Mediação da Turquia no conflito entre a Rússia e a Ucrânia
Pós-Graduação em Relações Internacionais e Diplomacia Política e Económica, no Centro Universitário Lusófona – Porto

As Relações Internacionais e as Negociações Políticas e Económicas
Pedro Daniel Pereira Vaz – a22200955
Resumo
Este trabalho explora o papel da Turquia como mediador na guerra em curso entre a Rússia e a Ucrânia, destacando a sua importância como um país com boas relações com ambas as partes envolvidas no conflito Procuramos analisar a história das relações diplomáticas entre a Turquia e os dois países em conflito, bem como a postura da Turquia em relação ao conflito e os seus esforços para encontrar uma solução pacífica, explorando as iniciativas diplomáticas da Turquia para encontrar uma solução para a guerra Analisamos também os desafios enfrentados pela Turquia na mediação e os possíveis desdobramentos do seu envolvimento na resolução do conflito. Concluindo-se que, a Turquia pode desempenhar um papel significativo na mediação do conflito, mas precisa de enfrentar alguns desafios importantes, incluindo a falta de confiança mútua entre as partes em conflito e a dificuldade de manter a sua neutralidade diante interesses conflituantes.
Palavras-chaves: Turquia; Mediação; Rússia; Ucrânia; Guerra; Grain Deal
Abstract
This paper explores the role of Türkiye as a mediator in the ongoing war between Russia and Ukraine, highlighting its importance as a country with good relations with both parties involved in the conflict. We aim to analyze the history of the diplomatic relations between Türkiye and the two conflicting countries, as well as Türkiye´s stance towards the conflict and its efforts to find a peaceful solution, by examining Türkiye´s diplomatic initiatives to end the war. We also analyze the challenges Türkiye faces in mediation and the possible outcomes of its involvement in resolving the conflict. We conclude that Türkiye can play a significant role in mediating the conflict but needs to overcome some important challenges, including the lack of mutual trust between the conflicting parties and the difficulty of maintaining neutrality in the face of conflicting interests.
Key-words: Türkiye; Mediation; Russia; Ukraine; War; Grain Deal
Introdução
Desde 2014, a Rússia e a Ucrânia têm estado envolvidas numa guerra que tem gerado grandes preocupações internacionais em relação à segurança e a paz internacional A situação agravou-se com a mais recente invasão em 22 de fevereiro de 2022, trazendo consigo consequências sentidas em todo o mundo. O conflito atual tem as suas origens na anexação da Crimeia, por parte da Rússia e, do apoio dessa a separatistas pró-russos em áreas do leste da Ucrânia. Em mais de 12 meses da recente invasão russa já morreram mais de 10.000 pessoas e provocou a retirada de 8.3 milhões da Ucrânia1, principalmente para outros países europeus, resultando em mais uma crise imigratória. A guerra em curso tem sido um dos conflitos mais complexos da história recente, trazendo consigo enumeres crises, além da humanitária, tendo impactos noutros ramos, como na energia, com a interrupção do fornecimento de gás para a Europa, e na segurança alimentar, devido ao facto que os dois países em guerra são dos principais exportados de cereais, vendo as suas exportações serem suspensas pelo conflito.
Nesse contexto, muitos países e organizações internacionais têm se envolvido ativamente na tentativa de encontrar uma solução para o conflito. Entre esses atores, a Turquia tem desempenhado um papel de destaque como mediadora do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, aproveitando a sua posição estratégica e as suas relações diplomáticas com ambas as partes para encontrar uma solução para a crise.
Este trabalho explora o papel da Turquia como mediador na guerra em curso entre a Rússia e a Ucrânia, destacando a sua importância como um país com boas relações com ambas as partes envolvidas no conflito. Através da análise da história das relações diplomáticas entre a Turquia e os dois países em conflito, bem como os recentes esforços da Turquia para encontrar uma solução pacífica, como a sua participação na mediação do Grain Deal, com este artigo pretendemos examinar os desafios e as possibilidades do envolvimento da Turquia na resolução do conflito e avaliar a eficácia dos seus esforços de mediação.
1 ((UNHCR), 2023)
Sabendo que a guerra em curso é um dos conflitos mais complexos da história recente, trazendo consigo crises humanitárias, energéticas, alimentares, entre outras e, pelo facto de não haver uma análise muito extensa por outros autores sobre o mesmo tema, acreditamos que a análise do papel da Turquia como mediador poderá contribuir para um melhor entendimento de possíveis formas para resolver a situação atual.
Relação da Turquia com a Mediação
Antes de começarmos a análise à mais recente iniciativa de mediação turca no conflito entre a Rússia e a Ucrânia é fundamental entender o histórico das mediações realizadas pela Turquia noutros conflitos, especialmente, nos conflitos regionais e os motivos que a levaram-na a conduzir essas negociações. Essa análise permitirá avaliar as competências da Turquia como mediadora, além de compreender as razões pelas quais a Turquia tem se envolvido em esforços de mediação. Dessa forma, poderemos ter uma visão mais ampla da importância do papel da Turquia na resolução de conflitos internacionais e do impacto que as suas ações podem ter no cenário global e, mais importante, na mediação do conflito atual entre a Rússia e a Ucrânia.
