Revista Cenarium – Ed. 59 - Maio/2025

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DISTRITOS SEM OBRAS?

Com David Almeida e Renato Junior, Secretaria de Infraestrutura de Manaus movimentou R$ 1,2 bilhão em 2024, enquanto deixou Distritos de Obras em condições de abandono

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A crise da infraestrutura em Manaus, um projeto

Ao percorrer os bairros de Manaus, entre crateras abertas, veículos abandonados e o cheiro persistente do esgoto a céu aberto, o repórter não encontra somente sinais de precariedade, mas testemunha o fracasso de uma política pública que perdeu sua função social. A nova edição especial da CENARIUM expõe, com dados oficiais e imagens estarrecedoras, o abismo entre os números bilionários movimentados pela Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seminf) e a realidade dos Distritos de Obras da capital amazonense. Para o antropólogo e escritor Darcy Ribeiro, o Brasil não fracassou. Ele foi, desde o início, um projeto de sucesso – mas um sucesso do ponto de vista das elites, que sempre trabalharam contra o povo e a favor de si mesmas. A crise da infraestrutura urbana em Manaus, mesmo após a movimentação de mais de R$ 1,2 bilhão em 2024, evidencia o triunfo desse projeto perverso, no qual o abandono de serviços essenciais nos bairros periféricos não é uma falha, mas uma escolha política deliberada. Uma política que privilegia o asfalto do bairro Ponta Negra, área nobre, enquanto a lama invade a casa da aposentada Teresinha, no bairro Praça 14.

A omissão da gestão municipal diante do abandono das sedes dos Distritos de Obras não pode ser dissociada da lógica clientelista que Darcy Ribeiro denunciava em sua crítica às estruturas de poder. O Estado, diz ele, “foi feito para não funcionar” para os pobres – e isso se expressa com clareza na Zona Norte de Manaus, onde distritos como os da Cidade de Deus e Cidade Nova estão literalmente engolidos pela vegetação e pela ferrugem de máquinas inutilizadas, ao mesmo tempo que contratos milionários seguem firmes com grandes empreiteiras.

A promessa de reforma nos 18 Distritos de Obras da capital, sem data definida, tornou-se retrato simbólico do descaso. Uma promessa tão frágil quanto os muros do Distrito do Morro da Liberdade, sustentados por estacas de madeira e tapumes improvisados com placas da própria Seminf. Enquanto isso, a Prefeitura de Manaus acumula empréstimos bilionários. Como bem observava Darcy, “a crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto”.

O povo de Manaus, porém, não é passivo. É povo que denuncia, que grava vídeos, que chora nas portas das repartições, que sobrevive à lama e ao esquecimento. Cabe à imprensa cumprir seu papel, como faz a CENARIUM, de ser ponte, denúncia e memória. Porque, como dizia Darcy Ribeiro, “só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca”.

Obras: o visível e a transparência

Uma das entregas mais visíveis em uma gestão de prefeito são as obras de infraestrutura. Estas costumam chamar atenção — uma visibilidade nem sempre acompanhada da devida transparência. É o que acontece, por exemplo, com os recursos movimentados pela Secretaria Municipal de Infraestrutura de Manaus (Seminf) em 2024, quando a secretaria pagou R$ 1,2 bilhão a empresas para prestação de serviços. Causa, no mínimo, estranheza o valor expressivo, enquanto muitos Distritos de Obras, subsedes da secretaria, estão literalmente caindo aos pedaços.

Para a reportagem de capa desta edição, investigamos no Portal da Transparência do Município os pagamentos feitos pela Seminf às empresas que prestam serviços relacionados a obras e infraestrutura, e também percorremos dez dos 18 Distritos de Obras de Manaus. De um lado, estão os pagamentos milionários — parte de contratos até bilionários — que se concentram em cinco empresas com os maiores valores. De outro, estão as subsedes com muros quebrados ou caindo, lixo acumulado e maquinário em desuso sendo “engolido” pela vegetação. O cenário denota descaso.

