

RORAIMA NAS MÃOS DE CÁRMEN LÚCIA
Recurso em processo de cassação do governador Antonio Denarium, parado no TSE há dez meses, depende de decisão da presidente do tribunal para voltar a julgamento
www.revistacenarium.com.br | Junho de 2025
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Quando a Justiça adia, a Injustiça governa
No fim do século XIX, Rui Barbosa alertava: “Justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta.” A advertência, lançada em outro tempo, cabe como uma luva à realidade de Roraima sob o governo de Antonio Denarium. Estamos diante de um governador que acumula quatro cassações, autor de um recurso, cujo julgamento segue suspenso há dez meses no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), à espera de decisão da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia.
A lentidão em julgar um processo com tantas implicações eleitorais e sociais coloca em risco o que o próprio Rui chamava de “garantia fundamental da ordem democrática”. O caso Denarium não é só um episódio de denúncias. Ele se tornou um retrato de um Estado à deriva, sob o peso de investigações, escândalos e violações de direitos, principalmente, dos povos indígenas e de todos os usuários do SUS em Roraima. Um governador que já foi denunciado por usar programas sociais e recursos públicos [como os R$ 70 milhões distribuídos a aliados políticos em ano eleitoral] não deveria continuar exercendo poder, enquanto recorre indefinidamente à justiça.
Ao manter o processo engavetado, o TSE alimenta a descrença. O próprio Rui Barbosa dizia que a “firmeza moral” do magistrado era mais importante do que qualquer tecnicismo jurídico. Nesse sentido, a hesitação do tribunal não apenas fragiliza sua autoridade, mas expõe a democracia roraimense à zombaria de quem a manipula com métodos populistas e práticas questionáveis.
Há um Brasil real que Rui já reconhecia — aquele onde a justiça não alcança os mais frágeis. Em Roraima, vemos isso em cada sala de aula improvisada nas comunidades indígenas, onde crianças são privadas do mínimo: teto, livros, professores. Vemos isso no caos da saúde pública, nos contratos suspeitos, nas operações da Polícia Federal, nas falas do governador que comparam indígenas a “bichos”. Como esperar que a justiça chegue para quem mais precisa se ela sequer julga os que estão no topo?
Quando Rui Barbosa escreveu que “a pior ditadura é a do Poder Judiciário”, não o fazia por desprezo à magistratura, mas como um grito contra o silêncio que, vindo da justiça, cala mais do que qualquer censura. Está nas mãos da ministra Cármen Lúcia decidir se o silêncio do TSE será cúmplice da omissão ou se terá a coragem de pôr fim à espera que já virou escárnio.
Julgar não é mais uma opção, é um dever moral com a Constituição, com o eleitorado e com a memória do jurista que ensinou ao Brasil que justiça não é sobre esperar, mas sim levantar-se com coragem diante da injustiça que silencia o povo de Roraima.

Paula Litaiff Diretora-Geral
Uma resposta para Roraima
Roraima tem vivido uma situação sui generis. É um Estado administrado por um governador já cassado quatro vezes e que segue governando porque a legislação permite que se mantenha no poder enquanto aguarda o julgamento de recursos. O governador é Antonio Denarium (PP), alvo de cassações pelo Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE-RR) por abuso de poder político e econômico, ao usar dinheiro e estrutura do governo a fim de se reeleger — o que conseguiu em 2022. Os destinos de Denarium e de Roraima, então, dependem de decisões sobre os recursos que, para o sim ou para o não, deem ao Estado uma resposta e alguma estabilidade. A demora em julgar as apelações causa insegurança jurídica, política e administrativa, instabilidade institucional e pode levar a população do Estado à desconfiança em relação à Justiça Eleitoral.
A gestão de Denarium é marcada por escândalos de má gestão, investigações de desvio de verbas, denúncias de corrupção, prisões de membros do governo e de familiares, inabilidade em questões indígenas e precariedade de serviços públicos. O quadro nada favorável o levou a estar entre os piores governadores do País, segundo pesquisa Atlas Ranking Governadores, de agosto de 2024. Roraima também se destaca negativamente com o município de Uiramutã, apontado como o pior do País em qualidade de vida, segundo o Índice de Progresso Social (IPS) 2025, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). A liderança no ranking negativo é outro reflexo da gestão de Denarium, que, mesmo cassado, pode até concluir o mandato.
Em um dos processos que levaram à cassação de Denarium, há um recurso que está parado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) há dez meses. O recurso chegou a entrar em julgamento em sessão que foi suspensa, voltou à pauta na sessão seguinte, que foi cancelada, e, até o fechamento desta edição, não mais tinha retornado à apreciação, cabendo à presidência a decisão sobre quando voltará à pauta. A situação coloca nas mãos da ministra Cármen Lúcia, presidente do tribunal, o futuro do governo de Roraima.
A demora da Justiça Eleitoral em dar uma resposta definitiva ao povo de Roraima e a trajetória de Denarium como governador são os temas da reportagem de capa de nossa edição número 60. Palco de questões complexas, o Estado precisa de estabilidade em sua gestão — uma tranquilidade que passa pela decisão do TSE.

Márcia Guimarães Gestora de Conteúdo
Leitor&Leitora


�� Profundidade e comprometimento
A REVISTA CENARIUM vem trazendo reportagens profundas e comprometidas em passar a verdade sobre os temas socioambientais, políticos e assuntos mais urgentes na Amazônia. É admirável o compromisso com o leitor em trazer matérias importantes que nos provocam uma reflexão, principalmente em relação aos povos indígenas, para os quais esse espaço foi aberto a fim de dar voz.
Isis Carvalho
Nova Iguaçu - RJ
�� Leitura obrigatória
Recebo a edição impressa todo mês e já virou tradição em casa. É bom ver uma revista com identidade, propósito e jornalismo ético.
Simone Almeida
Belém – PA
�� Má gestão pública
A reportagem sobre os Distritos de Obras em Manaus me lembrou situações parecidas por aqui. Grandes cifras divulgadas, poucas entregas reais. O problema da má gestão pública é nacional. Parabéns à revista pela coragem.
Fernanda Melo
São Paulo – SP
��
Descontrole sintomático
�� Solidariedade
Como brasileiro, me sinto solidário ao povo de Manaus. É duro ver recursos públicos desperdiçados enquanto a população sofre com a falta de infraestrutura. Que os responsáveis sejam cobrados e que a imprensa continue vigilante.
Lucas Martins
Belo Horizonte – MG
Trabalho com gestão de obras públicas há mais de 15 anos. O que a matéria da edição 59 retrata em Manaus é um sintoma da falta de controle de execução nos entes municipais. Os distritos são estratégicos, não podem ser deixados ao léu. Parabéns pelo trabalho!
Silvia M. Zanin Curitiba – PR
��
Jornalismo confiável
A revista prova que jornalismo sério ainda existe. E vem da Amazônia. Que orgulho!
Diego Farias
Salvador - BA

�� Trabalho de qualidade
Descobri a CENARIUM por acaso e me tornei assinante. Que qualidade de escrita, apuração e posicionamento! Parabéns à equipe!
Carla Nogueira Recife – PE
�� Representatividade
Sou nascida e criada em Manaus, e confesso que por muito tempo achei que ninguém nos escutava de verdade. Quando li a edição da CENARIUM sobre os distritos abandonados, senti que alguém, finalmente, disse o que a gente vive todo dia. Não é só buraco na rua, é descaso com a nossa dignidade. A revista não teve medo de mostrar a verdade, e isso me tocou. Que orgulho saber que esse jornalismo é feito aqui, na nossa terra.
Beatriz Paula Manaus - AM
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Sumário



PL
de

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Diretor-adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Marcos Woortmann
PL da Devastação: ‘Sociedade vai pagar conta’
Porta-voz do Observatório do Clima e outros ambientalistas alertam para impactos do afrouxamento no licenciamento ambiental
Marcela Leiros – Da Cenarium
MANAUS (AM) – A aprovação do novo Projeto de Lei (PL) do Licenciamento Ambiental pelo Senado foi duramente criticada por ambientalistas, especialistas em políticas públicas e organizações da sociedade civil, como é o caso do Observatório do Clima. À CENARIUM, o diretor-adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) da instituição, Marcos Woortmann, foi categórico ao afirmar que a sociedade pagará a conta
do desequilíbrio ecológico causado pela flexibilização. Batizada pelos ambientalistas como “PL da Devastação”, a proposta foi aprovada no dia 21 de maio deste ano pelo Senado por 54 votos e aguarda análise da Câmara dos Deputados.
Para Woortmann, a flexibilização de normas ambientais favorece um ambiente propício à corrupção e legalização do desmatamento, além de transferir à população os custos sociais e ambientais de um modelo de desenvolvimento insustentável. O PL é tratado como “PL da Devastação” e a “mãe de todas as boiadas”.
“Você está convidando um processo de corrupção imenso a acontecer, onde os empreendedores estão achando que vão se favorecer, mas são eles que vão pagar essa conta. Só que eles não vão pagar essa conta sozinhos, eles vão pagar a conta
da corrupção e a sociedade vai pagar a conta do desequilíbrio ecológico que já está acontecendo”, afirmou o porta-voz do Observatório do Clima à reportagem.
APROVAÇÃO
Em 21 de maio deste ano, o Senado aprovou o Projeto de Lei 2.159/2021, também conhecido como “PL da Devastação”, criticado por fragilizar as regras de licenciamento ambiental, ao mesmo tempo em que reduz a responsabilidade de empresas por impactos socioambientais decorrentes de suas atividades.
Antes da aprovação no Senado, o Ministério Público Federal (MPF) divulgou nota pública em que expressou preocupação com a proposta, alertando que ela fragiliza o procedimento de licenciamento ambiental e torna ineficaz o controle do Estado
Crédito: Vinicius Loures | Câmara dos Deputados | Antonio Cruz | Agência Brasil | Ralf Vetterle Pixabay | Lucas Oliveira | Cenarium
sobre empreendimentos que impactam o meio ambiente, assim como os direitos de povos e comunidades tradicionais.
Um dos pontos diz respeito à previsão de que atividades como agricultura e pecuária sejam dispensadas de licenciamento ambiental caso estejam inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) ou aderidas ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) alertou que esses instrumentos não avaliam impactos como uso excessivo de água, poluição do solo e pressão sobre áreas de preservação, podendo legitimar danos significativos sem análise técnica.
“A simples validação do CAR, o Cadastro Ambiental Rural, pode ter validade enquanto uma licença ambiental. É um completo absurdo. Se nós olharmos, por exemplo, a Amazônia e o processo todo de desmatamento que está em curso lá, e não só na Amazônia, mas principalmente ali, 98% do desmatamento é ilegal. Nós estamos falando de artifícios para começar a legalizar o desmatamento. Daqui a pouco, a gente vai entrar naquelas falsas narrativas de que o desmatamento ilegal está sendo combatido. Só que não está sendo combatido, ele está sendo legalizado por esses instrumentos”, pontuou Marcos Woortmann.
O especialista lembrou, ainda, o caso de Cubatão (SP), cidade que já foi considerada a mais poluída do mundo e ficou conhecida
Cimi considera “golpe de morte”
Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium
BRASÍLIA (DF) – Para o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) o projeto foi piorado pelos senadores, tornando-se “um novo golpe de morte” ao País, à Constituição Federal e aos povos indígenas e comunidades tradicionais, porque acaba, praticamente, com o licenciamento ambiental.
“Com emendas à proposição original, o Senado conseguiu piorar um projeto de lei que nasceu na Câmara dos Deputados e tinha a intenção de privilegiar interesses privados e passar a boiada definitivamente sobre as esperanças de futuro do conjunto da sociedade brasileira”, ressalta o Cimi.
Além dos pontos já criticados pela Funai, a organização indigenista da Igreja Católica também manifesta preocupação com a criação da Licença Especial para atividades ou empreendimentos que sejam definidos como estratégicos pelo Conselho de Governo, mesmo reconhecendo que esses projetos tenham efetivo ou potencial impacto de degradação ambiental.
“O PL 2159 deixa de considerar os impactos ambientais sobre territórios quilombolas e indígenas que ainda não estejam plenamente regularizados. Isso representa, no caso das terras indígenas,
Lei da Mata Atlântica ameaçada
A Fundação SOS Mata Atlântica também lançou nota pública contra o projeto de licenciamento ambiental, pois este inseriu um “jabuti” que, na prática, desmonta a Lei da Mata Atlântica.
“A medida revoga os parágrafos 1º e 2º do artigo 14 da legislação em vigor, permitindo que áreas de mata primária, secundária e em estágio médio de regeneração – justamente as porções mais maduras e estratégicas do bioma – possam ser suprimidas sem análise prévia dos órgãos ambientais estaduais ou federais”.
Na avaliação da organização, “a mudança abre brechas para que qualquer município, mesmo sem estrutura
técnica, plano diretor ou conselho de meio ambiente, possa autorizar o desmatamento dessas áreas. A decisão retira garantias históricas de proteção e ameaça diretamente os 24% restantes da cobertura original da Mata Atlântica, especialmente os 12% restantes de florestas maduras”.
“O texto base do PL já representava grave ameaça ao meio ambiente, por flexibilizar ou até tirar a necessidade de licenciamento de obras e empreendimentos de potencial impacto, como a construção de barragens de rejeitos – as mesmas que estouraram em Mariana e Brumadinho, deixando um rastro de morte e destruição”, reitera a nota.
cerca de 65% do total dos territórios”, informa a nota.
Na avaliação do Cimi, o PL 2159 “facilita de forma definitiva o caminho para o avanço do agronegócio e da mineração, inclusive dentro de territórios até hoje protegidos”. “Permite acelerar projetos como a exploração de petróleo na foz do Amazonas, a Ferrogrão ou a exploração de potássio no Rio Madeira (AM), dentre outras muitas obras e projetos apresentados arcaicamente como fatores de progresso e que inviabilizam a vida de povos e comunidades”, completa.
Conforme o Cimi, em vez de avançar na definição de políticas robustas para enfrentar o colapso ambiental, o Congresso resolve ir na contramão dessas necessidades urgentes. “Não é só negacionismo, é convicção em uma necropolítica que alimentou os governos passados e que permanece vigente no atual Legislativo”.
“Os povos indígenas e as comunidades tradicionais continuam marcando o caminho. A convivência e a democracia constroem-se a partir das relações cotidianas, do respeito à diversidade e da convicção no que é comum. Só uma sociedade civil consciente e organizada poderá vislumbrar outros caminhos possíveis, outro horizonte”, conclui o Cimi.
“Ao excluir a atuação da Funai em territórios indígenas não homologados e restringir a participação dos povos indígenas em decisões sobre empreendimentos com impacto socioambiental, o PL nº 2.159/2021 descumpre o direito à consulta livre”
Funai, em nota.
como “Vale da Morte”. Na década de 1980, indústrias da cidade descarregavam aproximadamente mil toneladas de poluentes atmosféricos por dia.
A poluição da água, do solo e do ar, junto à falta de legislação ambiental da época, causou inúmeros casos de mortes por doenças respiratórias e anencefalia, condição em que o cérebro e o crânio não se desenvolvem.
“A gente está falando de bebês que nascem sem cérebro, índices de câncer de quase 90% espalhados em toda a sociedade, envenenamento de populações inteiras pela indústria petroquímica, pela indústria pesada, por metais pesados, por arsênio, por chumbo, por mercúrio. Estamos falando de tudo isso que, na época do grande salto dos anos 70, era visto como desenvolvimento. As pessoas naquela época não tinham o conhecimento que têm hoje. Hoje nós já temos. Hoje nós vimos o que é o resultado de ter e não ter licenciamento”, completou ele sobre a cidade que virou símbolo de recuperação ambiental.
NOTA TÉCNICA
A aprovação do Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, por 54 votos a favor e 13 contra, foi considerada pelo Observatório do Clima “o maior ataque à legislação ambiental das últimas quatro décadas, desde a Constituição Federal de 1988”. Em nota técnica, a organização analisou que os principais retrocessos presentes no texto aprovado em 2021 na Câmara dos Deputados estão mantidos.
De acordo com a avaliação, o projeto ameaça intensificar a poluição, o desmatamento, as emissões de gases de efeito estufa e a perda de biodiversidade, assim como as desigualdades sociais. O texto, para o observatório, cria insegurança jurídica.
“Está repleto de inconstitucionalidades, promovendo a fragmentação normativa entre Estados e municípios e criando um cenário de insegurança jurídica que tende a gerar, como um dos seus principais efeitos, uma enxurrada de judicializações. Em vez de estabelecer regras claras, juridicamente coesas e efetivas, como se espera de uma Lei Geral, o projeto abre caminho para o caos regulatório e o aumento da degradação ambiental”, consta na nota técnica.
A nota destaca a dispensa de licenciamento ambiental para várias atividades agropecuárias. Passa a ser regra para a grande maioria dos casos o preenchimento de um formulário autodeclaratório. “É uma medida que favorece o agronegócio mais predatório, enfraquece o papel do Estado e abre caminho para conflitos, danos ambientais e insegurança jurídica para os próprios produtores”, diz o texto.
Outro ponto considerado crítico é a desvinculação do licenciamento da outorga de uso da água e do uso do solo. “É justamente a outorga que integra o licenciamento ambiental à gestão de recursos hídricos. A fragmentação do licenciamento, de forma isolada das outorgas e do uso do solo, potencializará conflitos e tende a agravar impactos relacionados a eventos climáticos no que se refere à água”, pontua o Observatório do Clima.

Indígenas se preocupam com medidas estabelecidas no “PL da Devastação”
Funai aponta ameaças
Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium BRASÍLIA (DF) – A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) manifestaram preocupação com as consequências trazidas pelo Projeto de Lei 2.159/2021, o “PL da Devastação”, que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, com graves retrocessos na proteção dos direitos indígenas e preservação ambiental. A Fundação SOS Mata Atlântica também publicou nota denunciando as ameaças do novo texto.
Para a Funai, o texto também afronta a Constituição Federal e tratados internacionais ratificados pelo Brasil e a obrigação do Estado brasileiro de promover o desenvolvimento sustentável com justiça socioambiental.
Entre os tratados internacionais que podem ser afetados pela nova legislação em debate no Congresso, está o cumprimento dos compromissos na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que assegura a consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas.
A Funai manifesta preocupação com a retirada da atribuição dos conselhos de meio ambiente da definição dos parâme-
tros ambientais e a criação da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC) pela proposta aprovada no Senado, modalidade que prevê a instalação de empreendimentos de médio porte apenas por autodeclaração do empreendedor, sem o prévio estudo de impacto.
Outros pontos destacados são “a dispensa de licenciamento para obras emergenciais, sem definição do que seja obra emergencial; a restrição da participação dos órgãos envolvidos, incluindo a Funai, que somente será ouvida em casos de terras indígenas homologadas, item que representa um grande retrocesso às suas atribuições; e demais medidas que ameaçam os direitos dos povos indígenas”.
“Ao excluir a atuação da Funai em territórios indígenas não homologados e restringir a participação dos povos indígenas em decisões sobre empreendimentos com impacto socioambiental, o PL nº 2.159/2021 descumpre o direito à consulta livre, prévia e informada, previsto na Convenção nº 169 da OIT, bem como reafirmado pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH/OEA)”, ressalta a nota da autarquia.
Crédito: Ricardo Oliveira e Ana Jaguatirica | Cenarium

Em carta, ONU denuncia ‘PL da Devastação’ e alerta para violações
MANAUS (AM) – A aprovação do PL do Licenciamento Ambiental (2.159/2021) pelo Senado mobilizou pessoas e políticos, com manifestações de organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU), que denunciou a proposta e cobrou o governo brasileiro. No dia 1º de junho, houve manifestações em várias cidades do País contra o Projeto de Lei, apelidado de “PL da Devastação” e chamado de “a mãe de todas as boiadas”.
Em carta enviada em 26 de maio ao Governo Lula – um dia antes de a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, ser atacada na Comissão de Infraestrutura do Senado –, grupos de diferentes áreas de Direitos Humanos da
ONU denunciaram o texto do PL, informaram os sites UOL e Poder 360. O protesto ocorreu em um momento em que setores do Executivo se mostram simpáticos à proposta, que praticamente extingue o licenciamento ambiental.
O documento da ONU alertou para as violações que o PL da Devastação causará se for aprovado como está. Ele foi assinado pelo Grupo de Trabalho de Especialistas em Afrodescendentes; pelo GT sobre a questão dos Direitos Humanos e das corporações transnacionais e outras empresas; pela Relatoria Especial sobre a promoção e proteção dos Direitos Humanos no contexto das mudanças climáticas; pela Relatoria Especial sobre o direito humano a um
ambiente limpo, saudável e sustentável; e pela Relatoria Especial sobre os Direitos Humanos à água potável e ao saneamento.
Na carta, a ONU destaca que as revisões do projeto modificam e removem elementos “essenciais relativos à proteção ambiental no processo de licenciamento ambiental, impactando os Direitos Humanos, especialmente os Direitos dos Povos Indígenas e das Comunidades Quilombolas”. A carta afirma que “essas modificações podem causar danos graves e irreversíveis ao meio ambiente, agravando a tripla crise planetária de mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição tóxica”.
(*) Com informações do Clima Info.
O secretário-geral da ONU, António Guterres
Crédito: ONU
Jader

