenhuma alteração na aliança com a Grã-Bretanha. Por sua vez, esta entendia que “uma neutralidade ativa e o não-alinhamento do governo português no conflito mundial eram vitais no contexto da estratégia de guerra britânica, a neutralização da Península Ibérica” (Cardoso, 2018).

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more benevolent in allie´s favor, spain would inevitably have thrown herself body and soul into the arms of Germany. if this had happened the peninsula would have been occupied and then North Africa, with the result that the whole course of the war would have been altered to the advantage of the Axis”.

Assim, ao examinarmos a postura adotada por Portugal durante a Segunda Guerra Mundial, surge a pergunta inevitável: seria correto afirmar que Portugal manteve uma neutralidade pura nesse conflito global? Embora o país tenha oficialmente adotado uma posição de neutralidade, “cerca de dois anos antes do fim da terrível contenda, Portugal caminhava ao encontro dos aliados ocidentais” (Monteiro, 2019). Apoiando a ideia de Manuel Monteiro, a “neutralidade inicialmente proclamada e formalmente mantida até final, já tinha, na prática, sido ultrapassada desde o dia 8 de Outubro de 1943, dia da chegada dos ingleses a Angra do Heroísmo” (Monteiro, 2019)

Esta postura de Neutralidade formal trouxe-se consigo várias vantagens, como verificamos pelo discurso de Salazar: “Ficar à margem do conflito na Europa, não ser diretamente envolvido nas operações de guerra teria para nós em primeiro lugar a vantagem de poupar a nossa terra e a nossa gente a inomináveis destruições, depois permitir a consolidação do trabalho de restauração nacional, traduzir mais uma afirmação de independência no domínio mais delicado e transcendente, e finalmente respeitar a consciência geral angustiada por uma certa falta de lógica ou pela existência no conflito de elementos contraditórios, como os próximos anos demonstrarão” (Saraiva, 2018)

No entanto, a nova ordem internacional que emergiu no pós-guerra, com maior cooperação internacional, ênfase nos direitos e democracia, e desmantelamento dos impérios coloniais, não traria boas notícias para o regime, pelo contrário. Tendo-se de adaptar a sua posição neutral face a uma maior cooperação e integração internacional.

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Conclusão

A política de neutralidade adotada por Salazar durante a Segunda Guerra Mundial além de desempenhar um papel crucial na preservação da soberania e estabilidade de Portugal desempenhou ainda um papel crucial no destino da guerra. Embora tenha enfrentado desafios e pressões de diferentes potências, com particular importância a estreita relação que Franco tinha com Hitler e o receio de o levar consigo para a Guerra levou Salazar a procurar uma aliança estratégica com a Espanha, sendo assinado o Pacto Ibérico, que garantiu a neutralidade ibérica. Este resultou num dos acordos diplomáticos mais importante da Segunda Guerra Mundial que teve como efeito restringir a expansão germânica. Assim, Salazar manteve uma posição firme, buscando equilibrar as relações internacionais e proteger a integridade territorial de Portugal. A política de neutralidade permitiu a Portugal manter laços comerciais com várias nações, garantindo a sobrevivência econômica durante um período turbulento. Além disso, a neutralidade pode ter contribuído para a preservação da estabilidade interna e a continuidade do regime salazarista. No entanto, a sua posição neutralidade foi mais uma posição em papel pois, no final da guerra, Salazar aproximou-se ainda mais dos aliados, como verificamos pela cedência da Base das Lajes. Após a guerra, a nova ordem internacional baseada em cooperação e descolonização não trouxe boas notícias para o regime português, que teve que se adaptar a uma maior integração internacional.

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