A Turquia tem uma longa tradição de atuar como mediadora em conflitos internacionais, o que se deve em grande parte à sua posição geostratégica. Desde a década de 1950, o país tem desempenhado um papel importante como ator regional, envolvendose em vários esforços de mediação em conflitos na sua região, bem como noutras partes do mundo. A posição geoestratégica da Turquia, localizada “culturalmente e geograficamente entre a Europa, Médio Oriente e a Ásia” (Sandole, 2009) confere-lhe uma vantagem única em relação a outras nações na região. Com a sua posição central e a sua história2 de atuação como ponto entre diferentes culturas, a Turquia tem sido capaz de construir pontes diplomáticas entre diferentes atores internacionais e de contribuir para a resolução pacífica de conflitos.
Além disso, a política externa de mediação tem sido uma prioridade dos governos turcos nas últimas décadas, reconhecendo a importância da diplomacia como uma forma de promover a estabilidade e a segurança na região. Essa abordagem tem como objetivo a procura por soluções pacíficas e uma ênfase na mediação que, tem levado a um grande número de iniciativas lideradas pela Turquia, que abrangem uma variedade de conflitos, desde conflitos regionais até questões globais. O governo turco tem se comprometido com a mediação e a negociação como ferramentas para resolver conflitos e, tem buscado estabelecer parcerias estratégicas para a paz e a segurança na região.
Para entendermos essas mediações, temos de compreender o seu contexto político, e a sua longa tradição de atuar como mediadora em conflitos internacionais. Em parte, a sua política externa de promover a estabilidade e segurança na sua região, deve-se ao
2 Como sucessora do Império Otomano, a Turquia carrega consigo uma rica tradição de interação com diversos países, uma herança que perdura até aos dias de hoje.
seguimento de duas ideias principais: “Peace at Home, Peace in the World” e “Zero Problmes with Neighbors”. Ambas as ideias incentivam a Turquia a procurar soluções pacificas para conflitos regionais e a utilizar a diplomacia como uma forma de garantir a estabilidade e segurança na sua região.
A primeira, foi introduzida por Mustafa Kemal Atatürk, fundador da República da Turquia, com o objetivo de fortalecer o país a partir de dentro, promovendo a paz e a unidade interna. Em consonância com essa política, a Turquia procurou desenvolver as suas capacidades internas, aprimorando a sua economia, reforçando as suas instituições democráticas e promovendo o desenvolvimento social. Com um país mais estável e seguro, a Turquia poderia então desempenhar um papel mais efetivo na promoção da paz e da estabilidade na sua região e no resto do mundo. Destaca assim, a importância de garantir a paz e a estabilidade dentro do país como um pré-requisito para a promoção da paz e da estabilidade na sua região. Isso significava que, para a Turquia, a resolução de conflitos regionais começa em casa, e que a estabilidade interna do país é crucial para a sua capacidade de desempenhar um papel construtivo na resolução de conflitos em outras partes do mundo. Este princípio integrante da ideologia fundadora da Turquia, Kemalismo, manteve-se como uma importante fonte da política externa da Turquia, destacando a necessidade de resolver os conflitos tanto regionais como globais, uma vez que estes podem afetar a posição turca.
O partido AKP, quando chegou ao poder, depois de ganhar as eleições de 2002, prometeu ter boas relações com os seus vizinhos, mas foi após anos que introduziu a política “Zero Problems with Neighbours”, sendo articulada pelo Ahmet Davutoglu, em 20093, e num curto período de tempo, “as relações políticas/diplomáticas negativas da Turquia com os seus países vizinhos começaram a mudar” (Akin, 2014). A ideia era que a Turquia deveria estabelecer relações de boa vizinhança com todos os seus vizinhos, independentemente de diferenças ideológicas ou religiosas. Isso permitiria que a Turquia atuasse como um facilitador na resolução de conflitos regionais e se tornasse um ator importante na promoção da paz e da estabilidade na região.
Contudo, não podemos afirmar que esta política não encontrou desafios significativos e, em algumas circunstâncias, falhou por completo. A Turquia enfrentou tensões com vários dos seus vizinhos, incluindo a Grécia, o Iraque e o Egito. Além disso, a instabilidade na região, incluindo o conflito na Síria e a ascensão do Estado Islâmico, apresentou mais desafios para a posição turca. Independente disto, após a implementação desta iniciativa, a “Turquia começou a desempenhar um papel mais ativo na política internacional e melhorou as suas relações e influência com muitos países” (Akin, 2014), resultando numa abordagem mais proativa da diplomacia turca, incluindo a utilização da mediação para resolver conflitos regionais e internacionais (Akin, 2014).