Deliberativo da Coiab, e o governador do Pará, Helder Barbalho
‘Cúpula dos Povos’ marcada por críticas
Liderança indígena diz que governador do Pará ‘é uma farsa’ e critica COP30
Fabyo Cruz – Da Cenarium
BELÉM (PA) – A liderança indígena Auricélia Arapium fez um discurso contundente contra o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), e a condução do governo brasileiro frente à crise climática. A declaração ocorreu durante um ato político da Cúpula dos Povos rumo à COP30, realizado em 30 de maio, no campus da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém. Presidente do Conselho Deliberativo da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia
Brasileira (Coiab), Arapium afirmou que a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), prevista para acontecer em novembro deste ano na capital paraense, não representa os povos originários.
“A COP30 é tão farsa quanto o governador deste Estado, que é uma farsa. E é uma farsa que ataca direitos dos povos indígenas, da natureza, todos os dias”, declarou Auricélia, diante de uma plateia formada por representantes de movimentos sociais, organizações indígenas e ambientalistas. A fala foi uma das mais aplaudidas do evento, que marca a mobilização da sociedade civil diante da ausência de escuta e participação real nos processos oficiais da Conferência do Clima da ONU.
A liderança disse que a Cúpula dos Povos – uma das principais atividades paralelas preparatórias à COP30 – representa o espaço legítimo de construção de soluções para a crise ambiental. “Nós temos a solução. Se eles tivessem a solução, nós não estaríamos à beira do fim do mundo como estamos”, afirmou.
Auricélia também mencionou a ocupação da Secretaria de Educação do Pará (Seduc), em janeiro deste ano, como o verdadeiro início da luta por uma COP justa e popular. A liderança reforçou que os povos indígenas não se sentem representados nos espaços oficiais de negociação, onde seus direitos continuam sendo violados.
“Direito a gente não negocia. Direito se garante. E nós não acreditamos na ilusão de
Auricélia Arapium, presidente do Conselho
Crédito: Sandro Barbosa | Imagem cedida à Cenarium Agência Pará | Composição: Paulo Dutra | Cenarium
“A
COP30 é tão farsa quanto o governador deste Estado, que é uma farsa. E é uma farsa que ataca direitos dos povos indígenas, da natureza, todos os dias”
Auricélia Arapium, liderança indígena, presidente do Conselho Deliberativo da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
Oposição ao ‘PL da devastação’ e à obra em rio do Pará
Fabyo Cruz – Da Cenarium BELÉM (PA) – Mais de 60 organizações, redes e movimentos sociais do Brasil e de outros países participaram, no dia 30 de maio, do ato político “Da Amazônia para o Mundo: Justiça Climática Já!”. O evento foi realizado no campus da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém, como parte da programação da Cúpula dos Povos rumo à COP30 e reuniu lideranças indígenas, parlamentares, procuradores, pesquisadores e representantes do governo federal em um contraponto à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que ocorrerá em novembro deste ano na capital paraense.
Durante o evento, os participantes criticaram o Projeto de Lei (PL) 2159/2021 – também chamado por ambientalistas de “PL da Devastação”, que flexibiliza regras de licenciamento ambiental – e a recente licença de instalação para o derrocamento do Pedral do Lourenço, no Rio Tocantins.
A medida prevê a explosão de cerca de 40 quilômetros de rochas submersas, entre os municípios de Itupiranga e Marabá, no sudeste do Pará, para viabilizar a navegação de grandes embarcações de carga ao longo da hidrovia Araguaia-Tocantins. Para os movimentos presentes, a intervenção ameaça ecossistemas aquáticos, populações ribeirinhas e modos de vida tradicionais da região.
Representando o setor da Secretaria-Geral da Presidência da República (SGPR) voltado à COP30, Mila Dezan afirmou que o governo federal tem buscado criar mecanismos para fortalecer a participação da sociedade civil nos debates climáticos e reconheceu que os fóruns oficiais da ONU ainda são distantes dos grupos mais afetados pelas mudanças climáticas.
“É preciso dar voz a quem historicamente esteve à margem desses espaços. A sociedade civil traz novas perspectivas e precisa
fazer parte da construção das soluções. Não podemos mais repetir as mesmas COPs de sempre”, afirmou Mila Dezan.
LEGADO CONCRETO
Já a deputada estadual Lívia Duarte (Psol-PA) apontou que a COP30 precisa deixar um legado concreto de equidade e inclusão para a população amazônida. “A verdadeira discussão não é sobre onde vão dormir os príncipes, mas sobre onde dormem os quilombolas que defendem seus territórios das invasões. Nós não queremos petróleo na Foz do Amazonas, nem derrocamento no Pedral do Lourenço. A UFPA precisa ser um contraponto às zonas azuis e verdes da COP30 – nós estamos fazendo a Street Zone”, afirmou, em referência às zonas de acesso restrito do evento da ONU.
A fala mais dura veio da presidente do Conselho Deliberativo da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Auricélia Arapium. Em um discurso inflamado, ela criticou a postura do Congresso Nacional e do governador Helder Barbalho (MDB) diante das pautas ambientais.
“O Governo do Pará se vende como líder no enfrentamento à crise climática, mas é o primeiro a atacar o meio ambiente e os direitos dos povos. A COP30 é tão farsa quanto o governador deste Estado, que ataca a natureza todos os dias”, afirmou.
O procurador regional da República Felício Pontes, do Ministério Público Federal (MPF), chamou a atenção para o impacto da licença de derrocamento no Rio Tocantins e prestou homenagem ao ativista Matheus Otterloo. “Esse é um monumento natural, berçário de espécies únicas. Estamos vivendo um momento de luto. Mas encontrar os movimentos reunidos aqui é um bálsamo. A esperança da COP30 está na Cúpula dos Povos. É essa pressão que vai fazer a diferença”, disse.

participação que o governo está vendendo para os nossos parentes. A verdadeira COP é a nossa [Cúpula dos Povos]”, disse.
A liderança alertou ainda para o risco de frustração entre os povos indígenas que acreditam que terão voz na conferência: “Meu medo é a frustração que o nosso povo vai sentir. Nós já estamos sentindo. E não vamos deixar que o Helder Barbalho use, mais uma vez, a COP para se autopromover com a politicagem que ele faz”.
Entre os principais pontos de crítica estão o apoio do governo paraense a projetos de infraestrutura, considerados por Auricélia como ameaças aos territórios indígenas, como a Ferrogrão, a hidrelétrica Belo Sun e o projeto de derrocamento do Pedral do Lourenço, no Rio Tocantins.
“Nós estaremos aqui para dar uma resposta a ele [Helder Barbalho]. Estaremos aqui para resistir, para que o Tapajós não seja escavado, para que o Rio Tocantins continue livre, para que não tenha Belo Sun”, disse Auricélia, encerrando sua fala com o grito de “Demarcação já!”.
SOBRE O EVENTO
A Cúpula dos Povos reuniu movimentos populares, lideranças indígenas, quilombolas, ribeirinhas e especialistas em justiça climática, como contraponto às agendas institucionais da COP30.
Ao final do ato, foi anunciada uma articulação para o envio formal das propostas da Cúpula dos Povos ao Congresso Nacional no dia 10 de junho.
A CENARIUM solicitou posicionamento do governador Barbalho, citado na declaração da liderança indígena, mas, até a publicação deste material, não houve retorno.
Cúpula dos Povos, em Belém
Crédito: Sandro Barbosa Imagem cedida à Cenarium
A deexplosão um rio

Ambientalistas alertam para riscos do derrocamento do Pedral do Lourenço, no Pará
Fabyo Cruz – Da Cenarium
BELÉM (PA) – A autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para o início do derrocamento do Pedral do Lourenço, no Rio Tocantins, no Pará, acendeu um alerta entre ambientalistas, movimentos sociais e o Ministério Público Federal (MPF). Considerada fundamental para a consolidação da hidrovia Araguaia-Tocantins, a obra é também vista
como uma ameaça direta ao meio ambiente e às populações ribeirinhas da região.
A licença de instalação foi assinada no dia 26 de maio e permite a intervenção em cerca de 40 quilômetros de formações rochosas submersas que dificultam a navegação de embarcações cargueiras no trecho entre Itupiranga e Marabá, no sudeste do Pará. O objetivo é tornar navegável, durante todo o ano, a hidrovia de mais de 1.700 quilômetros de extensão, que liga a cidade de Peixe, no Tocantins, a Belém, no Pará.
O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), comemorou a decisão. “Depois de cerca de oito anos de espera, finalmente, saiu a licença ambiental para o início do
derrocamento do Pedral do Lourenço. Quem é do Pará sabe o quanto esta obra é importante”, afirmou em vídeo nas redes sociais. O governador disse ainda que, nos próximos dias, deve ir a Itupiranga para assinar a ordem de serviço que marca o início efetivo das obras.
A medida também foi celebrada pelo governo federal como um passo decisivo para a integração logística entre o Centro-Oeste e o Norte do País. “É um marco histórico, uma decisão que deve trazer desenvolvimento socioeconômico para o Centro-Norte do País, além de ajudar a reduzir a emissão de gases de efeito estufa, já que o desenvolvimento de hidrovias é o principal meio para cumprir o Acordo
Pedral do Lourenço, no Rio Tocantins
Crédito: Reprodução | Governo do Pará
“Na
terra da COP30, o Ibama acaba de liberar o início das obras de derrocamento do Pedral do Lourenço, sem consulta prévia às comunidades tradicionais”
Lívia Duarte (Psol), deputada estadual.

de Paris”, afirmou o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho.
VIOLAÇÕES E IMPACTOS
Apesar do entusiasmo oficial, a liberação da licença ambiental gerou forte reação de organizações sociais e parlamentares. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) também se manifestou contra a decisão em nota pública. Para o movimento, a obra compromete diretamente a subsistência de milhares de famílias ribeirinhas e indígenas, ameaçando o equilíbrio ecológico da região.
“A obra irá causar a diminuição da quantidade de peixes, contaminação da água, o desaparecimento de espécies, entre outros transtornos, sem previsão de reparação compatível com o tamanho dos danos”, diz o texto.
Segundo o MAB, os impactos não são apenas ambientais. “A obra é justificada pela necessidade de viabilizar a navegação plena no Rio Tocantins para transportar commodities, pelo discurso do tal ‘progresso’, às custas da vida e do bem-estar de tantas famílias que vivem à beira do rio”, afirma o comunicado. O movimento lembra ainda que muitos dos atingidos pelo empreendimento ainda sofrem com a falta de compensações pela construção da hidrelétrica de Tucuruí, localizada a montante do trecho.
A deputada estadual Lívia Duarte (Psol) criticou duramente a autorização do Ibama. Em publicação nas redes sociais, classificou a obra como “um ataque direto ao meio ambiente e aos povos do Rio Tocantins”, apontando o uso de explosivos subaquáticos em 35 quilômetros de rocha sem consulta prévia às comunidades tradicionais, conforme determina a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Na terra da COP30, o Ibama acaba de liberar o início das obras de derrocamento do Pedral do Lourenço, sem consulta prévia às comunidades tradicionais. Não há justiça climática com destruição dos territórios e silenciamento das populações ribeirinhas e indígenas”, escreveu a parlamentar.
MPF APONTA ILEGALIDADE
As críticas à licença também chegaram ao campo jurídico. O Ministério Público Federal (MPF) considera a autorização ilegal por descumprimento de medidas condicionantes estabelecidas pela própria licença prévia e por violar decisão judicial em vigor.
Segundo o órgão, a obra foi autorizada sem a apresentação dos estudos de desembarque pesqueiro exigidos, além de ignorar a obrigação legal de consulta livre, prévia e informada às populações tradicionais.
“A destruição de habitats naturais afetará a fauna e flora aquáticas, alterando a dinâmica do fluxo do rio e provocando mudanças na sedimentação, que podem desestabilizar margens e ecossistemas. Ignorar a realidade dos povos tradicionais que habitam a região e dependem do rio para sua subsistência é uma grave violação dos direitos humanos”, destacou o MPF em comunicado oficial.
“Depois de cerca de oito anos de espera, finalmente saiu a licença ambiental para o início do derrocamento do Pedral do Lourenço. Quem é do Pará sabe o quanto esta obra é importante”
Helder Barbalho (MDB), governador do Pará.
Deputada estadual
Lívia Duarte
Crédito: Marcos Barbosa
RORAIMA NAS MÃOS DE CÁRMEN LÚCIA
PODER & INSTITUIÇÕES

Destino de Denarium ‘engavetado’
Recurso do governador de Roraima, Antonio Denarium, está parado no TSE há 10 meses, dependendo de decisão da presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia, para voltar a julgamento. Denarium foi cassado quatro vezes pelo TRE-RR por uso de verba pública para fins eleitorais
Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium
BRASÍLIA (DF) - O julgamento do primeiro recurso ordinário apresentado pelo governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), e seu vice, Edílson Damião Lima (Republicanos), completou dez meses, no último dia 20 de junho, sem que tenha sido recolocado na pauta de julgamento do Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pela presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia. Em despacho do último dia 9 deste mês,
Cabe à presidente do TSE,
Cármen

a ministra relatora do processo, Isabel Gallotti, afirma que nada pode fazer para a retomada do julgamento, uma vez que a competência para colocar a matéria em pauta novamente cabe à Presidência do Tribunal. Denarium foi cassado quatro vezes pelo Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE-RR), por uso de verba pública e da estrutura do governo para fins eleitorais, e segue no cargo enquanto recorre das decisões.
ministra
Lúcia, colocar em pauta para julgamento o recurso de Antonio Denarium em que tenta reverter cassação
Crédito: Wilson Reis
PODER & INSTITUIÇÕES
Neste processo em que o recurso de Denarium aguarda julgamento há dez meses, governador e vice tiveram os mandatos cassados pelo TRE-RR, em agosto de 2023, por abuso de poder político e econômico nas eleições de 2022, quando concorriam à reeleição.
A apreciação do recurso no TSE começou e foi suspensa no dia 13 de agosto de 2024, após a leitura do relatório pela ministra relatora Isabel Gallotti e as sustentações orais dos advogados das partes. Na sessão, a presidente do TSE, Cármen Lúcia, informou, de pronto, que suspenderia o julgamento logo após as sustentações orais, com a promessa de recolocá-lo na pauta em outra ocasião, quando seria lido o voto da relatora, seguido dos demais membros.
O processo chegou a ser pautado para a sessão seguinte, do dia 20 de agosto, mas a pauta foi cancelada às 8h38 daquele dia, conforme consta na página oficial da Corte na internet, e não retornou mais. Apesar de a publicação de cancelamento ter sido registrada no portal do TSE na manhã do dia 20, à 0h do mesmo dia, o portal G1 já publicara a notícia da decisão, com mais de oito horas de antecedência.
Em despacho do dia 9 de junho deste ano, após relembrar a tramitação do recurso, a ministra relatora Isabel Gallotti respondeu a uma petição protocolada pela coligação “Roraima Muito Melhor”, que
ADVOGADO: EDUARDO BORGES ARAUJO - OAB/DF41595
ADVOGADO: FELIPE BOTELHO SILVA MAUAD - OAB/DF41229
ADVOGADO: GUSTAVO TEIXEIRA GONET BRANCO - OAB/DF42990
ADVOGADO: PEDRO ABAURRE DE VASCONCELLOS - OAB/RJ236009
ADVOGADO: RODRIGO DE BITTENCOURT MUDROVITSCH - OAB/DF26966-A
RECORRIDA: COLIGAÇÃO RORAIMA MUITO MELHOR
ADVOGADO: HANNA DHAYNA OLIVEIRA GONCALVES - OAB/RR1487
ADVOGADO: ISABELLA MARTINS SAMPAIO DE VASCONCELOS - OAB/RR1611
ADVOGADO: JESSICA CRISTINA PEREIRA DE QUEIROZ PROTASIO - OAB/RR1631
ADVOGADO: YARA MICAELLA DA SILVA ARAUJO - OAB/RR2476
ADVOGADO: EMERSON LUIS DELGADO GOMES - OAB/RR285-A
ADVOGADO: WALBER DE MOURA AGRA - OAB/PE757-A
ADVOGADO: ALISSON EMMANUEL DE OLIVEIRA LUCENA - OAB/PE37719-A
DESPACHO
Trata-se de petição (id. 163854013) apresentada pela Coligação Roraima Muito Melhor na qual sustenta que “[...] decorridos mais de nove meses desde a retirada de pauta, a ausência de definição quanto à retomada do julgamento causa insegurança jurídica, instabilidade institucional e contribui para o descrédito da população no sistema de Justiça Eleitoral [...]” (fls. 1/2) e requer “[...] a inclusão do presente feito em pauta de julgamento, com a brevidade que o caso requer, para que se dê continuidade ao julgamento já iniciado” (fl. 2).
Rememoro que o processo foi por mim liberado para julgamento em 1º/8/2024, tendo sido incluído em pauta na sessão jurisdicional de 13/8/2024. Naquela oportunidade constou da certidão de julgamento (id. 162153964) que “após a leitura do relatório e a realização das sustentações orais, o julgamento do processo foi suspenso”.
A Presidência deste Tribunal incluiu o processo na sessão de 20/8/2024 (id. 162170950), mas o retirou de pauta.
Nesse contexto e, considerando que a inclusão do processo em pauta para julgamento é de competência da Presidência do TSE, não há providência a ser adotada por esta Relatora.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), data registrada no sistema
assinado eletronicamente MINISTRA ISABEL GALLOTTI Relatora

pedia a inclusão do recurso na pauta para dar continuidade ao julgamento, já iniciado em agosto de 2024. Na petição, a coligação sustenta que “a ausência de definição quanto à retomada do julgamento causa insegurança jurídica, instabilidade institucional e contribui para o descrédito da população no sistema de Justiça Eleitoral”.
Gallotti respondeu que a inclusão deste processo em pauta de julgamento “é de

competência da Presidência do TSE”, não havendo providências que ela possa tomar em relação ao feito.
Constante no processo como Antonio Oliverio Garcia de Almeida, Denarium e o vice, Damião, tiveram os mandatos cassados pelo TRE-RR, que julgou procedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) apresentada pela coligação “Roraima Muito Melhor”. Formada pelos
R$ 70 milhões
Em uma das acusações contra o governador Antonio Denarium, estão transferências de R$ 70 milhões a 12 municípios, em pleno ano eleitoral, o que é vedado pela legislação.
O governador de Roraima, Antonio Denarium, e o vice, Edilson Damião, realizando entrega de cestas básicas
Em resposta a uma petição protocolada pela coligação “Roraima Muito Melhor”, a relatora do recurso, ministra Isabel Gallotti, respondeu que é de competência da Presidência do TSE a recolocação do processo na pauta de julgamento
Crédito:

partidos MDB, PL, PSB e PMB, essa reunião partidária deu sustentação à chapa de oposição derrotada no pleito, encabeçada pela ex-prefeita de Boa Vista, Teresa Surita (MDB). Além dos mandatários, os partidos Progressistas e Republicanos também apresentaram recursos ao TSE para derrubar as punições.
Nas eleições de 2022, Antonio Denarium foi reeleito para o segundo mandato com 163.167 votos, alcançando 56,47% dos votos válidos. Surita obteve 118.856 votos (41,14%), 44,3 mil a menos que o governador. Empresário ligado ao agronegócio, antes de assumir como governador, ele ocupou o cargo de interventor federal no Estado, nomeado pelo então presidente Michel Temer, em 2019.
Apoiador assumido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Denarium se beneficiou dessa dobradinha para se eleger e manter vivas pautas como a legalização do garimpo, chegando a sancionar uma lei que proibia a destruição de maquinários apreendidos durante as operações policiais.
A demora no julgamento dos recursos do governador ao TSE já foi alvo de protestos
de cinco deputados federais de Roraima, em Brasília. No dia 13 de janeiro de 2024, data da análise do processo, os parlamentares Albuquerque (Republicanos), Duda Ramos (MDB), Gabriel Mota (Republicanos), Helena Lima (MDB) e Nicoletti (União Brasil) concederam entrevista coletiva no Salão Verde da Câmara dos Deputados, cobrando uma decisão do Tribunal.
“O que a gente quer aqui não é a cassação do governador Antonio Denarium. O que queremos é uma segurança jurídica e uma resposta de um tribunal que tem que dar transparência dos processos que ali se encontram, se vai ser absolvido, se vai ser condenado”, afirmou Nicoletti ao portal FolhaBV, na ocasião.
QUATRO CASSAÇÕES
O governador já foi cassado quatro vezes pelo TRE-RR desde 14 de agosto de 2023, quando ocorreu a primeira decisão que determinou a cassação dos mandatos dele e de seu vice, com a inelegibilidade apenas do governador e a realização de eleições suplementares para o Governo de Roraima. É o recurso contra essa primeira cassação que ambos aguardam a finalização do jul-
Crédito: Reprodução | TSE
votos
Nas eleições de 2022, Antonio Denarium foi reeleito para o segundo mandato com 163.167 votos, alcançando 56,47% dos votos válidos.
“O
que a gente quer aqui não é a cassação do governador Antonio Denarium. O que queremos é uma segurança jurídica e uma resposta de um tribunal que tem que dar transparência dos processos que ali se encontram, se vai ser absolvido, se vai ser condenado”
Nicoletti, deputado federal por Roraima, ao portal Folhabv. 163.167
gamento pelo TSE. A segunda cassação, de 7 de dezembro de 2023, foi revertida ainda no TRE-RR. Restam pendentes de análise outros recursos do governador à Corte, em Brasília, além daqueles da coligação opositora.
No recurso pendente de análise pelo TSE, pesam contra a chapa que se reelegeu para o Governo de Roraima, em 2022, quatro acusações que podem ser configuradas como abuso de poder político e econômico pela Lei 9.504, de 1997. No
Ministra Isabel Gallotti, relatora do recurso de Denarium contra cassação
RORAIMA NAS MÃOS DE CÁRMEN LÚCIA
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total, foram feitas nove acusações contra os mandatários pela coligação adversária, antes da realização das eleições, mas o pleno do Tribunal Regional Eleitoral de Roraima acatou somente quatro.
O vice-procurador-geral Eleitoral, Alexandre Espinosa Bravo Barbosa, deu parecer pela rejeição do recurso e manutenção da decisão do TRE-RR no dia 11 de julho de 2024, pouco mais de um mês antes da inclusão na pauta pela ministra Isabel Gallotti.
Antes de ser suspenso o julgamento, no dia 13 de agosto de 2024, a ministra relatora leu o relatório do recurso com os argumentos das partes e do Ministério Público Eleitoral (MPE). Falta agora a leitura do voto que indicará se ela acatará ou rejeitará o recurso. Em caso de aceite, ela dirá se será total ou parcial. Na sequência, a presidente do TSE chama os demais ministros para apresentarem seus votos,
com a possibilidade de pedido de vista, com prazo de devolução em até 30 dias.
Denarium permanece no cargo até a apreciação dos recursos. Caso não consiga reverter a cassação no TSE, ele ainda pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Caso a cassação de Denarium e de seu vice seja mantida, devem ser realizadas novas eleições, e assume o governo interinamente o presidente da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR), cargo atualmente ocupado pelo deputado estadual Soldado Sampaio (Republicanos).
AS ACUSAÇÕES
Segundo o parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE), a primeira acusação contra o governador e o vice remete à criação e execução do programa social “Cesta da Família”, que, além de cestas básicas, também garantia um cartão de crédito no valor de R$ 200 aos beneficiários. A defesa do governador alega que
esse programa foi fruto da fusão de outros dois pré-existentes, o “Renda Cidadã” e o “Cesta da Família”, sem fins eleitorais e que não houve aumento significativo de beneficiários, pois foram criados em resposta à pandemia de covid-19 e à crise migratória dos venezuelanos.
Para a PGE, o “Cesta da Família” é um novo programa de natureza permanente e foi instituído por uma lei aprovada em 2022, o que é vedado pela Lei Eleitoral. Além disso, elevou de 10 mil para 50 mil beneficiários, o que causou impacto financeiro muito superior ao que foi aplicado no ano anterior.
“No caso vertente, a lesividade não é de ínfima extensão. Pelo contrário, houve intenso e reiterado uso promocional de programa social novo que entregava dinheiro (cartão de crédito) para uso livre de uma quantidade significativa de pessoas (50.000,00 famílias), eleitores em pleno ano eleitoral, havendo um claro e evidente
Sessão plenária do TSE
Crédito: Luiz
Roberto | Secom TSE
desequilíbrio na competição eleitoral”, afirma o procurador Barbosa.
A segunda imputação de crime eleitoral envolve o programa “Morar Melhor”, que consiste na reforma de residências dos contemplados, mas que fora realizado sem autorização legal, como exige a Lei Eleitoral. Com a meta de reformar inicialmente mil moradias, o governo estadual acabou elevando o número para 10 mil reformas durante o ano de 2022, com perspectivas de continuidade no ano seguinte. Para o MPE, isso denotaria a necessidade de se reeleger a chapa majoritária para, assim, garantir a continuidade do programa.
As defesas de Denarium e Damião negaram qualquer intenção eleitoral e sustentam que a Constituição da República e a Lei Federal 11.888/2008 dão legalidade ao programa, sem necessidade de lei específica. Segundo a PGE, “o ordenamento jurídico exige lei específica que contenha os regramentos e cronogramas específicos para execução do benefício, o que não foi observado no caso”.
Pesa ainda o fato de o Governo de Roraima ter remetido à Assembleia Legislativa do Estado de Roraima (ALE-RR), apenas em janeiro de 2023, após a posse da chapa vencedora, o projeto de lei que instituiu o “Programa Estadual de Habitação ‘Aqui Tem Morar Melhor’” e a “Política Estadual de Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social”. Esse ato demonstraria que o projeto assistencialista não possuía regulamentação específica, conforme exige a lei, e foi projetado apenas após as eleições de 2022.
“Nessa toada, não possuem pertinência as alegações dos recorrentes justificando a
“No caso vertente, a lesividade não é de ínfima extensão. Pelo contrário, houve intenso e reiterado uso promocional de programa social novo que entregava dinheiro (cartão de crédito) para uso livre de uma quantidade significativa de pessoas (50.000,00 famílias), eleitores em pleno ano eleitoral, havendo um claro e evidente desequilíbrio na competição eleitoral”
Alexandre Espinosa Bravo Barbosa, vice-procurador-Geral Eleitoral.
execução do programa com base na Lei nº 11.888/2008, eis que a referida norma é lei federal geral e não específica à execução do referido programa em âmbito estadual, e o ordenamento jurídico exige lei específica que contenha os regramentos e cronogramas específicos para execução do benefício, o que não foi observado no caso”. Ao final, foram atendidas 1,4 mil moradias em 2022.
As transferências em torno de R$ 70 milhões, em pleno ano eleitoral, a 12 municípios — o que é vedado pela legislação — foram a terceira acusação que levou à cassação dos mandatos de Denarium e Damião. Em suas defesas, ambos sustentam que o governador não pode ser responsabilizado porque apenas acatou a decisão
aprovada pela ALE-RR, que atendeu aos pedidos de socorro dos prefeitos, por causa dos prejuízos causados durante os meses de maio e junho de 2022.
Durante a sustentação oral no TSE, o advogado da coligação “Roraima Muito Melhor” disse que o direcionamento foi tão notório que, dos 15 municípios do Estado, os três excluídos ficaram de fora porque seus prefeitos faziam oposição ao governador. Naquele ano, foram contemplados os municípios de Alto Alegre, Amajari, Bonfim, Cantá, Caracaraí, Caroebe, Iracema, Normandia, Pacaraima, Rorainópolis, São João da Baliza e Uiramutã. A capital Boa Vista, maior colégio eleitoral, não recebeu qualquer repasse.
200
Na execução do programa social “Cesta da Família”, além de cestas básicas, o Governo de Roraima também garantia um cartão de crédito no valor de R$ 200 aos beneficiários. O programa foi criado em ano eleitoral.

