Revista Cenarium – Ed. 62 - Agosto/2025

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MANAUS, A GESTÃO DA TRUCULÊNCIA

Operações da administração do prefeito David Almeida usam violência contra comerciantes informais, a maioria imigrantes, sob justificativa de reordenamento urbano e são vistas como tática de higienização social

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Manaus (AM), Belém (PA), Roraima (RR), Rondônia (RO), Brasília (DF) e São Paulo (SP)

Espiral de exclusão

As cenas de imigrantes haitianos sendo arrastados, empurrados e humilhados por guardas municipais, no Centro de Manaus, em agosto, revelam um projeto político que insiste em transformar a cidade em vitrine às custas da exclusão dos mais pobres. Sob a justificativa de “revitalização urbana”, a Prefeitura de Manaus evoca uma lógica de “higienização social” que, como nos lembra o sociólogo Luiz Antônio Nascimento, reproduz práticas de regimes autoritários que buscavam “limpar” a sociedade de seus indesejáveis. A pedido dos leitores da REVISTA CENARIUM, o caso tornou-se o especial desta edição.

O alvo, mais uma vez, não são os grandes sonegadores ou empresários que acumulam dívidas milionárias, mas trabalhadores informais, mulheres negras, imigrantes e refugiados que encontram no comércio ambulante a única alternativa de

sobrevivência. A escritora Lélia Gonzalez, em sua obra “Lugar de Negro”, denuncia como o racismo estrutural molda as hierarquias sociais e urbanas, relegando negros e imigrantes aos espaços da precariedade.

O que assistimos em Manaus é a atualização desse mecanismo: corpos negros e estrangeiros expulsos do Centro da cidade, invisibilizados em nome de uma estética urbana que serve ao turismo e ao espetáculo, mas não à vida real. Gonzalez já advertia que a marginalização não é efeito colateral, mas produto intencional de um sistema que insiste em determinar onde é, ou não, o “lugar do negro” e do pobre.

No lugar de enfrentar a desigualdade estrutural, o poder público opta por maquiar a cidade, retirando da visão aquilo que incomoda: a presença de trabalhadores informais que, diariamente, sustentam

suas famílias com dignidade, apesar da ausência de políticas públicas de inclusão. Esse higienismo social, travestido de ordenamento, escancara a perversidade de uma gestão que criminaliza a pobreza e terceiriza responsabilidades.

Manaus não precisa de um projeto higienista, mas de uma política pública que reconheça e valorize seus trabalhadores invisibilizados. Capacitação, microcrédito, espaços adequados e regularização simplificada são caminhos possíveis. Enquanto o prefeito de Manaus, David Almeida [oriundo da periferia] insistir em enxergar na pobreza um “problema” a ser retirado das ruas, seguirá alimentando a espiral de exclusão que sustenta a desigualdade. A cidade que expulsa seus pobres nega sua própria essência amazônica: diversa, plural, marcada pela luta de sobrevivência.

‘O

que os olhos não veem…’

‘O que os olhos não veem’... o poder estatal não sente. Esta adaptação do famoso ditado popular casa com o tema central da reportagem de capa desta edição: higienização social. O termo refere-se a práticas voltadas a afastar, silenciar ou eliminar os “indesejáveis”, sob o pretexto de promover “ordem” urbana, “limpeza” ou “progresso”. Não raro, os alvos são pessoas em situação de rua, usuários de drogas, pretos e pobres. É “varrer para debaixo do tapete” as desigualdades, afinal, se não está à vista, não existe.

Em Manaus, ações da prefeitura justificadas como reordenamento urbano chamam a atenção de especialistas e opinião pública pela agressividade, considerada desproporcional contra vendedores informais desarmados, muitos deles imigrantes, mulheres e idosos, e por serem

apontadas como tentativa de higienização social. As ações se concentram no Centro, região turística e onde o município realiza o Festival Passo a Paço Sou Manaus, em setembro.

No início de agosto, os alvos foram depósitos onde os ambulantes guardavam mercadorias. Vídeos e fotos registraram guardas municipais empunhando cassetetes, spray de pimenta e espingardas. Em meio à apreensão das mercadorias, Maria France Gracia, uma única mulher, cercada por ao menos quatro homens da Guarda Municipal, sendo contida à força. Uma imagem emblemática de truculência e higienização social, como apontaram sociólogos e internautas. De um lado o Estado opressor, na figura dos guardas. De outro, o elemento social “indesejável”, a mulher preta, pobre e imigrante.

Práticas de higienização social não são exclusivas de Manaus e, ao longo da história, foram usadas em diversas cidades do Brasil, como na reforma urbana do Rio de Janeiro, no início do século XX, com a expulsão de pobres para os morros, ou na Copa do Mundo (2014) e Olimpíadas (2016), com a remoção de favelas próximas a áreas turísticas. Mais recentemente, em Belém, houve remoção de população de rua nos preparativos para a COP-30, e, em São Paulo, o deslocamento de dependentes químicos da “cracolândia”.

Na obra “O Espaço do Cidadão”, o geógrafo e intelectual Milton Santos, que pensou a integração da população negra na sociedade brasileira, nos diz: “A cidade é o lugar onde o cidadão deveria se realizar. Mas para muitos, ela é o lugar da exclusão e da negação”. O que os olhos não veem...

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A REVISTA CENARIUM tem sido essencial no meu cotidiano. Como alguém que nasceu e cresceu na Amazônia, mas hoje vive distante, a revista me conecta de forma genuína com a minha terra.

Evandro Filho

Patos - PB

Gosto muito de acompanhar a CENARIUM! É por meio dela que fico por dentro do que acontece em Manaus. Aprecio as matérias investigativas, assim como os conteúdos sobre meio ambiente e diversidade. Adorei a reportagem sobre a Eliana Franco, que mostra histórias de superação de mulheres. Amei!

Audilene Silva

Aloândia - GO

Sumário

Sem ‘libera geral’

Lula veta dispositivo que dispensava licenciamento de rodovias como a BR-319. Este é um dos 63 vetos do presidente no Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) – O presidente Luiz

Inácio Lula da Silva (PT) vetou o dispositivo do Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental que dispensava de licenciamento rodovias anteriormente pavimentadas, o que beneficiaria as obras de repavimentação da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). A

emenda foi apresentada pelo senador Eduardo Braga (MDB), durante a votação no Senado Federal, e mantida pela Câmara dos Deputados. A vedação integra o conjunto de 63 vetos dos 400 dispositivos do PL 2159/2021, anunciada no dia 8 de agosto, durante coletiva de imprensa no Palácio do Planalto, pelos ministros de Lula, que estava em viagem aos Estados do Acre e de Rondônia.

Além do veto parcial ao PL do Licenciamento, apelidado pelos ambientalistas de “PL da Devastação”, o governo federal anunciou que os dispositivos vetados serão objeto de um Projeto de Lei (PL) com texto alternativo, para ser analisado em regime de urgência pelo Congresso Nacional. Segundo o governo, os ajustes do novo PL foram elaborados para evitar lacunas regulatórias e insegurança jurídica,

além de unificar normas dispersas em um marco regulatório único.

Outra medida é a edição de uma Medida Provisória (MP) para colocar em vigor, de imediato, os dispositivos da Licença Ambiental Especial (LAE), uma novidade aprovada pelo Congresso, que dá ao Conselho da República a responsabilidade de definir os empreendimentos estratégicos para o País, que terão um regime especial de licenciamento, com limite de prazo de 12 meses. A LAE foi uma emenda proposta pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).

A emenda apresentada por Braga, no dia 21 de maio, inseriu as rodovias anteriormente pavimentadas entre os empreendimentos não sujeitos a licenciamento ambiental, previstos no inciso VII do artigo 8º do PL do Licenciamento. O secretário

BR-319 é uma rodovia que liga Manaus (AM) a Porto Velho
Crédito: Ana Jaguatirica | Cenarium

especial para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Marcos Rogério, explicou que o dispositivo foi objeto de veto com um texto alternativo no novo PL, que será enviado ao Congresso Nacional.

“Houve o veto com texto alternativo, mas a LAE tem essa lógica. A LAE procura priorizar empreendimentos estratégicos, estabelecendo procedimentos mais céleres e prazos para que haja a decisão. Exatamente para que empreendimentos com essa complexidade eventualmente possam sofrer a priorização. Até por isso a MP foi editada agora, já com efeito imediato”, explicou.

O secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima (MMA), João Paulo Capobianco, disse que houve o veto, mas com a inclusão da obrigatoriedade de Licença Prévia (LP), considerada importante para esse trecho da lei.

Marcos Rogério ressaltou que a decisão de vetar os 63 dispositivos, dos 400 aprovados na lei, “mantém avanços relevantes para a celeridade e eficiência de processos de

licenciamento ambiental e assegura que o novo marco legal esteja alinhado à Política Nacional de Meio Ambiente, à Constituição Federal e à Lei Complementar 140”.

Além disso, é a primeira vez que o Brasil terá uma Lei Geral de Licenciamento Ambiental, que unificará as normas que deverão ser seguidas pelos três entes federados: União, Estados e Municípios.

‘INTEGRIDADE MANTIDA’

Para a ministra do MMA, Marina Silva, os vetos são resultados de um trabalho conjunto que contou com a participação de técnicos de vários ministérios, da sociedade civil, da comunidade científica e de juristas, que conseguiram chegar a um resultado que preserva o licenciamento como espinha dorsal de proteção ambiental.

“Isso era fulcral, como todo o tempo nós sinalizávamos, que o governo iria se voltar para questões estratégicas que preservassem a integridade do licenciamento ambiental. Questões muito importantes, de mérito e do ponto de vista político e simbólico, cultural e social, como o direito dos povos indígenas e quilombolas”, disse Marina, que está otimista com o diálogo com o Congresso Nacional para aprovar o novo texto proposto.

Além de Marina, Capobianco e Marcos Rogério, participaram da coletiva de imprensa para anunciar a decisão de Lula o ministro da Comunicação, Sidônio Pal-

“Houve o veto com texto alternativo, mas a LAE tem essa lógica. A LAE procura priorizar empreendimentos estratégicos estabelecendo procedimentos mais céleres e prazos para que haja a decisão”

Marcos Rogério, secretário especial para Assuntos Jurídicos da Casa Civil.

“Isso era fulcral como todo tempo nós sinalizávamos, que o governo iria se voltar para questões estratégicas que preservassem

a integridade do licenciamento ambiental”

Marina Silva, ministra do MMA.

meira; a ministra-substituta da Casa Civil, Míriam Belchior; e o secretário-executivo da Secretaria de Relações Institucionais, Gustavo Ponce de Leon.

Ao anunciar o veto parcial aos 63 dispositivos, os ministros disseram que as decisões foram tomadas com base em quatro diretrizes: garantir a integridade do processo de licenciamento, que proteja o meio ambiente e promova o desenvolvimento sustentável; assegurar os direitos de povos indígenas e comunidades quilombolas; dar segurança jurídica a empreendimentos e investidores; e incorporar inovações que tornem o licenciamento mais ágil, sem comprometer sua qualidade.

Belchior ressaltou que, além das quatro diretrizes, o presidente Lula dedicou mais de cinco horas com os ministros e técnicos do governo para analisar o projeto, porque também é importante preservar os avanços aprovados pelo Congresso, que deverão conferir celeridade ao processo de licenciamento ambiental no País.

Os vetos de Lula agora deverão ser analisados pelos deputados e senadores, que podem mantê-los ou derrubá-los.

DISPOSITIVOS VETADOS

Dentre os pontos vetados, está a ampliação da Licença de Adesão por Compromisso (LAC) para empreendimentos de médio potencial poluidor, mantendo-a somente para os de baixo impacto. A medida evita que empreendimentos de risco relevante,

como barragens de rejeitos, realizem licenciamento simplificado sem análise técnica adequada. O PL do Executivo também acrescenta limites ao procedimento autodeclaratório previsto na LAC.

Também foi vetado o dispositivo que dispensava de serem ouvidos os órgãos ambientais para autorização de supressão de floresta nativa da Mata Atlântica, bioma que hoje detém apenas 24% de vegetação nativa remanescente.

Lula também vetou dispositivos que restringiam a consulta aos órgãos responsáveis pela proteção de povos indígenas e comunidades quilombolas, limitando-a a ouvir apenas os indígenas e quilombolas de terras demarcadas e regularizadas. O governo incluiu, no novo texto, o reconhecimento das terras por meio de relatórios da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Fundação Palmares, no caso dos quilombos, como marcos para consulta.

Outro ponto vetado foi a dispensa do licenciamento ambiental para produtores rurais com Cadastro Ambiental Rural

(CAR) ainda pendente de análise pelos órgãos ambientais estaduais. A nova proposta do governo é que se tenha um outro instrumento de compromisso a ser assumido pelo produtor que está com o CAR pendente.

O presidente também vetou parte do texto que limitava a aplicação de condicionantes ambientais e medidas compensatórias apenas aos impactos diretos, excluindo os impactos indiretos ou os efeitos sobre serviços públicos agravados pela implantação do empreendimento. No PL a ser enviado ao Congresso, as medidas precisam ter nexo de causalidade com o empreendimento.

O PL do Licenciamento também retirava o caráter vinculante da manifestação de órgãos gestores de Unidades de Conservação (UCs) no licenciamento de empreendimentos que afetem diretamente a unidade ou sua zona de amortecimento. Com o veto, volta a necessidade de manifestação vinculante, pela importância de avaliação técnica especializada na proteção de áreas sensíveis.

Mesmo com a manutenção da Licença Ambiental Especial na MP, Lula vetou o dispositivo que estabelecia um procedimento monofásico, que autorizaria a expedição de todas as licenças ao mesmo tempo. Conforme Rogério Marinho, os técnicos do governo avaliaram que isso traria um alto

“O veto à nossa emenda que viabilizaria o licenciamento da BR-319 é um golpe contra um sonho de gerações. Manaus continua sendo a única grande cidade do mundo isolada por terra”
Eduardo Braga, senador.
Secretário especial para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Marcos Rogério participou de entrevista coletiva
Crédito:

Barragem que rompeu em Brumadinho, em Minas Gerais. Veto à ampliação da Licença de Adesão por Compromisso (LAC) evita que empreendimentos de risco relevante, como barragens de rejeitos, realizem licenciamento simplificado sem análise técnica adequada

‘Golpe’, diz Braga sobre veto

BRASÍLIA (DF) – O senador Eduardo Braga (MDB-AM) criticou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à emenda de sua autoria ao projeto que criou a Lei Geral de Licenciamento Ambiental, que viabilizaria as obras de asfaltamento do Trecho do Meio da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). Em vídeo publicado nas redes sociais, Braga afirmou que a medida é “um golpe contra um sonho de gerações” e promete lutar no Congresso Nacional para derrubar o veto.

“O veto à nossa emenda que viabilizaria o licenciamento da BR-319 é um golpe contra um sonho de gerações. Manaus continua sendo a única grande cidade do mundo isolada por terra. Essa estrada já foi asfaltada e pode voltar a ser, com responsabilidade ambiental e compromisso com a integração nacional. Lutarei no Congresso para derrubar esse veto e garantir todos os instrumentos necessários para concluir a BR-319. O

Amazonas não desistirá de se conectar ao Brasil”, escreveu Eduardo Braga nas redes sociais.

No vídeo, Braga disse que a entrada na LAE poderá ser uma saída, mas ele afirmou que não vai abdicar da alternativa que sua emenda vetada traz para permitir o asfaltamento da rodovia. Para ele, é inadmissível que Manaus seja o único exemplo de cidade, com mais de 2 milhões de pessoas, sem ligação terrestre com o restante do Brasil.

“Eu lutarei muito, junto ao presidente do Senado, ao presidente da Câmara e junto às bancadas, tanto do Senado quanto da Câmara, para derrubarmos esse veto. Porque [eu] entendo que nós precisamos de todos os instrumentos possíveis para ver, finalmente, realizado o sonho do povo do Amazonas, do povo de Roraima, do povo de Rondônia de ter finalmente a BR-319 reasfaltada”, concluiu.

custo para os empreendedores, que teriam que providenciar todos os estudos e, ao final, poderiam nem ter o empreendimento autorizado, além de gerar insegurança jurídica. Com o veto, volta a necessidade do modelo trifásico do licenciamento.

Foram vetados, ainda, dispositivos que transferiam de forma ampla a cada ente federado, sem padronização, a responsabilidade de estabelecer critérios e procedimentos de licenciamento – como porte, potencial poluidor, tipologias sujeitas a licenciamento, modalidades específicas de licenças e atividades passíveis de LAC. O veto assegura que os entes federativos respeitem padrões nacionais de critérios e procedimentos.

O conjunto de vetos manteve as responsabilidades de instituições financeiras na concessão de crédito, ao vetar o dispositivo que enfraquecia a responsabilidade delas em casos de danos ambientais de projetos por elas financiados. O novo PL do governo estabelece que o financiador deve exigir do empreendedor o licenciamento ambiental antes de conceder crédito.

Crédito: Reprodução

Agentes do Ibama durante fiscalização

Campeão da grilagem

Pará concentra 60% das ações por obtenção de terras de forma ilícita na Amazônia Legal, aponta Imazon

Fabyo Cruz – Da Cenarium

BELÉM (PA) – O Estado do Pará lidera o número de processos judiciais por grilagem de terras na Amazônia Legal, segundo o estudo “Existe punição para grilagem na Amazônia? Uma análise de decisões judiciais em ações criminais”, divulgado em julho pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). A pesquisa analisou 78 ações penais com sentenças ou decisões relevantes proferidas até maio de 2022. Do total, 47 tramitaram no Pará, representando 60% dos casos examinados.

A grilagem é definida no estudo como “uma forma de obtenção de terra por meios ilícitos, que resulta em conflitos fundiários, violência no campo, desmatamento descontrolado e degradação ambiental. Além disso, a grilagem provoca o desmonte do patrimônio público, que prejudica diretamente a capacidade do Estado de implementar políticas agrárias inclusivas e sustentáveis”.

O levantamento, realizado pela sociedade civil com dados solicitados ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Tribunal

Regional Federal da 1ª Região (TRF1), examinou 526 decisões judiciais que envolveram 193 réus acusados de crimes como invasão de terra pública, falsidade ideológica, estelionato e associação criminosa. Embora o crime mais recorrente tenha sido a invasão de terras da União, com 134 decisões no total, somente duas resultaram em condenações, ambas no Pará.

Na contramão do rigor esperado, 35% das decisões resultaram em absolvição e 33% em prescrição penal, quando o Estado perde o direito de punir por demora na tramitação do processo. As sentenças levaram, em média, seis anos para serem proferidas e, em 17% dos casos, a espera foi ainda maior, entre 13 e 18 anos. O

Crédito: Reprodução Arquivo | Ibama

Pará 60%

Amazonas 15%

Tocantins 8%

Amapá 4%

Roraima 4%

Rondônia 4%

Mato Grosso 3%

Maranhão 1%

Acre 1%

estudo analisou sentenças em processos iniciados entre 2004 e 2021, com maioria entre 2010 e 2015.

As principais comarcas paraenses com maior volume de ações foram Marabá (18%), Itaituba (17%), Santarém (12%) e Belém (12%). Nessas regiões, os processos envolvem, em sua maioria, glebas públicas, Unidades de Conservação e projetos de assentamento federal, com áreas que, em muitos casos, ultrapassam 10 mil hectares, o equivalente a 10 mil campos de futebol.

Entre as ações mais simbólicas está a Operação Castanheira, deflagrada em 2014 no sudoeste paraense. Embora tenha mirado uma suposta organização criminosa especializada em grilagem, a maioria das decisões resultou em absolvição. Em um dos casos, um réu apontado como líder do grupo foi absolvido de 11 crimes e condenado apenas por desmatamento, com pena substituída por prestação de serviços e multa.

FRAGILIDADE

O estudo também chama atenção para a fragilidade da responsabilização penal: muitas absolvições ocorreram por ausência de provas, alegações de boa-fé dos réus — como compra informal de terrenos de terceiros — ou interpretações civis do uso da terra pública, que desconsideraram a vantagem econômica do crime.

526

Levantamento examinou 526 decisões judiciais que envolveram 193 réus acusados de crimes como invasão de terra pública, falsidade ideológica, estelionato e associação criminosa.

PROPOSTAS

O Imazon apresenta uma série de recomendações para enfrentar a ocupação ilegal de terras públicas. No campo legislativo, destaca-se a necessidade de endurecer as penas previstas para esse tipo de crime, atualmente consideradas brandas, o que facilita a prescrição dos casos ou a substituição por sanções leves, como a prestação de serviços comunitários.

No que diz respeito ao Ministério Público, o estudo sugere que as denúncias detalhem claramente o papel de cada acusado nos crimes apontados, além de requererem a reparação dos danos causados ao patrimônio público. Já ao Judiciário, a recomendação é consolidar o entendimento de que a ocupação ilegal de terras públicas constitui um crime permanente, ou seja, o delito persiste enquanto a área estiver invadida. Essa interpretação permitiria postergar a contagem do prazo prescricional até o fim da ocupação, evitando a extinção do processo antes da sentença.

O relatório também destaca a importância de o Estado notificar formalmente os ocupantes ilegais, medida que tem se mostrado relevante como prova nos processos judiciais. Por fim, o Imazon reforça a necessidade de destinar as terras públicas a usos coletivos e sustentáveis, como a criação de territórios indígenas, quilombolas e Unidades de Conservação.