Além da sua posição cultural e geográfica e das suas políticas externas de mediação, a Turquia também é membro de várias organizações internacionais. Esta, como
3 (Özcan, 2012)
parte da sua participação, tanto como fundadora, como membro ou mesmo observadora4 , fortalece a posição da Turquia no cenário internacional (Akin, 2014)
A participação nestas organizações pode ser vista como um indicativo do seu compromisso com o multilateralismo e a cooperação internacional para resolver os conflitos e promover a estabilidade na região e no mundo. Através da sua participação nestas organizações, a Turquia tem tido a oportunidade de oferecer a sua experiência e conhecimento em mediação e diplomacia para ajudar a resolver conflitos em diferentes partes do mundo.
Outro indiciativo do seu compromisso com a mediação, é no papel que procurou desempenhar lançando ou participando em iniciativas como a Conferência de Mediação de Istambul; “Medition for Peace Iniciative”; Groups of Friends of Mediation”, sendo ainda um estado-membro da “OSCE”, que têm também iniciativas de mediação. Além disso, é também membro da Organização para a Cooperação Islâmica; participa na Aliança das Civilizações das Nações Unidas, como também lançou iniciativas com foque na diplomacia, das quais resulta a “Antalya Diplomacy Forum”, tornando-se atualmente uma plataforma importante para o diálogo e a cooperação internacional Ancara, com estas iniciativas, procura desempenhar um papel construtivo na promoção da paz, estabilidade e prosperidade da sua região, como noutras partes do mundo, demonstrando a sua determinação em trabalhar em conjunto com outros países para encontrar soluções pacíficas para conflitos regionais e globais.
Todas estas iniciativas demonstram o compromisso da Turquia em desempenhar um papel construtivo na mediação de conflitos e na promoção da paz e da estabilidade tanto na sua região, como noutras partes do mundo. Através da participação ativa em organizações internacionais e iniciativas de mediação, a Turquia tem sido capaz de desempenhar um papel importante na mediação de vários conflitos ao redor do mundo. Além da mediação oferecida à Rússia e à Ucrânia, a Turquia já participou em diversas mediações, por exemplo, procurou reconciliar os conflitos no Iraque, Líbano, e Quirguistão, participou ainda em dois processos separados de cooperação trilateral lançados com a participação da Sérvia e da Croácia para alcançar a paz na situação da Bósnia-Herzegovina, participou ainda, num mecanismo de cooperação trilateral lançado com o Afeganistão e o Paquistão, como o objetivo de resolver “as relações tensas entre os vizinhos devido à desconfiança afegã no apoio do Paquistão aos Talibãs” (Donat, 2013), entre outros processos de mediação.
Embora em alguns dos exemplos referidos ainda haja situações precárias à paz e à estabilidade, não se pode ignorar a importância da diplomacia turca para tentar resolver esses conflitos, por exemplo, na mediação fornecida à Bósnia e Herzegovina, a Turquia
4 Por exemplo, a Turquia é membro fundador da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (1975), como também é fundadora da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (1948), além de ser membro fundador de outras organizações internacionais, como a Organização para a Cooperação Islâmica, é ainda membro de outras organizações como o Conselho da Europa, aderindo em 1950. Além disto, a Turquia tem o status de observadora em organizações como a União Africana e da Organização dos Estados Americanos, entre outros.
atuou como mediador nas negociações de paz que culminaram nos acordos de Dayton, em 1995, que levaram ao fim do conflito, demonstrando o seu empenho para a resolução de conflitos regionais e internacionais. Além deste exemplo, a Turquia tem sido um ator importante na mediação de conflitos no Médio Oriente, onde coordenou negociações entre os chefes de Estados da Turquia, Afeganistão e Paquistão, sendo um passo concreto para a resolução pacífica do conflito.
A experiência da Turquia em lidar com conflitos e a sua posição geográfica estratégica, que a coloca no cruzamento da Europa, Médio Oriente e a Ásia, fazem dela um ator importante na diplomacia de mediação, que pode ser um ponto positivo para resolver o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, que nos ocuparemos em seguida.
Mediação da Turquia no conflito entre a Rússia e a Ucrânia
Conflito entre a Rússia e a Ucrânia
O conflito entre a Rússia e a Ucrânia tem as suas origens nos eventos de 2014. No entanto, a situação foi agravada com a mais recente invasão de fevereiro de 2022. Desde o início do conflito, a comunidade internacional tem procurado encontrar soluções para a crise, resultando na assinatura dos Protocolos de Minsk, que são um conjunto de acordos assinados em 2014 e 2015 entre a Ucrânia, a Rússia, e as forças separatistas pró-russas que combatiam na região de Donbass, no leste da Ucrânia. Estes acordos foram negociados no formato de um grupo de contacto trilateral que além de incluir representantes das partes em conflito, incluía também a OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa)
O objetivo do protocolo era acabar com o conflito no leste da Ucrânia, estipulando medidas para um cessar-fogo, para uma retirada de tropas e retirada de armamento pesado, bem como a realização de reformas políticas destinadas a resolver as questões subjacentes que levaram ao conflito5. O acordo visava proporcionar uma solução pacífica e duradoura para a crise, promovendo a estabilidade e a segurança na região. No entanto, apesar de vários acordos e cessar-fogos, a implementação plena do protocolo nunca foi alcançada e o conflito nunca foi resolvido, culminando com a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022. O presidente Putin anunciou em 22 de fevereiro de 2022 que o acordo estava morto, apenas dois dias antes de iniciar a nova invasão.
