
Enzo Fortunato | Aldo Cagnoli



Enzo Fortunato | Aldo Cagnoli
Reeducar o mundo dos adultos
Prefácio
Titulo original: L’Enciclica dei Bambini
© 2023, Edizioni San Paolo s.r.l.
Piazza Soncino, 5 – 20092 Cinisello Balsamo (Milano)
w ww.edizionisanpaolo.it
Prefácio: Papa Francisco
© 2023, Dicastero per la Comunicazione
Libreria Editrice Vaticana
00120 Città del Vaticano
www.libreriaeditricevaticana.va
www.vatican.va
Projeto editorial e artístico:
Michele e Marco Capasso + Studio Creativo
Ilustração:
Gaia Guarino e Simona Binni
Tradução: © 2024, Paulinas Editora
Tradutor: Paulo Ramos
Impressão e acabamentos: Artipol.net
Depósito legal 530230/24
ISBN 978-989-673-940-9 (edição original 978-88-922-4378-1)
© Abril 2024, Inst. Miss. Filhas de São Paulo
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Mais de cinquenta anos passaram desde que, a 5 de junho de 1972, se reuniu em Estocolmo a primeira grande Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano. Esse encontro foi o início de um percurso que levou a comunidade internacional a discutir o tema do cuidado da nossa casa comum. Foi por isso que essa data, 5 de junho, acabou por se tornar o Dia Mundial do Meio Ambiente.
Não esqueço quando, em 2014, a convite do Parlamento Europeu, conheci a Ministra do Ambiente, Ségolène Royal. Comentei com ela o texto que então escrevia sobre o meio ambiente e o projeto de trabalho conjunto entre cientistas e teólogos. «Por favor, publique-o antes da Conferência do Clima de Paris»: foram estas as palavras da ministra. E, efetivamente, 2015 acabou por ser o ano da Encíclica Laudato si’. No entanto, depois de Paris, infelizmente, as coisas não correram como eu esperava e tudo isto continua a preocupar-me. Voltei ao tema em 2020, quando publiquei Querida Amazónia.
Sempre pensei que a crise ecológica constitui a outra face da crise social, cul-
tural e espiritual dos tempos modernos.
«Se a crise ecológica é uma expressão ou uma manifestação externa da crise ética, cultural e espiritual da modernidade, não podemos iludir-nos em sanar a nossa relação com a natureza e o ambiente, sem curar todas as relações humanas fundamentais» (Laudato si’, 119). A ecologia e a fraternidade percorrem um mesmo caminho: se quisermos resolver eficazmente o problema do cuidado com o nosso planeta, devemos primeiro realizar uma conversão do coração. [...] Um grande, urgente e belo desafio, que exige uma dinâmica coesa e construtiva. Um «grande» e exigente desafio, porque exige uma mudança de rumo, uma mudança decisiva no atual mode-
lo de consumo e de produção, muitas vezes, impregnado da cultura da indiferença e do descarte, do descarte do ambiente e do descarte das pessoas. [...]
Só esta mudança de paradigma, com o ensino das crianças e a sensibilização dos adultos, poderá trazer uma esperança real de mudança. As crianças mantêm um sentido de beleza que está ainda intacto. Deixemo-los falar connosco.
E, do mesmo modo que eles ouvem os avós, tentemos nós ouvi-los.
«Não furtemos às novas gerações a esperança de um futuro melhor.»
Queridas crianças, abraço-vos e ficai a saber que o vosso Papa e «avô» tudo fará para que possais viver num mundo belo e bom.
Que neste caminho vos acompanhe São Francisco, exemplo belo e encorajador. Ele que foi um ouvinte atento da Boa-Nova.
Há algum tempo, o meu filho Samuel perguntou-me com curiosidade o que era aquele livrito que eu tinha nas mãos, substancial no estilo e com um estranho símbolo na capa, que talvez tivesse captado a sua atenção.
Entreguei-lho nas suas mãozitas, quase com a esperança de que o livro pudesse responder por mim.
Ele leu em tom hesitante:
– Carta Encíclica Laudato si’ do Santo
Padre Francisco sobre o cuidado da casa comum.
A pergunta não demorou a surgir:
– Papá, o que é uma encíclica?
Comecei a explicar-lhe e ele respondeu:
– Papá, eu não entendo, sou uma criança.
Então, com um pouco mais de esforço, tentei resumir da maneira mais eficaz possível:
– É uma mensagem importante sobre um tema específico para o mundo inteiro, escrita pelo Santo Padre.
– Então, todos os adultos do mundo a leem? – desafiou-me ele. [...]
– Pai, mas se é assim tão importante e eu só a posso ler depois de crescer, então, será tarde demais – acrescentou, perplexo.
As páginas seguintes foram escritas e imaginadas justamente para que não seja tarde demais. O meu filho tinha razão e já tinha começado a reeducar o mundo dos adultos.