Distribuição dos processos criminais relacionados à grilagem de terras na Amazônia Legal
Operação Castanheira deflagrada em 2014
Crédito: Reprodução | Governo Federal
Crédito: Reprodução Imazon

Reforço à preservação

Em Manaus, Fundo

Amazônia completa 17 anos com R$ 210 milhões para projetos na região

Marcela Leiros – Da Cenarium

MANAUS (AM) – O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) celebraram, no dia 12 de agosto, em Manaus (AM), os 17 anos do Fundo Amazônia, considerado um dos principais instrumentos da política ambiental e climática brasileira. Durante a solenidade, foi anunciada a liberação de R$ 210 milhões para iniciativas de desenvolvimento sustentável na Amazônia.

Com o tema “Fundo Amazônia 17 anos: raízes e rumos”, o evento teve dois dias de duração, no Hotel Intercity Manaus, bairro Adrianópolis, Zona Centro-Sul da capital

amazonense. A solenidade de abertura contou com a presença do secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco, e do superintendente de Meio Ambiente do BNDES, Nabil Kadri. A ministra Marina Silva participou do encontro por meio de videoconferência.

Em parte da sua manifestação, Marina Silva destacou a redução do desmatamento na região amazônica, segundo dados do governo federal. Segundo a ministra, a diminuição se deu pelo aumento de ações fiscalizatórias do governo Lula, por meio de órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

“Mas eu quero também aqui trazer o Ibama, o ICMBio, para a gente sentir de onde vem essa queda do desmatamento, essa queda vem de 9.540 ações fiscalizatórias, 3.976 autos de infração, R$ 2,4 bilhões em multas aplicadas, 3.111 embargos, 5.096 quilômetros quadrados de área embargada, 2.124 apreensões e R$ 365,7 milhões, o valor dessas apreensões, e 873 equipamentos destruídos”, declarou.

O secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco
Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium

PROJETOS

Durante a solenidade, João Paulo Capobianco e Nabil Kadri anunciaram a liberação de R$ 210 milhões para iniciativas de desenvolvimento sustentável na Amazônia. Do total, R$ 60 milhões serão destinados ao projeto “Prospera na Floresta”, que incentiva turismo, empreendedorismo e atividades produtivas sustentáveis em comunidades tradicionais do Amazonas.

Outros R$ 150 milhões vão para o projeto “União com Municípios pela Redução de Desmatamento e Incêndios Florestais”, que vai atuar em 70 cidades que correspondem, ou são responsáveis, por 50% de todo o desmatamento da Amazônia. No Amazonas, de dez municípios que estão na lista prioritária para controle do desmatamento e da degradação, nove aderiram ao programa: Apuí, Boca do Acre, Canutama, Humaitá, Itapiranga, Lábrea, Manicoré, Maués e Novo Aripuanã.

“É uma parceria na qual o município apresenta suas necessidades dentro de um escopo pré-definido, que é de regularização ambiental e fundiária, investimento no monitoramento, investimentos nas ações de controle do desmatamento e incêndios. E, a partir desse entendimento dessa lista de possibilidades, há uma transferência de recursos que permitem que os municípios se capacitem. É um programa muito baseado na relação construtiva entre o governo federal e os governos municipais”, declarou Capobianco.

“Mas

eu quero também aqui trazer o Ibama, o ICMBio, para a gente sentir onde vem essa queda do desmatamento, essa queda vem de 9.540 ações fiscalizatórias”

Marina Silva, ministra do MMA.

O superintendente de Meio Ambiente do BNDES, Nabil Kadri, enfatizou os impactos do projeto Prospera na Floresta. “Esse, especificamente, é todo executado no território do Estado do Amazonas, então a gente espera aí chegar a pelo menos 14 mil famílias atendidas com esse projeto recém-aprovado”, declarou.

CELEBRAÇÃO EM MANAUS

O evento “Fundo Amazônia 17 anos: raízes e rumos” reuniu representantes de países doadores, autoridades do Governo do Amazonas, membros do Comitê

Orientador do Fundo Amazônia (Cofa) e beneficiários dos projetos apoiados. A programação incluiu debates sobre os aprendizados, desafios e perspectivas para o futuro, além de criar uma rede de articulação entre iniciativas de proteção da floresta.

Desde 2008, o Fundo Amazônia já apoiou 139 projetos que beneficiaram mais de 260 mil pessoas, incluindo 600 organizações comunitárias e ações em 169 terras indígenas, promovendo renda e melhores condições de vida para povos e comunidades tradicionais.

João Paulo Capobianco e Nabil Kadri (ao centro) na comemoração dos 17 anos do Fundo Amazônia, em Manaus
Evento aconteceu em Manaus; ao fundo, Marina Silva em videoconferência
Crédito: Ricardo Oliveira Cenarium Crédito:

MANAUS, A GESTÃO DA

PODER & INSTITUIÇÕES

Cidade ‘limpa’, cidadãos invisíveis

Operações truculentas da Prefeitura de Manaus contra imigrantes que trabalham como vendedores informais no Centro da cidade são consideradas tentativa de higienização social por especialistas e opinião pública

Marcela Leiros – Da Cenarium

Crédito: Alinne Bindá Cenarium

A imigrante haitiana Maria France, vendedora informal, sendo contida por guardas municipais durante ação da Prefeitura de Manaus

Crédito: Alinne Bindá Cenarium
Crédito: Alinne Bindá Cenarium
Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium
Crédito: Alinne Bindá Cenarium

MANAUS, A GESTÃO DA TRUCULÊNCIA

PODER & INSTITUIÇÕES

MANAUS (AM) – “Nunca sofri uma violência como essa no Haiti”. O desabafo é da vendedora ambulante Maria France Gracia, 42 anos, imigrante haitiana que vive há 11 anos no Brasil. No dia 7 de agosto desse ano, ela viu sua única fonte de renda ser apreendida durante uma ação da Prefeitura de Manaus no Centro da cidade, considerada truculenta por especialistas e pela opinião pública. Como ela, outros imigrantes, principalmente haitianos, tiveram carrinhos e produtos apreendidos por agentes da administração municipal. Empurrões, spray de pimenta e apreensões sem ordem judicial marcaram a operação, apontada por sociólogos ouvidos pela CENARIUM como exemplo de “higienização social” por ter

sido direcionada a um grupo vulnerável sob a justificativa de reordenamento urbano.

A ação da Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento, Centro e Comércio Informal (Semacc), com apoio da Vigilância Sanitária e da Guarda Municipal, interditou dois imóveis nas ruas Henrique Antony e Itamaracá, utilizados como depósitos pelos comerciantes informais para guardarem carrinhos usados na venda de frutas, verduras, churrasco e bebidas.

A violência empregada chamou atenção pelo uso da força desproporcional da Guarda Municipal contra trabalhadores que atuam na área central da cidade e que vivem em situação de vulnerabilidade, mesmo vindo ao País em busca de melhores condições de vida.

Maria France é uma dessas pessoas. Hoje, ela vive sozinha em uma casa alugada no bairro Praça 14, Zona Sul, mas tem um filho de 21 anos que também está no Brasil. O trabalho na venda informal no Centro é a única fonte de renda dela, e a apreensão de um carrinho com pelo menos R$ 20 mil em mercadoria preocupou a vendedora ambulante.

Ela foi a “protagonista” do vídeo que viralizou nas redes sociais, onde, na tentativa de recuperar seus produtos, foi arrastada para fora de um dos depósitos por agentes da Guarda Municipal e se viu cercada por um grupo de ao menos quatro homens. “Levaram coisas minhas, me pegaram, me bateram, bateram em muita gente, lá na rua também”, descreveu ela

Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium
Guardas municipais contendo vendedores ambulantes com cassetete e spray de pimenta

7 mil

Conforme a Arquidiocese de Manaus, segundo dados de março deste ano da Pastoral dos Imigrantes, que tem atuado no acolhimento dessa população, há 7 mil haitianos que migraram para Manaus e residem na cidade. Há ainda 39 mil venezuelanos.

à CENARIUM, entre pausas e buscas por palavras. A haitiana fala crioulo e ainda está aprendendo português.

Segundo a prefeitura, o local foi interditado devido ao armazenamento irregular de equipamentos, carrinhos de comida e do manejo de produtos alimentícios fora da validade. Maria France, no entanto, vende meias e diz não saber o motivo da apreensão de sua mercadoria. A vendedora ambulante também compartilhou o sentimento que ficou após a operação.

“Chorei muito”, lembrou, pontuando que, sem o material, não tem como conseguir nem o valor do aluguel do imóvel onde mora. “Depois o dono da casa vai me ligar e vai falar que se eu não tenho dinheiro, tenho que sair”.

VIOLÊNCIA

O haitiano Erick Augustin, 66 anos, também sentiu na pele a violência impetrada pela ação da Prefeitura de Manaus. Pai de três filhos, ele foi atingido com spray de pimenta e sofreu um empurrão, precisando da ajuda de colegas para se levantar.

O idoso contou que, além da reação desproporcional da Guarda Municipal, ficou a vergonha de saber que os filhos também assistiram às cenas que repercutiram nas redes. Por dificuldade com o português, as declarações de Erick Augustin foram traduzidas por um intérprete.

“Ele se sente mal, porque ele pediu pra entrar [no depósito] e empurraram ele, e os filhos dele viram como ele pegou porrada, não gostaram de ver”, afirmou, enfatizando que, pela idade, não tem mais condições de

“Levaram coisas minhas, me pegaram, me bateram, bateram em muita gente, lá na rua também [...] Chorei muito”

Maria France, imigrante haitiana que trabalha como comerciante informal em Manaus.

Crédito: Ricardo Oliveira Cenarium
Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium
Confusão em frente a depósito de vendedores ambulantes, no Centro de Manaus
Vendedores ambulantes do Centro de Manaus protestam contra a forma como foram abordados em operação da Prefeitura de Manaus

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“Discriminação, porque

nunca encontrei uma situação dessa no meu país. Eu venho para trabalhar, todo mundo tem conta para pagar”

Rosette Louis Gracia, imigrante haitiana que trabalha como comerciante informal em Manaus.

passar por situações como essa. “Ele tem 66 anos, aí pra pegar porrada assim... nunca se envolveu em briga, não tem problema com ninguém…”, traduziu o intérprete.

Assim como Maria France e Erick Augustin, a vendedora ambulante Rosette Louis Gracia também depende do trabalho informal disponível nessa região da capital amazonense para sobreviver junto aos quatro filhos.

Para ela, que teve três carrinhos apreendidos na operação, a truculência empregada pela Prefeitura de Manaus foi desproporcional e direcionada aos estrangeiros. “Discriminação, porque nunca encontrei uma situação dessa no meu país. Eu venho para trabalhar, todo mundo tem conta para pagar”, declarou Rosette Louis Gracia.

Também à CENARIUM, o venezuelano Júlio Cézar questionou a legalidade da ação. “Nós, os pequenos comerciantes, fomos roubados praticamente, porque a nossa mercadoria de trabalho estava guardada em um depósito, aí não apresentaram um único mandado, nenhuma advertência. Muita gente perdeu muito dinheiro, mercadorias”, argumentou, se dirigindo à gestão municipal.

“E como a população vai ficar? Vai morrer de fome? O prefeito está lá para ajudar as pessoas que o ajudaram a chegar onde ele está. Então, é injusto atacar pessoas honestas e trabalhadoras, e não podemos julgar todos iguais. Nem todo mundo é bandido”, concluiu.

HIGIENIZAÇÃO SOCIAL

Sociólogos ouvidos pela CENARIUM apontaram que as ações recentes da Prefeitura de Manaus, sob a gestão do prefeito David Almeida (Avante), voltadas ao reordenamento do Centro, com o impedimento de que ambulantes atuem no local, fazem parte de um processo histórico recorrente em grandes cidades, conhecido como “higienização social”. A ação busca esconder a desigualdade urbana ao invés de enfrentá-la.

O termo “higienização social” é utilizado na Sociologia para se referir à eliminação de elementos sociais “indesejáveis” de um espaço, como sem-tetos, pessoas em situação de rua e usuários de drogas. A ava-

41,7%

Em 2025, a taxa de informalidade entre pessoas de 14 anos ou mais, ocupadas em Manaus (AM), foi de 42,2% no primeiro trimestre e 41,7% no segundo trimestre, conforme o IBGE.

liação considerou que a ação deve forçar os trabalhadores informais a se locomoverem para outras localidades na cidade.

O antropólogo e doutor em Sociologia do Desenvolvimento e Transformação Social Lino João de Oliveira Neves avalia que as ações da Prefeitura de Manaus se enquadram no conceito de “limpeza social”. “Eu vejo nessa ação da prefeitura, mais uma vez, uma medida que, em termos de história de urbanização, tem sido chamada de higienização. Mostrar a higienização da cidade em contraposição à ocupação precária. Isso aconteceu em várias cidades do Brasil”, declarou o especialista.

Para Neves, “os vídeos [da operação da prefeitura] mostraram que, mais uma vez, o que está sendo feito é para, entre aspas novamente, embelezar a cidade, ou, se não quisermos embelezar, ocultar a feiura da cidade. É retirar da visibilidade do turista do Centro aquelas pessoas que vivem precariamente, os trabalhadores rurais, os ambulantes”.

Em texto enviado à imprensa, a prefeitura informou que a ação fazia parte do “Mutirão no Bairro”. A ação reúne 16 secretarias municipais em uma “operação integrada de infraestrutura, limpeza urbana, mobilidade, ordenamento e assistência social”. O mutirão tem duração estimada de 90 dias se concentrando no Centro, região onde é realizado o Festival Passo a Paço Sou Manaus todos os anos, no início de setembro. O evento é promovido pela gestão municipal.

O sociólogo Luiz Antônio Nascimento avalia que Manaus tem problemas mais complexos de ordenamento urbano do que a presença de vendedores ambulantes. O especialista ainda lembra que a higieni-

“Eu

vejo nessa ação da prefeitura mais uma vez uma medida que, em termos de história de urbanização, tem sido chamada de higienização. Mostrar a higienização da cidade em contraposição à ocupação precária. Isso aconteceu em várias cidades do Brasil”

Lino João de Oliveira Neves, antropólogo e doutor em Sociologia do Desenvolvimento e Transformação Social.

zação da cidade pode ser considerada uma tática fascista.

“Essa estratégia da prefeitura tem um conteúdo de natureza higienista, de natureza bastante perigosa, se aproxima muito das táticas fascistas de higienização, de limpeza, entre aspas, da população das cidades, tirando dali os moradores em situação de rua. Isso é preciso muita atenção, o Ministério Público tem que estar atento a isso, os vereadores têm que estar atentos a isso”, acrescentou.

Para o professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (DCiS/Ufam) e mestre em Sociologia Davyd Spencer, a Prefeitura de Manaus prioriza a infraestrutura com ações de caráter emergencial e midiático, mas não aprofunda as ações em problemas mais complexos, como a assistência a grupos vulneráveis.

“Esta ação por parte do poder público municipal é uma ação estritamente voltada para a repaginada no Centro de Manaus, mas completamente desarticulada e desorientada do ponto de vista da necessidade

Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium
Da esquerda para a direita, os imigrantes haitianos Erick Augustin, Diemene Nouis, Maria France e Silvianne Toussaint, que se mantêm em Manaus com a venda informal de produtos no Centro

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“Essa

estratégia da prefeitura tem um conteúdo de natureza higienista, de natureza bastante perigosa, que se aproxima muito das táticas fascistas de higienização, de limpeza, entre aspas, da população das cidades, tirando dali os moradores em situação de rua”

Luiz Antônio Nascimento, sociólogo.

de identificar grupos vulneráveis, das pessoas, dos trabalhadores, dos moradores de rua, de grupos em estados de vulnerabilidade social”, observou.

REINCIDÊNCIA

Em fevereiro deste ano, outra ação truculenta da Prefeitura de Manaus contra

trabalhadores informais do Centro foi registrada. No dia 13 daquele mês, servidores da Semacc apreenderam a banca da vendedora ambulante Nerosiane Desir, vendedora de frutas e legumes no Centro da capital amazonense.

Nas imagens, gravadas por uma testemunha que presenciou a abordagem, pelo menos seis servidores municipais que usavam coletes de fiscalização, além de um agente da Guarda Municipal, tomaram os produtos da trabalhadora informal à força e os jogaram na carroceria do automóvel que seria da administração municipal. A vendedora, sozinha, tentava impedir que os produtos dela fossem levados.

Em abril deste ano, mais um vídeo repercutiu nas redes, no qual um agente da Guarda Municipal foi gravado agredindo um homem com cassetete, suspeito de roubo, em um prédio abandonado localizado na Rua Gabriel Salgado, no Centro, Zona Sul da cidade. O homem estava algemado. O guarda municipal foi preso dias após o vídeo viralizar nas plataformas de redes sociais.

REPERCUSSÃO NAS REDES

A ação da Prefeitura de Manaus repercutiu intensamente nas redes sociais, sobretudo após a divulgação de vídeos que mostram fiscais e guardas municipais empurrando os trabalhadores informais. Nas manifestações, internautas apontaram

Crédito: Reprodução

Crédito: Reprodução

Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium.
Cavalaria sendo utilizada em operação da Prefeitura de Manaus no Centro

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PODER

“Esta ação por parte do poder público municipal é uma ação estritamente voltada para a repaginada no Centro de Manaus, mas completamente desarticulada e desorientada do ponto de vista da

necessidade de identificar grupos vulneráveis”

Davyd Spencer, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (DCiS/Ufam) e mestre em Sociologia.

que a abordagem foi desproporcional, questionando a legalidade da operação e a falta de alternativas para a regularização da atividade dos vendedores.

No Instagram, um dos comentários mais curtidos dizia: “Esses povos são os únicos que nunca vi pedir na rua, eles se viram de todo jeito com carrinho de picolé ou suas barraquinhas, eles só querem sobreviver. Que mal eles estão fazendo? Os que estão fazendo isso têm o coração amargo! Torço pra que eles consigam se reerguer novamente”.

Outro internauta escreveu: “Não custava nada a prefeitura cadastrar e regularizar esses vendedores ambulantes, que são trabalhadores, ao invés de tanta truculência e violência tomando à força seus produtos”.

IMIGRAÇÃO FORÇADA

A presença de imigrantes nas ruas de Manaus, principalmente do Haiti e da Venezuela, é resultado de crises políticas, econômicas e humanitárias nesses países. O processo migratório de haitianos para Manaus teve início em 2010, quando um terremoto devastou o país. Já na Venezuela, o colapso econômico e a repressão política “empurraram” famílias inteiras para o Brasil, com mais intensidade a partir de 2016.

Em Manaus, os imigrantes enfrentam, além de barreiras linguísticas, preconceito e problemas para se inserirem no mercado de trabalho formal, o que os leva à informalidade e, em muitos casos, a uma situação de vulnerabilidade social. E é no Centro de Manaus, a principal área comer-

cial e turística da capital amazonense, que os vendedores ambulantes se instalam, utilizando estandes móveis, chamados de “carrinhos”, para comercializarem os produtos nas calçadas da região.

Conforme a Arquidiocese de Manaus, segundo dados de março deste ano da Pastoral dos Imigrantes, que tem atuado no acolhimento dessa população, há 39 mil venezuelanos e 7 mil haitianos que migraram para Manaus e se fixaram na cidade.

444 mil

Em números absolutos, o total de trabalhadores em situação de informalidade em Manaus, em 2025, manteve-se praticamente estável, caindo de 445 mil para 444 mil pessoas no período analisado, informou o IBGE.

Os dados mais precisos sobre imigrantes com documentação regularizada são da Polícia Federal (PF), de quem a reportagem solicitou informações sobre o quantitativo de residentes em Manaus, com prazo para resposta anterior à publicação desta reportagem. No dia 20 de agosto, a instituição informou, por meio do setor de Comunicação Social, que a demanda encaminhada pela CENARIUM estava “sob análise de uma delegacia especializada,

razão pela qual o retorno requer um tempo adicional para averiguação adequada dos dados solicitados”.

A PF informou ainda que, “em razão da elevada demanda”, “nem sempre é possível atender aos prazos (deadlines) estipulados pelos veículos de imprensa”, e que a resposta à solicitação pode ser encaminhada “tão logo seja possível, e havendo viabilidade”.

INFORMALIDADE

Em 2025, a taxa de informalidade entre pessoas de 14 anos ou mais, ocupadas em Manaus (AM), foi de 42,2% no primeiro trimestre e 41,7% no segundo trimestre, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em números absolutos, o total de trabalhadores em situação de informalidade na cidade manteve-se praticamente estável, caindo de 445 mil para 444 mil pessoas no período analisado.

Ainda conforme os dados do IBGE, o Amazonas ocupa a terceira posição de maior taxa de informalidade no Brasil, ficando atrás dos Estados do Pará, Piauí e Maranhão. Segundo os índices da Pnad Contínua, o índice de trabalhadores informais no Estado chegou a 53,8% em 2024, após atingir o pico em 2021, quando alcançou 58,7%. O levantamento coloca o Estado com índice acima da média nacional, de 14%, e da média regional, que é de 53,3%.