Consideramos que os acordos estabelecidos no Protocolo de Minsk, embora celebrados com a intenção da paz, foram, na verdade, a fundação para o atual conflito, pois, embora as suas intenções, a sua implementação nunca foi bem-sucedida. Observamos que do lado da Rússia, a agressora de ambos os conflitos, saiu com vantagens territoriais e estratégicas, a Rússia viu uma resposta insuficiente do resto do mundo,
5 A proposta de uma reforma constitucional por parte da Ucrânia, incluindo a descentralização com menção específica a Donetsk e Luhansk, bem como a realização de eleições nessas regiões são exemplos dessas reformas políticas que foram acordadas no Protocolo de Minsk.
principalmente da Europa, em responder ao conflito de maneira acertada e, do outro lado da mesa, a Ucrânia, viu-se obrigada a ceder em várias questões, o que contribui para a escalada do conflito e para o aumento das tensões entre as partes envolvidas. Esses fatores, somados a outros mais recentes, levaram ao agravamento da situação e à continuação da guerra na região.
Neste capítulo, procuramos analisar as relações que a Turquia tem com a Rússia e a Ucrânia, a fim de compreender de que forma poderá contribuir para a mediação do conflito. Para tal, iremos avaliar as negociações mediadas pela Turquia, com destaque para o caso do Grain Deal, bem como realizaremos uma análise da efetividade da mediação turca Além disso, consideramos a complexidade do contexto geopolítico em que a Turquia está inserida e as possíveis implicações da sua atuação como mediadora nesse conflito.
Importa agora analisar as relações que a Turquia tem com as partes em conflito, para entendermos melhor de que maneira a Turquia apareceu como possível mediadora do conflito.
Relações da Turquia com as partes (Rússia e Ucrânia)
A Turquia tem tentado balançar cuidadosamente a relação que tem com a Rússia e com o Ocidente, incluindo com membros da NATO, que tem sofrido algumas divergências, muitas das quais decorrem da proximidade entre Putin e Erdoğan. Essa proximidade manifestou-se em iniciativas como a aquisição dos misseis S-400 da Rússia, bem como, outras aproximações bilaterais6 em áreas que vão desde a segurança até ao setor energético.
Apesar de haver uma certa proximidade a Moscovo, não deixa de haver alguns momentos de confronto com Putin. A questão da Síria é um exemplo desse confronto, uma vez que ambos os países têm apoiado atores diferentes no conflito sírio.
Independentemente da relação que Ancara tem com Moscovo, a Turquia considerou a mais recente invasão como guerra7, podendo agora fechar os estreitos de Bósforo e do Dardanelos a navios militares, segundo a Convenção de Montreux de 19368 Contudo, apesar de ter votado a favor na resolução das Nações Unidas, condenando a
6 No entanto, como Tacan Ildem afirmou, estas relações bilaterais “têm sido conduzidas por uma cuidadosa compartimentalização de interesses estratégicos e divergências.” (Ildem, 2022)
7 E não como uma “special militar operation” que não lhe dava fundamento legal para fechar os estreitos.
8 Com o objetivo de evitar que o conflito se alastre para o Mar Negro, a atitude da Turquia em fechar os estreitos foi muito apreciada pelas autoridades ocidentais, como as de Kiev, que haviam solicitado essa medida logo após o início do primeiro ataque russo em seu território. Essa ação pode afetar a capacidade de combate da Rússia no longo prazo, mas a Rússia também está ciente de que a fechar o estreito a navios de guerra, também não poderão entrar navios de estados não costeiros no Mar Negro, por exemplo, os EUA.
Rússia, não impôs qualquer tipo de sanções9, nem fechou o seu espaço aéreo a aviões civis russos10, levando a especulações que Erdoğan está a tentar jogar nos dois lados.
A reação da Turquia à guerra tem sido uma reação consistente e independente, por um lado apoia a questão territorial da Ucrânia, mas, ao momento em que escrevemos este artigo, ainda não aplicou sanções à Rússia11, aliás, vemos que a relação entre os dois países tem florescido, resultando num aumento dos laços económicos entre os dois países, que após as sanções impostas à Rússia, esta viu-se obrigada a procurar outros parceiros económicos, reforçando as relações com a Turquia, China e a India. Podemos ainda especular se a Turquia não tem ajudado a Rússia a fugir às sanções impostas pelo Ocidente12 , criando canais para os negócios russos poderem escapar às sanções, resultando num grande número de empresas russas a abrir filiais na Turquia, tornando-se numa espécie de “Russian Transit Hub”, permitindo que as sanções sejam contornadas13 . Assim, a Turquia tem se mantido como o país mais amigável perante a Rússia de todos os membros da NATO.