Enquanto os pagamentos são feitos e os Distritos de Obras apresentam sinais de abandono, na ponta final da destinação dos serviços públicos está uma população que se queixa de ruas esburacadas e outros problemas, como falta de drenagem e de saneamento básico, principalmente nos bairros da periferia. No Grande Vitória, na Zona Leste da cidade, os buracos causam acidentes de trânsito. Na Praça 14, na Zona Sul, dificultam a coleta de lixo, que se acumula e acaba favorecendo alagamentos em tempos de chuva forte.

Os pagamentos são de valores expressivos, os distritos foram esquecidos no que se refere à reforma ou manutenção de suas estruturas, e há carência de serviços que cheguem à totalidade da cidade. É, no mínimo, uma conta que nos leva a dúvidas sobre a boa aplicação da verba pública.

No Portal da Transparência, nem tudo é muito claro. É preciso paciência e uma certa experiência para localizar e entender as informações. Infelizmente, para a população em geral, isso se torna, em muitos casos, indecifrável. Eis aqui uma de nossas missões: contribuir para facilitar o acesso às informações públicas. Assim, esperamos não somente que moradores de Manaus saibam sobre os pagamentos e as condições dos Distritos de Obras, mas também que fiquem atentos os órgãos de controle, a quem cabe a fiscalização.

Leitor&Leitora

Crédito:

�� Visibilidade para povos da Amazônia

Sou leitora da REVISTA CENARIUM e queria parabenizar toda a equipe pelo trabalho sério e necessário que fazem ao dar visibilidade às pautas indígenas, quilombolas e da Região Norte. Como estudante de Direito, vejo o quanto essas vozes são silenciadas nos grandes veículos, e é inspirador ver uma revista que escolhe justamente amplificá-las. Que mais pessoas conheçam e valorizem essas realidades.

Letícia Laignier Ipanema – MG

Crédito: Acervo Pessoal

�� A verdade da Amazônia sem rodeios

A REVISTA CENARIUM destaca os temas mais relevantes para o povo amazônida, com conteúdo embasado em fatos e um firme compromisso com a defesa do meio ambiente e dos povos originários. Dá voz a essas comunidades e revela ao mundo a verdadeira realidade da Amazônia, longe de narrativas distorcidas. Um exemplo de jornalismo sério e necessário. Parabéns!

Ângelo Gomes

Brasília - DF

�� Reportagem de impacto

Fiquei profundamente impactado com a matéria sobre a Doença de Minamata. É inadmissível que, em pleno 2025, comunidades amazônicas ainda sofram com o mercúrio despejado pelo garimpo ilegal. Parabéns à CENARIUM por dar visibilidade a esse crime ambiental e humano que muitos fingem não ver.

Rafael Moura São Paulo - SP

�� Angústia com a contaminação

Li a matéria da capa com angústia. O Brasil ratificou a Convenção de Minamata, mas segue permitindo que o garimpo ilegal contamine rios e povos indígenas. A denúncia feita pela revista deveria ser pauta prioritária no Congresso Nacional.

João Vilela Brasília - DF

�� Qualidade e sensibilidade

Acompanho a CENARIUM há mais de um ano e sempre me surpreendo com a qualidade e a sensibilidade das pautas. O Brasil precisa urgentemente olhar mais para o Norte — e o trabalho de vocês é essencial para essa virada de perspectiva.

Rodrigo Nunes

Belo Horizonte - MG

�� Respeito e protagonismo

É raro encontrar um veículo que trate os povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas com o devido respeito e protagonismo. A CENARIUM faz isso com maestria e ética. Me tornei leitor fiel!

Felipe Martins

Santo André - SP

Sumário

► MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

Licença para devastar....................................................... 06

► CENARIUM+CIÊNCIA

Primatas em perigo 12

► PODER & INSTITUIÇÕES

‘Me senti agredida fazendo o meu trabalho’ 14

Previdência sob suspeita ................................................. 20

Aposentadoria ou recompensa? 22

Bebês reborn em pauta na Câmara ................................ 24

► ECONOMIA & SOCIEDADE

DISTRITOS SEM OBRAS?