POSICIONAMENTO

A CENARIUM questionou a Prefeitura de Manaus sobre os pontos apontados pelos vendedores ambulantes e sociólogos consultados pela reportagem, como a existência de ordem judicial para a Guarda Municipal garantir que não haja violência física ou uso indevido de spray de pimenta contra trabalhadores; se foi oferecida alguma alternativa de realocação ou regularização para esses ambulantes antes da ação; e como a prefeitura responde às críticas de que a operação faz parte de um processo de higienização social na área central. Nenhuma resposta foi enviada até a publicação desta reportagem.

53,8%

Segundo os índices da Pnad Contínua do IBGE, o índice de trabalhadores informais no Amazonas chegou a 53,8% em 2024 após atingir o pico em 2021, quando alcançou 58,7%.

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‘Moradia é inviolável’: advogados apontam ilegalidade

MANAUS (AM) – Advogados alertaram para possíveis violações de direitos na ação de ordenamento realizada pela Prefeitura de Manaus no bairro Centro, Zona Sul, quando servidores municipais entraram em um imóvel na Rua Bernardo Ramos sem ordem judicial. No local, que também funcionava como depósito para vendedores ambulantes, residia uma família, conforme apurou a CENARIUM

Segundo a prefeitura, na ação, coordenada pela Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento, Centro e Comércio Informal (Semacc), com apoio da Vigilância Sanitária e da Secretaria Municipal de Segurança Pública e Defesa Social (Semseg), guardas municipais usaram a força para fechar o depósito. A operação resultou na apreensão das mercadorias dos trabalhadores autônomos e provocou

confusão no local, incluindo agressões a vendedores ambulantes e a um guarda municipal.

O advogado Anderson Fonseca aponta que, mesmo diante de irregularidades sanitárias, a entrada forçada em um espaço habitado exige respaldo legal específico. “Existe uma proteção judicial, uma proteção constitucional, que diz que a moradia é inviolável, ninguém pode penetrar sem o consentimento do morador, salvo em casos de flagrante delito, desastre, para prestar socorro ou durante o dia, por determinação judicial”, lembrou o jurista.

Fonseca destacou que o imóvel, mesmo sendo utilizado de forma precária, se enquadra no conceito jurídico de moradia. “Essa circunstância do imóvel ser utilizado como moradia de uma família, mesmo

que precariamente, pode ser considerada domicílio para os fins dessa proteção constitucional. E sendo assim, a entrada da prefeitura neste imóvel, sem autorização judicial, pode ser considerada ilegal no que tange à violação de domicílio”, acrescentou Anderson Fonseca.

Na mesma linha, o advogado Leonardo Marques reforçou que o conceito de moradia não depende da posse legal ou da formalidade do espaço. “A Constituição Federal, em seu artigo 5º, XI, versa que a casa é asilo inviolável. E esse conceito é amplo: qualquer local onde alguém exerça vida privada, mesmo sem título de posse, é protegido”, declarou o advogado. “Qualquer medida extrema sem ordem judicial, como a relatada pela família, é abusiva, ilícita e merece reparação”, completou. Além de depósito, espaço funcionava como residência

Crédito: Alinne Bindá | Cenarium

Discurso de prefeito remete ao fascismo

Lucas Thiago – Da Cenarium MANAUS (AM) – O discurso do prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), sobre a operação da Prefeitura de Manaus que teve como alvo vendedores ambulantes irregulares no dia 7 de agosto, foi classificado pelo sociólogo Luiz Antonio Nascimento, em entrevista à CENARIUM, como “conteúdo autoritário que remete à lógica fascista”.

A ação, coordenada pela Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento, Centro e Comércio Informal (Semacc), incluiu o uso de força pela Guarda Municipal para fechar um depósito usado pelos trabalhadores informais no Centro da capital amazonense. Parte dos vendedores ambulantes impactados pela operação é composta por imigrantes do Haiti.

“Quando o prefeito de Manaus diz que vai ‘limpar a cidade’, ele promove um processo de ‘higienismo’ social, com conteúdo autoritário que nos remete a uma lógica fascista”, afirmou o sociólogo. “É uma prática que trata as pessoas conforme suas condições existenciais e de moradia. Os considerados ‘estranhos’ são tratados com desprezo e desvalor”, completou.

Em entrevista a uma emissora local, David Almeida afirmou que a Prefeitura não vai recuar na ação nem permitir a falta de ordenamento na região central da capital. O prefeito citou os estrangeiros que não querem se regularizar como parte dos problemas enfrentados pela gestão municipal durante a operação.

“Acontece que os estrangeiros não querem se regularizar. Eles querem ocupar os

“Quando o prefeito de Manaus diz que vai
‘limpar a cidade’, ele promove um processo de ‘higienismo’ social, com conteúdo autoritário que nos remete a uma lógica fascista”

Luiz Antonio Nascimento, sociólogo.

espaços que não são possíveis de serem ocupados. E nós estamos buscando ordenar os vendedores que já têm cadastro para frente. Inclusive, a Secretaria de Feiras e Mercados cadastrou todos os ambulantes. Todos vão ter o seu trabalho resguardado, vamos ordenar o Centro”, declarou o prefeito na entrevista.

LIMPEZA SOCIAL

Luiz Antonio comparou o discurso da gestão municipal à retórica usada por regimes autoritários do século XX, como o nazismo e o fascismo, que utilizavam a ideia de “limpeza social” para justificar ações de repressão.

“Hitler promovia o genocídio judeu sob o argumento de que estava limpando a Alemanha. Mussolini usava discursos semelhantes. O mesmo tipo de retórica se repete quando se tenta convencer a população de que camelôs, ambulantes e pessoas em situação de rua são responsáveis pela desorganização da cidade”, pontuou.

Segundo Luiz Antonio, o real problema está na gestão pública. “Não são os ambulantes que sujam ou desorganizam a cidade. É a administração que investe mais de R$ 300 milhões por ano com empresas de coleta de lixo e, ainda assim, a cidade continua suja”, disse o sociólogo.

O prefeito de Manaus, David Almeida
Crédito: Fotos - Ricardo Oliveira Cenarium | Reprodução Semcom | Composição - Lucas Oliveira | Cenarium

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Defensoria solicita cronograma e propõe atuação intersetorial

Após a repercussão da operação da Prefeitura de Manaus junto aos vendedores ambulantes no Centro da cidade, a Defensoria Pública do Amazonas (DPE-AM) enviou ofício, no dia 8 de agosto, aos responsáveis pela ação, que faz parte do programa “Mutirão no Bairro”. O documento foi endereçado à Prefeitura de Manaus, à Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento, Centro e Comércio Informal (Semacc) e à Casa Civil do Município.

O objetivo foi questionar a falta de diálogo sobre a iniciativa com os trabalhadores ou mesmo com as instituições que participam de reuniões regulares sobre o planejamento de medidas voltadas à ordenação do Centro Histórico de Manaus.

Segundo o ofício, “em nenhuma dessas reuniões houve qualquer comunicação prévia ou manifestação por parte dos representantes municipais quanto à deflagração de operações de fiscalização e repressão direcionadas aos feirantes e comerciantes ambulantes”.

A partir de relatos da imprensa e dos trabalhadores, os comerciantes foram surpreendidos com a abordagem que aconteceu de forma agressiva e com uso

desproporcional de força, sem que houvesse uma justificativa formal para a ação.

A Defensoria argumenta ainda que, apesar da legitimidade institucional para a medida, esse poder “não pode ser exercido de forma arbitrária ou desprovida de fundamentação legal, devendo sempre observar os princípios da razoabilidade, proporcionalidade, legalidade e humanidade”.

Segundo o titular da Defensoria Especializada em Atendimento de Interesses Coletivos (DPEIC), defensor público Carlos Almeida Filho, é preciso planejamento antes de uma ação como essa ser executada. “A ausência de planejamento e de comunicação gera problemas. Por isso que a Defensoria tem requisitado a suspensão das ações e a necessária comunicação do cronograma para que outros órgãos de controle e outros órgãos de amparo social possam estar presentes”, disse o defensor.

A DPE pediu que fossem esclarecidos os critérios e procedimentos adotados nas recentes ações de fiscalização, enviadas informações sobre eventual existência de plano de reordenamento urbano aprovado, além da cópia de atos normativos, portarias ou diretrizes administrativas que

embasaram as referidas operações e o planejamento delas.

O ofício pergunta ainda em que consiste o planejamento, quais são as ações estabelecidas, quais órgãos foram convidados e envolvidos para participação na operação e qual a duração da operação.

REUNIÃO

Divulgação

Crédito:

A Defensoria informou ainda que, no dia 8 de agosto, foi realizada uma reunião com membros da instituição, representantes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), da Prefeitura de Manaus e da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL). Na ocasião, segundo a DPE, a Prefeitura se comprometeu a suspender as ações, e ficou definido um encontro com todos os órgãos que compõem o colegiado do Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), para planejamento de reorganização do Centro de forma mais organizada.

A CENARIUM solicitou da Defensoria informações sobre possíveis respostas da administração municipal a respeito das ações de reordenamento do Centro de Manaus e sobre como a instituição acompanha o caso.

A DPE informou que participou de uma reunião realizada no dia 19 de agosto, no Casarão da Inovação Cassina, com a organização da Secretaria Executiva Adjunta de Planejamento e Gestão Integrada da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Seagi/SSP-AM), para discutir as intervenções na área central. Ainda conforme a DPE, a instituição propôs a formalização de uma cooperação intersetorial para garantir que não haja violações de direitos durante o trabalho de reestruturação da área e alertou que o trabalho deve ser planejado de forma a proteger as pessoas em situação de rua, vendedores ambulantes e outros grupos vulneráveis, como estrangeiros.

A proposta apresentada pelo defensor público Carlos Almeida, da DPEIC, durante a reunião, foi acolhida pelos representantes dos órgãos envolvidos na mobilização, de acordo com nota enviada pela DPE à reportagem. A Defensoria não informou se a Prefeitura apresentou detalhes do cronograma de readequação do Centro de Manaus.

Mulher reage à operação da Prefeitura de Manaus diante de um guarda municipal

OPINIÃO – Manaus da truculência e incompetência

A Prefeitura de Manaus (AM) recorreu à força para fechar um depósito utilizado por vendedores ambulantes no Centro da cidade, apreendendo carrinhos e mercadorias essenciais à sobrevivência econômica dessas pessoas, nas últimas 48 horas. A ação gerou confusão e protestos.

O prefeito David Almeida (Avante) classificou a operação como “Mutirão no

“Não há revitalização urbana que justifique a humilhação pública”
Paula Litaiff*

Centro”, para “revitalização urbana”. Para especialistas, a iniciativa foi apontada como prática de “higienização social”, que ataca e exclui os trabalhadores informais dos grandes centros comerciais, invisibilizando-os sem oferecer alternativas de existência.

Mais da metade da população trabalhadora do Amazonas recorre à informalidade para sobreviver, realidade que não se resolve com repressão, mas com políticas públicas de regularização simplificada, como capacitação, microcrédito, criação de espaços adequados e acesso a direitos sociais básicos.

O que se viu nas ruas de Manaus não foi a interdição de um depósito ou a apreensão de mercadorias: foi a interrupção brutal de vidas que se sustentam no fio da informalidade. No lugar de ser a ponte entre o cidadão e a dignidade, o poder público assumiu o papel de opressor, usando a

força contra mulheres negras e estrangeiras que carregam no corpo e na pele a marca de séculos de exclusão.

Não há revitalização urbana que justifique a humilhação pública, a violência física e o confisco do direito de existir pelo trabalho. Quando o Estado se transforma em agressor dos mais vulneráveis, ele abdica de sua função essencial: proteger. E, nesse vácuo de humanidade, a cidade se apequena, revelando que sua verdadeira ruína não está nos buracos das ruas, mas na erosão moral de seu governante.

(*) Paula Litaiff é jornalista e pesquisadora. Mestra em Sociedade e Cultura da Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), integra o Grupo de Estudo, Pesquisa e Observatório Social: Gênero, Política e Poder (Gepos), coordenado pela Profa. Dra. Iraildes Caldas Torres, e é fundadora da CENARIUM

Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium

Julgamento ‘a conta-gotas’

Relatora vota para cassar mandato do governador de Roraima, Antonio Denarium, e do vice, Edilson Damião; André Mendonça pede vistas

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) – A ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Isabel Galotti, negou, no dia 26 de agosto, todos os recursos do governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), e do vice, Edilson Damião (Republicanos), e manteve a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE-RR), que determinou a cassação da chapa por abuso de poder político e econômico nas eleições de 2022. Após o voto de Galotti, a presidente da Corte, Cármen Lúcia, anunciou que o ministro André Mendonça solicitou vista do julgamento, que segue suspenso por

30 dias, prorrogáveis por igual período, segundo juristas ouvidos pela CENARIUM

Denarium e Damião tiveram os mandatos cassados pelo TRE-RR em 14 de agosto de 2023, no julgamento da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije), movida pela coligação “Roraima Muito Melhor”, derrotada nas eleições de 2022, que tinha como candidata a empresária Teresa Surita (MDB), numa coligação que reunia ainda os partidos PL, PSB e PMB. Além dos mandatários, os partidos Progressistas e Republicanos também apresentaram recursos ao TSE. Na decisão tomada pelo

A ministra Isabel Galotti, o governador de Roraima, Antonio Denarium, e o ministro André Mendonça
Crédito: Gustavo Lima - STJ | Valter Campanato - Agência Brasil | Gustavo Moren - STF | Composição Paulo Dutra - Cenarium

TRE-RR, somente Denarium teve imputada a pena de inelegibilidade, e os membros da Corte no Estado também decidiram pela realização de novas eleições.

Em um longo voto, Galotti, além de indeferir os recursos, também decidiu pelo imediato cumprimento da decisão, sem a necessidade de publicação do julgado, e que se envie pedido de providências ao TRE-RR para a realização de novas eleições. Ao finalizar a leitura de sua decisão, o ministro André Mendonça anunciou o pedido de vistas, que pode durar 30 dias, prorrogáveis por igual período.

Segundo a presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, tão logo Mendonça retorne o voto-vista, o processo será recolocado na pauta imediatamente. É a segunda vez que o julgamento é suspenso na Corte, em Brasília. A primeira vez ocorreu em 13 de agosto de 2024, após a leitura do relatório pela ministra Isabel Galotti e as sustentações orais da defesa de Denarium e Damião e da coligação “Roraima Muito Melhor”. O processo chegou a ficar um

ano parado, até ser recolocado na pauta de julgamento. A demora no julgamento do caso foi tema da reportagem de capa da edição 60 da REVISTA CENARIUM

Para fazer valer o voto da ministra Galotti pela rejeição dos recursos e, portanto, pela cassação dos gestores, é necessária a concordância da maioria dos ministros que integram o TSE, composto pela presidente da Corte, Cármen Lúcia, pelo vice, Kassio Nunes Marques, e pelos ministros: André Luiz de Almeida Mendonça, Antonio Carlos Ferreira, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto e Estela Aranha.

Pesam contra a chapa que se reelegeu para o Governo de Roraima, em 2022, quatro acusações que podem ser configuradas como abuso de poder político e econômico, previstos na Lei 9.504, de 1997, a Lei Eleitoral.

Denarium e Damião foram acusados pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) de uso promocional, durante as eleições, de programas sociais do Governo de Roraima,

R$ 70 milhões

O repasse indiscriminado de recursos de quase R$ 70 milhões a 12 prefeituras aliadas do governador sob o pretexto de mitigar os efeitos das chuvas é uma das acusações contra Antonio Denarium.

Julgamento que pode manter cassação de Denarium foi suspenso

como o “Cesta da Família”, que, além de cestas básicas, também garantia um cartão de crédito no valor de R$ 200 aos beneficiários; do uso eleitoreiro do programa “Morar Melhor”; do repasse indiscriminado de recursos de quase R$ 70 milhões a 12 prefeituras aliadas do governador sob o pretexto de mitigar os efeitos das chuvas; e do uso irregular de propaganda institucional durante o período eleitoral.

Além disso, nos recursos, Denarium também solicitou a nulidade do acórdão do TRE-RR, alegando que os votos divergentes de dois desembargadores não foram anexados ao processo, somente a transcrição de ambos. Galotti apresentou jurisprudência de que isso não era necessário e nem traria prejuízos à defesa do governador e vice.

Os partidos Progressistas, sigla de Denarium, e o Republicanos, do vice Damião,

também recorreram porque não foram admitidos, ainda em Roraima, como assistentes simples no julgamento. A ministra acolheu parcialmente a demanda das legendas, mas nada que implicasse em mudança no decidido.

RELATORA REFUTA ARGUMENTOS

DA DEFESA

Em um longo e detalhado voto, no qual deixou de ler algumas partes como citações e colações de planilhas, Isabel Galotti recusou os argumentos da defesa de Denarium sobre o programa “Cesta da Família”, pelo qual foi acusado de uso eleitoreiro no pleito de 2022. A defesa do governador argumenta que o programa seria a junção de dois outros já existentes, em 2020: o Renda Cidadã e outro de cunho emergencial, criado durante a pandemia

de Covid-19, que previa entrega de cestas básicas e um cartão para saque de R$ 200.

Conforme Galotti, o conjunto probatório revela a ilicitude do programa “Cesta da Família”, porque ele foi ampliado por Denarium no ano eleitoral de 2022, para atender 50 mil pessoas, e atingiu número superior ao registrado nos anos anteriores. Além disso, somente em 2022 os recursos para o programa foram da ordem de R$ 7 milhões, enquanto, nos 24 meses anteriores, chegaram a R$ 5 milhões.

As justificativas para o uso do programa “Morar Melhor”, para a reforma de casas dos beneficiários, também não foram aceitas pela relatora. Ao analisar as provas, ela disse que ficou comprovado que o programa não tinha lastro em lei específica que o autorizasse como programa estadual, nem orçamento prévio que justificasse

O governador de Roraima, Antonio Denarium, e o vice, Edilson Damião, realizam entrega de cestas básicas

sua execução. Pesou ainda o fato de o programa estar totalmente sob a discricionariedade do governo do Estado sobre quem deveria ser inscrito, sem fiscalização da sociedade civil.

Galotti também negou o recurso que tentava derrubar a decisão que considerou uso eleitoreiro na distribuição de quase R$ 70 milhões a 12 municípios de Roraima, em junho de 2022, para a mitigação de prejuízos causados pelas chuvas. Em seu voto, a relatora disse que a calamidade pública foi utilizada “como subterfúgio para transferência de recursos com finalidade eleitoreira”.

Além disso, houve discrepância entre os valores destinados para as ações de defesa civil no Estado nos anos de 2019, 2020 e 2021 e mesmo a dotação orçamentária de 2022, que foi de R$ 1,6 milhão. Outro

argumento da ministra foi o conteúdo dos relatórios dos municípios para justificar o pedido de ajuda do governo, que obedeciam à ordem direta do governador, sem análise da real necessidade das prefeituras. O município de Iracema, citou Galotti, sequer teve o cuidado de enviar um documento com números exatos, deixando-os com a indicação de “XX” para os pontos afetados.

Quanto ao uso de propaganda institucional no perfil particular de Denarium, a ministra não viu ilegalidade, segundo a jurisprudência do TSE. Ela frisou, porém, que tal reconhecimento não altera o resultado da Aije, que culminou na cassação da chapa e na realização de novas eleições.

Galotti fez, inclusive, uma análise quantitativa e qualitativa dos efeitos nas eleições

em Roraima, em 2022, com a abrangência no número de beneficiários pelos programas sociais que ultrapassaram a diferença de votação entre ele e Teresa Surita. Isso sem falar que, além dos beneficiários, eles envolvem também seus familiares. Denarium foi reeleito, em 2022, para o segundo mandato com 163.167 votos (56,47%), enquanto Surita obteve 118.856 votos (41,14%), diferença de 44,3 mil votos.

“A se considerar de início apenas as pessoas contempladas diretamente pelas ações assistencialistas do governo de Roraima, no ano de eleição, haveria quantitativo de beneficiários superior à distância entre os dois adversários, levando-se em conta que o programa ‘Cesta da Família’ tinha mais de 40 mil inscritos e o ‘Morar Melhor’ mais de 5 mil cadastrados”, disse a relatora.

Capa da edição 60 da REVISTA CENARIUM
Crédito: Capa Hugo Moura
Crédito: Reprodução | Redes Sociais

do plano Brasil Soberano, com MP

Brasil Soberano contra ‘tarifaço’

Plano de ajuda a exportadores prejudicados pela taxação de Trump chega a R$ 30 bi

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) - O pacote de ajuda aos exportadores brasileiros, anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 13 de agosto de 2025, prevê R$ 30 bilhões do Fundo Garantidor de Exportações (FGE) para apoiar o setor produtivo que sofrerá prejuízos com as tarifas aduaneiras de 50% aplicadas pelo presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump. Lula assinou a Medida Provisória (MP 1.309/2025), batizada de Plano Brasil Soberano, que estabelece ações para mitigar os efeitos do “tarifaço”, baseada em três

pilares: fortalecer o setor produtivo, proteger os trabalhadores e buscar a diplomacia comercial e o multilateralismo.

Donald Trump anunciou o aumento de 10% para 50% das tarifas aos produtos brasileiros exportados para o mercado estadunidense no dia 9 de julho, com entrada em vigor em 1º de agosto. No dia 30 do mesmo mês, o governo dos EUA anunciou a exclusão de 694 produtos da lista de taxados, mas ainda manteve cerca de 36% da pauta de exportação do Brasil dentro da tarifa, que passou a valer desde o dia 6 de agosto.