O facto da Turquia ter uma relação de “frenemy” com a Rússia implica ter cuidado como reage ao conflito. Embora a Turquia dependa da Rússia em vários aspetos, tanto a nível económico, energético, turismo e até mesmo em equipamentos bélicos, também corre o risco de sofrer consequências adversas caso a Rússia decida agir contra os seus interesses em conflitos ativos, que ambas as partes encontram-se em lados opostos, como é o caso da situação da Líbia, Síria, e no conflito entre Arménia e Azerbaijão. Portanto, a Turquia deve ponderar cuidadosamente como reage ao conflito, considerando o equilíbrio delicado das suas relações com a Rússia e a necessidade de proteger os seus próprios interesses e aliados nas situações referidas14
9 Podemos observar nas palavras de Erdoğan referindo que “não aderimos às sanções pois estas não foram introduzidas pela ONU, apesar de continuar a reconhecer e a apoiar o direito dos ucranianos à defesa e proteção, bem como defendemos os princípios da integridade territorial. Temos seguido essa política equilibrada até agora e continuaremos a fazê-lo.”
10 Embora a Turquia não tenha fechado o seu espaço aéreo a aviões civis russos, ela optou por restringir o acesso a aviões militares russos.
11 Ancara fornece duas razões fundamentais para não aderir às sanções impostas pela União Europeia à Rússia, primeiro, a Turquia não é membro da União Europeia e, portanto, não é obrigado a impor sanções, em segundo lugar, a Turquia não acredita que as sanções consigam persuadir a Rússia a parar com a guerra. No entanto, a Ucrânia não deixa de estar desapontada com a Turquia não ter aderido às sanções impostas pelo “Ocidente” à Rússia, agravando-se a situação pelo facto que a Turquia fortaleceu ainda mais as relações económicas com a Rússia.
12 O presidente francês, Emanuel Macron apoiou esta ideia, vindo pedir a Erdoğan para que este combata a evasão de sanções russas, acrescentando que “a pressão e o isolamento da Rússia devem ser aumentados” para forçar Moscovo a desistir do seu ataque”
13 A Turquia procurou atrair investimento, com iniciativas como a atribuição de cidadania, sendo altamente atrativo para os cidadãos russos, pois permite obter um passaporte turco num curto período de tempo, após um investimento 400.000 USD, no mercado imobiliário ou um investimento de 500.000 USD em empresas, fundos de investimento. Isto resultou num aumento significativo da venda de imóveis para cidadãos russos. Assim, os oligarcas russos encontraram na Turquia um “safeheaven” para o seu dinheiro e para os seus iates.
14 A relação com a Rússia já foi colocada várias vezes a teste, basta relembrar do avião russo que foi abatido pela Turquia em 2015, ou o assassinato de mais de 30 soldados turcos em Idib por operações conjuntas entre a Rússia e a Síria em 2020. “Embora tais incidentes tenham o potencial de criar tensões, a Turquia e
No outro lado, as relações entre a Turquia e a Ucrânia “remontam muito antes da guerra ter começado, devido às suas relações culturais, históricas e geográficas”15 (Güney, 2022). Nos últimos 12 anos, a Turquia tem demostrado interesse em fortalecer os laços bilaterais e desenvolver uma cooperação mais próxima com a Ucrânia. Esta parceria tem abrangido diferentes áreas. No âmbito da defesa, a Turquia tem fornecido equipamentos militares importantes para a Ucrânia, por exemplo, os drones Bayraktar TB-216, que têm desempenhado um papel fundamental na luta contra a Rússia17 , juntamente com outros equipamentos bélicos, como armas, munições e, até mesmo na construção da primeira classe Ada corveta. No aspeto político, a Turquia têm expressado apoio mútuo à integridade territorial e soberania da Ucrânia. No campo económico, a Turquia é um importante parceiro comercial da Ucrânia, tendo as suas relações comerciais crescido nos últimos anos, abrangendo uma variedade de setores, como a energia, agricultura, turismo além da produção de diversos produtos. Um exemplo desse crescimento das relações comerciais é com a celebração de um acordo de livre comércio, a 3 de fevereiro de 2022, em que “o volume de cooperação entre os dois lados era bastante extenso, mas devido ao surgimento da guerra, a maioria dos objetivos deste acordo não pôde ser finalizados” (Güney, 2022). Além disso, as relações culturais entre a Turquia e a Ucrânia são significativas, os dois países têm uma longa história compartilhando laços culturais e históricos Como exemplo dessa relação é a comunidade de Tártaros na Crimeia, que demonstra a presença e influência cultural turca na região, “tornando-a uma aliada natural para a Ucrânia diante a anexação russa da Crimeia” (Kusa, From Ally to Mediator: How Russia’s Invasion Has Changed Ukraine-Turkey Relations, 2022). No entanto, a guerra com a Rússia forçou a Kiev a “adotar uma visão mais realista da política externa turca. A Ucrânia não vê a sua relação com a Turquia como parte da sua parceria com o Ocidente” (Kusa, From Ally to Mediator: How Russia’s Invasion Has Changed
a Rússia até agora conseguiram demonstrar impressionantes recuperações. Esta habilidade de restabelecer laços após sérios contratempos, além da característica da compartimentalização, é uma força-chave desse engajamento bilateral” (Ildem, 2022)