O governador Antonio Denarium em evento do programa “Morar Melhor”, um dos alvos de ações que o levaram a quatro cassações

10 mil reformas
O programa “Morar Melhor” tinha inicialmente a meta de reformar 1 mil moradias, mas o governo estadual acabou elevando o número para 10 mil reformas durante o ano eleitoral de 2022.
Essa situação foi destacada pelo parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (PRE), em Roraima, no julgamento de primeira instância, no qual sustenta que houve “nítido conchavo político” entre os prefeitos beneficiados com as transferências milionárias. Segundo a PRE, nos anos de 2019, 2020 e, principalmente, 2021, os mesmos municípios foram assolados por chuvas torrenciais no mesmo período e não receberam qualquer repasse, apesar da decretação de emergência em 14 cidades, em 2020, e em nove, no ano seguinte.
A quarta e última acusação acatada pelo TRE-RR tratou do desvirtuamento de publicidade institucional, com promoção pessoal de Denarium, que também teria divulgado material produzido pela Secretaria de Comunicação do Estado em suas redes sociais particulares. O governador nega que tenha cometido qualquer ato
vedado pela legislação, pois as imagens usadas seriam distintas da publicidade oficial.
O MPE refuta e diz que a alegação não tem fundamento, pois se tratam de “imagens iguais, que somente não são idênticas por um trabalho publicitário com sobreposição de logomarcas, frases e nome do investigado”.
OUTRAS CASSAÇÕES
Depois do julgamento da Aije, em 14 de agosto de 2023, Denarium ainda teve outras três derrotas no Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE-RR), que culminaram na cassação de seu mandato, e envolvem praticamente as mesmas acusações do primeiro caso.
O segundo processo foi julgado no dia 7 de dezembro de 2023, por conta do uso eleitoral do programa “Morar Melhor”, para reforma de residências. Esse julga-
Antonio Denarium e o ex-presidente
Jair Bolsonaro, de quem é apoiador
Crédito: Divulgação PR
mento teve um detalhe, porque se tivesse feito valer o voto do juiz relator substituto Diego Carmo de Souza, o governador, o vice e Maria Dantas Nóbrega receberiam somente a pena de multa.
Ocorre que o juiz federal Felipe Bouzada, titular da cadeira no TRE, ao retomar seu posto, mudou o voto da relatoria e se posicionou também pela cassação do mandato, acompanhando a divergência inaugurada pela desembargadora Tânia Vasconcelos. O placar terminou em 4 a 3 pela cassação. Ao recorrer, Denarium conseguiu derrubar essa decisão na primeira instância ainda, mas teve a multa mantida, em torno de R$ 100 mil.
A terceira cassação ocorreu em 22 de janeiro de 2024, também por abuso de poder político e econômico, com a pena de inelegibilidade por oito anos. Além do uso do programa de reforma de moradias, a coligação “Roraima Muito Melhor” acusou o governador, ainda, de distribuição de cestas básicas em ano eleitoral, transferência de R$ 70 milhões a 12 municípios, às vésperas do período das eleições, assim como promoção pessoal de agentes públicos e aumento de gastos com publicidade institucional.
O pedido foi aceito parcialmente, porque o tribunal entendeu que não caberia a aplicação de multa. Ao final, o placar foi de 5 a 2 pela cassação e inelegibilidade do
“O ordenamento jurídico exige lei específica que contenha os regramentos e cronogramas específicos para execução do benefício, o que não foi observado no caso”
Procuradoria Geral Eleitoral, sobre programas habitacionais criados pelo Governo de Roraima em ano eleitoral.
governador e seu vice, Damião, que recorreram ao TSE contra essa decisão.
O quarto e último processo que culminou de novo em cassação da chapa foi julgado no dia 19 de novembro de 2024. A Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (Aime) também foi apresentada pela coligação de Teresa Surita, “Roraima Muito Melhor”, por abuso de poder político e econômico.
Além das quatro acusações anteriores já presentes em outras ações, foram acrescentadas outras quatro: viés eleitoral na transferência de cerca de R$ 22 milhões; distribuição de gêneros alimentícios no município de Alto Alegre com fins eleitoreiros; uso de verba pública para fins políticos no Festival da Melancia; e a nomeação de cabos eleitorais às vésperas da campanha de 2022.
Na época, o relator do processo, Renato Albuquerque, acatou somente quatro das acusações e votou pela cassação e inelegi-
Fim de mandato de ministros
bilidade de Denarium e Damião. Na ação, também foram implicados o senador Hiran Gonçalves (PP) e seus suplentes, mas o magistrado rejeitou as acusações por falta de provas suficientes. O julgamento encerrou com o placar de 5 a 1.
Assim, pendurado em vários recursos ordinários, em trâmite no TSE, Antonio Denarium segue em seu terceiro ano de mandato até uma decisão da Corte Eleitoral ou a realização das próximas eleições, em 2026, para a qual está cotado para se candidatar ao Senado.
Conforme o TSE, a Aije tem por finalidade coibir e apurar condutas que afetem a igualdade na disputa entre candidatos em uma eleição, como o abuso do poder econômico ou de autoridade e o uso indevido dos meios de comunicação social durante a campanha eleitoral. É um instrumento apresentado antes da diplomação dos eleitos.
Dois dos sete membros titulares do plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tiveram seus mandatos encerrados no dia 30 de maio deste ano. Representantes da classe dos advogados, os ministros Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto e André Ramos Tavares assumiram suas cadeiras na Corte no dia 30 de maio de 2023, para o primeiro biênio. O regimento interno permite uma recondução, mas somente um deles poderá ser escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em lista que deve ser enviada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo informações da Agência Brasil, no dia 28 de maio deste ano, o
STF enviou uma lista tríplice de indicadas, formada somente por mulheres: as advogadas Cristina Maria Gama Neves da Silva, Estela Aranha e Vera Lúcia Santana Araújo, que já atua como ministra substituta no TSE. Lula deverá escolher uma delas para ocupar a vaga.
O mandato da relatora dos recursos de Denarium, ministra Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues, só termina no dia 21 de novembro deste ano, com direito a uma recondução.
O pleno do TSE é formado por três ministros do STF, dois do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dois advogados, com seus respectivos substitutos. Além dos dois advogados e da ministra Gallotti, completam a Corte os ministros do STF Cármen Lúcia, Nunes Marques e André Mendonça, além de Antonio Carlos Ferreira, do STJ.
Ainda segundo a Agência, os atuais ministros que encerram o mandato terão seus nomes incluídos em outra lista tríplice, sendo esta somente de homens, que será enviada ao presidente. Como uma das vagas já deverá ser ocupada por uma mulher, sobrará somente uma cadeira, sem garantias de que um deles possa ser reconduzido. Lula pode optar por outro candidato.
RORAIMA NAS MÃOS DE CÁRMEN LÚCIA
PODER & INSTITUIÇÕES

TSE não responde
A CENARIUM entrou em contato com o TSE para saber quando o processo será recolocado na pauta, conforme anunciou a presidente da Corte, Cármen Lúcia, em agosto do ano passado, mas não obteve resposta.
A revista também entrou em contato com o escritório do advogado Fernando Neves, que atende ao governador, mas eles informaram que esse assunto seria respondido pela assessoria do governador, que não respondeu. A CENARIUM aguarda o posicionamento.
Em sua sustentação oral, Neves disse que esse processo ocorreu porque Denarium fazia um bom governo, com possibilidades de se candidatar à reeleição, o que motivou os adversários a apresentarem
uma enxurrada de ações, já preparando o caminho para enfrentar o resultado das eleições e fazer o que chamou de “terceiro turno”.
O advogado acusou o TRE-RR de não seguir a jurisprudência e não respeitar as práticas processuais, levando à aceitação da ação, que repete fatos já examinados em representações específicas.
A Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE), além de solicitar que o recurso seja rejeitado, também solicitou que os processos sejam juntados pela similaridade dos temas abordados.
O defensor do Partido Progressistas, Eugênio Aragão, reclama que o Tribunal em Roraima não permitiu que a agremiação fosse aceita no processo como assistente
simples, nem a inclusão do advogado para as sustentações orais, o que configuraria cerceamento de defesa. Aragão também sustentou a legalidade dos programas sociais e refutou o uso eleitoral durante a campanha.
O advogado da coligação “Roraima Muito Melhor”, Walter de Moura Agra, reiterou as acusações feitas na ação e disse que “houve um excesso de provas robustas”, porque ocorreu uma “inundação de verbas públicas no ano eleitoral de 2022”, sem nenhum pudor. Reafirmando uma a uma das acusações, Agra afirmou que a distribuição de R$ 70 milhões a 12 dos 15 municípios de Roraima, deixando de fora Boa Vista, Mucajaí e São Luís — que concentram 60% da população — ocorreu por serem oposição ao governo.
Crédito: Alejandro Zambrana |
Secom
TSE

As cassações que pesam contra Antonio Denarium
2º PROCESSO
Tipo de ação: Recurso Ordinário Eleitoral (ROEI), Recursos Especiais e Recurso Adesivo
Número: 0600083-50.2022.6.23.0000
Placar no TRE-RR: 4 a 3
Data do julgamento em RR: 7 de dezembro de 2023
1º PROCESSO
Tipo de ação: Recurso Ordinário Eleitoral (ROEI)
Número: 0600940-96.2022.6.23.0000
Placar no TRE-RR: 4 a 3
Data do julgamento em RR: 13 de agosto de 2023
Situação em 2025 no TSE: Recurso aguarda ser recolocado em pauta para continuar julgamento, com a leitura do voto da relatora, ministra Isabel Gallotti, e demais membros da Corte. Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) pediu o não provimento dos recursos.
Acusações: A coligação “Roraima Muito Melhor” ingressou com uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije), na qual denunciou o governador Denarium e seu vice, Edílson Damião, por uso eleitoral de programas sociais.
3º PROCESSO
Tipo de ação: Recurso Ordinário Eleitoral (ROEI)
Número: 0600089-57.2022.6.23.0000
Placar no TRE-RR: 5 a 2
Data do julgamento no TRE-RR: 22 de janeiro de 2024
Situação em 2025 no TSE: Parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) foi emitido dia 22 de fevereiro de 2024 e está pronto para decisão.
Acusações: A coligação “Roraima Muito Melhor” acusou o governador de abuso de poder político e econômico, com a pena de inelegibilidade por oito anos.
Situação em 2025 no TSE: Parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) foi emitido dia 30 de abril de 2024, em que pede a rejeição dos recursos do governador e Maria Nóbrega, e pelo provimento parcial do MDB para incluir cassação do diploma. Desde então, o processo segue concluso para decisão pela ministra relatora, Isabel Gallotti.
Acusações: O MDB, partido que integra a coligação “Roraima Muito Melhor”, ingressou com Representação Especial Eleitoral contra o governador Antônio Denarium e Maria Dantas Nóbrega, por uso eleitoral do programa “Morar Melhor”, para reforma de residências.
4º PROCESSO
Tipo de ação: Recurso Ordinário Eleitoral (ROEI)
Número: 0600001-82.2023.6.23.0000
Placar no TRE-RR: 5 a 1
Data do julgamento em RR: 19 de novembro de 2024
Situação em 2025 no TSE: Recebeu parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE), no dia 30 de abril de 2025, em que opina pela rejeição dos recursos, que aguarda decisão da relatora, ministra Isabel Gallotti. A PGE pede, ainda, que esse recurso seja julgado juntamente com o ROEI 0600940-96.2022.6.23.0000, por tratar do mesmo objeto de discussão.
Acusações: Coligação “Roraima Muito Melhor” apresentou Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (Aime) com nove acusações contra a chapa de Antônio Denarium e Edílson Damião, das quais o pleno do TRE-RR acatou quatro: entrega de cestas básicas e transferências de R$ 200 à população pelos programas sociais “Cesta da Família” e “Renda Cidadã”; reformas de residências pelo programa “Bem Morar”; transferência de recursos do Governo de Roraima aos municípios favoráveis ao governador; e uso de publicidade institucional com promoção pessoal.
PODER & INSTITUIÇÕES

Descaso com a educação
Escolas voltadas à população
indígena em Roraima são precárias. Em Boa Vista, pais e alunos apontam problemas do contexto geral da educação no Estado
Iury Carvalho – Especial para a Cenarium
BOA VISTA (RR) - Na Comunidade Darôra, distante 81 quilômetros de Boa Vista, os indígenas Macuxi vivem em cooperação entre os 320 cidadãos para garantir o mínimo de assistência em saúde e educação. Isso porque, periodicamente, todos se reúnem para realizar atividades de manutenção ou construção de espaços comuns, como, por exemplo, salas de aula improvisadas. Na visita que a REVISTA CENARIUM fez à Escola Estadual Indígena Paulo Augusto Silva, constatou-se que a unidade de ensino estava somente pintada por fora, mas, por dentro, tudo caía aos pedaços. As condições precárias em que se encontra a escola são uma amostra do tratamento dado à educação — em especial à educação indígena — pela atual gestão
estadual, sob o comando do governador Antonio Denarium.
Do lado de fora da escola na Comunidade Darôra, foram encontrados quatro espaços temporários para estudantes da própria comunidade e das comunidades São Marcos e Vista Alegre, que ficam nas proximidades, ainda na Zona Rural da capital de Roraima. Um desses espaços é o próprio barracão da comunidade, onde os indígenas se reúnem em assembleia para deliberar assuntos urgentes.
São locais abertos, onde os alunos enfrentam o calor e as chuvas. No verão, precisam movimentar as cadeiras a cada hora por conta da posição do sol; no inverno, paralisam as atividades porque as salas alagam. São 105 alunos que passam por essa situação, junto com os professores.
Jacilda Macuxi, 53, estuda na modalidade EJA e tem dois filhos que também estudam na escola Paulo Augusto Silva. Ela conta que as aulas são prejudicadas constantemente pelas chuvas.
“Eu estudo à noite e, quando chove, a gente corre de um lado para o outro. Tem vezes que estudamos, tem vezes que ninguém estuda. O governador tem que olhar
Crédito:
mais pela nossa comunidade, não precisar da gente somente na hora do voto”, relatou à CENARIUM
Jessivan Carneiro, 16, um dos filhos de Jacilda, está no 2º ano do ensino médio e desabafou: “Atrapalha estudar no barracão porque cai água de chuva no caderno. Às vezes, isso me preocupa, porque não estudo direito e quero ser advogado, mas com esse ensino eu não sei se vou conseguir, porque na capital as coisas são melhores”, disse.
As telhas estão velhas e precisam ser trocadas constantemente. Há fiações expostas e ventiladores muito antigos, que não funcionam. O piso é de cimento, e o quadro branco fica encostado em uma parede, no chão, o que dificulta a visão dos alunos que estão no fundo da sala de aula.
A Escola Estadual Indígena Paulo Augusto Silva tem aproximadamente 30 anos e, segundo relatos do tuxaua Jackcinei da Silva, a unidade teve poucas reformas e nunca foi ampliada. A escola atende alunos do 6º ao 9º ano, ensino médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA).
“É um problema que se arrasta há muito tempo e precisamos de apoio do governo. A gente tem uma estrutura melhor na Pre-
Alunos e pais de alunos da comunidade limpando áreas no entorno das salas improvisadas na Comunidade Darôra
Francisco Sena | Cenarium


feitura de Boa Vista. Os alunos de lá temem chegar no ensino estadual. Quem não quer estudar em um prédio de boa qualidade?”, questionou o tuxaua.
Na escola, só existe uma sala de aula que serve praticamente como depósito para livros didáticos e material de expediente para os professores. Isso ocorre porque o ambiente é muito quente e abafado. A sala também tem fiação exposta e ventiladores velhos, que não funcionam.
Outro cômodo, que deveria ser o banheiro, virou depósito de materiais de higiene e limpeza. No terceiro ambiente da escola, há uma biblioteca que também funciona como secretaria e sala dos professores. Ali, alguns alunos estudam de maneira autônoma, com livros desatualizados.

Educação indígena em números
A cozinha é o quarto cômodo da escola. Funciona bem, e, segundo relatos dos indígenas, a alimentação tem chegado regularmente.
Não há quadra de esportes. Os alunos praticam atividades físicas de forma improvisada, ao ar livre. No dia em que a reportagem esteve no local, a participação popular era voltada à capinagem dos espaços no entorno das salas improvisadas espalhadas pela comunidade.
A estudante Ana Mirela, 12, está na 7ª série e relatou: “O que poderia melhorar é a estrutura da escola. Pegamos chuva, sofremos com calor e praticamos atividade física na lama”.
Para acessar a Comunidade Darôra, é necessário atravessar uma balsa do governo do Estado, que às vezes apresenta pro-
Segundo o Censo Escolar 2024, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Roraima se consolida como o segundo Estado com mais estudantes indígenas matriculados: um total de 28.274, sendo 18.085 no ensino fundamental, 3.515 no ensino médio, 475 na Educação de Jovens e Adultos (EJA) e outras modalidades, e 5.057 na educação infantil.
O Governo de Roraima é responsável por 68% das matrículas indígenas. Segundo o Censo, nos últimos 10 anos esse número aumentou mais de 50%, passando de 18.456 para mais de 28 mil alunos. O Estado do Amazonas ocupa o primeiro lugar, com um total de 81 mil estudantes indígenas.
Sala de aula com estrutura improvisada na comunidade Darôra
Crédito: Francisco Sena | Cenarium
Crédito: Francisco Sena Cenarium
Crédito: Francisco Sena | Cenarium
Euclides Macuxi ensinando sobre o início da Comunidade Darôra
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blemas e deixa os moradores ilhados. A travessia é feita no Rio Uraricoera, na comunidade próxima chamada Passarão.
A logística, a internet de baixa qualidade e as frequentes faltas de energia deixam a comunidade com pouco acesso a recursos públicos — inclusive na saúde, já que são quase 100 quilômetros para que uma ambulância chegue até o local a partir da capital.
CONCORRÊNCIA DESLEAL
São 14 professores que lecionam na escola, dentre eles, o professor de História, Euclides Pereira Macuxi. “Os alunos não estudam de forma concentrada, não temos ambiente escolar, tudo isso influencia na aprendizagem. Como um estudante vai concorrer com outros na capital? Muitas escolas por lá têm tecnologia, aqui falta energia e nossa internet mal funciona.
Alguns conseguem fazer uma faculdade, com muita dificuldade”, lamentou o professor Euclides.
O professor de História disse que os alunos não têm acesso à verdadeira educação indígena, já que são os povos originários que precisam se adaptar ao ensino estruturado e imposto pelo sistema de educação no Brasil.
“A gente precisa enxergar o mundo a partir da nossa perspectiva, porque tudo o que os livros trazem são histórias de como era a Europa, de como se organizaram e ‘conquistaram o Brasil’, mas nunca se conta como nós percebemos a chegada do não indígena aqui dentro, o que os nossos avós contam sobre esse relacionamento. Todo material que chega às escolas já vem estruturado, como se fosse esse processo linear na história — e não é”, apontou o professor.
Diagnóstico feito pelo TCE
O Tribunal de Contas de Roraima (TCE) entregou à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em abril deste ano, o relatório do Diagnóstico da Educação Indígena. Segundo o TCE, o documento traz subsídios para orientar agentes públicos e a sociedade civil quanto à implementação da política educacional da primeira infância em escolas indígenas do Estado.
Ainda segundo o órgão, essa iniciativa faz parte de um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) firmado entre o TCE-RR e a Universidade Federal de Roraima (UFRR), por meio do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena. O acordo foi assinado em 2023, e os municípios de Uiramutã, Normandia e Amajari foram os alvos das atividades de campo para elaboração do relatório.
“Em linhas gerais, os principais problemas detectados foram: ausência de política nacional para este segmento; insegurança alimentar; subnotificação de registro civil; estrutura física precária; priorização de demandas burocráticas em detrimento dos aspectos sociolinguísticos e das especificidades de cada povo; ausência de material didático diferenciado”, informou a Assessoria de Imprensa do órgão de contas à CENARIUM
Quanto à União, enquanto ente federativo, em 18 de março, por meio do Ministério da Educação (MEC), o governo federal anunciou um pacote de medidas para garantir o desenvolvimento da educação indígena em Roraima. O Ministro da Educação, Camilo Santana participou de um encontro com lideranças indígenas e com representantes do Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (FNEEI). “Queremos que todos tenham direito de ir para a universidade, estar em uma escola boa, em uma instituição com ar-condicionado, professores de qualidade, bons livros, alimentação. É isso que nós queremos para o Brasil inteiro e, principalmente, para as escolas indígenas”, declarou o ministro da Educação, Camilo Santana.
“Não temos nenhuma representação orçamentária no Poder Executivo pensada pelos indígenas ou demandada pelas comunidades e professores, que deveria ter sido apresentada na Assembleia Legislativa de Roraima. Então, o governo do Estado fatia os recursos, dependendo dos interesses. É preciso analisar que o indígena era considerado relativamente incapaz e passou a ser tutelado. Toda essa longa história de vida dos povos indígenas no nosso País só rompe essa relação com o Estado na Constituição Federal, onde passamos a ser sujeitos da própria história. Mas ainda não conseguimos fazer isso de maneira direta, já que precisamos da Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas] para reclamar nossos direitos e interesses”, explicou.
A citação do professor Euclides faz referência ao artigo 6º do ultrapassado Código Civil de 1916, que preconizava a incapaci-
Novos investimentos em Roraima para diversas áreas da educação, segundo reportagem publicada no portal do MEC:
Programa Dinheiro Direto na Escola Indígena (PDDE Indígena): valor dos repasses aumentou de R$ 1.850 para R$ 5.550;
Fundeb: crescimento de 25% do Valor Aluno/Ano para escolas indígenas;
Educação em Tempo Integral (ETI): municípios recebem 40% a mais para creches em tempo integral;
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD): criação de programa específico voltado à equidade, com materiais focados nas comunidades indígenas e suas culturas;
Centro de Formação: repasse de R$ 4,3 milhões para a construção de um centro de formação para professores de escolas indígenas;
Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae): aumento de 39% no valor repassado para merenda escolar, especialmente em escolas indígenas;
Hospital Universitário de Alta Complexidade: criação do primeiro hospital universitário de Roraima, com bloco exclusivo e adaptado para atendimento às comunidades indígenas;
Bolsa Permanência: valor mensal da bolsa para permanência no ensino superior passou de R$ 900 para R$ 1.400 para estudantes indígenas.