Na carta, além de alegar falsos dados de que a balança comercial do Brasil é desfavorável aos EUA, Trump colocou como condição de negociação a suspensão imediata da Ação Penal (AP 2668) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes,

julgada pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). O alvo principal é o relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, e pessoas que o apoiam no Tribunal. A ação penal, no entanto, está em fase final, pronta para julgamento.

Com os canais de comunicação com o governo dos EUA praticamente fechados, o governo brasileiro criou o plano anunciado para atender aos produtores mais afetados, sobretudo os de pequeno porte, assim como preservar os postos de trabalho. Ao assinar a MP, Lula declarou que as negociações continuarão e que a defesa da soberania nacional é um ponto que jamais será flexibilizado.

“A gente vai continuar teimando em fazer negociação. Nós gostamos de negociar. E não queremos conflito. Nesse país, a gente aprendeu que ninguém larga a mão de ninguém. Quero dizer para os empre-

Crédito: Ricardo Stuckert | PR
Lançamento
assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (ao centro)

sários e para os trabalhadores: a gente vai tentar fazer o que tiver ao nosso alcance para minimizar o problema que foi causado conosco”, afirmou o presidente durante a cerimônia no Palácio do Planalto.

Lula ressaltou que não havia motivos para que os EUA adotassem medidas de sobretaxa contra o País, e que o governo vai trabalhar para encontrar novos mercados aos produtores. Apenas Brasil e Índia tiveram tarifas de 50%. “Nós vamos ter que procurar outros parceiros. O mundo é grande, o mundo está ávido para fazer negociação com o Brasil”, disse.

Toda a negociação está sendo conduzida pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), Geraldo Alckmin, em parceria com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Segundo Alckmin, houve crescimento de 12,7% das importações brasileiras de produtos dos EUA, de janeiro a julho de 2025, em relação à igual período de 2024. Também foi registrado aumento de 4,2% das exportações do Brasil para aquele país, no mesmo período. Por isso, Alckmin considera o ‘tarifaço’ “injusto e inadequado”.

LULA PEDE PRESSA AO CONGRESSO

A assinatura da Medida Provisória acabou reaproximando Lula dos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que participaram da cerimônia. Eles estavam distantes desde os vetos de Lula a algumas propostas aprovadas pelo Congresso e a disputa contra o decreto que aumentou o IOF, vencida pelo governo no Supremo Tribunal Federal (STF). Lula fez um apelo aos parlamentares para que a proposta seja votada o mais rápido possível.

“Quanto mais rápido vocês votarem (no Congresso Nacional), mais rápido os prejudicados serão beneficiados. E nós também estaremos dando ao mundo uma saída, porque muitos países estão na mesma dificuldade que o Brasil. Então estamos mostrando que é assim que se faz”, reiterou Lula.

No mesmo dia, Hugo Motta publicou mensagem de apoio às medidas adotadas pelo governo federal. “Há causas que devem transcender as preferências partidárias ou ideológicas. Aqui no Parlamento, somos

parceiros do Brasil, respondemos à situação prontamente com a aprovação da Lei da Reciprocidade Econômica. Nosso empenho por soluções que protejam empresas, trabalhadores e consumidores brasileiros seguirá inabalável. O Brasil não pode parar”, afirmou. Alcolumbre não se pronunciou.

A MP 1.309/2025 institui o Plano Brasil Soberano e o Comitê de Acompanhamento das Relações Comerciais com os Estados Unidos da América (EUA) e precisa ser votada até o dia 11 de outubro pelo Congresso Nacional, podendo ser prorrogada. Caso contrário, perderá a validade.

ALGUNS PONTOS DO PLANO

Os R$ 30 bilhões do Fundo Garantidor de Exportações (FGE) serão voltados para crédito com taxas acessíveis, ampliação das linhas de financiamento às exportações; prorrogação da suspensão de tributos para empresas exportadoras; e aumento do percentual de restituição de tributos federais por meio do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários (Reintegra). Esse regime devolve aos exportadores parte dos tributos pagos ao longo da cadeia produtiva, na forma de crédito tributário, ajudando a reduzir custos e aumentar a competitividade no mercado externo.

O governo também anunciou a facilitação da compra de gêneros alimentícios por órgãos públicos. O Plano Brasil Soberano pretende fortalecer, ainda, o sistema nacional de financiamento e seguro à exportação,

para que o País se torne mais competitivo e menos vulnerável a ações externas no futuro.

Em relação às linhas de crédito, a prioridade será definida pela dependência do faturamento em relação às exportações para os EUA, pelo tipo de produto e pelo porte da empresa. Serão priorizados os mais afetados. O acesso às linhas estará condicionado à manutenção do número de empregos.

No segundo eixo do Plano, a proteção ao trabalhador prevê a criação da Câmara Nacional de Acompanhamento do Emprego para monitorar o nível de emprego nas empresas e suas cadeias produtivas, fiscalizar obrigações, benefícios e acordos trabalhistas, e propor ações voltadas à preservação e manutenção dos postos de trabalho. A atuação será coordenada em nível nacional e regional via Câmaras Regionais nas Superintendências Regionais do Trabalho.

No campo da diplomacia e multilateralismo, o terceiro eixo do plano, o objetivo é ampliar e diversificar mercados, reduzindo a dependência das exportações brasileiras em relação aos Estados Unidos. O governo cita negociações já concluídas, que devem resultar em acordos com a União Europeia e a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta). Também destaca a negociação em curso com os Emirados Árabes Unidos e o Canadá, assim como diálogos abertos com Índia e Vietnã.

Crédito: Ricardo Stuckert | PR
O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), Geraldo Alckmin, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que conduzem as negociações sobre o ‘tarifaço’, com o presidente Lula

da

o

com

Em marcha por direitos

Cerca de 7 mil mulheres indígenas marcharam em Brasília por demarcação e fim da violência

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) – “Nosso corpo, nosso território: somos as guardiãs do planeta pela cura da terra”. Com esse lema e palavras de ordem, em defesa de seus corpos e territórios, cerca de 7 mil mulheres marcharam por Brasília, na manhã do dia 7 de agosto, no encerramento da IV Marcha das Mulheres Indígenas, que, neste ano, também recepcionou a Conferência Nacional das Mulheres Indígenas. Ao final da marcha, pelo menos 500 delas foram recebidas no plenário da Câmara dos Deputados para uma sessão solene

solicitada pela única deputada indígena no Congresso, Célia Xakriabá (Psol-MG).

A pauta de reivindicações incluiu a defesa da demarcação de terras, o fim do marco temporal, o combate à violência de gênero dentro de seus territórios e ao racismo fora deles, a resposta às mudanças climáticas, além do pedido para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetasse totalmente o Projeto de Lei (PL 2.159/2021), que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental no Brasil, apelidado de “PL da Devastação”.

Participantes
marcha
faixa exaltando
protagonismo indígena na preservação ambiental
Crédito: Ana Cláudia Leocádio | Cenarium

No dia seguinte à marcha, Lula sancionou o PL como Lei 15.190/2025, com vetos a 63 dispositivos. Entre eles, o que desobrigava os órgãos ambientais a ouvirem a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a Fundação Palmares em processos de licenciamento de obras que passem por Terras Indígenas (TIs) e quilombolas. O governo também enviou um projeto de lei ao Congresso com texto alternativo aos dispositivos vetados.

Ainda durante a Marcha e a Conferência, Lula assinou a homologação de três Terras Indígenas localizadas no Estado do Ceará. Em 2025, ele ainda não havia homologado nenhum território. O anúncio foi feito pelas ministras dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e das Mulheres, Márcia Lopes, durante o encerramento da 1ª Conferência Nacional das Mulheres Indígenas, no dia 6 de agosto. Foram homologadas as TIs Pitaguary, Lagoa Encantada e Tremembé de Queimadas, chegando a 16 territórios regularizados desde que Lula assumiu o terceiro mandato.

A Conferência terminou com o anúncio da criação de um Grupo de Trabalho (GT) para transformar em política pública as 50

propostas prioritárias aprovadas durante os três dias de discussões. A Carta Final do encontro escolheu dez propostas para cada um dos cinco eixos em debate: direito e gestão territorial; emergência climática; políticas públicas e violência de gênero; saúde; e educação e saberes ancestrais para o bem-viver.

A quarta edição da Marcha foi organizada pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e reuniu mulheres de mais de 100 povos, representantes de todos os biomas. A diretora-executiva da Anmiga, Jozileia Kaingang, destacou o protagonismo das mulheres que participaram ativamente das discussões, levando as demandas de suas realidades nos territórios.

“Nosso corpo é território. Nosso território é sagrado. Seguiremos organizadas, mobilizadas e em luta por justiça, bem-viver e pela continuidade da vida no planeta. Seguiremos contando com o Estado brasileiro para que estas propostas sejam assumidas como compromissos urgentes e inegociáveis. Que sejam acolhidas, financiadas e implementadas com a devida responsabilidade e em diálogo

“Nosso

corpo é território. Nosso território é sagrado. Seguiremos organizadas, mobilizadas e em luta por justiça, bem-viver e pela continuidade da vida no planeta”

Jozileia Kaingang, diretora-executiva da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).

Sessão solene na Câmara destinada às mulheres indígenas
Crédito: Matheus Alves

Presidente Lula assinou a homologação de três Terras Indígenas no Ceará

“Foi bom trazer as parentes para ver a luta das outras. Ver como as mulheres se organizam. Elas têm coragem, falam lá na frente. A gente vai

levar isso para o nosso território e incentivar as mulheres”

Rosineide Saripu, tesoureira da Associação Indígena Kaxuyana, Tunayana e Kahyana (Aikatuk).

permanente com nossas organizações”, afirmou Jozileia ao ler a carta.

Além da portaria que criou o GT para tornar realidade as propostas das mulheres indígenas, os dois ministérios anunciaram a criação de dois prêmios: “Nega Pataxó”, voltado ao fortalecimento da autonomia da participação política e a proteção integral das mulheres indígenas em todo o País; e o “Mré Gavião”, em homenagem ao fotógrafo da aldeia Krijoherê, do povo Gavião, que premiará comunicadores e comunicadoras indígenas.

Na tarde do dia 7 de agosto, a deputada indígena por Minas Gerais, Célia Xakriabá, convidou cerca de 500 parentas para uma sessão solene no plenário da Câmara, em homenagem à IV Marcha, onde reafirmaram as reivindicações já anunciadas durante

a caminhada em direção ao Congresso, quando se comprometeram a limpar espiritualmente o local, com rezas e cantos.

FOCO NAS ELEIÇÕES DE 2026

A ministra do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Sonia Guajajara, e a deputada Xacriabá, que preside a Comissão da Mulher da Câmara dos Deputados, fizeram um apelo às mulheres, para que procurem eleger candidatas dos povos originários nas próximas eleições, em 2026, para que as políticas indigenistas possam avançar. Atualmente, a ‘Bancada do Cocar’ tem apenas Xakriabá como representante e conta com o apoio de outros parlamentares que também lutam pela causa indígena.

“Nós temos que aumentar a nossa Bancada do Cocar e se somar à voz da nossa

deputada Célia Xacriabá. Se ela está só, eles podem atacar, mas se a gente está juntas [sic] aqui, ocupando também essas cadeiras, ninguém vai conseguir nos derrubar. E é por isso, mulheres, que 2026 é mais um ano histórico, é o ano que nós vamos aumentar a Bancada do Cocar, com mais mulheres indígenas no Parlamento”, afirmou.

A representante do povo Marubo, do Vale do Javari, no Amazonas, Silvana Marubo, também exortou as mulheres a memorizarem os nomes dos parlamentares do Estado, que votaram a favor do PL da Devastação e outras pautas que prejudicam os povos indígenas.

“Temos mulheres capacitadas que estão aqui brigando por nós e vamos estar com elas. Temos quase um ano para pensar e decidir. E outra, não é só deputada não, nós

“Nós

temos que aumentar a nossa

Bancada do Cocar e se somar à voz da nossa deputada Célia Xakriabá. Se ela está só, eles podem atacar, mas se a gente está juntas [sic] aqui, ocupando também essas cadeiras, ninguém vai conseguir nos derrubar”

Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas.

temos que colocar ali dentro do Senado mulheres senadoras também. Porque só tem homem. E outra, no meu Estado do Amazonas votaram contra nós. (...) Os bonitinhos que estão aqui, gaiatinhos que estão aqui, votaram”, discursou no trio da marcha, em frente ao Congresso Nacional.

Na sessão, a ministra Sônia Guajajara confirmou o compromisso de fazer avançar as políticas públicas voltadas às lideranças femininas indígenas e ressaltou a importância de combater a violência contra os povos tradicionais. Segundo ela, nos últimos dois meses, cinco indígenas foram decapitados. “Nós não podemos aceitar tamanha violência, o Estado brasileiro não pode fechar os olhos a isso”, ressaltou.

EMPODERAMENTO E SAÚDE

Indígenas das etnias Wai Wai, Kaxuyana, Kahyana e Tunayana, cujos territórios estão localizados nas calhas dos rios Cachorro, Trombetas e Turini, no Pará, destacaram as experiências vividas durante a Marcha e Conferência, que levarão de volta para seus territórios.

Rosineide Saripu, tesoureira da Associação Indígena Kaxuyana, Tunayana e Kahyana (Aikatuk), disse que tudo é novo para ela, mas positivo. “Foi bom trazer as parentes para ver a luta das outras. Ver como as mulheres se organizam. Elas têm coragem, falam lá na frente. A gente vai levar isso para o nosso território e incentivar as mulheres”, disse.

Para Rosineide, o maior desafio é superar as palavras de desincentivo dos homens nas aldeias, que as colocam em descrédito, além da violência para impedi-las de participar de atividades de liderança. “Eu fico triste, me dá vontade de desistir, porque a gente

vive lutando atrás de apoio para as nossas propostas e eles falam que não adianta. Mas quando eu penso nos meus filhos, eu decido continuar”, ressaltou. A proposta levada por ela à Conferência foi pela capacitação e empoderamento feminino para o fortalecimento nas bases e enfrentamento das mudanças climáticas.

A conselheira Maria José Kaxuyana, que atua na área de saúde, afirma que são necessárias melhorias nas aldeias, porque além de atendimento especializado faltam até remédios, que os indígenas não têm condições de comprar. Aliado a isso, conflitos internos entre lideranças criam problemas na definição dos responsáveis técnicos pela Casai do território. Com base nessa experiência, Maria levou propostas como combate ao racismo, valorização dos saberes tradicionais – parteiras, raizeiras e xamãs – no tratamento, assim como cursos para técnicos no manejo de hemorragias pós-parto, que afetam muito as mulheres nas aldeias.

Estudante de enfermagem, Vanderlúcia Tupari, do povo de mesmo nome em Rondônia, afirma que a maior demanda deles é por melhoria no atendimento à saúde e à educação. Na saúde, ela diz que são necessários profissionais capacitados e atendimentos especializados, hoje disponíveis somente em cidades maiores, como Cacoal e Porto Velho.

Na educação, além de professores mais preparados, a infraestrutura precisa melhorar porque a escola não tem salas suficientes para atender a todos os alunos, sem contar que o ensino ainda é seriado. Vanderlúcia disse que a Conferência foi uma oportunidade para apresentar essas demandas e espera que haja alguma ação concreta depois.

Crédito: Ricardo Stuckert | PR

Bolsonaro vai a julgamento

Tentativa de golpe: ex-presidente e mais sete serão julgados no STF, a partir de 2 de setembro

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) – Com o encerramento da instrução processual da Ação Penal 2668, o presidente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin, marcou para o dia 2 de setembro o início do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete ex-auxiliares, réus pelos crimes de tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes. Zanin convocou sete sessões para o julgamento, que ocorrerão nos dias 2, 3, 9, 10 e 12 de setembro.

Além de Bolsonaro, serão julgados o seu ex-ajudante de ordens e delator no processo, tenente-coronel Mauro Cid; o

deputado federal Alexandre Ramagem; o almirante Almir Garnier; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; e os generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto. A ordem do julgamento será alfabética.

Dos oito réus, Braga Netto está preso desde dezembro de 2024, e Bolsonaro cumpre prisão domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica, entre outras medidas cautelares. A determinação foi tomada pelo ministro Alexandre de Moraes, dentre outros motivos, devido ao uso das redes sociais por ele e pelo filho Eduardo Bolsonaro para coagir o Supremo, no caso da ação penal em curso.

Todos foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como integrantes do “Núcleo Crucial” da chamada “trama do golpe” para manter Bolsonaro no poder, que culminou nos ataques aos prédios dos Três Poderes no dia 8 de janeiro

de 2023, em Brasília. A PGR aponta o ex-presidente como líder da organização criminosa armada que preparou o caminho para os ataques desde quando começou a descredibilizar o sistema eleitoral, sobretudo as urnas eletrônicas. Ele nega todas as acusações.

Com exceção de Ramagem, que foi beneficiado por uma decisão da Câmara dos Deputados que suspendeu a ação por dois crimes praticados antes de assumir o mandato de deputado federal, os outros sete réus são processados por tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Ramagem ficou livre dos dois últimos crimes.

Segundo informações do STF, as sessões extraordinárias marcadas para os dias 2, 3, 9 e 10 ocorrerão pela manhã, das 9h às

Bolsonaro e os demais réus na ação penal sobre a tentativa de golpe
Crédito: Reprodução Agência Brasil e Agência Senado | Composição Lucas Oliveira | Cenarium

12h, enquanto a do dia 12 será realizada das 14h às 19h. Foram convocadas, ainda, sessões ordinárias para os dias 2 e 9, no período da tarde.

Tão logo foi concluído o prazo para a entrega das alegações finais dos oito réus, Moraes solicitou ao presidente da Turma, Cristiano Zanin, a definição das datas, o que ocorreu no dia 15 de agosto. Além de Moraes e Zanin, integram o colegiado do STF os ministros Flávio Dino, Cármen Lúcia e Luiz Fux.

O rito do julgamento começa com a leitura do relatório pelo ministro Alexandre de Moraes, documento que sintetiza todas as acusações feitas pela PGR. Em seguida, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, se manifestará sobre cada acusação imputada aos oito réus. Depois, ocorrem as sustentações orais dos advogados de defesa. Somente após essas manifestações, Moraes apresentará seu voto, assim como os demais colegas. A sequência dos votos é definida pelo critério de antiguidade, começando por Flávio Dino, depois Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. A decisão deve ser tomada por maioria.

Além de negar o envolvimento de Jair Bolsonaro em todas as acusações da PGR, a defesa sustentou nas alegações finais que o processo correu com muita rapidez, uma vez que Polícia Federal (PF) e PGR tiveram muitos meses para conhecer as provas, prazo que a defesa do ex-presidente disse não ter tido.

46 anos

A soma das penas dos cinco crimes apontados pela PGR contra sete dos réus, incluindo Bolsonaro, pode chegar a 46 anos.

A defesa do ex-presidente também alega que as acusações da PGR de que ele liderou a trama golpista são absurdas e misturam eventos para conseguir uma condenação sem provas. A tese da defesa é de que a PF não conseguiu encontrar minutas golpistas,

mesmo com a apreensão de centenas de celulares e computadores.

“Não há como condenar Jair Bolsonaro com base na prova produzida nos autos, que demonstrou fartamente que ele determinou a transição, evitou o caos com os caminhoneiros e atestou aos seus eleitores que o mundo não acabaria em 31 de dezembro, que o povo perceberia que o novo governo não faria bem ao País”, afirma a defesa nas alegações finais.

CUMPRIMENTO DAS PENAS

Conforme a jurisprudência do STF, os condenados só devem passar a cumprir as penas após o trânsito em julgado do processo, ou seja, quando este for encerrado, após a análise dos recursos das defesas. A soma das penas dos cinco crimes apontados pela PGR contra sete dos réus, incluindo Bolsonaro, pode chegar a 46 anos.

No Supremo, a expectativa é que os recursos sejam julgados até o final do mês de outubro, o que abre possibilidade para que eventuais condenados comecem a cumprir pena ainda em 2025.

Indiciados por tentativa de obstruir julgamento

A Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) sob suspeita de obstrução do julgamento da trama golpista em curso no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo a PF, Bolsonaro mantinha em seu celular um pedido de asilo político ao presidente da Argentina, Javier Milei.

O documento, de 33 páginas, foi localizado no aparelho apreendido e teria sido elaborado após o avanço das investigações sobre a tentativa de golpe de Estado. A avaliação dos investigadores é de que ele viabilizaria a saída do país pelo ex-presidente. Procurada, a defesa de Bolsonaro não se manifestou até a conclusão deste texto.

O relatório final da investigação, entregue ao Supremo no dia 15 de agosto, aponta indícios de que Jair e Eduardo Bolsonaro cometeram crimes de coação no curso do processo e de tentativa de abolição do Estado democrático de Direito. O material inclui capturas de tela de conversas.

Entre elas, está uma mensagem do pastor Silas Malafaia, alvo de operação da PF no dia 20 de agosto. Em 11 de julho, dois dias após Donald Trump anunciar uma sobretaxa de 50% contra o Brasil, Malafaia enviou uma crítica dura a Eduardo Bolsonaro em conversa com o ex-presidente.