Seminf: mais de R$ 1 bi pagos e distritos esquecidos 26

Meio bilhão para cinco empresas 38

Vidas debaixo d’água 50

– INORY KANAMARI

► POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS

clama por proteção

à infância

proibida de explorar gás no AM

► DIVERSIDADE

► ARTIGO – YARA AMAZÔNIA LINS

O lixo não é tão lixo assim: a reinvenção do futuro pelas mãos das novas gerações 70

Crédito: Rafa Neddermeyer | Agência Brasil
Crédito: Luiz André Nascimento
Crédito: Composição Lucas Oliveira Cenarium

Licença para devastar

Senado aprova lei geral do licenciamento, apelidada de “PL da Devastação”

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) – O Senado Federal aprovou o projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que, além de flexibilizar o regramento para a concessão de licenças, também inseriu novas modalidades ao modelo vigente no País. Aprovado com apoio quase unânime da bancada da Amazônia Legal, os senadores também aprovaram uma emenda do senador Eduardo Braga (MDB-AM) que dispensa o licenciamento ambiental de rodovias já pavimentadas — o que pode

facilitar a liberação de obras no trecho do meio da BR-319 (Manaus–Porto Velho), que aguarda licenças desde 2001.

Apelidado por ambientalistas de “PL da Devastação”, o Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, que estabelece um novo marco legal para o licenciamento ambiental no Brasil, tramita no Congresso Nacional há 21 anos. Proposto originalmente pela Câmara dos Deputados, o texto estava no Senado há quase quatro anos. Foi aprovado de forma simbólica pelas Comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura (CRA) no dia 20 de maio e, no dia seguinte, aprovado em plenário por 54 votos a favor e 13 contrários.

O texto traz modificações significativas nos procedimentos de licenciamento. Entre elas está a Licença por Adesão e Compro-

misso (LAC), que já é adotada em alguns Estados para projetos de pequeno porte, mas que poderá agora ser incorporada ao marco legal nacional — abrangendo também projetos de médio porte. Nessa modalidade, o empreendedor declara que cumprirá os compromissos ambientais, sem que o projeto seja analisado previamente pelos órgãos técnicos.

Uma emenda (nº 98), proposta pelo senador Davi Alcolumbre durante a votação em plenário, criou uma nova categoria de licença: a Licença Ambiental Especial (LAE), que estabelece um procedimento específico para atividades e projetos considerados estratégicos.

Segundo o texto aprovado, caberá ao Conselho de Governo, vinculado à Casa Civil, elaborar a cada dois anos uma pro-

Congresso Nacional, em Brasília, e área desmatada
Crédito: Composição de Lucas Oliveira | Cenarium

MMA aponta risco à segurança ambiental

Em nota emitida na noite de quarta-feira, 21, antes da aprovação do texto, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) considerou que o projeto “representa desestruturação significativa do regramento existente sobre o tema e representa risco à segurança ambiental e social no País”.

“Além disso, afronta diretamente a Constituição Federal, que, no artigo 225, garante aos cidadãos brasileiros o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, com exigência de estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de qualquer obra ou atividade que possa causar prejuízos ambientais”, afirma a nota.

Ainda segundo o MMA, o texto também viola o princípio da proibição do retrocesso ambiental, que vem sendo consolidado na jurisprudência brasileira, segundo o qual

o Estado não pode adotar medidas que enfraqueçam direitos. “Contraria, ainda, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceram a inconstitucionalidade da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para atividades de médio impacto ambiental”, sustenta.

Segundo o órgão, a proposta terá impacto negativo para a gestão socioambiental, além de provocar, possivelmente, altos índices de judicialização, o que tornará o processo de licenciamento ambiental mais moroso e oneroso para a sociedade e para o Estado brasileiro.

No dia 22 de maio, ao comentar a aprovação do projeto, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, disse que o licenciamento ambiental sofreu um “golpe de morte”. “A gente não

pode retroceder nem um centímetro nas agendas que o Brasil já avançou, inclusive no licenciamento ambiental, que agora sofreu golpe de morte”, disse.

“O governo é contrário a esse desmonte do licenciamento ambiental brasileiro. O governo tem uma série de dificuldades em relação a uma base segura de sustentação. E isso varia para cada tema. Não é a primeira vez que a gente sofre alguma dessas derrotas, inclusive em agendas que são igualmente estratégicas, mas vamos continuar dialogando o tempo todo com o Congresso”, afirmou ainda.

A ministra participava da cerimônia em comemoração ao Dia Internacional da Biodiversidade, na sede do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. As informações são da Agência Brasil.