dade do indígena enquanto não integrado à civilização, criando o regime tutelar. Foi somente com a Constituição Federal de 1988 que os direitos e interesses indígenas passaram a ser reconhecidos.
PRECARIEDADE EM CANAUANIM
A CENARIUM foi até a Comunidade Canauanim, no município de Cantá, vizinho da capital, a 22 quilômetros de Boa Vista. A Escola Estadual Indígena Luiz Cadete também se encontrava em condições precárias, com ventiladores quebrados e fiação exposta na sala de aula, onde crianças de 7 a 8 anos estudavam sob forte calor. A unidade de ensino também não consegue atender à demanda de 13 pessoas com deficiência que frequentam as aulas.
PIOR QUALIDADE DE VIDA DO PAÍS
Um ranking do instituto Imazon, em parceria com outras organizações da sociedade civil, elegeu as cidades brasileiras com a melhor e a pior qualidade de vida. São 57 indicadores organizados em três grupos: “Necessidades Humanas”, que avalia se o cidadão tem acesso à comida, saúde, moradia e segurança; “Fundamentos do Bem-Estar”, que analisa o acesso à educação fundamental, vida saudável e contato com a natureza; e, por fim, “Oportunidades”, que diz respeito aos direitos individuais e ao acesso ao ensino superior.
“É
um problema que se arrasta há muito tempo e precisamos de apoio do governo. A gente tem uma estrutura melhor na Prefeitura de Boa Vista, os alunos de lá temem chegar no ensino estadual”
Jackcinei da Silva, tuxaua da Comunidade Darôra.
Antiga sede da Escola Estadual Indígena Luiz Cadete, que ainda atende algumas turmas e onde funciona o setor administrativo da unidade de ensino
As salas de aula da Escola Luiz Cadete, na Comunidade Canauanim, em Cantá, estão sendo reformadas, mas ainda sem previsão de entrega. Enquanto isso, do lado de fora, crianças de 7 anos estudam no calor, embaixo de malocas
Crédito: Francisco Sena
Cenarium
Crédito: Francisco Sena | Cenarium
RORAIMA NAS MÃOS DE CÁRMEN LÚCIA
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Escola improvisada que atende apenas 8 alunos no município de Uiramutã

Ao norte de Roraima, o município de Uiramutã — que tem mais de 96% da população indígena — é o pior em qualidade de vida, segundo o estudo. Amajari e Alto Alegre aparecem em terceiro e quinto lugar no ranking, respectivamente.
Membros da comunidade indígena de Sauparú, no município de Uiramutã, estão construindo por conta própria e com recursos limitados a nova sede da Escola Estadual Indígena Santa Rosa, que atende alunos do 1º ao 5º ano. Para chegar ao município, só é possível através de carro com tração, ou por avião.
“A professora está dando aula na escola improvisada que está sendo feita pelos indígenas, mesmo sem ter terminado a construção. Conseguimos as telhas com a Funai, mas os outros materiais compramos com recursos próprios, até com o dinheiro do Bolsa Família. Pagamos R$ 2 mil de frete para trazer materiais à comunidade”, explicou uma liderança da comunidade, Fernandino Souza.
Em Alto Alegre (RR), um dos municípios com pior qualidade de vida do País, professores e servidores fizeram uma
Crédito: Arquivo
Escola desativada em Uiramutã por falta de assistência do Governo de Roraima

força-tarefa para abrir valas e escoar a água que estava entrando na sala de aula da Escola Estadual Indígena Riachuelo, localizada na Comunidade Indígena Sucuba. A unidade de ensino é feita de tendas e lonas.
COBRANÇAS CONSTANTES
Durante manifestação na Secretaria de Estado da Educação e Desporto (Seed), lideranças e professores cobraram melhorias na Educação Escolar Indígena, principalmente quanto à aplicação do recurso oriundo de emenda parlamentar da ex-deputada Joenia Wapichana, no valor de R$ 44 milhões.
Segundo relatos do Conselho Indígena de Roraima, há professores dando aulas embaixo de pés de mangueira na região indígena da Serra da Lua. Ainda conforme a entidade, o secretário de Educação de Roraima, Mikael Cury-Rad, afirmou que há muitos recursos disponíveis para a educação, mas que os gastos são voltados para atividades operacionais.
A CENARIUM enviou, por e-mail, à Secretaria de Comunicação do Governo de Roraima, questionamentos sobre as condições das escolas citadas na reportagem e os relatos de problemas nas comunidades indígenas. Até o fechamento desta edição, não houve retorno.

Crédito: Francisco Sena Cenarium
Tendas na Escola Estadual
Ana Libória, em Boa Vista
Crédito: Francisco Sena | Cenarium
Escola Estadual
Ana Libória, em Boa Vista, em reforma
RORAIMA NAS MÃOS DE CÁRMEN LÚCIA
PODER & INSTITUIÇÕES


Pessoal | Adelio Gomes
Crédito: Arquivo
“Ele
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE RORAINÓPOLIS
NOTÍCIA DE FATO Nº 045/2025 – SIMP Nº 000527-047/2025
ASSUNTO: Averiguar possível irregularidade quanto ao abandono de quadra de esporta em Vila Boa Esperança, Município de Rorainópolis.
REQUERENTE: Adélio Gomes da Silva REQUERIDO: MUNICÍPIO DE RORAINÓPOLIS
INDEFERIMENTO DE REGISTRO
se sente revoltado dentro de casa, fica agressivo e reclama muito por uma vaga em outra escola, o que eu não consigo. Meu filho está em desvantagem com relação a outros alunos, nem educação física ele faz. Governador, que o senhor reforme a escola logo, porque já são quase três anos!”
Trata-se de representação recebida, via e-mail, nesta Promotoria informando sobre irregularidade relacionada a abandono da construção de uma quadra de esporte para atender a Escola Municipal João Maia da Silva e a Escola Estadual Boa Esperança, localizada na Vila Boa Esperança, há 27 quilômetros da vila nova colina, município de Rorainópolis.
Mãe de aluno, que preferiu não se identificar por temer represálias.

Em relação aos termos da denúncia, cumpre relatar que tais fatos é de conhecimento desta Promotoria de Justiça desde o ano de 2016, quando foi instaurado o Procedimento Preparatório nº 003/2016. As verbas para construção da referida quadra foram obtidas por meio de Termo de Compromisso do PAC204404/2013, no valor global de R$ 1.020.000,00 e vieram de repasses diretos da União para o Município visando a execução de obra específica, sujeitando-se a prestação de contas perante o Tribunal de Contas da União e ao próprio FNDE, autarquia federal.
Com base no argumento acima, foi realizada, no dia 16 de agosto de 2016, declinação de atribuições ao Ministério Público Federal, considerando que quem detêm a competência para apurar eventuais crimes e atos de improbidade administrativa é a Justiça Federal, de acordo com entendimento consolidado nos tribunais.
No dia 07 de junho de 2024, foi realizada denúncia, pelo Sr. Adélio Gomes da Silva, na Ouvidoria do Ministério Público do Estado de Roraima, sendo que após o encaminhamento a essa Promotoria de Assinado eletronicamente por RENATA BORICI NARDI em 20/03/2025 as 09:11, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2016. A autenticidade pode ser conferida em www.mprr.mp.br/consulta Nº Processo (MP) 000527-047/2025
Resposta do MPRR à denúncia feita por Adélio Gomes
Escola Estadual Wanda David Aguiar alagada pela terceira vez
Escola Boa Esperança, em Rorainópolis
Crédito: Reprodução
Crédito: Reprodução

Escolas de lona, EAD e falta de revitalização são marca do governo Denarium
Alunos da Escola Estadual Militarizada Elza Breves, localizada no bairro Laura Moreira, Zona Oeste de Boa Vista, estudam on-line pelo computador ou celular. Isso acontece há mais de dois anos desde que a unidade de ensino entrou em reforma em outubro de 2022, com prazo de entrega em 180 dias.
A mãe de um aluno, que preferiu não ser identificada para não sofrer represálias, recebeu a CENARIUM e mostrou a rotina do filho em casa, estudando pelo celular. “Ele se sente revoltado dentro de casa, fica agressivo, e reclama muito por uma vaga em outra escola, o que eu não consigo. Meu filho está em desvantagem com relação a outros alunos, nem educação física ele faz. Governador, que o senhor reforme a escola logo, porque já são quase três anos!”.
O aluno, que está no ensino fundamental, disse temer pelo futuro. “Não tem como estudar direito on-line, eu me sinto frustrado porque muitos alunos vão para escola e têm um ensino melhor, acho que quando for para sala de aula novamente vou ter muita dificuldade, não vou aprender nada”, lamentou.
CONTRATO MILIONÁRIO
O governador Antonio Denarium renovou, em janeiro deste ano, o contrato com a empresa que fornece salas de aula em tendas e lonas, por mais um ano. O valor das estruturas inadequadas ficou em R$ 7 milhões. Essa prática começou em maio de 2023 e segue até hoje, trazendo prejuízos ao ensino público na rede estadual.
Neste ano, relatos de “salas de aula” alagadas foram denunciados pela imprensa. Estudantes da Escola Estadual
na capital, tiveram seis meses de aulas on-line no ano passado e, no início de 2025, enfrentaram as consequências das chuvas. O mesmo aconteceu com os alunos do Colégio Militarizado Wanda David Aguiar, no bairro Raiar do Sol, também em Boa Vista.
No sul do Estado, a Escola Estadual Boa Esperança, no município de Rorainópolis, tem uma quadra de esportes abandonada há mais de 10 anos. Existem rachaduras na estrutura da escola e o piso, sem algumas cerâmicas, representa risco aos 200 alunos matriculados e ao corpo administrativo da unidade.
“Eu me formei nessa escola em 2014 e nada mudou, nunca tivemos uma quadra que pudéssemos ter uma educação de qualidade, principalmente na educação física. A gente improvisava o campo de vôlei e mesmo assim tinha muita lama e quando chovia ou fazia muito sol, não conseguíamos fazer nada”, relatou Adélio Gomes, morador do município. Adélio chegou a apresentar uma denúncia ao Ministério Público de Roraima (MPRR), em junho de 2024, solicitando averiguação de possível irregularidade quanto ao abandono da quadra de esporte para a Escola Estadual Boa Esperança.
O MPRR respondeu à solicitação informando que a denúncia já era de conhecimento do órgão desde 2016, quando foi instaurado o Procedimento Preparatório nº 003/2016, que atribuiu a responsabilidade de apuração ao Ministério Público Federal (MPF), já que os recursos para a obra da quadra são de origem da União, e que a denúncia de Adélio foi encaminhada ao MPF.
ORÇAMENTO MILIONÁRIO E DEPUTADOS DISPLICENTES
Em dezembro de 2024, a Assembleia Legislativa de Roraima aprovou um orçamento de R$ 8.811.011.914 para o governo de Antonio Denarium executar em 2025. As maiores fatias foram destinadas à Saúde (R$ 1,3 bilhão), Segurança (mais de R$ 500 milhões) e Educação (R$ 590,6 milhões).
Os membros da Comissão de Educação, Desportos e Lazer no Poder Legislativo Estadual são os deputados Coronel Chagas (PRTB), presidente; Angela Águida Portella (PP), vice-presidente; e os membros são os deputados Dr. Cláudio Cirurgião (União Brasil); Marcos Jorge (Republicanos); Isamar Júnior (Podemos); Aurelina Medeiros (PP) e Dr. Meton (MDB).
Sobre as deliberações feitas pelos parlamentares nos últimos anos a respeito da Educação Indígena, a assessoria de imprensa da Assembleia Legislativa não respondeu o que os deputados têm feito para mitigar os impactos do descaso com os povos originários.
A CENARIUM enviou, por e-mail, à Secretaria de Comunicação do Governo de Roraima, questionamentos sobre as condições das escolas citadas nesta reportagem, tanto no interior quanto na capital, que estão funcionando em tendas. Foram feitas perguntas sobre quanto tempo essas unidades de ensino devem permanecer nessas estruturas e se há previsão de construção de novas escolas ou de reforma das existentes. Até o fechamento desta edição, não houve retorno.
Ana Libória,
Crédito: Francisco Sena | Cenarium
Escola Estadual Militarizada Elza Breves
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Escândalos e precariedade na saúde
Gestão de Denarium tem sido marcada por casos de corrupção, investigações e descaso com pacientes
Iury Carvalho – Especial para a Cenarium
BOA VISTA (RR) - Considerado um dos piores governadores do Brasil, segundo Pesquisa Atlas divulgada em agosto de 2024, o governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), tem no currículo um longo histórico de escândalos de corrupção, principalmente em assuntos relacionados à saúde. Uma série de operações policiais e denúncias renderam a ele manchetes negativas em âmbito nacional. Na pandemia, por exemplo, o governo estava adquirindo 30 equipamentos respiradores por R$ 6 milhões, pagos antecipadamente. Em maio de 2020, a Polícia Civil de Roraima apreendeu documentos na Secretaria de Estado de Saúde (Sesau) e conseguiu que a Justiça bloqueasse R$ 6.464.730,00 da empresa fornecedora dos aparelhos, que recebeu R$ 200 mil por unidade de respirador. O nome da empresa não foi divulgado. Anteriormente, foram adquiridos 50 aparelhos no valor de R$ 44 mil a unidade. Por meio da Controladoria-Geral do Estado, o governador solicitou a devolução do dinheiro e exonerou o então secretário de Saúde, Francisco Monteiro Neto.
Outro escândalo é o da reforma da Maternidade Nossa Senhora de Nazareth,

Parte do forro do Hospital Geral de Roraima (HGR) caiu em um leito de um paciente idoso em maio de 2022
Crédito: Reprodução de Imagens Enviadas por Servidores da Saúde à Imprensa

que por mais de três anos esteve em obras, enquanto o Governo de Roraima deixou profissionais da saúde e pacientes em uma estrutura improvisada de lona. As obras deveriam ter durado seis meses, mas acabaram se arrastando de junho de 2021 a setembro de 2024. O custo da reforma foi de R$ 40 milhões, com gasto mensal de R$ 1,2 milhão aos cofres do Estado com estrutura de lona. A Sesau informou que 273 bebês morreram na maternidade entre 2022 e 2023.
Ainda em 2023, foram 17 mortes a cada mil nascimentos – alta de 70% em relação a 2022. A média nacional é de 12,9 mortes para cada mil nascimentos. As informações são do Ministério Público de Roraima (MPRR). Ratos já foram encontrados na sala onde são realizados os nascimentos de bebês, alagamentos aconteceram várias vezes quando chovia, e forros foram destruídos. Após a maternidade ser reinaugurada, um bebê morreu por falta de oxigênio na unidade de saúde. À época, em setembro de 2024, o governo negou a denúncia.
Naquele mesmo mês, em setembro de 2024, Carmen Elisa Emiliano de Assis Silva morreu após sofrer uma parada cardíaca na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do
Hospital Geral de Roraima (HGR). O óbito foi constatado após a paciente ter apresentado um quadro de inchaço cerebral. Ela estava internada após complicações durante o parto da sua filha, Alise Eloah, no Hospital Materno Infantil, que também resultou na morte da recém-nascida. O governo lamentou e disse que a paciente apresentou sintomas clínicos e laboratoriais de pré-eclâmpsia e síndrome HELLP.
Outro caso grave na saúde pública foi quando uma parte do forro do Hospital Geral de Roraima (HGR) caiu em um leito de um paciente idoso, em maio de 2022. Segundo a Secretaria de Saúde (Sesau), o problema ocorreu devido ao volume de chuva registrado entre a madrugada e o início da manhã.
‘VISITAS’ DA POLÍCIA FEDERAL
Os escândalos que levaram a manchetes negativas contra o Governo de Roraima também resultaram em operações policiais. Em 15 de abril deste ano, a Polícia Federal (PF) deflagrou a Operação Fullone, para desarticular um esquema criminoso destinado a desviar recursos públicos de contratos firmados com a Secretaria Estadual de Saúde de Roraima (Sesau). A PF apura atos de dispensa ilegal de
licitação, favorecimento de empresa nas contratações diretas, superfaturamento do objeto contratado, desvio de recursos públicos para beneficiamento do núcleo familiar dos servidores envolvidos e atos de lavagem de dinheiro para dissimular o enriquecimento ilícito advindo dos desvios de recursos públicos.
Foram cumpridos nove mandados de busca e apreensão e um mandado de prisão temporária em Boa Vista, além do sequestro, bloqueio e indisponibilidade de bens e valores na quantia aproximada de R$ 26 milhões. Também foi determinado o afastamento das funções públicas de servidores envolvidos. Na ação, houve uma prisão em flagrante por posse ilegal de arma de fogo.
Em fevereiro de 2024, a Polícia Federal cumpriu mandado de busca e apreensão na casa da então secretária estadual de Saúde, Cecília Lorenzon, por suspeitas de fraudes em cirurgias traumatológicas e ortopédicas. A Secretaria Estadual de Saúde e o Hospital Geral de Roraima também foram alvos. A Operação Higeia foi aprovada pelo Tribunal Federal da 1ª Região, que determinou o bloqueio de R$ 30 milhões dos investigados.

Carmen Elisa Emiliano de Assis Silva morreu após sofrer uma parada cardíaca na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Geral de Roraima (HGR)
Policiais federais durante a Operação Fullone, em abril deste ano, deflagrada para desarticular esquema de desvio de recursos públicos de contratos com a Secretaria de Saúde
Crédito: Arquivo Pessoal
RORAIMA NAS MÃOS DE CÁRMEN LÚCIA
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R$ 26 milhões
Na Operação Fullone, deflagrada pela PF para apurar desvios de verba pública da saúde em contratos com a Sesau, foram cumpridos nove mandados de busca e apreensão e um mandado de prisão temporária em Boa Vista, além do sequestro, bloqueio e indisponibilidade de bens e valores na quantia aproximada de R$ 26 milhões.
No ano anterior, o marido de Cecília, Wilson Fernando Basso, foi alvo de operação também da Polícia Federal, denominada Hipóxia, que apurava suspeita de superfaturamento na execução de contrato com duas empresas para o serviço de recarga de oxigênio, insumos hospitalares e farmacêuticos no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y).
A investigação apontou que somente 10% de 4.500 recargas de cilindros de oxigênio chegaram às comunidades Yanomami. O esquema desviou R$ 964.544,77, e um dos alvos é outro empresário ligado ao marido de Cecília, conforme as investigações. A empresa que ele representa já foi investigada por desvios de medicamentos. Trata-se de Roger Henrique Pimentel, dono da empresa Balme Empreendimentos Ltda.
Outra operação foi a Escapulário, que aconteceu em agosto de 2023, onde um empresário e odontólogos do Hospital
Geral de Roraima foram investigados por suspeita de direcionamento em licitações para fornecimento de materiais odontológicos com preços até 1.000% acima da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, pacientes eram orientados a procurar a Justiça para realizar procedimentos em uma clínica particular ligada ao grupo investigado, mesmo havendo recursos disponíveis no HGR.
Em 2020, a Polícia Federal deflagrou a Operação Desvid-19, que investigava fraudes em licitações, superfaturamento e pagamentos irregulares, com um desvio de R$ 20 milhões em recursos públicos destinados ao combate à Covid-19 em Roraima.
DENÚNCIAS NA ASSEMBLEIA
Em fevereiro deste ano, o presidente da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR), deputado Soldado Sampaio (Republicanos), acusou a então secretária
Governador de Roraima, Antonio Denarium, e a ex-secretária de Saúde, Cecília Lorenzon
estadual de Saúde, Cecília Lorenzon, de cobrar propina a empresários. Durante pronunciamentos no fim de fevereiro deste ano, Sampaio disse que estava disposto a barrar projetos do governo e procurar órgãos como Ministério Público e Polícia Federal.
“Tem empresário dizendo que prefere ficar sem receber do que aceitar a propina exigida pela secretária. Isso está escancarado, não é especulação. Eu estou disposto a ir até as últimas consequências. Se for necessário, não pautarei mais nenhum projeto do governo nesta Casa, até que isso seja resolvido”, declarou.
A própria Assembleia Legislativa listou, em publicação em seu site oficial, as principais denúncias contra Cecília: cobrança de propina na contratação da Clínica Renal; indícios de fraude e favorecimento ilícito na licitação da empresa
ortopédica Medtrauma, alvo da Operação Higeia; suspeitas de irregularidades no pagamento e concessão de Tratamento Fora de Domicílio (TFD); superfaturamento na prestação de serviços de hemodiálise à beira-leito no município de Rorainópolis; conduta autoritária para enfraquecer a resistência de servidores contra a terceirização; falta de transparência na contratação de empresas terceirizadas; violação da legalidade e probidade administrativa; conluio entre servidor da Secretaria de Saúde e empresa contratada.
“Temos denúncias graves colhidas pela Comissão de Saúde e anexadas a relatos da Promotoria de Saúde, médicos e ex-servidores”, pontuou Sampaio.
Atualmente, Cecília ocupa o cargo de secretária de Governo Digital, uma secretaria que tem o orçamento de R$
19.471.096,00 neste ano de 2025, valor 98% menor que os R$ 1.426.743.371 da Secretaria Estadual de Saúde. Adilma Rosa de Castro Lucena, 50, é a nova secretária da Saúde de Roraima. Ela é advogada, servidora estadual de Roraima e nasceu no Amazonas. Adilma estava como adjunta de Lorenzon, quando foi chamada para assumir o cargo mais alto da pasta em fevereiro deste ano.
A CENARIUM enviou, por e-mail, à Secretaria de Comunicação do Governo de Roraima, questionamentos sobre como o governo se manifesta em relação ao grande número de denúncias, operações e investigações por corrupção na saúde, e que medidas o governo tem tomado para aumentar o controle sobre a boa aplicação da verba pública e evitar atos ilícitos. Até o fechamento desta edição, não houve resposta.