15 A Turquia foi uma das primeiras administrações a reconhecer a independência ucraniana da União Soviética.
16 A Turquia também se comprometeu a fabricar esses drones na Ucrânia, planos que foram travados com o início da guerra. Além disso, o próprio produtor dos drones, Selçuk Bayraktar, referiu que Ancara não ia vender esse equipamento à Rússia, “esta forte promessa comprova a posição justa da Turquia em relação ao governo ucraniano durante esta guerra” (Güney, 2022)
17 Além disso, a eficácia e importância destes drones, no campo de batalha, tem trazido reconhecimento à indústria de defesa da Turquia, que já tentava ganhar mercado, mesmo antes da guerra ter começado e, mais importante, demonstra também a iniciativa do governo de Erdoğan em não depender exclusivamente das exportações de material bélico dos Estados Unidos (a Turquia enfrentou vários desafios nesse sentido, incluindo a sua suspensão do programa do avião F-35, ou a recente suspensão da venda de F-16).
Ukraine-Turkey Relations, 2022) Nenhum dos lados vê o outro como um parceiro estratégico de longo prazo, a relação foi construída com base numa cooperação pontual e seletiva, como na fabricação dos drones referidos, na construção de infraestrutura de transporte, comércio de grãos, e solidariedade em relação à Crimeia, além de questões de segurança no transporte marítima do Mar Negro.
Para a Turquia, entre as partes em conflito, a Rússia continua a ser o seu maior parceiro económico e de segurança18 . Isso foi demonstrado quando assinou o projeto TurkStream, um projeto de gasoduto que tem como objetivo contornar o território ucraniano e fornecer gás russo à Europa19 .
Erdoğan está a tentar usar a invasão russa para aumentar ainda mais a sua influência regional e global20 , assumindo o papel de mediador. Para isso, tem adotado uma abordagem equilibrada, desempenhado um papel crucial ao possibilitar o estabelecimento de contactos com ambas as partes, por meio de esforços diplomáticos, visando facilitar acordos em diversas áreas. “Esses esforços têm produzido resultados tangíveis, como o Grain Deal e o acordo de troca de prisioneiros de guerra, o que evidencia a importância de manter canais de comunicação abertos com ambas as partes para alcançar resultados concretos em termos humanitários.” (Ildem, 2022)
Enquanto mantém o suporte à Ucrânia, por outro lado, tenta manter a sua relação com a Rússia estável, pretendendo assim funcionar como um terceiro imparcial ao conflito, incentivando que as partes mantenham um canal de comunicação aberto para tentar resolver o conflito. Essa abordagem tem obtido resultados a nível diplomático positivos. Um desses resultados, foi em março de 2022, durante o Fórum de Diplomacia de Antalya, a Turquia conseguiu reunir os ministros das Relações Externas de ambos os países, Surgey Lavrov e Dmytro Kuleba, com o objetivo de encontrar uma solução pacífica para o conflito, infelizmente, esta iniciativa pouco influenciou o conflito, mas
18 Esta parceria tem vindo a ser criticada tanto pelo Ocidente como pela Ucrânia. Embora a Rússia seja um parceiro económico de grande importância para a Turquia, é importante destacar que a União Europeia se mantém como o seu parceiro económico de “preferência”. Nesse contexto, a União Europeia tem expressado preocupações em relação a essa relação bilateral entre a Turquia e a Rússia.
19 Porém, a União Europeia estabeleceu planos para reduzir e eventualmente eliminar a sua dependência do gás russo até ao ano de 2027.
20 Os ganhos da Turquia também podem ser observados na sua relação com os seus aliados Ocidentais e em particular, com os membros da NATO, bloqueando as adesões da Suécia e da Finlândia à NATO para buscar concessões e ganhar relevância no palco internacional.
“demonstrou o êxito dos esforços diplomáticos turcos em ter acesso tanto a Kiev como Moscovo” (Güney, 2022). Contudo, as iniciativas turcas de procurar uma solução pacífica ao conflito não se limitaram a esse evento e continuaram em diferentes fases do conflito. A Turquia persistiu com os seus esforços diplomáticos, resultando em mais uma ronda de negociações em Istambul que, também nada influenciou o resultado da guerra. Estas iniciativas têm sido amplamente elogiadas por líderes internacionais e por ambos os lados do conflito, com a Turquia a ser vista como um ator importante e confiável na região.