Senadores durante a votação do projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental

COMO VOTARAM OS SENADORES DA AMAZÔNIA

Senador (a) Estado Partido Voto

Ana Paula Lobato MA PDT Não

Alan Rick AC União Sim

Beto Faro PA PT Não

Chico Rodrigues RR PSB Sim

Confúcio Moura RO MDB Sim

Davi Alcolumbre AP União Presidente

Dr. Hiran RR PP Sim

Eduardo Braga AM MDB Sim

Eliziane Gama MA PSD Não

Irajá TO PSD Sim

Jader Barbalho PA MDB Sim

Jaime Bagattoli RO PL Sim

Jayme Campos MT União Sim

Lucas Barreto AP PSD Sim

Marcio Bittar AC União Sim

Marcos Rogério RO PL Sim

Margareth Buzetti MT PSD Sim

Mecias de Jesus RR Republicanos Sim

Omar Aziz AM PSD Sim

Plínio Valério AM PSDB Sim

Professora Dorinha Seabra TO União Sim

Sérgio Petecão AC PSD Sim

Wellington Fagundes MT PL Sim

Weverton MA PDT Sim

Zequinha Marinho PA PL Sim

Fonte: Câmara dos Deputados.

Crédito: Jonas Pereira Agência Senado
“O que nós estamos fazendo agora, com essa nova lei, é dar consequência jurídica

à legislação de 2011. Basicamente, nós pretendemos licenciar com mais clareza, eficiência e justiça”

Tereza Cristina, senadora pelo PP-MS, relatora em plenário do projeto.

posta com os projetos que se enquadram como estratégicos para o País. Esses projetos serão publicados por decreto federal. O processo da LAE ocorrerá em apenas uma fase: elaboração do termo de referência, requerimento da licença especial, emissão de parecer técnico conclusivo e concessão ou indeferimento da licença. A medida tem sido vista como uma maneira de facilitar a aprovação de empreendimentos como a exploração de petróleo na Margem Equatorial, na costa do Amapá — Estado de origem de Alcolumbre.

No total, o novo marco prevê sete tipos de licenças ambientais, com prazos definidos para análise pelos órgãos competentes — exceto a LAC, que será automática. Alguns empreendimentos poderão demandar mais de uma modalidade de licenciamento, a depender da atividade.

DISPENSA DE LICENCIAMENTO

O texto aprovado dispensa de licenciamento ambiental diversas atividades do setor agropecuário, como: cultivo de espécies de interesse agrícola (temporárias, semiperenes e perenes), pecuária extensiva e semi-intensiva, pecuária intensiva de pequeno porte, pesquisa agropecuária que não envolva risco biológico e tenha autorização prévia.

Também não necessitarão de licença ambiental, empreendimentos de caráter militar, obras consideradas de porte insigni-

ficante, obras emergenciais como resposta ao colapso de obras de infraestrutura, a acidentes ou a desastres, obras e intervenções urgentes que tenham como finalidade prevenir a ocorrência de dano ambiental iminente ou para interromper situação que cause risco à vida, entre outras.

Foi nessa parte das dispensas, que o senador Eduardo Braga emplacou a Emenda 197, durante a discussão do texto em plenário, a qual “altera o inciso VIII do caput do art. 8º do projeto para incluir expressamente, entre as atividades dispensadas de licenciamento ambiental, os serviços e obras de manutenção e melhoramento de infraestrutura em instalações preexistentes ou em faixas de domínio e de servidão, incluindo rodovias anteriormente pavimentadas e dragagens de manutenção”.

O texto da Câmara não previa as “rodovias previamente pavimentadas”, o que remete aos interesses da bancada do Amazonas, que há anos defende a repavimentação do trecho de 400 quilômetros da BR-319, atualmente intrafegáveis e que aguardam o licenciamento do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Com licença prévia concedida desde 2022, o Ibama aguarda o envio pelo Ministério dos Transportes do pedido de Licença de Instalação (LI), o que permite dar início à licitação e aos contratos para começar a obra.

AMAZÔNIA EM PESO COM O

PROJETO

A bancada da Amazônia Legal no Senado, composta por 27 parlamentares, votou maciçamente pela aprovação do “PL da Devastação”. Havia 25 senadores da região presentes na sessão, dos quais 21 votaram favoravelmente e três, contrariamente. Por ser presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) não votou, enquanto os senadores Randolfe Rodrigues (PT-AP) e Eduardo Gomes (PL-TO) não compareceram.