Soldado Sampaio, presidente da Assembleia Legislativa de Roraima
PODER & INSTITUIÇÕES

Em suas falas de 2023, o governador Antonio Denarium associou os Yanomami a “bichos”
‘Indígenas têm que se aculturar’
Falas racistas do governador
Antonio Denarium contra indígenas repercutiram na mídia e demonstram tratamento dado a esta população
Iury Carvalho – Especial para a Cenarium
BOA VISTA (RR) - O governador Antonio Denarium (PP) esteve em evidência negativa na imprensa nacional quando, em entrevista à Folha de São Paulo, em 2023, disse que a crise Yanomami não é de hoje e que os indígenas deveriam se aculturar. As falas dele foram consideradas por lideranças do povo Yanomami como um exemplo da “noção preconceituosa” compartilhada pelo governador em relação aos indígenas.
“Tenho 260 escolas em comunidades indígenas. Eles querem ser advogados, professores, médicos. Eu acho correto. Eles [indígenas] têm que se aculturar, não podem mais ficar no meio da mata, parecendo bicho. Eles têm que estar lá com condição, com estrada, escola, posto de saúde, fazendo a agricultura deles, produzindo macaxeira, farinha”, defendeu à época.
A declaração foi dada após o governo Lula (PT) declarar emergência em saúde pública, depois da explosão de casos de desnutrição, doenças associadas à fome (como diarreia e infecções respiratórias) e malária no território Yanomami.
REPÚDIO TOTAL
Em fevereiro de 2023, o jornalista e vereador Bruno Perez (MDB) protocolou um pedido de impeachment contra Denarium na Assembleia Legislativa de Roraima, após o governador ter feito comentários
preconceituosos contra os indígenas que estavam em situação de vulnerabilidade na área Yanomami, em Roraima.
“Em nenhum momento, o governo do Estado ajudou. Nem com comida, nem acionando o governo federal. Nem mesmo fazendo alterações para frear esses voos clandestinos e pistas clandestinas. Além disso, chamou os índios [sic] de bichos e que eles têm que se aculturar. Ele assinou lei e sancionou lei pró-garimpo, não fez operação, foi omisso o tempo todo e, agora, quer dar uma de bom moço”, destacou Bruno.
O Ministério Público Federal (MPF) pediu à época que a Procuradoria-Geral da República investigasse o governador por racismo. O MPF entendeu que as falas foram “potencialmente discriminatórias contra o povo indígena Yanomami, menosprezando sua cultura e seu modo de vida tradicional”.
“Tenho 260 escolas em comunidades indígenas. Eles querem ser advogados, professores, médicos. Eu acho correto. Eles [indígenas] têm que se aculturar, não podem mais ficar no meio da mata, parecendo bicho”
Antonio Denarium, governador de Roraima, em entrevista à Folha de São Paulo, em 2023.

O vereador Bruno Perez (MDB) protocolou um pedido de impeachment contra Denarium na Assembleia Legislativa de Roraima, em 2023
“Facilitar a entrada de milhares de garimpeiros em nossas Terras Indígenas e desorganizar assistência à saúde básica são a
consequência
direta desta noção
preconceituosa que o governador Denarium compartilha”
Hutukara Associação Yanomami e outras 59 organizações, em nota de repúdio às falas de Denarium.
A Hutukara Associação Yanomami e outras 59 organizações repudiaram as falas de Denarium. “Facilitar a entrada de milhares de garimpeiros em nossas Terras Indígenas e desorganizar assistência à saúde básica são a consequência direta desta noção preconceituosa que o governador Denarium compartilha. Este tem sido cúmplice da tragédia, inclusive ao sancionar leis que [são] inconstitucionais, tinha intenção de promover a atividade garimpeira e fragilizar a fiscalização da atividade em Terras Indígenas em Roraima”.
As duas leis foram barradas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Uma, de fevereiro de 2021, liberava todos os tipos de garimpo no Estado com uso de mercúrio; a outra protegia o patrimônio de garimpeiros ilegais, proibindo que agentes de fiscalização destruíssem maquinários dos invasores ambientais, de autoria de um deputado estadual.
GARIMPO E DESMATAMENTO
De acordo com dados do Programa de Monitoramento da Floresta Amazô-
nica Brasileira por Satélite e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), todos os Estados apresentaram redução no desmatamento em 2024, com exceção de Roraima.
São 372,44 quilômetros quadrados de áreas desmatadas, uma porcentagem de 92,7% entre 2023 e 2024. Só o garimpo na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, levou ao desmatamento de 232 hectares de floresta amazônica, em 2022, no ano anterior às declarações do governador, segundo dados do Inpe.
Em 2021, o garimpo registrou a maior expansão em 36 anos. O número representa um aumento de 24,7% em relação ao índice registrado no ano anterior (186 hectares).
A CENARIUM publicou uma reportagem sobre o aumento do desmatamento em alguns Estados brasileiros, com destaque para Roraima. A reportagem, publicada em 15 de maio de 2025, aponta que “a maioria dos Estados amazônicos apresentou queda nos índices de desmatamento, em 2024, mas o MapBiomas detectou aumento no Acre (31%) e Roraima (8%). As maiores quedas nos índices de desmatamento foram registradas no Amapá (56%), Rondônia (50%) e Mato Grosso (43%). Em seguida estão Maranhão (34%), Tocantins (33%), Pará (15%) e Amazonas (9%)”.
Kopenawa aponta ligação de autoridades com garimpo e corrupção na saúde
O líder Yanomami, Davi Kopenawa, em cartas enviadas ao presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre 2024 e 2025 para solicitar uma audiência, pediu urgência para discutir os impactos do garimpo ilegal, os problemas relacionados à saúde dos Yanomami e o genocídio indígena.
No texto das cartas, às quais a CENARIUM teve acesso, Kopenawa apontou ainda matéria publicada na imprensa que revelou esquema de desvio de medicamentos do qual autoridades do primeiro escalão de Roraima fariam parte, citando a ex-secretária de Saúde, Cecília Lorenzon, indicada ao cargo pelo governador Antonio Denarium. E ainda mencionou que o ex-comandante da Polícia Militar de Roraima,
coronel Miramilton Goiano, é investigado por atuação no garimpo ilegal e comércio ilegal de armas para garimpeiros.
“A questão possui um profundo viés político-eleitoral, o que me motiva a suplicar pela audiência, devido às graves suspeitas de envolvimento de autoridades políticas detentoras de mandato com o garimpo ilegal, tráfico de drogas e outras atividades ilícitas, inclusive com apuração pela Polícia Federal e prisão de parentes desses mandatários”, disse Kopenawa Yanomami, em trechos das cartas.
De acordo com fontes ligadas às lideranças indígenas, até o momento não houve resposta da Presidência sobre a audiência solicitada por Kopenawa para encontrar-se com Lula.
Em novembro de 2024, Kopenawa também pediu à presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, agilidade no julgamento do processo do governador de Roraima, Antonio Denarium (Progressistas), e do vice Edilson Damião (Republicanos), que segue suspenso no tribunal.
O encontro ocorreu no Palácio do Planalto, em Brasília (DF), no dia 25 de novembro. Na ocasião, o xamã Davi Kopenawa, principal liderança indígena do povo Yanomami, cujo território está nos Estados de Roraima e do Amazonas, esteve com a ministra Cármen Lúcia e pediu a continuidade do processo no TSE, conforme noticiou o colunista Edersen Lima, em coluna publicada à época no site Portal Norte.

O líder
Yanomami, Davi Kopenawa, esteve com a ministra Cármen Lúcia, em novembro de 2024, e pediu a continuidade do processo contra Denarium no TSE
Crédito: Reprodução | Divulgação
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Secretários e familiares investigados e presos
Membros do primeiro escalão do governo de Antonio
Denarium e da família do governador foram alvo de investigações e prisões
Iury Carvalho – Especial para a Cenarium
BOA VISTA (RR) – A gestão de Antonio Denarium no Governo de Roraima é marcada por uma série de investigações de esquemas de corrupção envolvendo membros do alto escalão do secretariado do Estado, além de familiares do governador. Em um dos casos mais recentes, o então controlador-geral de Roraima, Regys Odlare Lima de Freitas, foi exonerado do cargo neste ano, após ser alvo de operação
da Polícia Federal (PF) que investiga um esquema de desvio de R$ 100 milhões em licitações da Universidade Estadual de Roraima (UERR), durante o período em que ele foi reitor da instituição.
Aliado de Denarium, Regys é investigado por desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro e organização criminosa, após a polícia identificar um superfaturamento em serviços e direcionamento de licitações da universidade para uma empresa de engenharia. Na época da operação, em 8 de abril deste ano, foram apreendidas joias, veículos de luxo, relógios de ouro, 4 mil euros, 6 mil dólares e mais de R$ 7 mil. As medidas cautelares da Justiça foram de sequestro de bens, busca e apreensão e colocação de tornozeleira eletrônica, além do bloqueio de R$ 108 milhões em bens.
Freitas já foi alvo de outra operação da Polícia Federal, denominada Harpia, quando era gestor da universidade. A operação foi desencadeada após a PF apreender R$ 3,2 milhões em dinheiro, em uma ação que apurava pagamento de propina envolvendo a instituição.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
O aliado de Denarium também responde por violência doméstica contra a ex-esposa, por tê-la ameaçado e perseguido após o término do casamento. Ela tem uma medida protetiva contra ele. A vítima relatou à Justiça que ele a xingava de “vagabunda, manipuladora, doente mental, mentirosa e psicopata”, além de dizer que ela não seria “ninguém sem ele”. Há ainda um vazamento de conversas íntimas entre os dois para o pastor de uma igreja, conver-
Governador Antonio Denarium e Regys Freitas. No detalhe, Regys preso Crédito:
sas vazadas pelo próprio Regys, segundo a denúncia da vítima.
Conforme relato da vítima à Justiça, as agressões ocorreram durante cinco meses após a separação do casal. “Como se não bastasse, em outra ocasião, quando ela afirmou que ia solicitar medidas protetivas, ele proferiu novas ameaças e a agrediu fisicamente com puxões de cabelo e empurrões”, segundo trecho da medida protetiva.
DE TESTEMUNHA À INVESTIGADA
Em outro caso envolvendo membros do alto escalão do governo Denarium, a Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar organização criminosa voltada à grilagem de terras em Roraima e que envolve o próprio governador. A Comissão foi criada após denúncia encaminhada ao Ministério Público de Contas (MPC), solicitando o afastamento da presidente do Instituto de Terras e Colonização de Roraima (Iteraima), Dilma Lindalva Pereira da Costa.
A CPI informou ser evidente que Dilma interferiu em processos relacionados ao filho do governador, Gabriel Prestes de Almeida, tentando modificar documentos para encobrir irregularidades. Conforme analisado pela comissão, há indícios de um esquema de irregularidades na aquisição e regularização de terras públicas em Roraima. Os principais envolvidos, segundo a CPI, são o governador Antonio Denarium e seu filho Gabriel, além de funcionários do governo envolvidos nas transações. Gabriel comprou uma fazenda por R$ 300 mil, em 3 de janeiro de 2017, aos 16 anos, e foi emancipado 11 meses depois, o que levanta questionamentos sobre a legalidade da compra. O pagamento do título da terra foi feito pelo governador, utilizando sua própria conta bancária, o que sugere um favorecimento e possível conflito de interesse, segundo a CPI.
A comissão ainda apontou favorecimento indevido na regularização fundiária da Gleba Baliza, localizada no município de Caroebe, que tem aproximadamente 904 mil hectares, além de prejuízos que podem chegar a R$ 1,3 bilhão. O MPC pediu ao Tribunal de Contas de Roraima (TCE-RR) o afastamento imediato de Dilma Lindalva


por conceder descontos irregulares em títulos definitivos e criar uma consultoria jurídica paralela.
Em 31 de março deste ano, Dilma Lindalva e o diretor de Governança Fundiária do Iteraima, João Sílvio Silva, passaram de testemunhas a investigados pela CPI. Isso ocorreu porque a comissão constatou indícios de que Dilma tentou obstruir as investigações e João Sílvio apresentou contradições em seu depoimento.
Em comunicado à imprensa no dia 7 de abril, o governo do Estado informou que exonerou a ex-gestora do Iteraima, atendendo a um pedido da própria investigada pela CPI.
COMANDANTE DA PM INVESTIGADO
O ex-comandante-geral da Polícia Militar de Roraima, coronel Miramilton Goiano de Souza, é apontado em investigações da
Governador Antonio Denarium e a ex-presidente do Iteraima, Dilma Lindalva Pereira da Costa
Mesmo após ter sido exonerado do cargo de comandante-geral da Polícia Militar de Roraima, o coronel Miramilton Goiano de Souza foi nomeado por Denarium para a função de secretário da Casa Militar
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“Qualquer pessoa que tiver desvio de conduta, desvio de dinheiro público, pode ser lá dentro do palácio, pode ser dentro de qualquer secretaria, tem que ser tratada igual a um bandido comum. Vai sair de lá algemada e no camburão da polícia. É assim que merecem ser tratadas as pessoas que fazem desvio de dinheiro público”
Antonio Denarium, governador de Roraima.
Polícia Federal como o líder de um grupo criminoso de comércio ilegal de armas e munições no Estado. Por meio de nota, o militar negou qualquer participação em crimes e não foi chamado para prestar esclarecimentos.
O coronel também é investigado pela Polícia Civil de Roraima por suspeita de interferência no assassinato do casal de agricultores, Fávia Guilarducci, 50, e Jânio Bonfim de Souza, 57.

do governador, Fabrício Almeida
foi condenado por tráfico de drogas e porte ilegal de armas de fogo
ximidade com o governador. Trata-se do capitão PM Helton John Silva de Souza, 48, que ocupava o cargo de coordenador de Segurança de Denarium.
É longa a lista de policiais militares envolvidos em diversos crimes que fazem parte do governo e que são investigados pela Polícia Civil e Polícia Federal.
SOBRINHOS
PRESOS, IRMÃOS INVESTIGADOS
Na gestão de Miramilton, o Ministério Público apontou que ao menos 100 policiais militares são investigados por milícia, trabalho em garimpo, roubo de garimpeiros, tortura, sequestro, tráfico e homicídios.
No caso das disputas de terras em que Miramilton é investigado, um outro policial militar foi apontado pela Polícia Civil de Roraima como o autor dos disparos contra o casal Fávia e Jânio, e também tem pro-
A Polícia Federal também já apontou o envolvimento da família de Denarium em crimes diversos. O caso mais recente aconteceu nas eleições do ano passado, em que a ex-vereadora Juliana Garcia (PP), sobrinha do governador, foi presa com R$ 7,4 mil e uma lista com nomes de eleitores. Ela estava grávida, pagou fiança de R$ 70 mil e foi liberada.
Em fevereiro de 2023, a PF cumpriu buscas na casa de Vanda Garcia de Almeida,
Vanda Garcia, irmã de Antonio Denarium. A casa dela foi alvo de buscas em operação da PF contra lavagem de dinheiro
Sobrinho
já
Crédito: Reprodução Facebook | Antonio Denarium
Crédito: Facebook | Fabrício Almeida
R$ 1,3 bilhão
Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima aponta para prejuízos de R$ 1,3 bilhão com irregularidades cometidas no Instituto de Terras e Colonização de Roraima (Iteraima).
irmã de Denarium, em uma operação contra lavagem de dinheiro oriundo de ouro ilegal. Na mesma ação, na casa do sobrinho do governador, Fabrício de Souza Almeida, a polícia encontrou nove armas. Em 2010, ele foi preso com diamante em Rondônia.
Fabrício já foi condenado a 6 anos e 11 meses de prisão por tráfico de drogas e porte ilegal de armas de fogo. Ele e o irmão, Antônio Oliverio Garcia Bispo, foram presos em maio de 2024 em um depósito no bairro União, em Boa Vista. Na ocasião, a polícia apreendeu 79,70 kg de drogas do tipo skunk divididos em 72 invólucros plásticos, um fuzil Taurus T4 dourado com luneta de precisão e cinco carregadores; um revólver Taurus calibre 38; uma pistola Taurus calibre 9 mm; um revólver Taurus calibre 357; uma metralhadora MT 40; uma espingarda; uma pistola Glock G-19 calibre 9 mm; e uma pistola Glock G-17 calibre 9 mm, além de munições.
Foi na casa do irmão do governador, Orcine Almeida, pai de Fabrício, que a polícia encontrou armas e munições.
Durante a campanha eleitoral, Denarium se manifestou sobre possíveis casos de corrupção envolvendo membros de seu governo. “Qualquer pessoa que tiver desvio de conduta, desvio de dinheiro público, pode ser lá dentro do palácio, pode ser dentro de qualquer secretaria, tem que ser tratado igual a um bandido comum. Vai sair de lá algemado e no camburão da polícia. É assim que merecem ser tratadas as pessoas que fazem desvio de dinheiro


A ex-vereadora Juliana Garcia, sobrinha de Denarium, também foi presa nas eleições do ano passado, com dinheiro em espécie e uma lista de eleitores
público”, disse o governador, em vídeo gravado durante evento.
A CENARIUM enviou à Secretaria de Comunicação do Governo de Roraima pedido de informações sobre como o governador se manifesta em relação às denúncias, operações e investigações por
corrupção envolvendo membros do alto escalão do governo, além dos casos envolvendo familiares de Antonio Denarium, e sobre como a gestão atua para tentar evitar atos ilícitos cometidos por membros do Executivo, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.
Os irmãos Orcine e Denarium. A polícia encontrou armas e munições na casa de Orcine
Crédito: Reprodução | Instagram
Crédito: Reprodução da internet Facebook

Trama golpista: Bolsonaro pede desculpas
Ex-presidente e outros integrantes do chamado núcleo 1 da tentativa de golpe de Estado prestaram depoimentos ao STF
Jadson Lima, Lucas Thiago (Da Cenarium) e agências*
MANAUS (AM) – O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pediu desculpas ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), por ter dito que o magistrado e outros dois integrantes da corte, Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, estariam ganhando dinheiro no contexto das acusações de fraudes eleitorais. O pedido de desculpas foi feito no dia 10 de junho, quando Bolsonaro foi interrogado por Moraes como
réu na ação penal que apura a tentativa de golpe de Estado no Brasil. Também foram interrogados outros integrantes do chamado “núcleo 1”, ou “núcleo crucial” da tentativa de golpe de Estado, que negaram a intenção de executar a tomada de poder no País, à revelia dos resultados das eleições presidenciais, mas acabaram confirmando participação em reuniões em que se discutiram formas de intervenção.
Durante o interrogatório, na Primeira Turma do STF, Moraes perguntou a Bolsonaro a respeito de uma imputação da Procuradoria-Geral da República (PGR) de que o ex-presidente incentivou a deslegitimação da justiça eleitoral. “Me desculpem, não tinha essa intenção de acusar de qualquer desvio de conduta dos senhores três”, afirmou. “Minha retórica me levava a falar dessa maneira. Essa reunião não era para ser gravada, era reservada. Alguém gravou
de má-fé, senão eu não estaria explicando aqui agora”, disse.
Moraes leu um trecho de declarações. Bolsonaro citava Moraes, e os colegas: “Perder uma eleição não tem problema nenhum, não podemos perder a democracia numa eleição fraudada. Não vou falar isso aí que o Alexandre está levando US$ 50 milhões. Não vou falar porque não tenho prova”.
O ministro perguntou quais eram os indícios “de que nós estaríamos levando milhões”.
“Não tem indício nenhum, ministro. Era um desabafo. Não era para ser gravado. Se fossem outros três no posto, eu estaria falando a mesma coisa, pela minha retórica. Por ocasião das eleições, eu não pude fazer live do Palácio do Alvorada por decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Não pude usar imagens minhas na ONU, do
Alexandre de Moraes e Jair Bolsonaro
Crédito: Reprodução STF | Composição Paulo Dutra | Cenarium
outro candidato lá numa comunidade do Rio de Janeiro usando gorro do CPX, do enterro da rainha Elizabeth”.
“Quase tudo era proibido. Eu não podia abaixar o preço do combustível como se eu fosse fazer isso em uma canetada. Eu fui alvo de muita coisa. Agora, o outro lado podia tudo, até me chamar de genocida. Eu queria mostrar imagem, eu fui tolhido. O maior prejuízo que eu tive foi não poder usar imagens no 7 de Setembro”, disse Bolsonaro.
Na Presidência, Bolsonaro acumulou uma série de declarações golpistas às claras, provocou crises entre os Poderes, colocou em xeque a realização das eleições de 2022, ameaçou não cumprir decisões do STF e estimulou com mentiras e ilações uma campanha para desacreditar o sistema eleitoral do País.
Após a derrota para Lula, o ex-presidente incentivou a criação e a manutenção dos acampamentos golpistas que se alastraram pelo País e deram origem aos ataques do 8 de janeiro.
Nesse mesmo período, adotou conduta que contribuiu para manter seus apoiadores esperançosos de que permaneceria no poder e, como ele mesmo admitiu publicamente, reuniu-se com militares e assessores próximos para discutir formas de intervir no TSE e anular as eleições.
Saudosista da Ditadura Militar (19641985) e de seus métodos antidemocráticos e de tortura, o ex-presidente já foi condenado pelo TSE por ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral e é réu no STF sob a acusação de ter liderado a trama golpista de 2022. Hoje, está inelegível ao menos até 2030.
“Me desculpem, não tinha essa intenção de acusar de qualquer desvio de conduta dos senhores três”
Jair Bolsonaro, ex-presidente, se desculpando por ter acusado ministros do STF de receber dinheiro no contexto das acusações de fraudes eleitorais.



Bolsonaro ficou frente a frente com o ministro Alexandre de Moraes
Apoiadores de Bolsonaro em 8 de janeiro de 2023 invadindo o Congresso Nacional
O ex-presidente Jair Bolsonaro em depoimento no STF
“Sim senhor, recebeu e leu”
Mauro Cid, o tenente-coronel, exajudante de ordens de Bolsonaro, sobre o ex-presidente ter recebido e lido a “minuta do golpe”.
Caso seja condenado pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado, a pena pode passar de 40 anos de prisão.
A defesa de Bolsonaro nega a participação do ex-presidente em crimes e argumenta, entre críticas à denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), que não há provas de ligação entre a suposta conspiração iniciada no Palácio do Planalto, em junho de 2021, e os atos de vandalismo de 8 de janeiro de 2023.
A PGR o acusa de ser o líder da organização criminosa que tentou dar um golpe de Estado após a eleição de Lula (PT) à Presidência da República.
ACAMPAMENTOS DE ‘MALUCOS’
Durante o depoimento, Bolsonaro também chamou de “malucos” os apoiadores que montaram acampamentos golpistas em frente a unidades militares após as eleições de 2022 e que pediam intervenção das Forças Armadas para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência da República. O ex-presidente negou ter liderado uma trama para dar um golpe de Estado em 2022 e disse que desmobilizou os caminhoneiros que desejavam uma ruptura democrática.
Após a derrota para Lula, o então presidente incentivou a criação e a manutenção dos acampamentos golpistas que se alastraram pelo País e de onde saíram os manifestantes dos ataques de 8 de janeiro.
“Por favor, doutor Paulo Gonet, eu não torci para o pior. Se eu tivesse torcido para o pior, não teria desmobilizado os caminhoneiros lá atrás e, talvez pela minha figura, o pessoal não fez absurdo”, afirmou Bolsonaro, em resposta ao procurador-geral da República, Paulo Gonet.