A palavra «encíclica» deriva do grego (enkluklioi epistolai) e significa «em círculo»; é uma carta circular, um documento importante, com o qual o Papa se dirige a toda a Igreja. Todos os fiéis, em comunhão com os seus pasto-
res, podem e devem ler e ter presente o conteúdo. O objetivo de uma encíclica é ajudar o povo cristão a enfrentar os vários desafios que as condições históricas provocam de tempos em tempos. [...]
A Encíclica Laudato si’ aborda, pela primeira vez, o tema da ecologia e do cuidado da nossa casa comum, o nosso planeta. Mas a perspetiva não é exclusivamente ecológica. É uma verdadeira encíclica social.
«Que tipo de mundo queremos passar àqueles que vêm depois de nós, às crianças que estão, agora, a crescer?» Esta é a questão central desta Carta Encíclica do papa Francisco. [...]
São quatro gestos que destacamos a partir desta trama de textos dedica-
dos ao cuidado da nossa casa comum: Herdar, Conectar, Partilhar e Doar. São gestos que recordam os quatro sonhos propostos pelo Santo Padre (cultural, social, ecológico, espiritual).
Seguir-se-á uma história ilustrada para crianças, inspirada nos temas da Encíclica e nos esplêndidos poemas citados em Querida Amazónia.
[...] Herdeiro, enquanto beneficiário e simultaneamente órfão, o que, para ser sincero, é a representação que parece mais precisa para as crianças de hoje.
Símbolo deste drama é a imagem da menina síria encontrada nos escombros da cidade de Jandaris, na Síria, no recente e devastador terramoto que afetou a Turquia e a Síria, ainda viva e presa
pelo cordão umbilical à sua mãe, morta pouco depois de a dar à luz. [...]
A Laudato si’ nunca refere a palavra herança. Na verdade, porém, é o seu tema principal: a pedra angular de toda a Encíclica. Que herança deixar às gerações futuras? Que mundo (no sentido material e ideal)? [...]
Para além disso, a questão da herança pressupõe uma outra. O que é que nós, pais e mães, estamos a fazer pelos nossos filhos? E a resposta está aí à vista de todos. Destruímos o Planeta, a nossa Mãe-Terra, e todos nós somos um pouco responsáveis, mesmo aqueles que parecem desconhecer o problema, aqueles que, olhando para o lado, fingem que o problema não existe. Neste processo
destrutivo, perdemos o sentido de cuidado e gratidão para com a natureza e para com os outros. [...] Mas como pensar o gesto de herdar sem a pureza e a doçura da relação, entre avô e neto? Esta relação, tão decisiva na história da Humanidade, ainda ressoa num poema muito querido do papa Francisco. Foi escrito por um grande poeta alemão, Friedrich Hölderlin, e é dedicado à sua amada avó.
Transcrevemos os versos finais.
E ainda choro como antes, penso nos dias perdidos e o meu coração solitário ainda sente a saudade da minha pátria, da casa onde cresci abençoado por ti,
e bem depressa maturou a adolescência em amor.
Muitas vezes, pensei dar-te uma merecida alegria ao ver-me, longe, trabalhando no mundo aberto.
[...]
Era uma época em que os alimentos mais simples continham ameaças, armadilhas e embustes.
Não havia um dia em que um jornal não falasse de descobertas assustadoras nas bancas do mercado: o queijo era feito de material plástico, a manteiga com velas de estearina, nas frutas e legumes o arsénico dos inseticidas concentrava-se em percentagens mais elevadas do que as vitaminas, para engordar as gali-
nhas, enchiam-nas com certas pílulas sintéticas que poderiam transformar qualquer um que comesse uma perna numa galinha. O peixe fresco tinha sido pescado no ano anterior na Islândia, mas pintavam-lhe os olhos para que parecesse de ontem. Um rato saltava de umas garrafas de leite, ninguém sabia se vivo ou morto. Das garrafas de azeite não escorria o sumo dourado da azeitona, mas a gordura das mulas velhas, oportunamente destilada.
Este é o mundo descrito por um grande escritor italiano, Italo Calvino, num livro, Marcovaldo, muito apreciado por raparigas e rapazes. [...]
Durante décadas, as florestas da sua região foram exploradas de forma desenfreada, e Carlowitz recomendou então, para efeitos de futura salvaguarda do abastecimento de madeira da região
montanhosa, uma «utilização contínua, durável e regenerável» das esbulhadas florestas alemãs, lançando os fundamentos do que se chamaria sustentabilidade. No futuro, apenas poderia retirar-se das florestas as quantidades de madeira que pudessem crescer novamente.
Mas, durante muito tempo, esta ética foi desconsiderada e é a causa de desastres ambientais e sociais. [...]
A Amazónia torna-se um símbolo do nosso planeta e o desenvolvimento sustentável torna-se uma espécie de terceira via alternativa à globalização cega e rígida.
[...] Como escreve Yana Lucila Lema:
Aquela estrela aproxima-se pairam os beija-flores mais que a cachoeira troveja o meu coração com os teus lábios irrigarei a terra para que sobre nós brinque o vento.