GRAIN DEAL
O Grain Deal, celebrado entre a Rússia e a Ucrânia, com mediação da Turquia juntamente com o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, tem sido visto como o mais recente sucesso da mediação turca, pois contribui para restabelecer um mínimo de segurança alimentar sobretudo nos países mais pobres, como a Líbano, Síria, Egito21. Esse acordo desempenha um papel crucial na garantia do fornecimento de grãos essenciais para atender às necessidades alimentares da população e mitigar os impactos da crise alimentar causada pela guerra22. A 22 de julho de 2022, em Istambul, o primeiro acordo foi celebrado, com a mediação da Turquia, o acordo veio permitir que a Ucrânia continuasse a exportar cereais de três portos (Odesa; Chernomorsk and Yuzhny) e permitia que a Rússia pudesse também exportar cereais e fertilizantes. O acordo estabeleceu ainda um centro de controlo em Istambul (Joint Coordination Center), que tem como membros do staff, oficiais da Nações Unidas, da Turquia, Rússia e Ucrânia, tendo como função verificar os navios, impedindo que esses transportassem materiais bélicos. Este acordo estabeleceu um precedente. A Rússia está preparada a fazer pequenas concessões em troca do alívio das sanções, não tendo objeções ao papel de mediador desempenhado por Erdoğan, no outro lado, parece que a Ucrânia também não se opõe à mediação da Turquia. Demonstrando, mais uma vez que, “a atuação proativa e equilibrada da Turquia na diplomacia, baseada na confiança construída entre Ancara-Kiev e AncaraMoscovo, produziu naturalmente um resultado muito produtivo na concretização do acordo de 22 de julho” (Güney, 2022).
21 “Ao contrário da perceção popular, a maioria das exportações que foram enviadas dos portos ucranianos do Mar Negro não foi para os países mais pobres, mas sim para a Europa e a Turquia” (Kusa, The UkraineRussia Grain Deal: Sucess or Failure?, 2023)
22 Depois do acordo ter sido celebrado os preços baixaram 7.9% desde março de 2022, libertando pressão do mercado alimentar, mas na mesma, estão mais altos do que 2021.
Este acordo, ao contrário do que alguns atores podiam ter pensado, não resultou num cessar-fogo no conflito23 , enfrentou, pois, ao longo da sua duração, uma série de desafios. Um desses desafios foi o anúncio da Rússia, a 29 de outubro, que se ia retirar do “Grain Deal”, justificando a sua ação por um alegado ataque ucraniano à frota russa Pouco tempo depois, a Rússia voltou atrás, anunciando que voltaria ao acordo, após negociações com a Turquia. Esta retirada demonstrou duas coisas essenciais, por um lado, mostrou a vulnerabilidade do acordo e a facilidade da Rússia pressionar o Ocidente24 , desestabilizando os preços mundiais dos alimentos25 . Por outro, ilustrou a influência que a Turquia exerce no Mar Negro, “tanto como um interlocutor-chave entre as partes quanto como um ator que contraria a Rússia.” (Kusa, The Ukraine-Russia Grain Deal: Sucess or Failure?, 2023)
Este acordo, além dos desafios mencionados, também enfrentou algumas controvérsias levantadas pela Ucrânia. Dmytro Kuleba, Ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, levantou alegações de que a Turquia permitiu a passagem de mísseis S-300 num dos navios oriundos da Síria. Estas acusações tiveram impactos na imagem pública de Ancara na Ucrânia. Além deste, é frequentemente ver a alegação da Ucrânia que a Rússia está a bloquear ou dificultar o acordo.
Outro desafio encontrado na posição da Ucrânia foi a proibição da importação de cereais e outros produtos agrícolas da Ucrânia, por parte de estados-membros da União Europeia, concretamente a Polónia, a Hungria, Eslováquia e Bulgária, alegando a proteção dos agricultores domésticos. Isto poderia ter sido um dos primeiros sinais que demonstram o “cansaço” europeu em apoiar a Ucrânia, porém, a União Europeia esforçou-se para terminar com a proibição e reforçar os laços com a Ucrânia.
23 “Diplomatic efforts achieved the impossible by bringing two warring parties together and making them compromise over a major issue. Some hopefully stated that the deal might be the harbinger of a possible ceasefire down the line” (Elmah, 2022)
24 “Russia´s attempt to abandon the deal demonstrated that Moscow doesn´t see it as a trust-building measure but rather is trying to instrumentalize it as part of its war-effort. Nor does Ukraine see the agreement as part of a potential peace process” (Kusa, The Ukraine-Russia Grain Deal: Sucess or Failure?, 2023)
25 A retirada temporária da Rússia do acordo teve como consequência um aumento significativo dos preços do trigo.
A 18 de maio a Rússia aceitou prolongar o acordo por mais 2 meses26, marcando a segunda renovação do mesmo. Essa decisão reflete a importância contínua do acordo e o reconhecimento dos benefícios que ele proporciona para ambas as partes envolvidas como para o resto do mundo.