Mauro
Cid: Bolsonaro
Lucas Thiago – Da Cenarium
‘recebeu e leu’ minuta do golpe
MANAUS (AM) – O depoimento do ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, era um dos mais aguardados do interrogatório no STF. Cid deu detalhes sobre a participação dos integrantes suspeitos de integrar o “Núcleo 1” da tentativa de golpe de Estado. Ele é apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como peça-chave da organização criminosa que atuou pela ruptura democrática. Durante o mês de maio, a Corte ouviu testemunhas de defesa e de acusação.
No interrogatório, Moraes questionou Cid sobre a atuação do grupo na tentativa de golpe. Em relação ao denominado “gabinete do ódio”, o tenente-coronel afirmou que Bolsonaro era diretamente responsável por operar e encaminhar, por meio de suas redes sociais, ataques aos ministros.
Ao ser questionado se Bolsonaro havia recebido e lido a chamada “minuta do golpe” — documento que visava uma possível tentativa de impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —, Cid respondeu: “Sim senhor, recebeu e leu”.
O ex-ajudante da Presidência contou que Bolsonaro se sentou com o auxiliar Filipe Martins para editar a minuta golpista. Segundo Cid, Bolsonaro “enxugou o documento, retirando a prisão de autori-
dades”. “Somente o senhor ficaria preso”, disse Cid a Moraes.
Ainda em resposta ao ministro do Supremo, Cid confirmou que, no documento do golpe, além de prever a prisão de ministros do Supremo, constavam também a prisão do presidente do Senado à época, Rodrigo Pacheco, e de outras autoridades do Judiciário e do Legislativo.
Mauro Cid relatou ainda que recebeu dinheiro do general Braga Netto no Palácio da Alvorada, valor repassado ao major Rafael de Oliveira, integrante do grupo conhecido como “kids pretos”, formado por militares das Forças Especiais do Exército.
“Eu fui procurar o general Braga Netto para saber se havia alguma maneira de ajudar. O general Braga Netto trouxe o valor em dinheiro, que foi passado para o major Oliveira. Eu passei [o valor] no próprio Palácio da Alvorada. O valor estava guardado em uma caixa de vinho”, contou o delator.
Cid também descreveu Braga Netto como pertencente a um grupo moderado dentro do governo, que pressionava Bolsonaro a tomar uma medida em relação ao resultado das eleições. Segundo ele, o general atuava como elo entre Bolsonaro e os acampamentos montados em frente aos quartéis-generais.
Mauro Cid em interrogatório ao STF no dia 9 de junho
Crédito: Ton Molina STF
“Agora, tem sempre uns malucos ali que ficam com aquela ideia, de AI-5, intervenção militar, que as Forças Armadas, os chefes militares jamais iam embarcar nessa”
Jair Bolsonaro, ex-presidente, em depoimento, sobre os acampamentos de apoiadores em frente a quartéis.
Ele também citou o Ato Institucional nº 5, que cassou uma série de direitos durante a ditadura militar. “Agora, tem sempre uns malucos ali que ficam com aquela ideia, de AI-5, intervenção militar, que as Forças Armadas, os chefes militares jamais iam embarcar nessa, porque o pessoal estava pedindo ali, até porque não cabia isso aí e nós tocamos o barco”, disse Bolsonaro. “Então, me desculpa, respeitosamente, vossa excelência, nós não estimulamos nada de anormal”.
MORAES DE VICE?
Ainda no interrogatório, Bolsonaro convidou Alexandre de Moraes para ser o seu candidato a vice-presidente da República nas eleições previstas para ocorrer em outubro de 2026. Após a brincadeira, Moraes declinou do convite.
O depoimento de Bolsonaro começou às 14h33 e durou cerca de duas horas. Ele levou um exemplar da Constituição para a mesa de depoimento e o levantou enquanto discursava sobre não ter atentado contra a democracia. O ex-presidente disse ainda que não era o único a criticar as urnas eletrônicas. Segundo ele, utilizava a retórica contra o sistema eletrônico de votação desde 2012.
“Posso fazer uma brincadeira? Eu gostaria de convidá-lo para ser vice em 26”, disse Bolsonaro. Moraes respondeu: “Eu declino novamente”.
(*) Com informações da Folhapress, da Folha de São Paulo e do STF.

STF
encerrou interrogatórios dos réus do Núcleo 1
O Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou, no dia 10 de junho, os interrogatórios dos oito réus na Ação Penal (AP) 2668, que apura a tentativa de golpe de Estado ocorrida entre 2022 e 2023. Foram ouvidos o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier; o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres; o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno; o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro; o ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira; e o ex-ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto.
O turno da manhã foi dedicado aos interrogatórios de Garnier, Torres e Heleno. À tarde, depuseram Bolsonaro, Nogueira e, por fim, Braga Netto, que está preso e foi interrogado por videoconferência.
Durante a sessão, o ministro Alexandre de Moraes revogou a medida cautelar que impedia os réus de manterem contato entre si.
As audiências, realizadas na sala de sessões da Primeira Turma do STF, foram conduzidas pelo relator da ação penal, ministro Alexandre de Moraes, com a participação do ministro Luiz Fux e do procurador-geral da República, Paulo Gonet, responsável pela acusação.
No dia anterior, 9 de junho, foram interrogados o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Como de praxe, após os questionamentos dos ministros e do procurador, os advogados dos oito réus também puderam apresentar suas perguntas.
NÚCLEO 1
Todos os interrogados fazem parte do chamado “Núcleo 1” da denúncia, classificado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como crucial na tentativa de golpe. Além desses oito réus, o esquema envolve outros 24 acusados, organizados em três núcleos distintos, conforme o papel que desempenharam na trama.
O grupo responde por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. No caso de Alexandre Ramagem, a investigação sobre fatos ocorridos após sua posse como deputado federal, em janeiro de 2023, está suspensa até o fim do mandato.
Integrantes do Núcleo 1 da trama golpista, o chamado “núcleo crucial”



David Almeida sob risco de impeachment
Prefeito de Manaus é alvo de pedido de destituição do cargo por suspeita de desvio do Fundeb
Bianca Diniz e Ana Pastana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – O vereador de Manaus Rodrigo Guedes (Progressistas) protocolou, no dia 11 de junho, na Câmara Municipal de Manaus (CMM), um pedido de impeachment contra o prefeito David Almeida (Avante) por uso indevido de R$ 41 milhões do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que, à época (2021-2024), era administrado pela irmã do gestor, Dulce Almeida. Segundo o parlamentar, os valores foram utilizados para custear despesas da Manausmed, plano de saúde de servidores municipais.
Conforme o Regimento Interno (RI) da CMM, o pedido de impeachment precisa ser aceito por maioria absoluta dos vereadores. Caso a denúncia seja admitida,
é instaurada uma Comissão Processante, composta por, no mínimo, três vereadores, encarregada de conduzir o processo. O prefeito denunciado terá o prazo de dez dias, a partir da formação da comissão, para apresentar defesa por escrito e indicar até cinco testemunhas.
Após o recebimento da defesa, a comissão tem mais cinco dias para elaborar um parecer, recomendando o arquivamento ou o prosseguimento da denúncia. Esse parecer será então submetido ao plenário, onde os vereadores decidirão se o processo terá continuidade.
“O prefeito, através da Semed, tirou R$ 41.867.053,72 do Fundeb. O Tribunal de Contas do Estado do Amazonas elaborou um laudo técnico que pediu a devolução de
O prefeito de Manaus, David Almeida, e a irmã dele, a ex-secretária municipal de Educação Dulce Almeida
Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium | Reprodução Avante | Reprodução Redes Sociais | Composição Lucas Oliveira | Cenarium

“O prefeito, através da Semed, tirou R$ 41.867.053,72 do Fundeb.
O Tribunal de Contas do Estado do Amazonas elaborou um laudo técnico que pediu a devolução de R$ 41 milhões, praticamente R$ 42 milhões, e também a aplicação de sanções à gestora que, por acaso, era a irmã do prefeito”
Rodrigo Guedes, vereador de Manaus pelo Progressistas.

R$ 41 milhões, praticamente R$ 42 milhões, e também a aplicação de sanções à gestora que, por acaso, era a irmã do prefeito, a ex-secretária municipal de educação Dulce Almeida. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas também fez um parecer pedindo tanto a devolução desse valor quanto também pugnando pela aplicação de sanções à secretária Dulce Almeida”, disse Guedes, durante coletiva de imprensa.
No documento protocolado, o vereador afirma que o desvio dos recursos destinados à Educação Municipal “era ordem de David Almeida”. A informação, segundo o
documento do pedido de impeachment, consta na denúncia feita pelo TCE-AM, em agosto de 2024, pelo então presidente do Movimentos dos Trabalhadores da Semed.
Em outro trecho, Guedes reafirma que Almeida “não só era sabedor, como foi o principal responsável pelo desvio e aplicação ilegal dos recursos do Fundeb”.
A Constituição Federal determina que os recursos do Fundeb devem ser aplicados, exclusivamente, na Educação Básica pública. A regra, prevista no artigo 212A, é reforçada pela Lei 14.113/2020, que
regulamenta o novo Fundeb e especifica que o dinheiro deve ser usado em ações como manutenção, reformas e melhorias nas escolas.
Guedes afirma que obteve os documentos que comprovam a irregularidade por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), e anexou ao pedido pareceres técnicos e jurídicos que embasam a denúncia. O pedido, após entregue à Presidência da CMM, deverá passar por análise da Procuradoria da Casa, que avaliará sua admissibilidade.
Caso seja aceito pela Casa, o processo pode ser levado ao plenário e resultar na abertura de uma investigação político-administrativa contra o chefe do Executivo municipal.
A CENARIUM entrou em contato com a Prefeitura de Manaus para solicitar um posicionamento referente ao pedido de impeachment e até o fechamento desta edição, não obteve retorno.
ACESSE O PEDIDO DE IMPEACHMENT:

O vereador de Manaus, Rodrigo Guedes
Trecho do documento com pedido de impeachment
Crédito: Reprodução
Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium

O agricultor Orlando Monteiro navega em meio ao lixo de Manaus, há mais de 14 anos
Cidade à deriva
Em Manaus, população tem vidas cercadas pelo lixo no coração da capital do Amazonas
Letícia Misna – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Chinelo, shampoo, lâmpada, enxaguante bucal, desinfetante e amaciante. O que parece uma lista de compras é, na verdade, um retrato cotidiano do que boia no Porto da Manaus Moderna, uma das principais portas fluviais da capital amazonense. No lugar, que deveria ser símbolo de vida, corre um fluxo contínuo de resíduos que denunciam, de forma nua e crua, o fracasso coletivo da política ambiental urbana.
No coração do Centro Histórico de Manaus, formou-se o que moradores e trabalhadores naturalizaram como um lixão flutuante. No mês de junho, quando se celebra o meio ambiente, o cenário escancara a distância entre as promessas de sustentabilidade e a negligência histórica com o cuidado das águas e das populações ribeirinhas.
Segundo dados da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), a cidade descarta diariamente cerca de 3 mil toneladas de lixo. Parte desse volume, que deveria ter como destino o aterro sanitário da AM-010, deságua diretamente no leito do Rio Negro, a principal via de circulação e abastecimento da região.
O agricultor Orlando Monteiro, de 70 anos, há 14 sobrevive nas margens sujas da
Manaus Moderna. Ele já trabalhou como gari da prefeitura e, hoje, é um entre os muitos que aprenderam a conviver com o que chama de “aroma forte demais”. O cheiro da água, segundo ele, “vem da podridão”.
“Aqui é muito ruim. Tem dia que ‘tá’ bacana. Tem dia que tá assim”, disse Orlando, ao apontar para os resíduos boiando no Rio Negro. “Quando chove o lixo vem de lá para cá. Esse lixo aí não é daqui”, afirma.
Como em um ciclo de castigo, a população mais pobre, como ribeirinhos, ambulantes, lavadeiras e pescadores, precisa transitar sobre o esgoto, navegar sobre restos de consumo urbano e adoecer no cenário que não criou, mas do qual depende para viver.
Crédito: Ricardo Oliveira
| Cenarium
3 mil toneladas
Segundo dados da Associação
Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), a cidade descarta diariamente cerca de 3 mil toneladas de lixo.
Conforme o agricultor e com outras pessoas que habitam a localidade, o lixo que paira à margem da Manaus Moderna deriva, em sua maioria, dos igarapés que cortam a capital amazonense e deságuam na área, além de serem jogados das balsas e embarcações ancoradas no Porto.
“Todo ano é essa lixeira. A Prefeitura [de Manaus] vem, limpa, aí suja de novo. Não passa nem 15 dias e já fica assim. Basta dar uma chuva. Olha aí, a imundice como tá aqui”, ressaltou.
Orlando também mostra a presença de canaranas, ilhas de vegetação formadas por espécies de plantas aquáticas. Elas se desenvolvem no solo deixado pelos rios em períodos de estiagem e, quando as águas voltam a subir, a vegetação se desprende do chão e passa a “navegar” pelas vias fluviais.
Além de dificultar o trânsito de embarcações, essas ilhas vegetais são portos para


À CENARIUM, Maria Antônia relatou que seu filho já foi parar no hospital após contrair doença de Chagas, que, segundo ela, pegou em meio ao lixo. “Aqui também tem cobra, tem rato. Ontem mesmo, matei um ali no meu trapiche”, acrescentou.
Orlando Monteiro também compartilhou que sempre vê pessoas que vivem ali, especialmente crianças, adoecerem com frequência. “O meu patrão, até hoje, ainda tá com uma gripe. Minha patroa, que tá para terra, ela tá no médico. Acho que é tudo por causa desse lixo. Tem dias que essa água tá fedendo demais. Aquele aroma muito forte. Acho que ela inalou e está doente”, disse Orlando.
Segundo a médica da Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD) e mestre em Doenças Tropicais e Infecciosas Arlene Pinto, a poluição é, de fato, a grande causadora das doenças de veiculação hídrica.
“Como o próprio nome já diz, são doenças em que a água é o principal veículo de transmissão. Essas patologias são consideradas um problema de saúde pública e estão associadas ao meio ambiente”, explicou a especialista.
De acordo com ela, fatores como a deficiência do sistema de abastecimento de água tratada, a insuficiência de saneamento básico, o destino inadequado dos dejetos, a higiene inadequada, a alta densidade populacional, as carências habita-
cionais, o rápido crescimento urbano e a formação de conglomerados sem a infraestrutura adequada favorecem a instalação e rápida disseminação dessas doenças.
Citadas pela médica, entre algumas enfermidades relacionadas à ingestão e uso doméstico da água, ou contato direto da pele com fontes contaminadas, estão: Amebíase, Criptosporidíase, Diarreia por Escherichia coli, Disenteria bacteriana, Febre tifoide, Gastroenterite, Hepatite A e Leptospirose.
“O cenário ideal da nossa ‘cidade flutuante’ abrange muito além das políticas de saúde pública, mas também envolve a organização social como a construção de casas populares”, acrescentou.
Lixo no Rio Negro, no Porto da Manaus Moderna; na seca ou na cheia, o cenário é o mesmo
Para o sociólogo Luiz Antônio Nascimento, a Manaus Moderna faz parte da “cidade abandonada”
Crédito: Ricardo Oliveira
Crédito: Ricardo Oliveira
“Elas não estão ali porque gostam de estar, no lugar sujo e poluído. O que a gente precisa fazer efetivamente, primeiro, é não aceitar isso como normal”
Luiz Antônio Nascimento, sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
os resíduos sólidos, que se prendem a elas. “Essa canarana ali é da natureza. Eles [órgãos da Prefeitura de Manaus] não arrancaram, não roçaram e tá assim, essa sujeira aí”, disse.
Antes da Manaus Moderna, Orlando Monteiro trabalhou como gari na Secretaria Municipal de Limpeza Urbana (Semulsp) por seis anos, limpando, inclusive, os igarapés da cidade. Na visão dele, a principal responsável por essa poluição é a população.
“Nós ‘limpava’ esses igarapés ‘num’ dia, no outro dia tava do mesmo jeito. Se conscientizarem o pessoal lá de dentro [de Manaus] ‘pra’ não jogar lixo no rio, fica bom. Mas, enquanto não, não fica limpo”, pontuou.
NA ÁGUA, MAS SEM ÁGUA
Para Maria Antônia da Silva, a situação é um problema político e de administração pública. “A Prefeitura [de Manaus] não faz nada pela gente. Porque quando quer voto eles vêm aqui, a gente vota, e depois não tá nem aí para a gente. Eles já limparam agora essa semana aí em cima [na rua], mas aqui embaixo eles não vêm”, relatou.
Aos 55 anos, que completou no último Dia Internacional da Mulher e fez questão de ressaltar, Maria mora sozinha com o filho de 14 anos em uma casa flutuante. Desempregada e natural de Carauari, interior do Amazonas, ela vive em Manaus com auxílio do Bolsa Família.
Para ela, o maior problema de viver em meio ao lixo é a falta de água limpa. Mesmo tendo o Rio Negro, que abastece a capital,
Duas cidades
Para o sociólogo Luiz Antônio Nascimento, professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), o lixo na Manaus Moderna, assim como em outros pontos da capital, é uma das expressões daquilo que estudiosos têm afirmado há tempos: que Manaus é dividida em duas cidades. “A cidade limpa, uma cidade que tem serviços públicos etc., e a cidade abandonada, uma cidade negligenciada. E isso é intencional. É uma posição política das gestões de não dar atenção para essas pessoas, para esses lugares. Porque vão dizer assim: ‘eles é que são culpados por serem moradores ou usuários desses lugares, eles é que são geradores desse lixo, eles é que são responsáveis pela degradação desse espaço e, portanto, eles é que devem assumir as consequências’”, enfatizou Luiz Antônio.
Em conversa com a CENARIUM, ele lembrou de uma ocasião, quando chegou de viagem e desembarcou no Porto do São Raimundo. “Subi com um saco de lixo, do lixo que eu produzi durante a viagem. Bom, eu andei pelo menos uns 500 metros até chegar ao local que eu tinha que pegar o transporte e eu não encontrei nenhum cesto de lixo, nenhum contêiner para depositar aquele lixo”.
Confirmando, ainda, a fala dos moradores, o sociólogo contou que, de fato, uma parte importante de lixo que chega à orla de Manaus nem ao menos é produzida ali.
“Esse lixo é produzido nos igarapés de Manaus. Tarumã, Tarumã-Mirim e outros tantos. Moradores das comunidades que vivem nesses igarapés não têm coleta adequada de lixo. Eles consomem os produtos industrializados comprados em Manaus e lá nas suas comunidades não têm onde depositar e não têm uma coleta sistemática, regular e contínua. E o lixo vai bater no rio. Não estou falando a partir de uma impressão, existem estudos sobre”, explicou.
Luiz Antônio lembra também que as pessoas que vivem em meio ao lixo não se submeteram àquilo. “É a possibilidade que elas têm, de estarem ali. É ali que elas conseguem ter sociabilidade, é ali que estão os amigos, é ali que está a forma de vida delas, é ali que elas ganham dinheiro, prestando serviço. Elas não estão ali porque gostam de estar, no lugar sujo e poluído. O que a gente precisa fazer efetivamente, primeiro, é não aceitar isso como normal”, declara.

Maria Antônia estava de saída para comprar pão; para chegar à rua, ela atravessa o lixo com sua canoa, usando um galho como remo
Crédito: Luiz André Nascimento | Cenarium
como quintal, a dona de casa não consegue utilizá-lo devido à poluição. “A água aqui é difícil. A gente apara da chuva para lavar louça, lavar roupa”, disse, relatando ainda que, para beber, pega água de biqueiras no Centro de Manaus.
SEM RESPOSTA
A última limpeza realizada e divulgada pela Secretaria Municipal de Limpeza Urbana (Semulsp) nas águas da Manaus Moderna data de novembro do ano passado, segundo informações disponibilizadas no site da própria secretaria.
A CENARIUM entrou em contato com a secretaria para questionar pontos mais específicos, como dados sobre total de lixo retirado da orla do Porto 2024, se confirmam que o lixo tem origem, de fato, dos igarapés da cidade e quais ações a prefeitura tem tomado, ou pretende tomar, não apenas sobre os resíduos, mas sobre as pessoas que trabalham e moram ali. Até a publicação desta reportagem, porém, o órgão não havia se manifestado.