Quão longe estamos desta comunhão entre os homens e entre os homens e a natureza! [...]
Para realizar este sonho, o papa Francisco convida-nos a partilhar. Compartilhar a vida com os nossos irmãos e irmãs da Amazónia, ouvindo as suas histórias, as suas esperanças, os seus sofrimentos. Partilhar os dons que Deus nos deu, colocan-
do os nossos talentos, os nossos recursos e a nossa fé ao serviço dos outros. Partilhar responsabilidades pelo bem comum, participando ativamente na construção de uma sociedade mais fraterna e solidária.
Compartilhar é o verbo que expressa o amor de Deus por nós e o nosso amor por Ele; que nos faz sentir parte de uma família humana e de uma criação. Partilhar é o verbo que nos torna testemunhas do Evangelho e discípulos de Jesus.
O amor acaba onde termina a erva e a água morre.
[...] Assim escreve o papa Francisco. «A pregação deve encarnar» em cada lugar do mundo. «Sonho com comunidades cristãs capazes de se comprometer e de encarnar na Amazónia, a ponto de dar à Igreja novos rostos com traços amazónicos.» A biodiversidade da Amazónia, os seus dons naturais onde brilha o mistério da criação, tornam-se um paradigma para uma Igreja que deve saber ouvir as pessoas e as necessidades dos mais diversos povos. E saber ouvir os ritmos que a natureza sugere sem os alterar, em nome de um projeto de domínio do homem.
O dom da Criação pode assim tornar-se exemplo da palavra como dom de amor e de misericórdia.
Sombras minhas flutuam, madeira morta. Mas a estrela nasce sem censura sobre as mãos desta criança, experiente, que conquista as águas e a noite. Basta-me saber que Tu me conheces inteiramente, antes dos meus dias.
(A Carta dos Navegantes, Pedro Casaldáliga)
Era uma vez uma antiga aldeia na maior floresta da Terra. Era atravessada por um imenso rio que, como um pai amoroso, trazia o dom da força, da sabedoria e do equilíbrio. No seu abraço, homens e mulheres viviam em harmonia com uma natureza rica em animais e plantas das mais raras espécies. Era uma magnífica casa comunitária onde todos partilhavam tudo.
Entre os habitantes da aldeia havia duas crianças, o Teo e a Sílvia, que eram irmãos. [...]
Um dia, afastaram-se mais do que o costume da aldeia para explorar a floresta e depararam com uma estranha construção que nunca tinham visto. Era uma imponente casa de madeira, com muitas janelas e porta trancada. E, à frente da habitação, havia algumas placas com inscrições: «Propriedade privada» e «Não entrar».
As duas crianças ardiam em curiosidade e decidiram aproximar-se da casa para espreitar o interior pelas janelas. [...]
PARTE II
e volta à aldeia, o Teo e a Sílvia contaram aos avós a sua assustadora aventura. Os anciãos ouviram-nos com atenção e, depois, explicaram-lhes quem era aquele homem e por que estava ali.
O nome dele era Bruno, diziam, e vinha de uma terra distante. [...]
PARTE III
avô referia-se ao irmão Francisco, homem sábio e sempre feliz, que amava a Deus e a todas as suas criaturas. Ele sabia que a floresta era um dom precioso de Deus, que precisava de ser
protegido e defendido daqueles que queriam destruí-la. [...]
Então, Francisco decidiu encontrar-se com Bruno. Queria conversar com ele, tentar perceber os seus motivos e fazê-lo ver as consequências dos seus atos. Desejava também oferecer-lhe perdão e amizade, esperando que isso tocasse o seu coração e o seu espírito. O Teo e a Sílvia queriam acompanhá-lo. [...]
Partiram os três e, quando chegaram à frente da casa, viram Bruno sentado numa cadeira de baloiço, com a arma na mão e pronto a disparar.
– Quem sois vós? O que é que quereis de mim? Vão-se embora ou disparo! –gritou o homem, levantando-se.
Francisco parou a uma certa distância e ergueu as mãos em sinal de paz. [...]
A floresta é uma casa comum, onde todos podemos encontrar o nosso lugar e a nossa felicidade. Mas tu não te apercebes disso, pensas apenas no teu lucro.
Abates as árvores sem piedade, destruindo a sua vida e beleza. [...]
Esta é a minha vida e a minha propriedade. Faço o que me apetece. Quem és tu para me julgar? Que sabes tu da floresta?
Francisco percebeu que não tinham vindo no dia certo.
– Vamos – disse ele às crianças. –Mas vamos voltar. Devemos rezar pelo Bruno… [...]
O Teo e a Sílvia não conseguiam acreditar no que viam. [...]
Não roubemos às novas gerações a esperança num futuro melhor.
Caras crianças, abraço-vos e ficai sabendo que o vosso Papa e «avô» tudo fará para que possais viver num mundo belo e bom.