“Esse seu filho Eduardo é um babaca”, escreveu o pastor, afirmando que o deputado fornecia “a Lula e à esquerda o discurso nacionalista, e ao mesmo tempo te ferrando”.

Na mesma mensagem, Malafaia chamou o parlamentar de “estúpido de marca maior” e disse estar “indignado”: “Só não faço um vídeo e arrebento com ele por consideração a você. Não sei se vou ter paciência de ficar calado se esse idiota falar mais alguma asneira.”

A reação do parlamentar à entrevista do pai teve ofensas como “vai tomar no c*” e “seu ingrato do caralh*”, além de outros trechos com críticas duras. “Me fdendo aqui! Você ainda se ajuda a se f aí!”, afirmou Eduardo em uma das mensagens.

Em outra mensagem, Eduardo diz: “Se o IMATURO do seu filho de 40 anos não puder encontrar com os caras aqui, PORQUE VC ME JOGA PRA BAIXO, quem vai se f* é vc. E vai decretar o resto da minha vida nesta p* aqui. Tenha responsabilidade.”

A PF também registrou um trecho em que Eduardo se refere ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), com quem já havia tido atritos. “Eu ia deixar de lado a história do Tarcísio, mas graças aos elogios que você fez a mim no Poder360, estou pensando seriamente em dar mais uma porrada nele, pra ver se você aprende”, escreveu.

(*) Com informações de agências e texto de Jadson Lima (da Cenarium).

O celular de Bolsonaro também continha mensagens reveladas pela Polícia Federal que mostram Eduardo discutindo com o pai após declarações feitas pelo político em entrevista, nas quais chamou o parlamentar de “imaturo” em meio ao conflito entre o deputado e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Rasteira bolsonarista

Derrota do Governo Lula na CPMI da fraude no INSS foi planejada pelo líder do PL na Câmara

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) – A derrota do senador

Omar Aziz (PSD-AM) para a presidência da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que vai investigar a fraude dos descontos indevidos de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), foi resultado de intensa articulação capitaneada pelo líder do Partido Liberal (PL) na

Câmara dos Deputados, Sóstenes Cavalcante (RJ), desde a tarde de 19 de agosto. Assim, a bancada de oposição consolidou a vitória no comando das investigações, com a mesa de trabalhos instalada no dia seguinte, 20 de agosto, elegendo o senador Carlos Viana (Podemos-MG) para conduzir os trabalhos.

Até a semana anterior, Omar Aziz e o deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO) eram dados como certos para a presidência e relatoria da CPMI, respectivamente. Omar havia sido indicado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e Ayres, pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). No dia 15 de agosto, Motta chegou a publicar uma men-

sagem na rede X desejando bom trabalho aos dois.

Eleito com 17 dos 31 votos (contra 14 de Omar), Carlos Viana indicou de imediato o deputado Alfredo Gaspar (União-AL) para a relatoria, alegando sua experiência técnica como ex-promotor de Justiça e ex-secretário de Segurança Pública de Alagoas. A vice-presidência da CPMI será definida na próxima reunião. Viana afirmou se considerar experiente em comissões parlamentares de inquérito, lembrando que foi relator da CPI de Brumadinho, instalada em março de 2019.

Com a derrota dos indicados governistas, a sala de reuniões foi praticamente esvaziada, permanecendo majoritariamente

Crédito: Kayo Magalhães | Câmara dos Deputados
Derrota de governistas na cúpula da Comissão Mista foi articulada pelo deputado federal Sóstenes Cavalcante

membros da oposição, que ironizaram o fato de Omar e Ayres já se considerarem comandantes da CPMI antes da conclusão formal da eleição, como prevê o Regimento Interno. A sessão de eleição foi conduzida pela senadora Tereza Cristina (PP-MS), que tinha três candidatos inscritos. O senador Eduardo Girão (Novo-CE) retirou sua candidatura em favor de Viana.

Uma das autoras do requerimento de instalação da CPMI, que obteve a assinatura de 223 deputados e 36 senadores, a deputada Coronel Fernanda (PL-MT) relatou que os oposicionistas já se sentiam derrotados nessa disputa.

“Mas não esperávamos que o nosso líder, Sóstenes, juntamente com toda a oposição, tivesse planos diferentes para este momento, orientados principalmente por Deus. A coragem que todos tiveram mudou esse jogo, e o jogo de xadrez agora começou com peças novas. Essas peças, com certeza, vão andar para fazer justiça àqueles mais vulneráveis”, afirmou.

O deputado Zé Trovão (PL-SC) disse que a articulação para vencer o governo se estendeu da madrugada até a manhã do dia 20, com o objetivo de eleger alguém de centro para conduzir os trabalhos. “É um cara centralizado e que, com toda certeza, vai seguir o rito prático e não um ritmo desejado por Omar Aziz, que já tinha falado que não ia convocar algumas pessoas se não tivesse muitas bases de corrupção”, argumentou.

Na avaliação do deputado Sidney Leite (PSD-AM), aliado de Omar e membro titular da CPMI, a derrota governista se deveu à fraca articulação do Planalto na Câmara dos Deputados. Além de partidos com cargos em ministérios votarem contra o governo, Leite destacou que havia siglas que sequer indicaram suplentes. A oposição, por sua vez, usou a estratégia de colocar suplentes para votar no lugar de titulares ausentes.

“É um exemplo da desarticulação do governo, que não fez o dever de casa. Então, isso fica muito claro. Eu falo pela Câmara: há uma desarticulação muito forte por parte do governo, que é o maior interessado”, disse Leite. Ele defende ainda a ampliação do escopo da CPMI para incluir os empréstimos consignados de aposentados e pensionistas, que apresentam fortes indícios de irregularidades.

“A coragem que todos tiveram mudou esse jogo, e o jogo de xadrez agora começou com peças

novas. Essas peças,

com certeza, vão andar para fazer justiça àqueles mais vulneráveis”

Coronel Fernanda, deputada do PL-MT, uma das autoras do pedido de instalação da CPMI.

A CPMI do INSS conta com quatro parlamentares titulares da bancada do Amazonas: os senadores Omar Aziz, Eduardo Braga (MDB) e Plínio Valério (PSDB), além do deputado Sidney Leite. Da bancada da Amazônia, também integram a comissão as senadoras Eliziane Gama (PSD-MA) e Dorinha Seabra (União-TO). Os titulares da Câmara são: Coronel Chrisóstomo (PLRO), Coronel Fernanda (PL-MT), Ricardo Ayres (Republicanos-TO) e Duarte Junior (PSB-MA).

OMAR ENTRA EM ATRITO COM COLEGA

Antes de renunciar à candidatura, o senador Eduardo Girão criticou a candidatura do senador Omar Aziz. “Eu já fui presidido pelo senador Omar Aziz aqui na CPI da Pandemia da Covid, que o Brasil parou

para assistir num momento de sombra, num momento difícil, e eu não percebi nenhuma imparcialidade do presidente naquele momento. Respeito a pessoa, mas a condução foi muito ruim. Houve uma blindagem de prefeitos e governadores”, afirmou.

Girão acusou o colega de não ter permitido a investigação de Estados e municípios e disse ter descoberto que Omar se encontrou com Lula enquanto presidia a CPI da Covid. “Isso não é coisa de alguém que está com imparcialidade, porque ali era um palanque que estava sendo feito escancarado em cima de caixão, de pessoas sofrendo, com o objetivo de desgastar o governo federal daquela época, a que eu também tinha críticas. Mas eu não posso compactuar com injustiça, com marmota nesse tipo de condução”, disse.

Crédito: Saulo Cruz Agência Senado
Da esquerda para a direita: os senadores Fabiano Contarato (PT-ES), Eduardo Braga (MDB-AM) e Omar Aziz (PSD-AM), e o deputado Pauderney Avelino (União-AM)

Omar rebateu as falas de Girão, que classificou como “narrativas” distantes da verdade, e afirmou que nunca faltou com respeito aos seus colegas. “Ser presidente de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, para mim, não é o fim do mundo, ser ou não ser. Investigar e aprofundar as investigações eu acho que é o mais importante”, declarou.

Ainda como candidato à presidência da CPMI, Aziz ressaltou que o objetivo de todos os parlamentares do colegiado deve ser apurar com profundidade os fatos, sem pré-julgamentos ou absolvições antecipadas. “Narrativas não dá. Mas eu espero que eu possa contar com a ajuda de todos, independente de partido político, independente de quem vai votar em A ou vai votar em B. Após a eleição da presidência, após a indicação do relator, que a gente possa fazer um trabalho aqui, um trabalho conjunto, respeitando as ideias e os pensamentos de todos os senadores, de todas as senadoras, de todas as deputadas e de todos os deputados”, afirmou, antes de ser derrotado.

Ao final, Aziz parabenizou os eleitos, desejou bom trabalho e retirou-se da sala.

CONVOCAÇÃO DE MINISTROS

O presidente da CPMI do INSS, Carlos Viana, afirmou que sua vitória representa a independência necessária para conduzir a investigação e disse que pretende convocar todos os ex-ministros da Previdência Social, pasta à qual está vinculado o INSS.

A comissão foi proposta após a “Operação Sem Desconto”, da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral da União (CGU), em abril deste ano, que desarticulou uma quadrilha de entidades associativas que realizavam descontos sem autorização de aposentados e pensionistas.

“Nós não estamos aqui para colocar o atual governo em qualquer situação ou o governo anterior. Nós estamos aqui para dar respostas à população brasileira. E os ministros da Previdência que passaram pelo Estado deverão, naturalmente, prestar

contas. Como essas associações conseguiram chegar até o salário dos aposentados? Como isso foi feito? O que foi feito para coibir e o que não foi feito? É hora de nós cobrarmos responsabilidades”, declarou.

Viana prometeu não permitir que a CPMI se torne uma bagunça ou palco ideológico, mas sim uma investigação baseada em dados, cotejo de informações e transparência, para acompanhamento pela sociedade. “Chega de escândalos debaixo do tapete, chega de nós protegermos pessoas que deveriam estar na cadeia. Nós vamos convocar todos os personagens dessa trama contra o INSS, todos aqueles que já são conhecidos e novos serão apontados ao longo das sessões”, afirmou.

Segundo ele, além de identificar os responsáveis e encaminhar providências, o objetivo maior é evitar novas fraudes que provoquem rombos bilionários ao INSS.

O relator Alfredo Gaspar também creditou sua indicação ao líder do PL, Sóstenes Cavalcante, em aliança com o presidente e líder do União Brasil. Questionado sobre o que a CPMI pode trazer de diferente das investigações já conduzidas pela PF, Gaspar afirmou que o desafio é resgatar a credibilidade do parlamento. “A verdade é o que nós buscamos. O roubo na conta dos aposentados e dos pensionistas tem que ter a devida responsabilização e nós temos que fechar as brechas para não permitir novos desvios”, concluiu.

Crédito: Saulo Cruz | Agência Senado
Crédito: Saulo Cruz | Agência Senado
Em pronunciamento, o senador Eduardo Girão
O senador Carlos Viana (Podemos-MG) foi escolhido presidente da CPMI com apoio da oposição

As mulheres, a crise climática e a sustentabilidade na Amazônia

Aperspectiva de gênero, como heurística elucidativa das relações sociais que engendram a condição humana em todos os tempos e lugares, pode transformar-se num recurso candente que aponta possíveis saídas no âmbito da sustentabilidade. Se as ciências derem a devida visibilidade às maneiras pelas quais as mulheres cuidam da terra, como algo que lhes é próprio, forjando condições necessárias para que os sistemas vivos se perpetuem na natureza, será possível encontrar uma base significativa para que seja adotada a sustentabilidade nas relações com o meio ambiente.

Não só as ciências, é verdade, devem responsabilizar-se pela visibilização das práticas sociais das mulheres. Os veículos midiáticos, especialmente a grande mídia televisiva, e a sociedade civil devem engajar-se nesse empreendimento. Os movimentos feministas têm dado a sua contribuição, tanto no que diz respeito à visibilização da história das mulheres quanto ao almejado desenvolvimento sustentável, como assinalei em outro escrito (2009).

As mulheres têm uma relação menos destrutiva para com o meio ambiente do que os homens. Elas possuem uma racionalização estratégica preservacionista importante em relação ao solo, animais, plantas, água. Trata-se de uma racionalização intuitiva que tem como horizonte a continuidade da vida, a repro-

dução das espécies e a perenidade do planeta. Morin (2003) nos lembra que os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles. No caso das mulheres, esse tipo de racionalidade é crível porque elas gozam de consideração e respeito, posto que são parte essencial da reprodução social, cultural e biológica.

A relação das mulheres com a natureza, especialmente com a agricultura, possui substrato vital de fecundidade e natalidade. A terra, assim como a mulher, é vida; ambas têm forças geradoras e criadoras; ambas são fecundas e vitais. A forma com que elas se relacionam com o meio ambiente natural mostra que têm como ponto de referência as suas próprias vidas. Ou seja, os papéis que desempenham na vida social têm estreita conexão com o conceito de equilíbrio que envolve a relação mulher/terra, terra-vida, homem-mulher e homem-natureza (Torres, 2009). Este é, pois, um conhecimento ecológico sob uma pedagogia da ecologia profunda, como supõe Capra (2001).

Essas mulheres que cuidam genuinamente do planeta são, ironicamente, as mais afetadas pela crise climática e ambiental. As mulheres rurais que, majoritariamente, são responsáveis pelo cultivo de alimentos orgânicos com uso de sementes crioulas e práticas agroflorestais, cultivo de roça de mandioca, hortaliças, leguminosas e outros, são fortemente

atingidas em seus processos de trabalho. A produção agrícola depende diretamente da água e da fertilidade dos solos para o êxito da lavoura. Os impactos são mais severos quando ocorrem as grandes estiagens, e as mulheres sentem em seus corpos-territórios as consequências desse desequilíbrio planetário. O debate sobre a transição energética tem que envolver as mulheres, seus saberes tradicionais, suas formas de organização e controle social. A energia solar sob o controle social das mulheres da floresta é uma possibilidade viável, como mostra o diagnóstico de uma pesquisa que desenvolvi em cinco comunidades rurais da Amazônia, com término recente.

As mulheres da floresta necessitam de políticas públicas vigorosas e estruturantes. A política pública é, em última análise, a produção da própria vida social. Pensar política pública é pensar em arena política, é pensar na floresta, nos rios e na terra. As políticas públicas devem sair da superficialidade e da imediatez das ações para a estruturação da proteção à vida no espaço rural. O Estado brasileiro precisa deixar de ver as mulheres só como guardiãs da biodiversidade amazônica. Elas precisam ser vistas como sujeitos de direitos e cidadãs brasileiras.

(*) Professora titular da Universidade Federal do Amazonas e doutora em Antropologia Social.

Crédito: Acervo Pessoal

Debate sobre adultização teve repercussão após vídeo do youtuber Felca

Armadilha nas redes

Após vídeo publicado pelo influencer Felca, especialistas explicam como adultização afeta crianças e adolescentes

Fabyo Cruz – Da Cenarium

BELÉM (PA) – A exposição precoce de crianças e adolescentes a comportamentos, estéticas e responsabilidades típicas de adultos, fenômeno conhecido como adultização, vem preocupando especialistas em Psicologia e Direito no Brasil. O alerta ganhou força após a repercussão de um vídeo publicado pelo youtuber e humorista Felipe Bressamin Pereira, conhecido como Felca, que já ultrapassou 27 milhões de visualizações, e a tramitação, no Congresso Nacional, de propostas para regulamentar o uso de telas e proteger o público infantojuvenil no ambiente digital. Para a psicóloga e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Jureuda Guerra, ex-presidente do Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região Pará

e Amapá (CRP10), a adultização precoce pode gerar efeitos duradouros na saúde mental. “Isso pode levar à ansiedade, estresse crônico, dificuldades na construção da identidade, perda da vivência lúdica da infância e vulnerabilidade a transtornos mentais como depressão e distúrbios alimentares, devido à forte cobrança estética”, afirma. Jureuda aponta sinais que devem ser observados, como uso excessivo de maquiagem, roupas adultas, poses e danças sexualizadas em fotos e vídeos, preocupação exagerada com a aparência e número de curtidas, além de atitudes precoces relacionadas a relacionamentos e dinheiro. Ela lembra que a erotização infantil não é nova no Brasil, citando programas de TV e concursos da década de 1980 que expunham menores de forma sexualizada.

“Crianças expostas a padrões irreais podem desenvolver distorção de autoimagem, sentimento de inadequação e normalização da objetificação do corpo, aumentando o risco de violência sexual”, alerta a psicóloga. Ela lembra que o Brasil possui altos índices de violência sexual contra crianças e adolescentes e que lida com essas situações durante seus atendimentos. “Hoje mesmo tive um atendimento em que, amanhã, a criança fará o aborto legal”, comentou.

Para enfrentar o problema, a especialista defende a aplicação da Lei 13.395/2019, que prevê psicólogos nas escolas, “mas que ainda não foi implementada”, o fortalecimento da educação sexual adequada e a aprovação do Projeto de Lei (PL) 2628/2022, que está em andamento

Crédito: Fotos Reprodução Redes Sociais | Reprodução Câmara dos Deputados | Composição Lucas Oliveira | Cenarium

no Congresso e regulamenta o uso de telas por crianças.

“É preciso orientar os pais sobre os riscos da adultização e da superexposição nas redes, trabalhar a autoaceitação e denunciar casos de exploração infantil. A escola e a sociedade devem promover debates sobre o uso saudável das redes e os direitos da criança, combater a romantização da adultização (…) Pais e responsáveis precisam monitorar o uso da internet, estabelecer limites e incentivar brincadeiras adequadas à idade. Crianças não namoram!”, afirmou.

RISCOS JURÍDICOS E PROTEÇÃO LEGAL

A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará (OAB-PA), Ivana Melo, ressalta que a adultização não é inofensiva e pode trazer consequências jurídicas graves. Ela explica que os riscos mais comuns estão relacionados às violações dos direitos fundamentais à privacidade, imagem, honra e dignidade, protegidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

“No âmbito criminal, a depender do conteúdo, a conduta pode ser enquadrada em crimes como a produção ou divulgação de material pornográfico envolvendo menores (arts. 240 a 241-E do ECA), ou no art. 232 do ECA, nos casos em que a criança é submetida a vexame ou constrangimento”, explica a advogada.

Na esfera cível, os responsáveis podem ser obrigados a indenizar por danos morais ou materiais e responder por infrações administrativas. “Poderá acarretar o dever de indenizar por danos morais ou mate-

riais, caso a honra, dignidade e imagem da criança ou adolescente sejam atingidas. Além disso, há a possibilidade de enquadramento como infração administrativa, com aplicação de multa para quem exiba ou transmita imagem ou vídeo de criança ou adolescente em situações ilícitas. Importante citar que a exposição excessiva nas redes sociais pode aumentar o risco de abuso, aliciamento e exploração sexual infantil, bem como facilitar o cyberbullying”, acrescentou.

Para Ivana, a proteção exige ação conjunta da família, do Estado e das plataformas digitais. O Brasil já possui uma base legal que inclui o ECA, o Marco Civil

da Internet, a Lei Geral de Proteção de Dados e diversos tratados internacionais. No entanto, a advogada acredita que ainda falta uma regulamentação específica para o trabalho infantil realizado online. Ela destaca que o Projeto de Lei (PL) 2628/2022 pode ajudar a preencher essa necessidade.

“Apesar do arcabouço jurídico sólido, a realidade digital exige uma legislação mais específica. É necessário um marco legal que defina com clareza o trabalho infantil online, as responsabilidades dos pais, das empresas e das plataformas, além de criar mecanismos eficazes de fiscalização para garantir que o ambiente digital não viole a proteção integral assegurada às crianças.

“É preciso orientar os pais sobre os riscos da adultização e da superexposição nas redes, trabalhar a autoaceitação e denunciar casos de exploração infantil. A escola e a sociedade devem promover debates sobre o uso saudável das redes”

Jureuda Guerra, psicóloga e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), ex-presidente do Conselho Regional de Psicologia da 10ª Região Pará e Amapá (CRP10).

Crédito: Reprodução
O influenciador digital Hytalo Santos, após ser preso

Vale destacar que já tramita no Congresso Nacional o PL 2628/2022, que visa proteger crianças e adolescentes em ambientes digitais”, comentou a advogada.

COMO DENUNCIAR

Conteúdos que exploram ou violam os direitos de crianças e adolescentes podem ser denunciados diretamente nas plataformas, pelo Disque 100, em delegacias especializadas, no Conselho Tutelar ou no Ministério Público.

A advogada Ivana destaca que fazer uma denúncia formal é essencial, pois sozinha ela não ativa automaticamente a rede de proteção.

“A denúncia pode ser feita diretamente nas plataformas, uma vez que as grandes redes sociais possuem ferramentas próprias para esse fim. Cumpre esclarecer que a denúncia nas plataformas remove o conteúdo, mas não aciona a rede de proteção. Para isso, é fundamental utilizar os canais oficiais, como o Disque 100, procurar uma delegacia especializada, o Conselho Tutelar ou o Ministério Público”, conclui.