Amparadas
por lei, as pessoas afetadas diretamente por esse lixo podem recorrer a diversas instâncias no meio jurídico
“Todo ano é essa lixeira. A Prefeitura [de Manaus] vem, limpa, aí suja de novo. Não passa nem 15 dias e já fica assim. Basta dar uma chuva. Olha aí a imundice como tá aqui!”
Orlando Monteiro, de 70 anos, agricultor.
Violações de direitos ambientais e fundamentais
O advogado socioambientalista João Vitor Lisboa explicou que a poluição causada pelo lixo na Manaus Moderna é um problema sério de vários pontos de vista, uma vez que viola a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010) e da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998)
“Além disso, a Constituição Federal, em seu artigo 225, garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao poder público e à coletividade o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, disse.
Ele explica que a responsabilidade primária pela gestão e destinação adequada dos resíduos sólidos urbanos é da Prefeitura de Manaus, conforme o artigo 30, inciso V, da Constituição.
“O município deve garantir a coleta e o tratamento adequado do lixo, bem como a implementação de políticas públicas que evitem a degradação ambiental. No entanto, essa responsabilidade pode ser compartilhada com o governo estadual e federal, especialmente quando envolve a contaminação de corpos hídricos, além da possibilidade de responsabilização de empresas e comércios que contribuam para o descarte irregular”, afirmou.
O advogado destacou, ainda, que as pessoas afetadas diretamente por esse lixo podem recorrer a diversas instâncias no meio jurídico para exigir providências do poder público, como, por exemplo: ações coletivas ou individuais para responsabilizar o município pela omissão na gestão de resíduos sólidos; ação civil pública, que
pode ser proposta pelo Ministério Público ou Defensoria Pública para garantir medidas urgentes de limpeza e saneamento; denúncias aos órgãos ambientais, como o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), para que fiscalizem e apliquem sanções aos responsáveis.
“O Judiciário tem reconhecido, em diversas decisões, que o poder público pode ser responsabilizado pela omissão no gerenciamento adequado dos resíduos sólidos e pela degradação ambiental. Tribunais já determinaram que prefeituras devem adotar medidas emergenciais para solucionar problemas de poluição em corpos hídricos e comunidades afetadas, sob pena de multas e outras sanções”, lembrou.
Crédito: Luiz André Nascimento | Cenarium
Cheia avança no Amazonas

Mais de 340 mil pessoas estão sendo atingidas pela subida do nível das águas no Estado
Ana Pastana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – A cheia no Amazonas já impacta, diretamente, 343,7 mil pessoas. Ao todo, são 85.940 famílias atingidas em 29 municípios do interior que estão em estado de emergência. Outros 28 estão em estado de alerta, três em atenção e dois seguem na normalidade. As informações são do último boletim Operação Cheia 2025, divulgado pelo Governo do Amazonas, até o fechamento desta edição.
Dos 62 municípios do Amazonas, 57 declararam situação de emergência e alerta, sendo eles: Amaturá, Anamã, Apuí, Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Boca do Acre, Borba, Carauari, Careiro Castanho, Careiro
da Várzea, Eirunepé, Fonte Boa, Guajará, Humaitá, Ipixuna, Itamarati, Itapiranga, Japurá, Jutaí, Juruá, Manicoré, Maraã, Nova Olinda do Norte, Novo Aripuanã, Santo Antônio do Içá, São Paulo de Olivença, Tonantins e Urucurituba, todos estão em emergência.
Já os municípios de Alvarães, Anori, Autazes, Barreirinha, Beruri, Boa Vista do Ramos, Caapiranga, Canutama, Coari, Codajás, Iranduba, Itacoatiara, Lábrea, Manacapuru, Manaquiri, Manaus, Maués, Nhamundá, Novo Airão, Parintins, Pauini, Rio Preto da Eva, São Sebastião do Uatumã,
Casas de palafitas vistas de cima através de drone
Crédito:
Luiz
André
Nascimento
Cenarium
Silves, Tabatinga, Tapauá, Tefé, Uarini e Urucará estão em alerta.
Em atenção, estão os municípios de Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira. As cidades de Envira e Presidente Figueiredo estão em normalidade.
Conforme o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), a previsão para o fim do trimestre (abril, maio e junho) é de que as chuvas na região da Amazônia Legal estejam acima da média do centro-norte de Roraima ao norte do Amapá. Para a região do Amazonas, a previsão é de normalidade.
Conforme a meteorologista Andrea Mendes, a cheia na região do Amazonas é comum nesse período do ano. Ela explica que, entre o período de outubro até maio, quando as chuvas na região se intensificam, o fenômeno La Niña é um dos principais fatores que contribuem para o volume de água nos rios do Amazonas.
“Na Região Norte, nós temos dois períodos bem definidos: o período chuvoso e o menos chuvoso. Ele vai, geralmente, ali de outubro até maio, e o menos chuvoso vai de maio até início de outubro. Nos últimos
dois anos, estava havendo essa questão de El Niño, e isso refletiu nessa situação. Nos finais de 2024 para início de 2025, começou outro fenômeno, que é o La Niña, um sinal oposto ao El Niño. Ou seja, vai ter chuvas na Região Norte. É esperada climatologicamente essa tendência de chuvas nesse período. O que aconteceu nos últimos dois anos é que o El Niño ocasionou as secas observadas na região, principalmente no Amazonas”, explicou.
Segundo a Defesa Civil do Estado, a previsão é que a cheia permaneça até o mês de julho. “As nove calhas de rios do Amazonas seguem em processo de cheia, com picos variados previstos entre março e julho”, diz um trecho do Boletim Cheia.
SAÚDE
Alguns municípios também já recebem ajuda de medicamentos e atenção à saúde, além de alimentos e outros insumos. Conforme a Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM), 72 kits de medicamentos foram enviados aos municípios de Apuí, Boca do Acre, Manicoré, Humaitá, Ipixuna, Guajará e Novo Aripuanã, beneficiando mais de 35 mil moradores dessas cidades.
“É esperada, climatologicamente, essa tendência de chuvas nesse período. O que aconteceu nos últimos dois anos é que o El Niño ocasionou as secas observadas na região, principalmente no Amazonas”
Andrea Mendes, meteorologista.


Governo do Amazonas
anunciou que cirurgias eletivas serão realizadas em sete especialidades
Da Cenarium*
MANAUS (AM) – O governador Wilson Lima anunciou a realização de um mutirão de cirurgias eletivas no Amazonas, que vai disponibilizar mais de 40 mil procedimentos além da média habitual da rede pública estadual para pacientes agendados pelo Sistema de Regulação (Sisreg). O mutirão é mais uma ação estratégica do governo do Estado para ampliar o acesso da população a procedimentos nas especialidades de cirurgia geral (hérnia e vesícula), ginecologia, ortopedia, urologia, oftalmologia, proctologia e dermatologia.
“O objetivo do mutirão é reduzir o tempo de espera de um paciente para realizar um procedimento cirúrgico e encontrar
Mutirão de 40 mil cirurgias
um ponto de equilíbrio, e por isso estamos avançando. Esperamos que, lá na frente, não precisemos fazer um mutirão porque as unidades estarão a todo vapor com o Complexo Hospitalar Sul, o Hospital Adriano Jorge, o Delphina Aziz, o Francisca Mendes, fazendo com que os pacientes não esperem um ano, dois anos por um procedimento ou uma consulta”, afirmou o governador Wilson Lima.
Participaram do anúncio os deputados estaduais Dr. Gomes e Mayara Pinheiro; a secretária de Saúde do Amazonas, Nayara Maksoud; o procurador-geral, Giordano Bruno Costa da Cruz; a subdefensora-geral do Estado, Karol Santos; o presidente do Instituto de Desenvolvimento Ambiental, Social e Econômico dos Municípios do Amazonas (Idasemam), Frederico Júnior; além de representantes das unidades de saúde.
O anúncio foi feito diretamente da Fundação Hospital Adriano Jorge (FHAJ), uma das seis unidades da capital que receberão
o reforço cirúrgico. Na FHAJ, serão intensificadas as cirurgias de hérnia e vesícula biliar, além do volume já realizado rotineiramente.
Também participam do mutirão os hospitais Delphina Aziz, Fundação Alfredo da Matta (Fuham), Maternidade Chapot Prevost, Instituto da Criança do Amazonas (Icam) e Hospital Infantil Dr. Fajardo.
Entre junho e dezembro, estão previstas 30.150 cirurgias na capital. No interior, mais 10 mil procedimentos serão executados em parceria com as prefeituras, por meio de unidades hospitalares que recebem suporte do governo do Estado. Com o mutirão, o número total de cirurgias previstas para 2025 salta de 291.400 para 331.550.
A iniciativa integra o programa Saúde Amazonas e representa um investimento de R$ 186,6 milhões, sendo R$ 155,5 milhões oriundos do Tesouro Estadual e R$ 31 milhões de repasses federais.
Governador do Amazonas, Wilson Lima, abraça uma paciente durante o anúncio do mutirão de cirurgias
Crédito: Antônio Lima Secom
ESTRATÉGIA
A intensificação das cirurgias eletivas será possível graças ao pleno funcionamento dos centros cirúrgicos também no turno da noite, fins de semana e feriados. Além disso, será adotado o modelo de credenciamento por produção, permitindo que diferentes prestadores de serviço participem da ação, aumentando a capacidade de atendimento.
Na Fundação Adriano Jorge, os pacientes convocados para cirurgias de hérnia e vesícula já começaram a ser chamados desde o dia 30 de maio, via Sistema de Regulação (Sisreg). Eles passam por exames pré-operatórios, como ecocardiograma e raio-X, avaliação cardiológica e consulta
de retorno com o cirurgião, tudo realizado na mesma unidade.
“O governo do Estado tem tido esse olhar e esse cuidado com a saúde. Identificada essa demanda, nós temos agora a responsabilidade, por sermos um hospital de alta complexidade e termos estrutura, em atender essa demanda reprimida. Vamos seguir atendendo essas filas com o objetivo de equalizar a necessidade de saúde em relação à cirurgia”, afirmou o diretor-presidente da FHAJ, Ayllon Menezes.
O motoboy Bruno da Silva, de 35 anos, fez uma cirurgia de hérnia inguinal esquerda. Ele passou pelo procedimento e agradeceu pela iniciativa.

Crédito:

Crédito:
“O objetivo do mutirão é reduzir o tempo de espera de um paciente para realizar um procedimento cirúrgico e encontrar um ponto de equilíbrio, e por isso estamos avançando”
Wilson Lima, governador do Amazonas.
“Estou me sentindo muito bem. Foi muito importante fazer essa cirurgia porque é uma enfermidade que limita a gente de fazer as coisas, e hoje eu estou bem, graças a Deus. Primeiramente, agradeço a Deus, pela oportunidade, e ao governador (Wilson Lima), por dar essa iniciativa e nos ajudar a melhorar de vida”, disse.
CONVOCAÇÃO DOS PACIENTES
Os pacientes com solicitações registradas no Sistema de Regulação serão convocados por meio da Assistente Virtual do Programa Saúde AM Digital, via WhatsApp, pelo número (92) 3190-1504. É essencial que o paciente responda à mensagem da assistente para garantir o agendamento. Após a confirmação, os pacientes serão triados e passarão por exames; se considerados aptos, já serão encaminhados para a cirurgia.
OPERA+ AMAZONAS
Lançado em 2021, pelo governador Wilson Lima, o Opera+ Amazonas visa ampliar o acesso a cirurgias eletivas e reduzir a demanda reprimida por procedimentos no Estado. A iniciativa é um dos pilares do Programa Saúde Amazonas e reforça a atuação do governo do Estado na modernização e humanização do atendimento em saúde.
(*) Com informações da Assessoria.
Anúncio do mutirão foi feito pelo governador do Estado, Wilson Lima
Motoboy Bruno da Silva, de 35 anos, fez uma cirurgia de hérnia inguinal esquerda

CENARIUM no Festival 3i
Veículo de comunicação com foco na Amazônia foi um dos destaques do evento que reconhece Jornalismo
Inovador e Inspirador
Ana Pastana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – A Associação de Jornalismo Digital (Ajor) promoveu, entre os dias 5 e 8 de junho, a 6ª edição nacional do Festival de Jornalismo
Inovador, Inspirador e Independente (Festival 3i), na Faculdade ESPM Vila Aymoré, no Rio de Janeiro (RJ). A programação contou com cerca de 100 atividades, com mais de 120 palestrantes de diversas regiões do País e do mundo, entre eles jornalistas da CENARIUM.
O evento promoveu debates sobre o futuro do jornalismo a partir de inovações, diversidades, tecnologias contemporâneas e ancestrais, colaboração e liberdade. A CENARIUM, uma das colaboradoras da 6ª edição e convidada a participar do evento,
teve como representantes a jornalista e analista de mídias sociais Maria Eduarda Furtado e a diretora-geral Paula Litaiff, que também foi palestrante.
Maria Eduarda participou de um case com o tema “A chegada de brasileiros deportados dos EUA”. O vídeo publicado com exclusividade pela CENARIUM, em janeiro deste ano, mostrou imigrantes deportados do país americano desembarcando no Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, na capital Manaus (AM), algemados.
Maria Eduarda levou ao público os bastidores da apuração da reportagem que ganhou repercussão nacional e internacional. “Eu não esperava que tanta gente fosse querer saber os bastidores daquela apuração. Não que eu esteja diminuindo o meu trabalho, mas era inimaginável que uma instituição como a Ajor fosse querer que eu abordasse o assunto em um evento tão grande. Fiquei muito honrada, acho que é importante falarmos sobre a violação dos direitos humanos que ocorreu
quando os deportados chegaram aqui [em Manaus]”, disse.
A diretora-geral da CENARIUM, Paula Litaiff, participou da mesa “Dados & Tendências: Violência Política e de Gênero contra Mulheres Indígenas em Manaus”. Fundadora da CENARIUM , veículo de comunicação especializado em temáticas socioambientais com foco nos povos tradicionais, Paula abordou a trajetória de lideranças femininas de diversas etnias que vivem no Parque das Tribos, um dos maiores bairros indígenas do Brasil, localizado em Manaus (AM).
“A pesquisa surgiu a partir de reportagens realizadas pela CENARIUM, que revelaram a realidade de mulheres responsáveis pela fundação de uma comunidade indígena em Manaus, dentro da perspectiva do conceito de ‘corpo-território’, cunhado pela primeira escritora indígena do Brasil, Eliane Potiguara, em 2004”, explicou Litaiff.
A vice-presidente da Ajor, Vitória Régia da Silva, agradeceu a presença da CENARIUM e ressaltou a necessidade de dar
Equipe da CENARIUM, com sede em Manaus (AM) e repórteres em Belém (PA) e Brasília (DF)
Crédito:
Composição Lucas Oliveira
Cenarium
Com ingressos esgotados, a 6ª edição do Festival 3i teve como um dos temas a Inteligência Artificial (IA). A mesa de abertura, no dia 5 de junho, levou especialistas para discutirem possíveis cenários de inovações e uso dessa ferramenta em redações de veículos de comunicação.
Participaram da mesa de abertura Karen De La Hoz, responsável de Produto e líder de IA no veículo colombiano La Silla Vacía; Ana Paula Valacco, gerente de programa e líder de engajamento na JournalismAI; e Juan Pablo Marín Díaz, cientista de dados e fundador da Datasketch, que cria ferramentas de IA para ajudar jornalistas.
Além dos formatos tradicionais das últimas edições do Festival 3i, como mesas, cases, oficinas, dados e tendências, o Festival 3i 2025 também contou com
visibilidade ao jornalismo produzido na Amazônia.
“Um espaço como o do Festival 3i, organizado pela Ajor, precisa trazer o protagonismo dos jornalistas e da comunicação que vêm do Norte, que vêm da Amazônia, que estão há muito tempo pautando uma comunicação antirracista, que parte do território, que fala sobre os corpos e a vida das pessoas da Amazônia, mas que por muito tempo ficou invisibilizada. Então, é função da Ajor fazer essa conexão, fortalecer essas trocas e ajudar a trazer visibilidade para o trabalho tão importante que vocês já fazem no território”, afirmou Vitória.
A coordenadora de projetos da Ajor, Gessika Costa, ressaltou a importância do evento e o que representa a participação da CENARIUM, um veículo de comunicação da Amazônia, no Festival 3i.
“O Festival 3i é o festival das oportunidades, uma vez que reúne, durante três dias, empreendedores de mídia, estudantes e pesquisadores que buscam trocar experiências, aprender novas práticas e traçar caminhos para garantir que o jornalismo inovador, inspirador e independente continue vivo, contando histórias e inspirando outros profissionais”, declarou. “A presença da CENARIUM no evento é crucial porque contribui para inspirar outras iniciativas amazônidas a crescerem, florescerem e ocuparem espaço”, concluiu.
Festival 3i
uma nova atividade, chamada “Diálogos e Tendências”, em que dois debatedores abordaram um tópico específico a partir de pesquisas e experiências.
Um dos destaques do formato foi a sessão “Influência, opinião e jornalismo: novos caminhos em tempos de algoritmos”, com o jornalista Guilherme Amado, publisher do Amado Mundo e colunista do Platô, e o jornalista e pesquisador da Universidade Federal Fluminense, Gilberto Scofield. Os especialistas conversaram sobre as figuras dos newsfluencers na disseminação de informação e como os algoritmos moldam a opinião pública.
As oficinas trouxeram uma experiência prática aos participantes, como formulação de modelos de conversão e monetização de audiência, criação de conteúdos

para YouTube e TikTok, gestão financeira, boas práticas para newsletter, estratégias para conteúdo centrado na audiência e pesquisa de personagens para produção de materiais jornalísticos.
Todas as mesas da programação do evento, realizadas no auditório da ESPM, foram transmitidas em tempo real pelo canal do YouTube do Festival 3i.
O evento contou com o apoio de empresas como: CENARIUM; Ford Foundation; Serrapilheira; Great; International Fund (IF); Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio (ITS); Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor); CFPJor ESPM; ESPM; e Aos Fatos. Além disso, o Google News Initiative, Luminate, ICFJ, JournalismAI, Pulitzer Center, Sembramedia e o Greenpeace foram parceiros desta 6ª edição.

Ajor
A Associação de Jornalismo Digital (Ajor) fomenta o campo jornalístico, fortalecendo suas associadas e defendendo uma imprensa mais livre, diversa e plural, visando promover o jornalismo de qualidade e de interesse público, a liberdade de expressão e de imprensa. Atua como centro de discussão para promover o fortalecimento institucional e financeiro das associadas, bem como presta apoio às associadas quanto à segurança jurídica e digital.
A Ajor foi fundada a partir da união de um grupo de organizações que promoviam juntas, desde 2017, o Festival 3i – Jornalismo Inovador, Inspirador e Independente.
Entre 2017 e 2019, as duas edições nacionais e três edições regionais do festival receberam mais de 1.300 profissionais e estudantes, e alcançaram uma audiência online de mais de 140 mil pessoas.
Em 2020, com apoio do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, a partir de uma doação do Google, as organizações fundadoras do 3i iniciaram os debates sobre a necessidade de criar uma associação para defender não apenas seus interesses, mas fomentar e defender o campo do jornalismo no Brasil. A Ajor foi fundada em 3 de maio de 2021, Dia Internacional da Liberdade de Imprensa.
A diretora-geral da CENARIUM, Paula Litaiff (esquerda), e a jornalista Maria Eduarda Furtado (direita), durante o Festival 3i
Crédito: Divulgação Cenarium
Crédito: Divulgação Cenarium

‘Não foram silenciados’
Univaja publica manifesto ao relembrar três anos das mortes de Bruno e Dom no Dia Mundial do Meio Ambiente
Ana Pastana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), junto a 49 entidades, jornalistas e personalidades, divulgou, no dia 5 de junho, quando se celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente, um manifesto em memória ao indigenista Bruno Pereira e ao jornalista britânico Dom Phillips, no Amazonas, assassinados em 5 de junho de 2022. As mortes completaram três anos.
O “Manifesto — Três anos sem Bruno e Dom” lembra a data que marca o desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips nas proximidades da Terra Indígena Vale do Javari, no município de Atalaia do Norte, distante 1.136 km de Manaus, no Amazonas, enquanto realizavam uma investigação na região.
Há três anos, em 5 de junho de 2022, a imprensa local, nacional e internacional repercutia o desaparecimento e, dias depois, o encontro dos corpos de Bruno e Dom. Conforme o inquérito da Polícia Federal (PF), os dois foram mortos por vingança relacionada às fiscalizações ambientais que Bruno realizava na região do Vale do Javari.
De acordo com o manifesto, Bruno e Dom continuam presentes em quem protege as florestas, no silêncio resistente de quem cuida da terra e no gesto de cada um que, mesmo diante do medo, escolhe a coragem.
“Hoje, neste 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, três anos após a tragédia no Vale do Javari, não lembramos apenas dois nomes — lembramos de uma causa. De uma luta. De uma promessa: a de que a floresta ficará de pé. De que os povos indígenas viverão com dignidade, respeito e liberdade”, diz um trecho do manifesto.
O documento cita outros defensores ambientais assassinados na Amazônia: “As vozes e as ideias de Bruno e Dom não foram silenciadas. Elas ecoam na história de
Maxciel Pereira dos Santos. Ecoam na luta de Ari Uru-Eu-Wau-Wau. Na fé e bravura de Dorothy Stang. Na memória viva de Emyra Wajãpi, Mãe Bernadete e Chico Mendes, e tantos outros que morreram lutando”.
O manifesto cobra a proteção dos “guardiões da floresta”, lembrando que o País sedia, neste ano, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30). “Neste ano em que o Brasil se prepara para sediar a COP30, o mundo nos olha. E nós exigimos mais que promessas. Exigimos proteção para os guardiões da floresta. Exigimos ações reais, urgentes e transformadoras”, afirma o documento.
Por fim, as entidades, jornalistas e personalidades ressaltam que Bruno Pereira e Dom Phillips estão presentes “em cada palavra livre, em cada reportagem corajosa, em cada ato de resistência, em cada defesa da democracia, dos direitos humanos e da liberdade de imprensa”. O documento encerra afirmando que eles são lembrados com dor, mas com orgulho, e que o que fizeram não foi em vão.
O indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips Manifesto divulgado pela Univaja
Crédito: Foto de Reprodução Bárbara Arisi | Reprodução Redes Sociais | Composição de Lucas Oliveira Cenarium
ENTENDA O CASO
O jornalista Dom Phillips chegou ao município de Atalaia do Norte no início de junho de 2022 com o objetivo de entrevistar lideranças indígenas e povos tradicionais da região para um livro-reportagem que estava produzindo. Essa não era a primeira vez que Phillips visitava o local.
Por sua vez, o indigenista Bruno Pereira era ex-servidor da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Bruno estava licenciado pelo órgão desde o início de fevereiro de 2020 e era servidor de carreira da fundação, mas foi dispensado da Coordenação-Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato quatro meses antes do crime.
À frente de projetos que buscavam garantir às comunidades proteger territórios e os recursos naturais neles existentes, o indigenista chegou a receber mais de uma ameaça de morte, devidamente relatada ao Ministério Público.
O ASSASSINATO
Em 3 de junho de 2022, Bruno e Dom deixaram o município de Atalaia do Norte, utilizando uma lancha a motor que pertencia à Univaja, para se reunir com lideranças de cinco comunidades localizadas fora do território indígena. Após cumprir os compromissos, a dupla deixou o local no dia 5 de junho pela manhã, com destino à comunidade São Rafael, onde Bruno se encontraria com o líder comunitário conhecido como “Churrasco”.
De acordo com informações repassadas à imprensa na época, Bruno, por segurança, comunicava antecipadamente à Univaja sobre toda e qualquer movimentação que seria realizada por ele. Nesse dia, ele e Dom pretendiam navegar cerca de 72 quilômetros, equivalente a duas horas, o que não aconteceu.
Bruno e Dom desapareceram logo após serem vistos navegando nas proximidades da comunidade São Gabriel, povoado vizinho a São Rafael, comunidade onde a dupla esteve pela última vez. Após horas sem comunicação, a Univaja acionou equipes mais próximas para que realizassem buscas por Bruno e Dom.
A INVESTIGAÇÃO
Dez dias depois do desaparecimento, policiais federais localizaram “remanescentes humanos” em um ponto de difícil
acesso indicado por Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como “Pelado”, detido no dia 7 daquele mês, após a Polícia Civil do Amazonas (PC-AM) chegar ao nome dele por meio de depoimentos de testemunhas. Ele foi o primeiro suspeito, na época, a ser identificado. Dois dias depois, peritos da PF confirmaram que ao menos parte dos vestígios humanos encontrados era de Bruno e Dom.
Inicialmente, “Pelado” negou envolvimento com o desaparecimento de Bruno e Dom, mas, além do testemunho de pessoas que afirmaram ter presenciado ameaças dele ao jornalista e ao indigenista, peritos da PF identificaram vestígios de sangue no barco que ele usava no dia em que a dupla desapareceu.
Bruno foi morto com três tiros, sendo um deles pelas costas, sem qualquer possibilidade de defesa. Já Dom foi assassinado apenas por estar com Bruno, de modo a assegurar a impunidade pelo crime anterior.
Diante dos indícios, “Pelado” acabou admitindo ter participado dos assassinatos e da ocultação dos cadáveres do indigenista e do jornalista, indicando o local onde os corpos da dupla estavam enterrados. As informações levaram às prisões do irmão de “Pelado”, Oseney da Costa de Oliveira, o “Dos Santos”, detido no dia 14 de junho, e à expedição de um mandado de prisão contra Jefferson da Silva Lima, o “Pelado da Dinha”, que se entregou à Polícia Civil em Atalaia do Norte quatro dias depois.
CONCLUSÃO
A investigação da PF, que durou mais de dois anos, resultou no indiciamento de nove suspeitos. Conforme destacado no relatório final, a PF identificou o mandante do crime como Ruben Villar, conhecido como “Colômbia”, afirmando que ele financiou e forneceu recursos, incluindo cartuchos de munição, para a execução do duplo homicídio.
Além disso, de acordo com a polícia, ele coordenou a ocultação dos corpos de Bruno Pereira e Dom Phillips. Os demais envolvidos atuaram tanto na execução direta dos assassinatos quanto no encobrimento dos cadáveres das vítimas.
A investigação também expôs a atuação de uma organização criminosa na área do
município de Atalaia do Norte, ligada à pesca e caça predatórias, cujas atividades ilegais afetam diretamente o meio ambiente e as populações indígenas da região.
Amarildo e Jefferson confessaram e deram detalhes sobre o crime em seus depoimentos iniciais à polícia e à Justiça, o que foi confirmado por testemunhas e pelas provas presentes nos autos.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), já havia registro de desentendimentos entre Bruno e Amarildo por pesca ilegal em território indígena. O que teria motivado os assassinatos foi o fato de Bruno ter pedido para Dom fotografar o barco dos acusados.
O MPF também recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que um dos três acusados de participação nos assassinatos de Bruno e Dom fosse levado a júri popular. O pedido para reconsiderar a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que beneficiou Oseney da Costa de Oliveira, foi apresentado em janeiro deste ano.
Conforme o argumento do MPF, testemunhas ouvidas durante o processo colocam o pescador na cena do crime. As investigações apontaram que Oseney encontrou o irmão dele, Amarildo da Costa de Oliveira, no dia e na hora dos assassinatos. A instituição também menciona que Jefferson da Silva Lima confessou que Amarildo convocou o irmão e outros parentes para que fossem atrás de Bruno Pereira.
Para o MPF, Oseney tem participação no crime e deve ser julgado pelo júri, assim como os réus Amarildo e Jefferson, que respondem pelos crimes de duplo homicídio qualificado e ocultação de cadáver. O órgão alega, por meio da Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR1), que a decisão do TRF1 violou os artigos 413 e 414 do Código de Processo Penal (CPP), pois há provas que justificam o julgamento de Oseney por júri popular.
Amarildo e Jefferson serão julgados por duplo homicídio qualificado e pela ocultação dos cadáveres das vítimas. Os dois continuam presos. Quanto a Oseney, ele aguarda a finalização do julgamento do caso em prisão domiciliar, com monitoramento eletrônico.