Não podemos afirmar que a mediação turca ajudou a procurar um caminho para a paz, no entanto, enfrentando uma potencial crise alimentar, com possíveis impactos devastadores, a Turquia chegou-se à frente, mediando um acordo que no início da guerra parecia impossível. A determinação turca, de estabilizar os preços da comida e, procurar ganhar influência na sua região, resultou ainda, em impactos positivos também na política interna. Esse apoio resultou na sua reeleição do presidente Erdoğan a 28 de maio de 2023, sendo logo congratulado por Putin. A proximidade entre os dois presidentes é evidente e, a eleição de um novo presidente na Turquia poderia colocar em risco a relação de proximidade que Putin se viu quase forçado a fazer com a Turquia.
O Grain Deal não resultou assim numa fase inicial de negociações de paz, tanto a Rússia como a Ucrânia não confiam na outra parte, demonstrando que não estão preparadas para se sentarem à mesa e começarem as negociações, de forma a alcançar a paz no conflito. Porém, um efeito secundário do acordo foi reforçar a liderança geopolítica da Turquia na região. Ancara reforçou a sua imagem diplomática “ao apresentar o acordo como uma conquista que auxilia países africanos e asiáticos dependentes de alimentos” (Kusa, The Ukraine-Russia Grain Deal: Sucess or Failure?, 2023). Além disso, a Turquia consolidou o seu papel como um mediador chave na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, demonstrando que tem capacidade para dialogar com as duas partes.
Erdoğan, em particular, conseguiu capitalizar o acordo ao posicionar a Turquia no centro de futuros acordos entre Kiev e Moscovo. Neste sentido, o acordo poderá levar a mediação turca de uma escala regional para uma escala mundial” (Kusa, The UkraineRussia Grain Deal: Sucess or Failure?, 2023)
26 A China tem se posicionado de forma contundente, utilizando a sua influência e poder para persuadir a Rússia a prolongar o acordo. A pressão da China em prol do prolongamento do acordo tem sido uma questão relevante e merecedora de uma análise mais extensa.
Recentemente, o presidente Erdoğan tem referido as suas intenções em tentar trazer o presidente Putin como o presidente Zelensky para a Turquia, com o objetivo de facilitar o diálogo de maneira a encontrar uma solução pacífica para o conflito. No entanto, como referimos ao longo deste trabalho, é importante ressaltar que ainda estamos longe de uma conversa “séria” entre as partes. Mais, a 5 de janeiro de 2023, “o presidente Erdoğan afirmou que os apelos pela paz e negociações devem ser apoiados por um cessarfogo unilateral e uma visão para uma solução justa” (Monde, 2023). No entanto, à data ainda não se concretizou e, estamos ainda longe de uma possível solução pacífica para o conflito.
Considerações Finais
A avaliação da mediação turca no conflito entre a Rússia e a Ucrânia é algo que ainda não podemos definir como um sucesso ou um fracasso, porém, não negamos que esta desempenha um papel significativo e complexo. Ao longo do conflito, a Turquia adotou uma abordagem equilibrada e pró-ativa, procurou promover o diálogo entre as partes envolvidas, através de relações diplomáticas estabelecidas com ambos os países.
A sua posição geográfica, as relações com as partes envolvidas, juntamente com o seu historial de mediações, proporcionam à Turquia uma plataforma capaz de mediar o conflito entre a Rússia e a Ucrânia. No entanto, essas mesmas relações poderão representar um caminho complicado que Ancara terá de percorrer se quiser mediar o conflito. Além de críticas por parte do Ocidente, onde colocam em questão a relação que a Turquia tem com a Rússia, também a Ucrânia viu-se obrigada a mudar a sua visão de Ancara.
Apesar das controvérsias e desafios enfrentados ao longo do conflito, o Grain Deal assinado entre a Rússia e a Ucrânia, em Istambul se destacou como um marco importante do sucesso da mediação turca. Este acordo além de estabilizar os preços dos alimentos e mitigar uma potencial crise alimentar, reforçou ainda a posição geopolítica da Turquia no palco internacional O presidente Erdoğan, em particular, soube capitalizar do acordo, reforçando a sua posição dentro do país além, de colocar a Turquia numa posição de destaque no contexto de resolução de conflitos, em particular na possível resolução de acordo entre Kiev e Moscovo.
Em conclusão, a mediação turca no conflito mostra-se complexa. Apesar das dificuldades e controvérsias, a Turquia desempenhou um papel importante na celebração do Grain Deal e, na promoção de diálogo entre as partes. Como resultado, viu a sua posição geopolítica se destacar como uma importante parte, tanto a nível regional como a nível internacional. No entanto, será fundamental continuar a avaliar os impactos e desafios desta mediação, analisando ainda as relações que a Turquia terá com a Rússia e a Ucrânia e, se a reeleição de Erdoğan em 2023 alterará a forma como a Turquia conduz a sua política externa e a sua política de mediação, não só perante as partes envolvidas, mas também com outros países, principalmente com os demais membros da NATO.
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