FELCA EXPÕE

INFLUENCERS

No início de agosto, um vídeo do youtuber Felca reacendeu o debate sobre a exposição de crianças e adolescentes na internet. Na gravação de quase 50 minutos, o humorista denuncia casos de exploração e adultização infantil em conteúdos digitais, citando nomes como o influenciador paraibano Hytalo Santos, o canal “Bel para Meninas” e o perfil da mãe da menor Caroline Dreher.

“Apesar do arcabouço jurídico sólido, a realidade digital exige uma legislação mais específica. É necessário um marco legal que defina com clareza o trabalho infantil online, as responsabilidades dos pais, das empresas e das plataformas”

Ivana Melo, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Pará (OAB-PA). Crédito:

O criador de conteúdo afirma que crianças têm sido expostas a situações constrangedoras e até a suposta venda de conteúdo íntimo por menores, como no caso de Caroline Dreher. O vídeo apresenta trechos das publicações dos citados para sustentar as denúncias. A repercussão levou à suspensão de alguns perfis e à abertura de investigações. Felca disse ainda ter registrado boletins de ocorrência e ingressado com ações contra mais de 200 contas por difamação, propondo que eventuais réus façam doações a entidades de proteção infantil.

PRISÃO

Após a repercussão do vídeo, o influenciador Hytalo Santos foi preso, no dia 15 de agosto, na cidade de Carapicuíba (a 39 quilômetros da capital), na Grande São Paulo. A informação foi confirmada à Folha pela promotora Ana Maria França, do Ministério Público da Paraíba (MP-PB). Um vídeo do momento da prisão mostra Hytalo ao lado do companheiro, identificado como Israel Natan Vicente, mais conhecido como “Euro”, que também foi preso. “Vocês estão sendo presos pelo Deic [Departamento Estadual de Investigações Criminais], daqui de São Paulo”, informa um dos agentes que cumpriu o mandado.

Hytalo é investigado pelo MP-PB e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) por suspeita de exploração e exposição de menores em conteúdos produzidos para as redes sociais. O caso ganhou repercussão após denúncias do youtuber Felca, que apontou situações de “adultização” de crianças e adolescentes.

As prisões foram determinadas pelo juiz Antônio Rudimacy Firmino de Sousa, da 2ª Vara da Comarca de Bayeux, na Paraíba. Na decisão, o magistrado apontou “fortes indícios” de crimes como tráfico de pessoas, exploração sexual, trabalho infantil artístico irregular, produção e divulgação de vídeos nas redes sociais, além do constrangimento de crianças e adolescentes.

No dia 13, equipes da Polícia Militar e oficiais de Justiça cumpriram um mandado de busca e apreensão na residência de Hytalo Santos, em um condomínio de luxo em João Pessoa, expedido pela 1ª Vara da Infância e Juventude a pedido do Ministério Público da Paraíba. Ao chegar ao local, os agentes encontraram a casa trancada e vazia, com indícios de que o influenciador havia saído horas antes, levando consigo vários equipamentos eletrônicos, como celulares, câmeras e computadores.

O magistrado responsável, juiz Adhailton Lacet Correia Porto, destacou que a remoção antecipada dos equipamentos pode configurar obstrução às investigações, o que levaria à decretação de prisão preventiva. Na decisão, também constam medidas imediatas de proteção às vítimas: suspensão dos perfis do influenciador nas principais redes sociais — Instagram, TikTok, YouTube e Facebook —, além da remoção de conteúdos envolvendo menores e o afastamento deles do convívio com o investigado, com acompanhamento do Conselho Tutelar.

A defesa do influenciador não foi localizada até a publicação desse texto.

Com informações da Folha*.

‘ECA

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium BRASÍLIA (DF) – As denúncias do youtuber Felca sobre exploração sexual de crianças e adolescentes na criação de conteúdos para a internet levaram a uma “inundação” de propostas sobre o tema no Congresso Nacional e à aprovação do chamado “ECA Digital” pelos deputados federais.

Aprovado pela Câmara dos Deputados em votação simbólica, por volta das 23h do dia 20 de agosto, o Projeto de Lei 2628/22, que cria regras para proteger crianças e adolescentes nas plataformas digitais, o “ECA Digital”, retornará ao Senado para nova análise por causa das diversas mudanças realizadas pelos deputados federais no texto, que flexibilizou pontos aprovados pelos senadores em dezembro de 2024. O Senado também anunciou a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a adultização em ambiente digital.

De autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), entre as várias medidas aprovadas, a proposta prevê que as empresas criem ferramentas de controle que permitam aos pais e responsáveis legais gerenciarem o conteúdo acessado por seus filhos. Como a votação foi simbólica, sem o registro do voto de cada deputado, apenas o Partido Novo votou contra a matéria.

Encampado de pronto pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), desde que o influencer Felca publicou o vídeo sobre adultização de crianças nas redes sociais, expondo os riscos e os perigos dessa prática, o projeto ganhou prioridade absoluta na tramitação, porque já estava com parecer pronto do relator Jadyel Alencar (Republicanos-PI). O texto uniu oposição e governo para aprovar a matéria, mesmo com resistência de partidos como o PL e o Novo, que acusam a proposta de instituir censura às big techs.

Em pronunciamento antes da aprovação do projeto, Motta disse que a votação do PL não significa que a Câmara queira censurar qualquer opinião ou criar órgãos censuradores das redes. “O que queremos é trazer proteção e garantia de não ter problemas como adultização infantil, erotização, pedofilia no ambiente digital”, disse.

Digital’ e ‘CPI da Adultização’

Segundo o presidente, quase 80 projetos sobre o tema foram apresentados depois do vídeo de Felca, publicado em 6 de agosto, o que mostra o interesse da Câmara em discutir o assunto. “Esta pauta está acima da radicalização e da polarização política. Ela traz a convergência para a Casa e está acima das questões que dividem o Parlamento”, destacou Motta.

O projeto também ajudou Motta a se desvencilhar da pressão da oposição bolsonarista, que o pressiona a pautar os projetos da anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023 e o fim do foro privilegiado. A pauta da Câmara do dia 20 de agosto, por exemplo, trouxe apenas o PL da Adultização e outro para coibir fraudes contra segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

O autor da proposta no Senado, senador Alessandro Vieira, manifestou-se com uma mensagem na rede X logo após a aprovação pelos deputados. “Aprovado na Câmara o nosso PL 2628, 1ª lei de proteção a crianças e adolescentes em ambiente digital das Américas! Trabalho iniciado em 2022 e que contou com o apoio de muitos dentro e fora do Parlamento, provando que ainda é possível unir o Brasil na defesa de quem mais precisa”, escreveu.

Uma das mudanças principais sugeridas pelo relator Jadyel Alencar é sobre a definição da ementa da nova lei, que deverá ser chamada de “ECA Digital”, para permitir a adesão social às regras preconizadas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

No total, o projeto recebeu 38 emendas na Comissão de Comunicação da Câmara, das quais 20 foram acatadas pelo relator. Houve mais duas emendas de plenário aprovadas. Segundo Jadyel Alencar, as alterações em seu relatório tiveram como objetivo que as famílias assumam o papel de proteção efetiva das crianças e adolescentes, sem o transferir às plataformas. O texto original de Alessandro Vieira estabelecia até limite de idade para acessar as redes, mas foi derrotado ainda no Senado.

“Essa solução se inspira no modelo adotado pela Constituição Federal que, ao tratar da proteção contra conteúdos prejudiciais na comunicação social, optou por assegurar à família os meios para se defender, e não por substituir sua autono-

mia”, justificou, em entrevista à Agência Câmara.

Na avaliação de Alencar, o texto aprovado pelos deputados é mais técnico e restritivo do que a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no final de junho, que determinou a retirada de qualquer conteúdo que viole direitos de crianças e adolescentes mediante simples notificação.

A lei entrará em vigor um ano após a sanção. Para isso, precisa passar pelo Senado e, depois, ir à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pode também vetar total ou parcialmente.

CPI NO SENADO

Ainda no dia 20 de agosto, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), anunciou a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar crimes cometidos contra crianças e adolescentes, incluindo denúncias de pedofilia e abuso on-line.

O requerimento de criação da CPI foi apresentado pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e pelos senadores Jaime Bagattoli (PL-RO) e Magno Malta (PL-ES). A partir da aprovação, as lideranças dos partidos devem indicar os integrantes do colegiado, que será composto por 11 membros titulares e 7 suplentes, com prazo de 180 dias e limite de despesa de R$ 400 mil.

Ainda no Senado, o tema está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) apresentou requerimento para solicitar audiência pública com representantes de big techs, do Ministério Público Federal (MPF), da Polícia Federal (PF) e da Defensoria Pública da União (DPU), além do próprio Felca, para detalhar as denúncias, segundo informações da Agência Senado.

PL 2628 NA ÍNTEGRA:

Floresta no chão

MT, AC e AM lideram alertas de desmatamento na Amazônia em 12 meses

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) – Os Estados de Mato Grosso, Acre e Amazonas lideraram os alertas de desmatamento na Amazônia no período de 12 meses, segundo dados do Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados em 7 de agosto pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Entre agosto de 2024 e julho de 2025, os alertas de desmatamento no bioma amazônico cresceram 4% em comparação com o período anterior.

Conforme os dados do Deter/Inpe, as áreas sob alerta de desmatamento na Amazônia atingiram 4.495 km² em 12 meses, contra 4.321 km² registradas de agosto de 2023 a 2024, o segundo menor nível da série histórica. O problema atual é o aumento da área desmatada por incêndios

florestais, que passou de 5% para 15% de um período para outro.

O Estado de Mato Grosso lidera o número de alertas, com aumento de 74% em relação ao ciclo anterior, quando foram identificados 1.636 km², contra 941 km² do período anterior. É também o Estado com a maior proporção de destruição da floresta pelo fogo: 36%, enquanto o corte raso chega a 63%.

Em seguida está o Acre, com 12,3% de crescimento e uma área de 238 km² em alerta, dos quais 94% foram causados pelo corte raso da vegetação e 6% por queimadas.

O Amazonas apresentou o menor índice de aumento, 3%, passando de 791 km² para 814 km² na análise atual, sendo 97% causados pelo corte raso, 2% pelos incêndios e 1% pela mineração. Segundo o Inpe, o resultado desses três Estados foi impulsio-

nado pelos incêndios, que bateram recordes em 2024 no bioma.

Na outra ponta estão os Estados que reduziram as áreas sob alerta de desmatamento, com destaque para Rondônia, que caiu 35%, passando de 299 km² (julho de 2023 a agosto de 2024) para 194 km² até julho deste ano. Em segundo lugar está Roraima, que reduziu 23,7%, de 270 km² para 206 km².

No Pará, a queda foi de 21%, reduzindo uma área de 1.681 km² para 1.325 km². Desse total, 93% são alertas pelo corte raso, 5% por queimadas e 2% pela mineração.

Nos demais biomas analisados, houve queda no desmatamento: 20,8% no Cerrado e 72% no Pantanal. O Cerrado, que vinha de uma sequência de aumentos, caiu de 7.014 km² para 5.555 km² no último ciclo do Deter. Somente o Estado do Piauí apresentou aumento, de 33%. As quedas

Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium
Área desmatada no Amazonas, Estado da Amazônia Legal

foram registradas no Maranhão e em Minas Gerais (ambos com -34%), seguidos de Tocantins (-29%), Mato Grosso (-19%) e Bahia (-7%). No Pantanal, a área impactada caiu de 1.148 km² para 319 km² em um ano. O Deter/Inpe é um sistema que realiza alertas diários, detectando corte raso e degradação, auxiliando nas atividades de fiscalização e controle do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Iniciado em 2004, o sistema tem nova série de detecção desde 2015. Outro indicador do Inpe é realizado anualmente pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), que detecta corte raso e desmatamento por degradação progressiva, com precisão de imagens de satélite entre 10 e 30 metros. A análise é feita de 1º de agosto a 31 de julho do ano seguinte.

INCÊNDIOS SÃO O NOVO DESAFIO

A ministra do MMA, Marina Silva, disse que os incêndios são o novo desafio no combate ao desmatamento, mas demonstrou confiança de que as políticas públicas adotadas devem ajudar a reduzir os índices a zero.

Apesar do leve aumento na Amazônia, a ministra comemorou o resultado como

fruto das políticas públicas implantadas desde 2023. Entre as ações, estão a implementação de planos específicos para cada bioma, reforço orçamentário, que permitiu aumentar o número de pessoal e a infraestrutura de fiscalização, e novas estratégias de controle. “Dentro da margem, podemos dizer que o desmatamento na Amazônia está estabilizado, mas nosso compromisso é o desmatamento zero até 2030”, afirmou.

O secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco, destacou que, pela primeira vez, os alertas de desmatamento por corte raso ficaram abaixo dos níveis da série histórica registrada desde 2016, com queda de 8% em relação ao ciclo anterior.

“Se você olhar o corte raso, sem a influência climática, que criou um ambiente extremamente adverso, tornando a floresta mais suscetível a incêndio, nós teríamos tido um índice 8% menor que o ano passado, e o menor de toda a série histórica do Inpe, do Deter. Talvez do Deter como um todo”, explicou.

O receio, segundo Capobianco, é que grileiros e desmatadores se aproveitem das mudanças climáticas e passem a usar os incêndios como arma para desmatar, porque sabem que o corte raso gera punição mais severa, já que é mais facilmente

4.495 km²

As áreas sob alerta de desmatamento na Amazônia atingiram 4.495 km², entre agosto de 2024 e julho de 2025, contra 4.321 km² registradas de agosto de 2023 a 2024, o segundo menor nível da série histórica. Os dados são do Deter/Inpe.

detectado por satélites, mobilizando imediatamente as equipes do Ibama.

Uma das principais estratégias do MMA para enfrentar os incêndios florestais é a implementação da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (PNMIF), instituída pela Lei nº 14.944, sancionada pelo presidente Lula em 31 de julho de 2024.

Aliado a isso, está o trabalho de fiscalização do Ibama, que apenas na Amazônia realizou 9.540 ações fiscalizatórias e aplicou mais de 3,9 mil autos de infração, totalizando R$ 2,4 bilhões em multas. O órgão expediu 3.111 termos de embargo (5.096,8 km² de área embargada), 2.124 apreensões e destruiu 873 equipamentos.

Crédito: Reprodução Deter Inpe
Desmatamento na Amazônia em áreas sob alerta

‘Morango do Amor’, viral e vendas

Doce do momento transforma vidas de mulheres, impulsiona ramo da confeitaria e gera aumento de renda

Ana Pastana – Da Cenarium

MANAUS (AM) – “Nem sabia como ia pagar as contas do mês e, graças ao Morango do Amor, estão todas pagas”. A declaração é da empreendedora Nylde Doces, que pediu para ser identificada desta forma, com o nome de seu empreendimento. Assim como outras doceiras do País, Nylde viu sua realidade mudar com o sucesso da sobremesa nas redes sociais, que tem impulsionado as vendas de mulheres empreendedoras.

O Morango do Amor consiste na fruta fresca envolta por brigadeiro branco e coberta por açúcar caramelizado na cor vermelha. Este último ingrediente dá nome ao doce, em referência à tradicional Maçã do Amor, popular nas festas

juninas. Nas últimas semanas, quem trabalha no ramo viu na guloseima uma garantia de renda. Além disso, a procura pelo doce viral também tem gerado novas oportunidades de trabalho.

Em julho, de acordo com levantamento do Google Trends, a pesquisa por Morango do Amor subiu consideravelmente entre os dias 15 e 24. Com a alta demanda, doceiras e confeiteiras têm se desdobrado para atender aos pedidos. Esse é o caso de Nylde Doces, que não produzia o doce, mas passou a incluí-lo no cardápio.

Nylde afirmou à CENARIUM que a explosão de sucesso do Morango do Amor impactou positivamente a vida dela e de sua família, que, com as vendas, conseguiram

arcar com as contas do mês e ganharam novo ânimo para continuar produzindo outros doces.

“Esse sucesso me devolveu a energia de ver o quanto está sendo maravilhoso trabalhar e sustentar minha família. Nem sabia como ia pagar as contas do mês e, graças a Deus e ao Morango do Amor, estão todas pagas”, declarou.

A produção, que começou em pequenas quantidades, multiplicou-se com a alta procura. Nylde precisou mobilizar membros da família para ajudar. “Comecei com 50 unidades e, hoje, já estou produzindo 200. E ainda é muito pouco para a demanda que temos. Para atender, está trabalhando meu filho, eu e minha mãe”, contou.

Da esquerda para a direita: Alana Fontes, Paola Karolayne, Nylde e Esther Reis
Crédito: Fotos Reprodução Redes Sociais - Divulgação | Composição Lucas Oliveira | Cenarium

O sucesso surpreendeu a empreendedora, que não esperava tamanho volume de vendas em uma época considerada “baixa temporada” para o ramo de doces. “Em um mês normal, sem os Morangos do Amor, meu lucro é baixo, às vezes uns R$ 300. Mas, agora, com os morangos, nossa, nunca na minha vida imaginei vender tanto somente um tipo de doce por dia. Meu lucro mais que triplicou”, relatou.

IMPULSIONAMENTO

As noivas Paola Karolayne e Alana Fontes, proprietárias da Brincando de Doces com Alana, também aproveitaram o sucesso do doce para impulsionar as vendas e garantir uma renda extra. Mesmo com a produção limitada, elas triplicaram o lucro.

“Como sou só eu e a minha esposa, estamos conseguindo fazer somente 100 [Morangos do Amor] ou menos, mas melhorou bastante, estamos fazendo um lucro de R$ 1,7 mil a R$ 2 mil”, declarou Paola.

Ela explicou que tem usado as redes sociais como vitrine para divulgação e que, com a alta procura, a página no Instagram da doceria também ganhou alcance. “Eu consegui pagar todas as contas do mês, sem atraso. Me sinto realizada como profissional, minhas redes sociais aumentaram as visualizações, estamos bem mais engajadas e, consequentemente, temos mais pedidos”, comemorou.

“Esse

sucesso me devolveu a energia de ver o quanto está sendo maravilhoso trabalhar e sustentar minha família. Nem sabia como ia pagar as contas do mês e, graças a Deus e ao Morango do Amor, estão todas pagas”

Nylde Doces, confeiteira.

A confeiteira Esther Reis, fundadora da doceria Bolo de Mãe, também viu a rotina virar de cabeça para baixo após incluir o morango caramelizado no cardápio. “Assim que anunciamos nas redes sociais, a procura foi imediata. Só no WhatsApp, tivemos mais de 100 mensagens acumuladas em poucas horas. As vendas estão maravilhosas, algo que eu não esperava. Tivemos que reforçar a equipe para atender à demanda, porque, além da produção do ‘Morango do Amor’, ainda temos a produção de bolos”, disse.

MORANGO DO AMOR

Híbrido entre o bombom de morango e a Maçã do Amor, o Morango do Amor tem

dado o que falar nas redes sociais. Vídeos ensinando a receita, provando o doce e até memes sobre o tema somam milhões de visualizações no Instagram e no TikTok.

A guloseima, aparentemente simples, consiste em um morango envolto por brigadeiro branco, geralmente feito com leite em pó, e uma fina camada de açúcar caramelizado com corante vermelho. Não é possível determinar quando e onde surgiu a ideia, mas a sobremesa já conquistou o paladar dos amantes de doces.

O Morango do Amor ganhou força a partir da segunda metade de julho deste ano e segue em alta no Google Trends. Termos como “onde comprar”, “receita” e “o que é” estão entre os mais pesquisados.

“Eu

consegui pagar todas as contas do mês, sem atraso. Me sinto realizada como profissional, minhas redes sociais aumentaram as visualizações, estamos bem mais engajadas e, consequentemente, temos mais pedidos” Paola Karolayne, confeiteira.

‘Morango do Amor’, doce viralizou nas redes sociais

Mulher foi abusada sexualmente por cerca de nove meses na presença do filho, um bebê que permaneceu com ela na unidade prisional

Violentada sob guarda do Estado

Indígena denuncia estupro por agentes da Polícia Militar dentro de delegacia do AM

Jadson Lima – Da Cenarium

MANAUS (AM) – Uma indígena da etnia Kokama, de 29 anos, denunciou ter sido vítima de estupro praticado por pelo menos cinco agentes da Polícia Militar do Amazonas (PM-AM) nas instalações da 53ª Delegacia Interativa de Polícia (DIP) do município de Santo Antônio do Içá, localizado a 880 quilômetros de Manaus (AM). A mulher ficou presa na unidade prisional por cerca de nove meses, em uma cela compartilhada com outros detentos do sexo masculino

enquanto amamentava o filho recém-nascido. Somado aos relatos, exame pericial aponta que houve “atos libidinosos diversos de conjunção carnal”. O caso foi revelado pelo portal Sumaúma, em 18 de julho.

A mulher foi detida pela Polícia Civil do Amazonas (PC-AM) em 11 de novembro de 2022, após comparecer à delegacia para registrar um Boletim de Ocorrência (BO) sobre um caso de violência doméstica envolvendo o seu então companheiro. Ao chegar na unidade de polícia, os agentes no local identificaram um mandado de prisão em aberto contra a indígena por um homicídio ocorrido em Manaus. Os policiais deram cumprimento à decisão judicial, emitida após condenação pelos jurados do Tribunal do Júri da capital amazonense.

No momento da prisão, a mulher estava no período de puerpério e com o filho. O recém-nascido permaneceu com a mãe na unidade prisional, segundo a defesa.