Uma ópera cabocla
Milton Cunha, em parceria com a UEA, lança programa ‘Toada do Milton’, projeto que resultará no terceiro pósdoutorado do carnavalesco e pesquisador
Ana Pastana – Da Cenarium*
MANAUS (AM) – A Universidade do Estado do Amazonas (UEA), em imersão na tradição da maior festa folclórica a céu aberto do mundo, o Festival de Parintins, apresenta, pela primeira vez, um programa de TV, ao vivo, durante o 58° festival, apresentado pelo artista, carnavalesco, mestre e doutor em Letras Milton Cunha. O projeto é chamado Toada do Milton.
Além da valorização da cultura popular, o projeto também traz uma extensão universitária que culminará no terceiro pós-doutorado do professor Dr. Milton, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e com o Museu Nacional. A parceria resultará na criação do livro A Ópera Cabocla.
“Quando a universidade me ligou, há seis meses, me perguntando: ‘Você gostaria de participar de um projeto popular na praça?’, eu disse ‘sim’, e ‘eu vou transformar isso no meu terceiro pós-doutorado’. Eu tinha um sonho antigo de escrever o livro A Ópera Cabocla. Essa ópera cabocla [o projeto] está comigo desde 2007. Quando surge o convite, eu digo: ‘É agora. Eu vou botar a Universidade Federal do Rio de Janeiro em parceria com a Universidade do Estado do Amazonas, e vamos produzir esse conteúdo acadêmico, mostrando a estrutura narrativa do boi’”, disse Milton Cunha à CENARIUM.
O artista também agradeceu o convite para participar de um projeto pioneiro da universidade estadual. “A alegria de voltar
Milton Cunha é artista, carnavalesco, mestre e doutor em Letras
Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium
a Parintins e me deparar, novamente, com a opulência da manifestação dos bumbás agora está acrescida desse orgulho de estar num projeto acadêmico popular que lança luz sobre os outros horários da ilha. Feliz de estar participando disso, de levar para o Brasil essa riqueza de pensamentos sobre quem está ali, no entorno do espetáculo dos bois. Será um espaço de outra fala, outra visão”, pontuou.
Para o reitor da UEA, Prof. Dr. André Zogahib, a ação do projeto de extensão da universidade no Festival Folclórico de Parintins vai movimentar o município durante a festa dos bumbás. “É com muita honra que anuncio a presença do artista Milton Cunha que, além de ser carnavalesco, reconhecido e renomado nacionalmente, tem uma série de formações acadêmicas. Inclusive, ele é doutor, com pós-doutorado em diversas segmentações culturais, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, da qual ele também é professor. Então, o acadêmico Milton Cunha estará presente nesse grande movimento festivo e cultural que é o Festival de Parintins”, declarou.
UEA
Por sua vez, a UEA vai contribuir com o projeto por meio da transmissão do programa ao vivo. Além disso, os visitantes que estiverem no Festival de Parintins poderão conhecer um pouco mais dos projetos
de pesquisa realizados pela universidade pública do Amazonas.
“A Universidade do Estado traz Milton Cunha a partir de uma ação de extensão universitária que culmina no terceiro pós-doutorado do professor, doutor Milton Cunha, em que ele vai tratar dessa Ópera Cabocla a partir do Labedis, o Laboratório de Estudos de Discurso, Imagem e Som da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Museu Nacional. Então, é sobre essa face do carnavalesco, do pesquisador, do estudioso das festas populares que esse projeto se inscreve”, afirmou o pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários (Proex) da UEA, Darlisom Ferreira.
Darlisom afirma ainda que a UEA vai disponibilizar um estande com informações sobre a universidade, por meio da Escola de Artes e Turismo. “Claro que, além da presença marcante do Milton, a universidade terá um lindo estande de estúdio, onde apresentará as ações da universidade por meio da Escola de Artes e Turismo da UEA — na dança, na música, no teatro — que são cursos ofertados pela Universidade do Estado do Amazonas. E, em ano de COP30, a universidade também vai levar seus projetos do campo da sustentabilidade e desse clamor de preservação da vida articulado ao folclore, à arte e à cultura parintinense”, explicou.

Toada do Milton
O programa será transmitido ao vivo, da Praça da Catedral, em Parintins, nos dias 27, 28 e 29 de junho, durante o 58° Festival Folclórico. Com duração de três horas, Toada do Milton terá início às 13h, pelo canal oficial da UEA no YouTube, com diversos quadros pensados para regionalizar as entrevistas e transportar os convidados a uma viagem pela história dos bumbás Caprichoso e Garantido, além de outros setores da cultura Tupinambarana.
Milton Cunha receberá os convidados em um estúdio projetado para que, além dos telespectadores do canal, os visitantes da ilha também possam acompanhar tudo de perto, vivenciando o clima de festividade que invade Parintins no mês de junho e que, agora, fará parte do programa Toada do Milton.
O projeto Parintins de 2025 marca a presença da UEA, com expressão nacional, a partir da participação de Milton Cunha, ícone da cultura nacional e um estudioso das festas populares do Brasil. Após atravessar o País inteiro, passando pela festa de Campina Grande, São João do Maranhão e Carnaval, o artista trará para Parintins o seu currículo e sua trajetória, mergulhando no cenário amazônico.
O programa Toada do Milton, além de ser uma ferramenta que mostrará a importância da formação de pesquisa de extensão universitária no cotidiano do festival, da produção e difusão da cultura e do conhecimento e da expressão folclórica da universidade para a Região Norte, por meio de um grande pesquisador, servirá como base para a produção do terceiro pós-doutorado de Milton Cunha, pelo Museu Nacional e Laboratório de Estudos do Discurso, Imagem e Som (Labedis).
Além do programa Toada do Milton, a UEA fará, na mesma estrutura do estúdio, uma exposição universitária com projetos desenvolvidos por professores, alunos e colaboradores da instituição durante os 25 anos de fundação da universidade.
(*) Com informações da assessoria da UEA.
Milton Cunha, o reitor da UEA, André Zogahib, e o secretário de Cultura do Estado, Caio André
Crédito: Ricardo Oliveira
Cenarium
Sustentável e eficiente
Curativo feito a partir de resíduos da pesca mostra boa capacidade de cicatrização
Alessandra Leite – especial para a Cenarium
São Paulo (SP) – Produzido a par tir de materiais sustentáveis e com potencial de acelerar a cicatrização, um curativo que pode ser fabricado na Região Norte e em outras localidades, à base de derivados de resíduos da indústria pesqueira, foi desenvolvido por pesquisa dores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade Federal de Lavras (UFLA), como alternativa às bandagens importadas utilizadas pelo Sis tema Único de Saúde (SUS). O estudo foi publicado no dia 2 de maio deste ano, na revista Materials Research.
A dependência da importação enca rece o tratamento e torna o sistema mais vulnerável a crises globais de abasteci mento. Batizado de CH50BGF, o curativo foi desenvolvido em formato de espuma e combina quitosana – um polímero natural proveniente da indústria pesqueira – com micropartículas de vidro bioativo, mate rial cerâmico já utilizado em aplicações biomédicas.
Segundo a autora do estudo, Talita Mar tins, doutora em Engenharia Metalúrgica,

A quitina, usada na composição do curativo, custa cerca de R$ 20 por unidade,
Materiais e Minas, da UFMG, além de favorecer a produção sustentável e local, a combinação confere alta capacidade de absorção de exsudatos, líquidos liberados por feridas, e promove a cicatrização. Nos testes laboratoriais, o CH50BGF demonstrou capacidade de absorção de líquidos de até 160% em 24 horas, desempenho considerado superior ao de muitos curativos comerciais disponíveis no mercado.
“A tecnologia também pode ser personalizada para diferentes níveis de secreção, como queimaduras de terceiro grau ou lesões por pressão. Nossos protótipos com a quitosana grau-médico produzida na UFMG têm apresentado resultados ainda melhores. Além disso, o custo estimado é
“A
tecnologia também pode ser personalizada para diferentes níveis de secreção, como queimaduras de terceiro grau ou lesões por pressão”
Talita Martins, autora do estudo, doutora em Engenharia Metalúrgica, Materiais e Minas da UFMG.

enquanto os similares estrangeiros variam entre R$ 50 e R$ 80. Outro diferencial significativo, segundo a autora, é o fato de ser produzido com resíduos da pesca, tornando o produto mais sustentável, enquanto os importados geralmente utilizam materiais derivados de petróleo.
A quitosana, conforme a publicação, atua como antimicrobiano natural, mantendo a umidade ideal para a regeneração do tecido e inibindo infecções, enquanto o vidro bioativo libera íons que estimulam a formação de novos vasos sanguíneos e a produção de colágeno, acelerando o fechamento da ferida.
“Esse resultado reforça a possibilidade de conciliar sustentabilidade e alto desempenho, não apenas garantindo a porosidade necessária para a absorção, mas também preservando a integridade estrutural do curativo, mesmo em condições de saturação. Para um projeto voltado à substituição de insumos importados, esse resultado demonstra a viabilidade técnica de uma alternativa nacional, com potencial para reduzir custos e ampliar o acesso a tecnologias no SUS”, afirma Eduardo Nunes, doutor em Metalúrgica e de Materiais e coordenador do estudo.
Em termos de viabilidade, segundo Nunes, o curativo nacional pode ser até
40% mais econômico em comparação aos equivalentes importados, especialmente por utilizar resíduos da indústria pesqueira que totalizam pelo menos dez toneladas por ano no País, sendo uma opção benéfica ao meio ambiente. “Tudo isso é relevante diante da grande demanda do SUS, que precisa de 5 milhões de curativos por ano para o tratamento de feridas crônicas”, enfatiza.
FORTALECIMENTO DE CADEIAS LOCAIS
Em um plano mais amplo, conforme o estudo, a proposta fortalece cadeias locais de inovação, integrando setores de pesquisa, indústria e agricultura. “É uma abordagem que vem aliviar a pressão sobre os recursos públicos e abrir caminho para políticas de saúde mais resilientes, capazes de enfrentar crises globais sem depender de mercados externos”, afirma Talita Martins. Atualmente, a equipe trabalha para consolidar toda a cadeia produtiva, da obtenção da matéria-prima à padronização do produto final, envolvendo o aperfeiçoamento de processos sustentáveis de extração e purificação a partir dos resíduos da pesca. “O nosso intuito é estabelecer um protocolo robusto, que coloque Minas Gerais como referência nacional na obtenção dessa biomolécula”, ressalta.
Esse resultado reforça a possibilidade de conciliar sustentabilidade e alto desempenho”
Eduardo Nunes, doutor em Metalúrgica e de Materiais e coordenador do
Crédito: Divulgação
Apropriação não é valorização
Tito Menezes
Nos últimos anos, e com mais intensidade nos últimos meses, temos observado uma movimentação preocupante por parte das associações folclóricas de Parintins. Para tentar apagar um passado marcado pela apropriação das culturas indígenas, surgem narrativas forjadas: itens com “origens indígenas” fabricadas e até membros de diretoria que, de um dia para o outro, passam a se declarar indígenas, como num passe de mágica.
Isso não é representatividade. É maquiagem. É uma visibilidade seletiva, oportunista, que não condiz com a grandeza e a responsabilidade que o Festival de Parintins deveria honrar.
Mais grave ainda: a 30 dias do festival, um membro do Conselho de Artes do Caprichoso, que havia levado o boi à minha aldeia, dançado conosco, compartilhado nossa hospitalidade, votou contra a proposta de inclusão de um assento com voz e voto para o povo Sateré-Mawé no Conselho Municipal de Cultura. Um gesto
contraditório e revelador, que escancara como a presença indígena é, muitas vezes, bem-vinda apenas enquanto cenário, e não como sujeito político e cultural.
Não se pode aceitar que, em pleno 2025, ainda sejam os brancos, e não os povos indígenas, que determinem quem pode ou não ocupar espaços de fala, decisão e representação. Isso é desrespeitoso. Isso é colonização travestida de espetáculo.
Garantido e Caprichoso — e aqui me refiro tanto às diretorias eleitas quanto às não eleitas — precisam escutar com humildade quem carrega essa história no sangue, na memória e na luta. Representatividade não se inventa no papel: se constrói com verdade, escuta e respeito.
Transformar os direitos indígenas em adereço para selfie é um desserviço. Nem tudo que brilha no bumbódromo é cultura. Às vezes, é só desrespeito iluminado por LED.
Sou Tito Menezes, 1º advogado Sateré-Mawé, sócio do Boi Garantido,

brincante desde a infância e morador do Quilombo da Baixa, em Parintins. Já atuei na defesa de organizações indígenas locais, regionais e nacionais, inclusive no Supremo Tribunal Federal, no julgamento contra o Marco Temporal na demarcação de terras indígenas. Sou secretário-geral da OAB Parintins e já atuei como membro consultor das comissões da OAB dedicadas à defesa dos direitos dos povos indígenas. Falo com o compromisso de quem vive, conhece e luta por essa causa com raízes, memória e responsabilidade.
(*) Tito Menezes é o primeiro advogado da etnia Sateré-Mawé, morador do Quilombo da Baixa, em Parintins (AM). Atuou na defesa de organizações indígenas locais, regionais e nacionais, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento contra o Marco Temporal na demarcação de terras indígenas. É secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil em Parintins e já atuou como membro consultor das comissões da OAB dedicadas à defesa dos direitos dos povos indígenas.

Crédito: Acervo Pessoal
Opinião não substitui evidência: falas de deputados da Aleam sobre a BR-319 contrariam o consenso científico
Lucas Ferrante
Arepercussão do embate envolvendo a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, no Senado, chegou à Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam), onde parlamentares utilizaram seus discursos para defender a pavimentação da BR-319 e atacar a ministra. Como pesquisador com extensa produção científica sobre os impactos socioambientais dessa rodovia, venho responder tecnicamente, com base em evidências, às falas proferidas por esses deputados estaduais.
O deputado estadual João Luiz (Republicanos) usou a tribuna da Assembleia Legislativa do Amazonas para defender os senadores Omar Aziz e Plínio Valério, elogiando sua atuação no recente embate com a ministra Marina Silva no Senado. Em seu discurso, o parlamentar criticou os dados apresentados pela ministra sobre o colapso de oxigênio em Manaus, afirmando que “não foram seis óbitos, mas mais de 15 mil”, e mostrou imagens de caminhões atolados na BR-319 para ilustrar a precariedade da rodovia. O parlamentar ainda rejeitou a comparação com o Estado natal da ministra, argumentando que “o Estado da ministra tem ruas pavimentadas que dão acesso ao restante do Brasil”, e apresentou uma moção de parabenização aos senadores amazonenses pela postura no Senado. Como pesquisador que liderou os alertas científicos sobre a segunda onda de Covid19 em Manaus, causa espanto ouvir do deputado João Luiz uma defesa cega de narrativas políticas que ignoraram, à época, os avisos da ciência. Onde estava o deputado quando, ainda em junho de 2020,
alertamos por meio de nota técnica solicitada pelo Ministério Público do Amazonas (MP-AM) sobre a iminência de uma nova onda mais letal da pandemia? Onde estavam seus questionamentos quando essa advertência foi reforçada nacionalmente no Jornal Nacional, publicada na revista Nature Medicine e apresentada na própria Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam) meses antes da tragédia se consumar? As mortes não ocorreram por falta da BR-319, mas sim por negligência — inclusive da Aleam — ao ignorar os alertas técnicos, e por parte do governo federal da época, que optou por uma logística mais lenta, cara e ineficaz: os caminhões atolados na rodovia precária que, agora, são exibidos por deputados como argumento político.
A comparação com o Estado de origem da ministra Marina Silva não apenas desvia o foco da responsabilidade local como ignora que a verdadeira conexão de Manaus com o Brasil sempre foi fluvial e aérea. Como demonstramos em artigo científico no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities, a escolha da BR-319 para transporte de oxigênio não foi uma solução emergencial, mas sim uma manobra de propaganda política que custou centenas de vidas, ampliou desigualdades e agora é usada como justificativa para obras que representam uma ameaça ambiental, sanitária e aos povos indígenas do Amazonas. O povo do Amazonas merece políticas públicas baseadas em evidências, não em oportunismo político.
Na mesma sessão, o deputado Carlinhos Bessa (PV) minimizou os impactos ambientais da pavimentação da BR-319

com um argumento reducionista: “Até meu filho de 12 anos sabe que os crimes ambientais acontecem muito mais agora do que se a BR-319 já estivesse asfaltada”. Tal afirmação ignora completamente o corpo de evidências produzido por estudos científicos revisados por pares que mostram exatamente o oposto. Em artigo publicado na Land Use Policy, demonstramos que a mera expectativa de pavimentação da BR-319 já provocou um aumento expressivo do desmatamento ao longo de seu traçado, inclusive dentro de áreas protegidas. Desde o início das obras de “manutenção” da rodovia em 2015, a taxa de desmatamento nas proximidades da BR-319 mais que dobrou, e áreas antes intactas passaram a ser alvo de grilagem, queimadas e ocupações ilegais. A ideia de que o asfalto traria ordem ignora o padrão histórico da Amazônia, em que toda rodovia aberta tem servido como vetor de destruição florestal, avanço da fronteira agropecuária e pressão sobre Terras Indígenas e Unidades de Conservação, como evidencia o Atlas da Amazônia Brasileira. O papel do legislador não é simplificar problemas complexos com frases de efeito, mas sim enfrentar a realidade com base em dados técnicos e responsabilidade intergeracional.
Já o deputado Comandante Dan (Podemos) criticou a cobertura da mídia sobre o embate envolvendo a ministra Marina Silva, afirmando que “alguns veículos de comunicação desconsideraram a nossa realidade”, e reforçou a defesa da pavimentação da BR-319 com a frase: “Nós aqui do Amazonas precisamos de soluções”. De fato, o Amazonas precisa de soluções — mas elas
Crédito: Acervo Pessoal
devem ser eficazes, sustentáveis e baseadas em evidências. Pavimentar a BR-319 não representa uma solução real para os desafios econômicos e logísticos da região. Após seu abandono em 1988 por falta de viabilidade econômica, o Estado do Amazonas viveu seu maior ciclo de crescimento econômico, com destaque para o fortalecimento do Polo Industrial de Manaus (PIM), que em 2023 alcançou um faturamento recorde de R$ 173,47 bilhões, empregando mais de 100 mil pessoas diretamente — tudo isso sem a BR-319 asfaltada. O modelo de transporte que sustenta esse desenvolvimento é o fluvial e o aéreo, e não o rodoviário. Em uma reunião promovida pelo Ministério Público Federal em 2019, uma representante do PIM afirmou categoricamente que a BR-319 é inócua às atividades industriais da região, exemplificando que empresas como a Samsung jamais colocariam uma carreta de celulares para trafegar pela rodovia, dada sua insegurança e alto custo em relação ao modal fluvial. Reforçar a BR-319 como solução econômica ignora que sua pavimentação acelera o desmatamento, expande atividades ilegais como grilagem e narcotráfico, e desorganiza cadeias logísticas locais. A verdadeira solução para o Amazonas passa por fortalecer o transporte hidroviário, investir em conectividade digital, garantir políticas públicas voltadas para a bioeconomia e proteger os territórios
indígenas e tradicionais. A pavimentação da BR-319, longe de ser uma resposta, é parte do problema.
O presidente da Aleam, deputado Roberto Cidade (UB), reforçou o apoio aos senadores amazonenses e à pavimentação da BR-319, endossando o argumento de que a rodovia seria crucial para o progresso do Estado. No entanto, essa narrativa ignora tanto a realidade econômica atual quanto os dados técnicos disponíveis. A Zona Franca de Manaus, principal motor econômico do Amazonas, consolidou-se e prosperou nas últimas décadas sem depender de uma ligação terrestre com o restante do País. Seu funcionamento se dá majoritariamente por rotas fluviais e aéreas, que se mostram mais adequadas à logística regional. Ao mesmo tempo, estudos conduzidos em parceria com o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), órgão vinculado ao Ministério da Defesa, demonstram que a expectativa de pavimentação causou aumento da grilagem, do desmatamento e da presença crescente de facções criminosas na região. A retomada das obras desde 2015 provocou a conversão de vastas áreas públicas em pastagens ilegais e intensificou a violência associada a conflitos fundiários.
Mais grave ainda são os riscos epidemiológicos associados à abertura da
rodovia. Conforme alertamos em artigos publicados nas revistas Nature e The Lancet Planetary Health, a pavimentação da BR-319 expõe grandes blocos de floresta primária a frentes de degradação e contato humano, criando condições ideais para o surgimento de novas epidemias de origem zoonótica. Ignorar esse alerta científico é não apenas irresponsável — é perigoso. Todos os estudos científicos sérios indicam que a pavimentação da BR-319, sem um plano rigoroso de proteção ambiental e respeito aos direitos humanos, levará ao colapso ambiental, sanitário e institucional na Amazônia. O desenvolvimento sustentável só é possível com ciência, justiça social e responsabilidade ambiental e política.
(*) Lucas Ferrante possui formação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal), mestrado e doutorado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Foi o primeiro autor e líder do grupo de pesquisa que previu a segunda onda de Covid-19 em Manaus, com estudos amplamente citados e publicados em periódicos internacionais. É o pesquisador brasileiro com o maior número de publicações como primeiro autor nos dois maiores periódicos científicos do mundo, Science e Nature. Atualmente, é pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).