Após a prisão, amamentando, ela foi estuprada várias vezes pelos agentes da segurança pública do Amazonas e por um agente da guarda civil municipal no período em que ficou detida, nove meses e 17 dias, até a sua transferência para o Centro de Detenção Provisória Feminino (CDPF), localizado no quilômetro 8 da rodovia BR-174, que liga Manaus (AM) a Boa Vista (RR). “O que eu passei… Eu cometi um crime, mas eu estava sob a guarda deles… Mas o que fizeram comigo eu nunca vou esquecer. Eu sei que tem o negócio da cicatrização, mas a minha

Crédito: Reprodução Sumaúma e Divulgação PC-AM | Composição Paulo Dutra | Cenarium
“O

que eu passei… Eu cometi um crime, mas eu estava sob a guarda deles… Mas o que fizeram comigo eu nunca vou esquecer. Eu sei que tem o negócio da cicatrização, mas a minha integridade humana… Eu acho que eles acabaram comigo, sabe?”

Mulher Kokama, de 29 anos, que denunciou ter sido vítima de estupro praticado por policiais, ao portal Sumaúma.

Crédito:

integridade humana… Eu acho que eles acabaram comigo, sabe?”, disse a vítima ao portal Sumaúma.

Segundo a mulher, os abusos sexuais iniciaram logo após a entrada dela no sistema prisional do município amazonense, que tem cerca de 28 mil habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2022. Em depoimento obtido pelo site UOL, a mulher relatou que foi vítima de “agressões físicas, abusos morais e, inclusive, abuso sexual e estupro coletivo perpetrados por um grupo de cinco agentes, composto por quatro policiais militares e um guarda civil”. Conforme o site, na época, a guarnição da PM funcionava dentro da delegacia.

“[A vítima diz que] Os abusos aconteciam durante a noite, todas as noites, durante o plantão dos policiais; que ocorriam em todas as partes da delegacia, na cela, na sala em que guardavam as armas, não tinha local fixo; que os policiais faziam o que eles queriam, e os três presos sabem

Laudo sobre a violência sexual
Cela em unidade prisional onde indígena permaneceu por mais de nove meses
Crédito: Reprodução Sumaúma
Reprodução

que os policiais fazem isso com as mulheres, mas não podem fazer nada porque são torturados”, diz trecho do depoimento às autoridades.

Um exame pericial de corpo de delito, realizado pelo Instituto Médico Legal (IML) do Amazonas em 28 de agosto de 2023, confirma que havia vestígios de conjunção carnal e de “atos libidinosos diversos de conjunção carnal no presente exame”. O procedimento foi realizado um dia após a transferência da vítima para uma unidade prisional da capital amazonense. O documento mostra que o exame foi solicitado pela Delegacia Especializada em Crimes contra a Mulher (DECCM), onde uma denúncia sobre o caso foi formalizada.

Em novembro de 2024, a defesa da indígena ingressou com uma ação na Justiça do Amazonas para que a vítima seja indenizada pelo Estado em pagamento de R$ 500 mil por danos morais. Na petição, o advogado de defesa disse que “a autora não apenas sofreu violência sexual, mas foi reduzida à condição de escrava sexual por período prolongado”. Segundo o especialista, “a violação de sua dignidade como mulher e mãe e a exposição do seu filho recém-nascido à violência agravam ainda mais o risco”.

Conforme as informações publicadas no UOL, a Procuradoria do Amazonas fez um “reconhecimento da procedência” da petição. No entanto, ofereceu cerca de 23 salários mínimos, pouco mais de R$ 34,7 mil, de indenização de danos morais. Após a defesa negar o valor, outra proposta de R$ 50 mil foi feita.

Em resposta, o advogado de defesa fala em “flagrantemente inadequada e desproporcional” por conta da gravidade do caso. “Entendo que valor algum possa sanar todo o sofrimento dela. Sinceramente, não consigo mensurar a dor que ela ainda vem sofrendo. Nos últimos parlatórios [conversas com o advogado], ela estava visivelmente dopada por medicamentos. Na semana passada, ela já estava melhor, conseguiu falar sem ter crises de choro”, disse o advogado.

A CENARIUM procurou, no dia 22 de julho, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) para solicitar da pasta, que coordena as polícias Civil e Militar, um posicionamento sobre o caso. A reportagem questionou a SSP-AM se já houve a

CNJ cobra medidas de proteção

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium BRASÍLIA (DF) – O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) solicitou informações à Presidência do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) sobre as medidas de proteção adotadas para garantir a privacidade, a intimidade e a integridade da indígena da etnia Kokama que denunciou ter sido estuprada por nove meses, enquanto esteve detida na 53ª Delegacia Interativa de Polícia (DIP), em Santo Antônio do Içá, município localizado no Alto Solimões, a 800 quilômetros de Manaus. O tribunal também deverá informar se possui planos para evitar que esse tipo de situação se repita. Foi dado prazo de dez dias na ocasião.

A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM), que acompanha o caso, informou ter comunicado o CNJ sobre o ocorrido, com pedido de providências. Em nota à CENARIUM, o conselho afirmou que o seu Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) enviou ao TJAM os pedidos de informações sobre as providências adotadas, que também deverão ser encaminhadas à Corregedoria Nacional de Justiça.

Além das medidas de proteção, o CNJ também informou que “o TJAM deverá prestar informações sobre as medidas

de reparação integral da vítima para efetivar as garantias judiciais de devida diligência; informar sobre a reparação para reequilíbrio da punição estatal diante das gravíssimas violações de direitos humanos às quais a vítima foi submetida; além de apresentar informações sobre planos de não repetição de situações como essa”.

Questionado sobre as últimas inspeções realizadas nos estabelecimentos de privação de liberdade no Amazonas, o CNJ declarou que elas são de responsabilidade de juízes corregedores e juízas corregedoras de presídios, além de magistrados da execução penal e com competência criminal, que devem enviar os relatórios mensalmente ao conselho, com sede em Brasília (DF).

Conforme o CNJ, além de ter permanecido por cerca de nove meses (de 11/11/2022 a 27/08/2023) em privação de liberdade em cela com homens e ter sido submetida à violência sexual por agentes carcerários, a indígena estava amamentando seu bebê recém-nascido e ainda era obrigada a prestar serviços de limpeza na delegacia durante oito horas por dia.

A CENARIUM questionou o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) sobre a solicitação de informações feita pelo CNJ e aguarda resposta.

CNJ foi informado do caso pela Defensoria Pública do Estado do Amazonas
Crédito: Reprodução Sumaúma | Divulgação Cnj | Divulgação Tjam | Composição Lucas Oliveira | Cenarium

identificação dos agentes envolvidos nos crimes denunciados e quais procedimentos eles respondem, além de esclarecimentos sobre o possível afastamento das funções dos militares implicados.

Em nota, a assessoria de imprensa do órgão se limitou a informar que “a Polícia Civil do Amazonas, por meio do Departamento de Polícia do Interior, instaurou procedimento para apurar o caso ocorrido na 53ª Delegacia Interativa de Polícia de Santo Antônio do Içá. A Corregedoria-Geral do Sistema de Segurança Pública do Amazonas também instaurou procedimento para apurar o caso”. Ainda segundo a pasta, os militares respondem a processo interno “o qual está em fase final de investigação”.

REPERCUSSÃO

Os quatro agentes — três policiais militares e um guarda municipal — suspeitos de violentar sexualmente a indígena foram presos no dia 26 de julho. No dia 1º de agosto, o Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM) anunciou que ofereceu denúncia criminal contra eles pelos crimes de estupro de vulnerável, previsto no Artigo 217-A do Código Penal, com a incidência da agravante prevista no Artigo 61, Inciso II, Alínea “f”, em razão da vulnerabilidade da vítima, a quem foi negada qualquer proteção, mesmo estando sob responsabilidade direta do Estado.

Segundo o MP-AM, os fatos também configuram violência institucional e abuso de poder, uma vez que os acusados se valeram da função pública para intimidar, ameaçar e silenciar a vítima e seus familiares. Após a transferência da mulher para Manaus, parte dos denunciados chegou a visitar a casa da mãe dela, numa tentativa de impedir a continuidade das denúncias.

Desde que o caso se tornou público, a indígena — presa em razão de um mandado de prisão em aberto por homicídio — foi colocada em regime de semiliberdade e deverá receber R$ 300 mil de indenização do Estado do Amazonas, conforme acordo firmado com o advogado dela. O pagamento, no entanto, será incluído em precatório, com previsão para 2027. O governo também se comprometeu a doar um imóvel e pagar um salário mínimo mensal até a quitação da indenização.

Íntegra da nota do CNJ

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), solicitou informações à Presidência do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), no prazo de dez dias, sobre as medidas de proteção adotadas para garantir e proteger a privacidade, a intimidade e a integridade de uma indígena da etnia Kokama, que permaneceu por cerca de nove meses (de 11/11/2022 a 27/08/2023) em privação de liberdade em cela com homens.

O caso aconteceu na 53ª Delegacia Interativa de Polícia de Santo Antônio do Içá (AM), local em que a denunciante ficou presa, inclusive enquanto amamentava seu bebê recém-nascido. Durante o período em que esteve encarcerada, ela teria sido submetida a tortura e violência sexual pelos agentes penitenciários, além

de ter de prestar serviços de limpeza na delegacia durante oito horas por dia.

O TJAM também deverá prestar informações sobre as medidas de reparação integral da vítima para efetivar as garantias judiciais de devida diligência; informar sobre a reparação para reequilíbrio da punição estatal diante das gravíssimas violações de direitos humanos às quais a vítima foi submetida; além de informações sobre planos de não repetição de situações como essa. Os dados também deverão ser encaminhados à Corregedoria Nacional de Justiça e ao DMF.

Sobre as inspeções nos estabelecimentos de privação de liberdade, elas são de responsabilidade de juízes corregedores e juízas corregedoras de presídios, juízes e juízas da execução penal e com competência criminal. Os relatórios são encaminhados mensalmente ao CNJ.

A 53ª Delegacia Interativa de Polícia em Santo Antônio do Içá

‘Caso Fernando’: Justiça determina internação de adolescentes

Decisão reconhece que jovem foi morto em homicídio por motivo torpe de cunho homofóbico

Marcela Leiros – Da Cenarium

MANAUS (AM) – O Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) determinou, no dia 20 de agosto, a internação de dois adolescentes, de 16 e 17 anos, pelo período de três anos, pela morte do estudante Fernando Vilaça da Silva, 17 anos, em Manaus (AM). Na decisão, foi reconhecido homicídio por motivo torpe de cunho homofóbico.

Proferida pelo juiz Eliézer Fernandes Júnior, titular do Juizado da Infância e Juventude Infracional, atendendo ao pedido do Ministério Público do Estado (MP-AM), a decisão prevê a medida socioeducativa máxima prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Em vídeo publicado nas redes sociais, o advogado da família da vítima, Alexandre Torres Jr., afirmou que a decisão representa um passo importante no enfrentamento a crimes de ódio.

Fernando Vilaça foi agredido no dia 2 de julho deste ano e morreu no dia 5 do mesmo mês
Crédito: Reprodução Redes Sociais | Composição Lucas Oliveira | Cenarium

“Esses criminosos precisam entender que esse tipo de crime não passa mais impune na nossa sociedade. A sentença reconheceu que de fato houve homicídio por motivo torpe por razões de cunho homofóbico. Agora esses infratores permanecem presos pelo período máximo estipulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que é de três anos. E nós encerramos esse caso com a sensação de dever cumprido e que a justiça foi feita”, declarou.

MOTIVO TORPE

O motivo torpe é um termo jurídico previsto no Código Penal Brasileiro (CPB), que faz uso dessa noção para agravar as penas em certas circunstâncias e qualificar determinados delitos. Ou seja, é um agravante que pode resultar em penas mais severas para o autor do crime.

Conforme observa o advogado Leonardo Benaion Marques, no Artigo 121, Parágrafo 2º, Inciso I, é estabelecido que o homicídio será qualificado como cometido por motivo torpe em razão de “uma motivação vil, abjeta e moralmente repugnante”.

“A doutrina classifica como torpes as razões que afrontam o sentimento ético médio da sociedade, como o ódio étnico, religioso, de gênero ou, como no caso concreto, a homofobia. A torpeza desse crime se manifesta na motivação que levou os agressores a ceifarem a vida de Fernando: um desprezo puro e simples por sua orientação sexual, reduzindo-o à condição de alvo apenas por ser quem era”, declarou.

Nesse caso, a pena de reclusão é de doze a trinta anos, em contraste com o homicídio simples, que tem pena de seis a vinte anos. Mas, no caso dos adolescentes, são aplicadas medidas socioeducativas previstas no Artigo 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

“A Justiça do Amazonas, atenta à gravidade do fato e à brutalidade da conduta, aplicou a sanção máxima prevista no sistema infracional juvenil: internação em estabelecimento socioeducativo pelo prazo de três anos, nos termos do artigo 121, §3º, do ECA. Trata-se, portanto, da resposta mais severa que o ordenamento jurídico permite quando o ato infracional é praticado por menores de 18 anos”, concluiu Leonardo Benaion Marques.

“Esses criminosos precisam entender que esse tipo de crime não passa mais impune na nossa sociedade. A sentença reconheceu que
homofóbico”

de fato houve homicídio por motivo torpe por razões de cunho

Alexandre Torres Jr., advogado da família da vítima, em vídeo publicado nas redes sociais.

ENTENDA O CASO

Fernando Vilaça foi agredido pelos adolescentes no dia 2 de julho, na Rua Três Poderes, bairro Gilberto Mestrinho, Zona Leste da capital. A investigação aponta que ele sofreu chutes, caiu, bateu a cabeça e teve uma convulsão. Apesar de ter sido socorrido e levado a duas unidades hospitalares, morreu três dias depois em consequência dos ferimentos. O crime, segundo a Polícia Civil do Amazonas (PC-AM), foi motivado por injúrias homofóbicas.

Vídeo divulgado nas redes sociais mostra os adolescentes fugindo do local após a agressão. Nas imagens, também é possível notar a presença de outros dois homens e uma mulher, que são os irmãos e a mãe de Fernando, que foram até o local para defender o adolescente.

Em seguida, Fernando já aparece no chão, com uma parte do corpo em cima da

calçada e a cabeça na sarjeta. Ele vestia uma camisa azul e foi socorrido pela mãe, que informou à CENARIUM que o jovem já caiu desacordado. Fernando Vilaça morreu em 5 de julho, no Hospital e Pronto-Socorro Dr. João Lúcio, na capital amazonense.

No dia 9 de julho, a Polícia Civil apreendeu o primeiro adolescente envolvido no crime. O segundo adolescente foi apreendido dias depois, em 15 de julho. Segundo informações da polícia, ambos eram primos de Fernando Vilaça.

Segundo o delegado-geral adjunto da PC-AM, Guilherme Torres, a motivação do ato infracional foi “injúria homofóbica”. “Independentemente da orientação sexual, ninguém deve ser alvo de discriminação, como no caso em questão, embora a vítima nunca tenha se manifestado sobre sua sexualidade”, afirmou a autoridade em coletiva de imprensa.

Crédito: Divulgação Instagram

Milton Hatoum imortal

Autor amazonense é eleito

para Academia Brasileira de Letras

Lucas Thiago – Da Cenarium

MANAUS (AM) – O escritor amazonense Milton Hatoum foi eleito, no dia 14 de agosto, para ocupar a cadeira nº 6 da Academia Brasileira de Letras (ABL), sucedendo o jornalista Cícero Sandroni, que morreu em julho de 2025. A votação terminou com 33 dos 34 votos possíveis a favor do autor, confirmando seu favoritismo. Hatoum, que relutava em se candidatar por não se enxergar no perfil da ABL, foi convencido após o incentivo de amigos e da acadêmica Ana Maria Machado.

Hatoum é o primeiro amazonense a ocupar uma cadeira na ABL. Em nota, o Governo do Amazonas parabenizou o escritor e afirmou que sua escolha como “imortal” da academia “representa um

marco histórico para o Estado e é motivo de orgulho para a cultura e a literatura do Amazonas”.

Reconhecido como um dos maiores nomes da literatura brasileira contemporânea, Hatoum é romancista, contista, ensaísta, tradutor e professor universitário. Com oito títulos publicados, ultrapassando a marca de 500 mil exemplares vendidos, suas obras já foram traduzidas para 16 idiomas. Entre seus principais livros estão Relato de um certo Oriente (1989), vencedor do Prêmio Jabuti de melhor romance; Dois Irmãos (2000), que ganhou adaptação para a TV Globo em 2017; e Cinzas do Norte (2005), laureado com diversos prêmios nacionais e internacionais.

O escritor manauara Milton Hatoum
Crédito: Ricardo Oliveira Cenarium

O escritor, nascido em Manaus (AM), é filho de um libanês com uma brasileira, e formou-se em Arquitetura pela Universidade de São Paulo (USP).

A eleição de Hatoum reforça o papel da ABL como guardiã da cultura e da literatura nacional. Em publicação nas redes sociais, a academia informou o resultado oficial da eleição, saudando e desejando boas-vindas ao escritor amazonense. “É com alegria que anunciamos que Milton Hatoum é o mais novo integrante da Academia Brasileira de Letras. Seja bem-vindo à Casa de Machado de Assis, Milton Hatoum”, diz trecho da nota.

‘ORGULHO DO AMAZONAS’

Após o anúncio da eleição de Hatoum para a 6ª cadeira da ABL, o governador do Amazonas, Wilson Lima (União), fez uma publicação em suas redes sociais, na qual destacou o escritor manauara como “orgulho do Amazonas”. Lima também destacou que a ocupação da cadeira por um amazonense é inédita.

“Orgulho do Amazonas! O escritor Milton Assi Hatoum é o primeiro amazo-

nense a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Parabenizo o escritor, agora ‘imortal’, pelo reconhecimento ao seu trabalho e legado”, escreveu Lima.

ELEIÇÃO NA ABL

As eleições da ABL ocorrem por meio do voto secreto. Essa é uma condição fundamental da Academia. Atualmente, há três modalidades de voto: por carta, presencial e virtual. Todos os votos têm garantia absoluta de segredo.

Para ser eleita, a pessoa precisa de metade dos votos mais um. O colégio eleitoral é constituído, hoje, por 34 votantes possíveis, porque uma pessoa não está em condições de votar. O prazo entre a eleição e a solenidade de posse depende de acordo feito entre o eleito e a presidência da ABL.

A cerimônia que elegeu o amazonense, manteve a tradição com os votos sendo queimados no caldeirão após serem computados, pela comissão de eleição da ABL, comandada pelo presidente Merval Pereira.

“É com alegria que anunciamos que Milton Hatoum é o mais novo integrante da Academia Brasileira de Letras. Seja bem-vindo à Casa de Machado de Assis, Milton Hatoum”.

Academia Brasileira de Letras, em nota publicada em suas redes sociais.

GRIOT: saberes afro-amazônicos

CENARIUM lança podcast que celebra cultura afro-brasileira na Amazônia

Isabella Rabelo – Da Cenarium

AREDE CENARIUM lançou, no dia 15 de agosto, o GRIOT Podcast, um espaço dedicado à escuta e à valorização das memórias orais, com foco nas religiões afro-brasileiras e nas diásporas africanas. Inspirado na tradição dos contadores de histórias da África Ocidental, o projeto busca conectar passado, presente e futuro por meio de saberes ancestrais e narrativas de resistência.

O programa foi concebido e desenvolvido pelo antropólogo e pesquisador Christopher Rocha, que uniu experiência acadêmica e interesse pelas tradições orais para criar um espaço voltado à valorização da memória e da escuta. Além de idealizador, Rocha também apresenta o programa, com produção assinada pelas jornalistas Bianca Diniz e Alinne Bindá, que contribuem para transformar o conceito em um produto jornalístico e cultural consistente.

O episódio de estreia foi gravado no Xwê Ná Sín Fifá – Templo Tambor de Mina Gegê

Nagô, em Manaus, espaço emblemático de resistência cultural na capital, e contou com a participação dos sacerdotes Babá Titi Lade e Hunjaí Luiz de Badé.

Para Rocha, o GRIOT Podcast cumpre um papel essencial ao difundir saberes que antecedem a lógica ocidental. “É um momento importante estarmos debatendo religiões afrodiaspóricas e cultura afrodiaspórica na Amazônia e no Brasil. Isso respalda toda uma trajetória de luta do movimento negro e das casas de axé, que já viveram momentos sem poder professar sua fé. Nosso objetivo é desmistificar a visão que as pessoas têm sobre as religiões de matriz africana e difundir uma ciência ancestral, passada oralmente ao longo de muitos anos”.

A jornalista e diretora-geral da CENARIUM, Paula Litaiff, explica que o projeto foi concebido como um ambiente para valorizar a escuta e resgatar memórias, tomando como referência a tradição dos

Babá Titi Lade, Christopher Rocha e Hunjaí Luiz de Badé
Crédito: Ricardo Oliveira Cenarium

“É um momento importante estarmos debatendo religiões afrodiaspóricas e cultura afrodiaspórica na Amazônia e no Brasil. Isso respalda toda uma trajetória de luta do movimento negro e das casas de axé”

Christopher Rocha, antropólogo e pesquisador.

narradores da África Ocidental. “Com o GRIOT Podcast, nasce um espaço de escuta e memória viva, inspirado na tradição ancestral dos contadores de história da África Ocidental, figuras centrais das comunidades que, por meio da oralidade, preservam tradições até hoje”, afirma Litaiff.

PRIMEIRO EPISÓDIO

No episódio de estreia, Babá Titi Lade, que possui nacionalidade cubana, destaca a riqueza das tradições afrodescendentes na região amazônica. “Aqui temos, também, muito contato com os povos indígenas, o que enriquece e complementa nossa cultura. Queremos mostrar que existimos, que somos seres humanos, sacerdotes de religiões ancestrais que espalham amor e fazem parte da vida brasileira”, ressalta.

Já Hunjaí Luiz de Badé, que vive no Amazonas desde 1997, enfatiza a importância de visibilizar a diversidade cultural e ambiental da região. “Me considero, hoje, um amazonense. Trabalhamos para que a comunidade tenha bem-estar e para reforçar processos afirmativos. Um projeto como o GRIOT nos dá a possibilidade de mostrar essa diversidade e fazer os enfrentamentos necessários. É importante ter uma mídia

que se preocupe com isso e abra espaço para essas pautas”, afirma.

O primeiro episódio do GRIOT Podcast está disponível no canal da TV CENARIUM no YouTube.

TERMO “GRIOT”

O termo griot refere-se aos guardiões da tradição oral em sociedades da África Ocidental, responsáveis por preservar e transmitir a memória coletiva de seus povos. Herdada por famílias específicas, a função envolve narrar genealogias, mitos, feitos históricos e lendas, muitas vezes acompanhados de música, poesia e instrumentos como a kora.

O historiador Thomas A. Hale, autor de “Griots and Griottes: Masters of Words and Music”, destaca que esses mestres da palavra unem arte, história e música para manter vivas as identidades culturais.

Ainda hoje, os griots têm papel relevante, tanto nas comunidades africanas quanto na diáspora, como símbolos de resistência cultural. Sua atuação inspira artistas e pesquisadores, reforçando a importância de manter vivas as histórias e identidades frente ao risco de apagamento.

“Com o GRIOT Podcast, nasce um espaço de escuta e memória viva, inspirado na tradição ancestral dos contadores de história da África Ocidental, figuras centrais das comunidades que, por meio da oralidade, preservam tradições até hoje”

Paula Litaiff, jornalista e diretorageral da CENARIUM

Gravação do primeiro episódio do GRIOT Podcast
Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium

Pesquisadores do QualiGov e lideranças indígenas questionam Marco Temporal em carta publicada na Science

No dia 1º de agosto, a prestigiada revista Science publicou uma carta do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Qualidade de Governo e Políticas Públicas para o Desenvolvimento Sustentável (QualiGov), liderada por mim e coassinada por mais sete pesquisadores, além de lideranças dos povos Apurinã e Mura. A carta denuncia a ilegalidade e os riscos sistêmicos do chamado “marco temporal”, alertando para os efeitos devastadores da Lei 14.701/2023 sobre os direitos constitucionais dos povos indígenas, a biodiversidade e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Qualidade de Governo e Políticas Públicas para o Desenvolvimento Sustentável (QualiGov) é uma rede multidisciplinar formada por pesquisadores de mais de 18 instituições brasileiras e internacionais, que atua na produção de diagnósticos, análises e na formação de gestores públicos nas áreas de governança, políticas para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e acesso à justiça.

A carta traz novos elementos ao debate, demonstrando que a Lei 14.701/2023, ao contrário do que alegam políticos da bancada ruralista e invasores de terras, não promove maior segurança jurídica. Em vez disso, ela tende a ampliar e agravar as violações aos direitos dos povos indígenas, ao legitimar práticas de coerção, intimidação e fragmentação territorial sob a ótica da impunidade.

Além de mim, Lucas Ferrante (USP/ Ufam), a carta na Science foi assinada pelos

pesquisadores: Rodrigo Machado Vilani (Unirio), Natália Sátyro (UFMG), Vanessa Elias de Oliveira (Universidade Federal do ABC), Lizandro Lui (FGV), Cristiana Losekann (Ufes), Eduardo Grin (FGV) e André Luiz Marenco dos Santos (Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Marenco, que também coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Qualidade de Governo e Políticas para o Desenvolvimento Sustentável (INCT-QualiGov), declarou à  CENARIUM: “Recebemos com grande satisfação a contribuição de sete pesquisadores do INCT-QualiGov nesta carta. Nosso foco é a produção de conhecimento aplicado, com a sustentabilidade como eixo estruturante. Acompanhamos com extrema preocupação as recentes decisões do Congresso Nacional, especialmente no que se refere ao ‘marco temporal’ e ao ‘licenciamento ambiental’, que representam um grave retrocesso nas políticas ambientais e climáticas do País”.

SEGUE ABAIXO A TRADUÇÃO DA CARTA:

Terras Indígenas do Brasil enfrentam retrocessos legais

Os povos indígenas são guardiões essenciais da resiliência climática e da biodiversidade, e as Terras Indígenas no Brasil são mais eficazes do que as Unidades de Conservação governamentais na prevenção do desmatamento. No entanto, o Brasil recentemente aprovou a Lei 14.701/2023 [anteriormente o Projeto de Lei PL490], que pode desmantelar proteções constitucionais

indígenas de longa data. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, junto a partidos políticos de esquerda e ambientalistas, entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar a lei. O Conselho Nacional de Direitos Humanos e três Relatores Especiais das Nações Unidas (ONU) apoiaram o questionamento. O STF derrubou o texto original e propôs uma nova versão conciliatória. No entanto, a decisão do STF contém concessões e brechas que causarão danos irreparáveis às comunidades indígenas e ao meio ambiente do Brasil. A lei emendada agora retorna ao Congresso, onde provavelmente será aprovada. Se a Lei 14.701/2023 for mantida, será impossível dissociar commodities brasileiras como soja, gado, minérios, petróleo e biocombustíveis de violações sistemáticas aos direitos indígenas. Países importadores devem reconsiderar acordos comerciais, incluindo o tratado Mercosul–União Europeia.

O texto proposto pelo STF, finalizado sem amplo consenso ou participação significativa dos povos indígenas, autoriza a Polícia Militar a remover comunidades indígenas de seus territórios tradicionalmente ocupados em casos de sobreposição legal — favorecendo, na prática, grandes proprietários, fazendeiros e grileiros — e legitima despejos violentos promovidos por parlamentares pró-agronegócio. A lei também permite o turismo, criando um precedente legal para outras atividades econômicas em Terras Indígenas, como a mineração, sem o consentimento prévio, livre e informado exigido pelo direito

Crédito: Acervo

internacional. A decisão do STF ainda exige o envolvimento de governos estaduais e municipais nos processos de demarcação — um entrave administrativo que provavelmente dificultará o reconhecimento das terras.

A Lei 14.701/2023 também abre brechas legais que permitiriam a realização de grandes projetos como mineração, transporte e infraestrutura energética, caso sejam considerados de “interesse público”. Essas brechas violariam a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao permitir a implementação de tais projetos sem a consulta obrigatória às comunidades afetadas. Esse marco legal poderia legalizar 1132 projetos de mineração e cerca de 890 km² de garimpo ilegal de ouro, com impactos devastadores. As políticas contidas na decisão também facilitariam outros projetos em andamento, como as rodovias BR-319 e AM-366, perfuração de petróleo na Amazônia central, expansão da

pecuária e mineração de potássio — agravando ainda mais as violações aos direitos indígenas por meio de coerção, intimidação e fragmentação territorial.

Como cientistas e representantes indígenas, destacamos que a implementação da Lei 14.701/2023 intensificará os conflitos legais e territoriais. A lei viola as obrigações internacionais do Brasil e, portanto, deve ser formalmente contestada com base na Convenção 169 da OIT, no sistema interamericano de direitos humanos e na ONU.

(*) Lucas Ferrante possui formação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal), Mestrado e Doutorado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). É o pesquisador brasileiro com o maior número de publicações como primeiro autor nos dois maiores periódicos científicos do mundo, Science e Nature. Atualmente, é pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

“Recebemos com grande satisfação a contribuição de sete pesquisadores do INCTQualiGov nesta carta. Nosso foco é a produção de conhecimento aplicado, com a sustentabilidade como eixo estruturante”

André Luiz Marenco, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Qualidade de Governo e Políticas para o Desenvolvimento Sustentável (INCT-QualiGov).

Crédito: Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil

Tarumã-Açu ‘adoece’ aos poucos

Qualidade das águas vem piorando e rio tem ‘redução progressiva da capacidade de purificação’, aponta estudo da UEA Lucas Thiago – Da Cenarium

MANAUS (AM) – Um relatório técnico elaborado pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), por meio do Programa de Monitoramento de Água, Ar e Solos do Amazonas (ProQAS/AM), divulgado no dia 18 de agosto, aponta que a qualidade da água do Rio Tarumã-Açu, um afluente do Rio Negro, em Manaus (AM), vem piorando ao longo dos anos. A pesquisa apontou para a redução progressiva da capacidade natural de purificação, com a influência do ser humano.

A CENARIUM conversou com o coordenador do ProQAS/AM e analista responsável pela pesquisa, Sergio Duvoisin Junior, cujo monitoramento alertou para a piora na qualidade da água, associada à presença de flutuantes, marinas, ocupações irregulares e condomínios. Essas estruturas contribuem para a drenagem inadequada e o descarte incorreto de resíduos, afetando

Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium
O coordenador do ProQAS/AM, Sergio Duvoisin Junior, lidera estudo que identifica impactos relacionados ao despejo de esgoto e outras atividades humanas
“Caso algum órgão viesse hoje aqui fazer uma análise do Tarumã, as análises de qualidade de água iriam dizer que está em perfeito estado. Mas o nosso acompanhamento temporal mostra que a qualidade da água está passando por mutação. Mesmo dentro dos parâmetros do Conama, a água está piorando”

Sergio Duvoisin Junior, coordenador do ProQAS/AM.

a condição de rios e igarapés locais. O estudo identifica impactos relacionados ao despejo de esgoto e outras atividades humanas, especialmente na região de foz, situada na Praia Dourada.

Na capital amazonense, as bacias hidrográficas estão divididas entre Educandos, São Raimundo, Puraquequara e Tarumã. O

principal contribuinte da bacia do Tarumã é o Rio Tarumã-Açu, localizado dentro do perímetro da cidade. A região concentra crescimento habitacional, serviços e infraestrutura flutuante.

Apesar de a Bacia Tarumã-Açu estar dentro dos padrões de qualidade definidos pelo Conselho Nacional do Meio

Ambiente (Conama), o monitoramento realizado durante três anos, em parceria com a Gerência de Recursos Hídricos do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), revela uma tendência preocupante entre os 15 pontos de coleta de água analisados, com base nos nove parâmetros-chave escolhidos: pH, condutividade elétrica, coliformes termotolerantes, oxigênio dissolvido, nitrogênio amoniacal, fósforo total, demanda bioquímica de oxigênio (DBO₅), turbidez e sólidos dissolvidos totais.

Sergio Duvoisin Junior destacou que o afluente do Tarumã-Açu apresenta redução progressiva da capacidade natural de purificação, com a influência do ser humano. Apesar de uma análise isolada indicar que a bacia está em boas condições e na média do parâmetro do Conama, o monitoramento ao longo de três anos revela uma tendência preocupante.

“Essa coleta e o estudo feitos nos últimos três anos revelam que a bacia tem

Crédito:
Equipe do ProQAS/AM na coleta de água no Tarumã-Açu

praticamente todos os dados dentro do que o Conama preconiza. Caso algum órgão viesse hoje aqui fazer uma análise do Tarumã, as análises de qualidade de água iriam dizer que o Tarumã está em perfeito estado. Mas o nosso acompanhamento temporal mostra que a qualidade da água está passando por mutação. Mesmo dentro dos parâmetros do Conama, a água está piorando, principalmente na região do Baixo Tarumã-Açu, com início na Praia da Lua até a Praia Dourada onde estão indicados nossos pontos de estudo de 1 ao 4”, afirmou Duvoisin, doutor em Físico-Química.

O professor da UEA enfatiza que o principal resultado do trabalho de percorrer trimestralmente todo o afluente, monitorando os 15 pontos do rio, é mostrar a necessidade de agir imediatamente para evitar que a Bacia do Tarumã-Açu se transforme em uma área tão impactada quanto as bacias dos rios São Raimundo e Educandos.

“A parte espacial também é muito importante, não adianta chegar num ponto só específico e fazer análise. O nosso objetivo, no monitoramento das bacias, é fazer a maior extensão possível da bacia. Então, no Tarumã-Açu, a gente tem 15 pontos de coleta, desde a sua foz até o Alto

Tarumã-Açu. E, além disso, de tempos em tempos, de três em três meses, é feita a análise, e com os mesmos parâmetros”, enfatizou o especialista.

Dentre os nove parâmetros avaliados no cálculo do Índice de Qualidade de Água (IQA), o pH e os coliformes termotolerantes foram os índices mais preocupantes durante o estudo. Os parâmetros também são os mais fáceis de entender para a população.

De acordo com Sergio, as alterações nesses pontos são uma clara evidência de degradação ambiental causada pela ação humana. “O estudo mostra que todos esses parâmetros, na parte baixa do Tarumã-Açu, estão se modificando – tanto os parâmetros naturais, como o pH, quanto os associados à presença humana, como no caso dos coliformes. Eles estão sendo alterados gradativamente para pior”, disse o coordenador.

POTENCIAL HIDROGENIÔNICO (PH)

O pH da água do Tarumã-Açu se manteve dentro da média estabelecida pelo Conama, mas com grandes variações nos cinco primeiros pontos da bacia, com destaque para os pontos 1 e 2, onde a alteração da escala ultrapassa 7,0. O potencial hidrogeniônico (pH) é um dos principais alertas apontados na análise. A concen-

Crédito: Reprodução | Ascom

37,612 km

O Rio Tarumã-Açu é caracterizado por águas correntes de coloração marrom-escura, possuindo aproximadamente 37,612 km de extensão.

tração de hidrônios, ou íons hidrogênio (H⁺), refere-se à acidez ou alcalinidade da água, medida em uma escala de 0 a 14. A Resolução nº 357 do Conama estabelece que, para a proteção da vida aquática, o pH deve estar entre 6,0 e 9,0.

O pH afeta o metabolismo de várias espécies aquáticas. Essas alterações nos valores de pH também podem aumentar o efeito de substâncias químicas que são tóxicas para os organismos aquáticos, tais como os metais pesados. O pH da água pode afetar o sabor, a eficácia de tratamentos e a vida aquática. As alterações de origem do pH ficam a cargo de efluentes domésticos e industriais, que não foram, devidamente, tratados e despejados no rio de forma indevida.

COLIFORMES

As bactérias do grupo dos coliformes indicam a intensa presença humana no meio ambiente, sendo marcadoras de poluição por esgotos domésticos recentes. Além disso, ocorrem naturalmente no trato intestinal de animais de sangue quente.

Em pequena quantidade, não são patogênicas – ou seja, não causam doenças –, mas sua presença em grande número indica a possível existência de microrganismos patogênicos, responsáveis pela transmissão de doenças de veiculação hídrica, como disenteria bacilar, febre tifoide e cólera.

TARUMÃ-AÇU

Apesar de possuir áreas de vegetação preservada, a bacia sofre considerável pressão antrópica, evidenciada pela presença de flutuantes, marinas, aterro sanitário municipal, ocupações irregulares e condomínios – fatores que contribuem para

Análises da água do Tarumã-Açu no laboratório da ProQAS/AM

a drenagem inadequada e o descarte incorreto de resíduos, resultando na degradação de rios e igarapés.

O afluente é o principal curso d’água da bacia, recebendo diversos afluentes, como os igarapés do Acará, da Bolívia, Argola, Cabeça Branca, do Branquinho, do Caniço, do Gigante, do Leão, do Mariano, Matrinxã, do Panermão, do Santo

Antônio, do São José, do Tiú, além do rio Tarumã-Mirim.

O Rio Tarumã-Açu é caracterizado por águas correntes de coloração marrom-escura, possuindo aproximadamente 37,612 km de extensão. Sua nascente situa-se no km 40 da BR-174 (Manaus–Boa Vista), e o curso fluvial percorre as zonas Norte e Oeste de Manaus, tendo o trecho inferior como limite ocidental da área urbana, até desa-

guar na margem esquerda do Rio Negro. O leito é predominantemente arenoso e apresenta mata ciliar bem preservada. Com o estudo, as ações previstas pelo Ipaam incluem a identificação de sítios e flutuantes que lançam efluentes diretamente no rio, o combate ao desmatamento e a realização de campanhas de educação ambiental junto às comunidades e aos empreendimentos instalados na região.

“Todos esses parâmetros, na parte baixa do Tarumã-Açu, estão se modificando – tanto os parâmetros naturais, como o pH, quanto os associados à presença humana, como no caso dos coliformes”

Sergio Duvoisin Junior, coordenador do ProQAS/AM.

Pontos de coletas de amostra de água no Tarumã-Açu

Narrativas de uma mãe-solo e os desafios enfrentados

Outro dia, conversava com Maria. Entre tantos assuntos e indagações, ela me relatou sua trajetória nos anos em que trabalhou como gari. Com um leve sorriso e a expressão de quem diz “ufa, nem sei como consegui”, ela disse-me:

“Vi um anúncio de uma vaga de emprego para serviços gerais. Quando cheguei lá, soube que era para trabalhar como gari. Eu prontamente aceitei. Meu filho caçula tinha apenas 3 meses, havia nascido de parto cesariana. Minha cirurgia demorou a cicatrizar, ainda estava aberta, mas eu precisava trabalhar. Meus filhos não tinham o que comer. Eu precisava alimentá-los. Era um trabalho pesado. Para proteger a cirurgia que ainda não estava cicatrizada, eu fazia curativo, enrolava um pano sobre a barriga, vestia uma cinta para ficar bem protegida, colocava o uniforme e seguia para o trabalho. Trabalhava no cabo da enxada, sob sol e chuva. Às vezes, sentia muitas dores, chegava a chorar, mas não desisti. Fiquei muito feliz quando recebi meu primeiro salário e pude comprar alimentos para meus filhos”.

Enquanto Maria contava esse episódio de sua vida, as lágrimas de sua filha, que estava ao seu lado, escutando atentamente, escorriam pelo rosto jovial.

Refletindo sobre a narrativa de Maria e a sobrecarga que recai sobre as mães-solo, é importante lembrar que não podemos generalizar suas experiências, vivências e dores. Cada mãe-solo enfrenta desafios únicos. As dificuldades financeiras, angús-

tias, a sobrecarga física e emocional e o desamparo dessas mulheres são atravessados por questões de classe e raça, como podemos perceber na realidade de Maria, mulher negra, mãe de sete filhos, moradora de um bairro da periferia de Manaus, que precisa prover o sustento e segurar toda a carga de responsabilidade com os filhos, sozinha. Diante da fome, essa mulher não teve escolha, como nos lembra Carolina Maria de Jesus: “E haverá espetáculo mais lindo do que ter o que comer?”

Maria não tinha uma rede de apoio. Não tinha a quem pedir ajuda com alimentos, tampouco com quem deixar seus filhos para poder ir em busca do sustento deles. Essa condição retrata que a maternidade se torna ainda mais árdua. Restou a ela deixar seu filho de 3 meses, e os demais, sob os cuidados de uma das filhas, que na época tinha somente 12 anos — a quem ela considera sua grande companheira.

Dos anos de experiências e aprendizados nos movimentos sociais, especialmente os de mulheres, posso dizer que algumas coisas, fruto das lutas das mulheres, têm melhorado. No entanto, também constato que essas pequenas melhorias ainda não alcançaram todas as mulheres. Por isso, a necessidade de enxergar as condições da mãe-solo de acordo com o segmento social de cada uma

E, quando as mães-solo são mulheres negras empobrecidas, a falta de acesso a serviços essenciais como creche, saúde,

moradia, a sobrecarga de trabalho, a insegurança alimentar, a discriminação, a invisibilidade, ou seja, a total ausência de uma rede de apoio, torna-se ainda maior.

Ser mãe-solo é enfrentar águas turvas, grandes banzeiros. É mergulhar em noites solitárias, nas dores mais profundas, nos cansaços. É caminhar entre os afetos, a ternura e as dores.

Maria, assim como tantas outras Marias, embrenhadas pelas periferias dos grandes centros urbanos, não é uma “guerreira”. Maria é uma sobrevivente, que está todos os dias no front. É uma mulher, mãe, estudante da EJA, que sonha em melhorar de vida por meio dos estudos. Uma mulher que ainda não perdeu a esperança de alcançar as melhorias tão merecidas.

Fica a reflexão: o quanto precisamos parar de romantizar a maternidade, de exaltar a figura da “guerreira” ou de enquadrar todas as mães-solo nas mesmas experiências e/ou condições de vida. Precisamos dar a devida atenção para as desigualdades sociais que imperam sobre as mulheres. A história de Maria deixa um chamado para a escuta sensível e acolhedora.

(*) Elisiane Andrade é professora, graduada em Pedagogia, especialista em Gestão Pública, mestra em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e integrante do Grupo de Estudo, Pesquisa e Observatório Social em Gênero, Política e Poder (Gepos). Atua como ativista na Marcha Mundial das Mulheres.

Crédito: Arquivo Pessoal

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