Dos nove Estados que compõem a Amazônia Legal, sete bancadas estavam completas na votação (três membros cada), com apenas dois faltantes: Randolfe Rodrigues e Eduardo Gomes. Somente três parlamentares se posicionaram contra o projeto: Ana Paula Lobato (PDT-MA), Beto Faro (PT-PA) e Eliziane Gama (PSD-MA). Gama já havia se pronunciado na Comissão de

Meio Ambiente, classificando o texto como “muito ruim” para ser votado e apresentou uma série de emendas, a maioria das quais foi rejeitada.

Todos os integrantes das bancadas do Acre, Amazonas, Mato Grosso, Roraima e Rondônia chancelaram o projeto do licenciamento ambiental. Desde a semana passada, os senadores já haviam manifestado apoio ao projeto, sob o argumento de que destravará os investimentos no País, porque trará regras mais claras a serem seguidas, sem prejudicar o meio ambiente.

RELATORA FALA EM CLAREZA NA LEGISLAÇÃO

A relatora em plenário do projeto, senadora Tereza Cristina (PP-MS), que já foi ministra da Agricultura no governo Jair Bolsonaro (2019–2022), disse que o texto é uma resposta desde a Constituição Federal, sem que o País enfrentasse essa questão, porque a única legislação é a Lei Complementar 140, de 2011, que determina a divisão de competências para licenciar entre União, Estados e municípios.

“A gente não pode retroceder nem um centímetro nas agendas que o Brasil já avançou, inclusive no licenciamento ambiental, que agora sofreu golpe de morte”

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente.

“O que nós estamos fazendo agora, com essa nova lei, é dar consequência jurídica à legislação de 2011. Basicamente, nós pretendemos licenciar com mais clareza, eficiência e justiça. O atual cipoal normativo, com regras sobrepostas entre os diversos órgãos e esferas do Poder, trava iniciativas importantes, gera litígios desnecessários e desestimula investimentos responsáveis”, ressaltou a relatora.

“Nós

estamos imbuídos de um sentimento de que é necessário retirarmos as amarras que impedem o desenvolvimento sustentável do nosso País”

Rogério Marinho, senador (PL-RN), líder do partido no Senado.

Segundo Cristina, existem atualmente mais de 27 mil normas ambientais, que, na prática, criam uma realidade disfuncional, que pode ser medida em números. “Em 2022, o então Ministério da Infraestrutura listou 5.053 obras paradas em razão de problemas no licenciamento ambiental. Eram rodovias, ferrovias, hidrovias, linhas de transmissão, minerodutos, gasodutos, cabos ópticos. Em 2021, tínhamos 52 hidrelétricas interrompidas pelo mesmo motivo, e dez foram simplesmente abandonadas”, afirmou, ao destacar que 99 entidades do setor produtivo entregaram carta aberta de apoio ao projeto de licenciamento.

O líder do PL no Senado, Rogério Marinho (RN), defendeu a matéria e ressaltou

que ela foi amplamente discutida pelas comissões temáticas da Casa. “Nós estamos imbuídos de um sentimento de que é necessário retirarmos as amarras que impedem o desenvolvimento sustentável do nosso País”, afirmou.

Com a aprovação no Senado, que fez diversas alterações, a matéria volta para a análise da Câmara dos Deputados, autora original da proposta. Caso seja aprovada pelos deputados federais, o texto seguirá para a apreciação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que poderá sancioná-lo integralmente ou vetá-lo total, ou parcialmente. Em caso de vetos, os congressistas voltam a analisar e podem mantê-los ou derrubá-los.

Os senadores pelo Amazonas — Plínio Valério, Omar Aziz e Eduardo Braga — votaram a favor do projeto. Braga teve uma emenda de sua autoria aprovada, dispensando de licenciamento ambiental os serviços e obras em rodovias anteriormente pavimentadas, como a BR-319

Crédito: Composição Lucas Oliveira | Cenarium

Alguns

pontos do Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, aprovado no Senado:

DEFINIÇÃO SOBRE LICENCIAMENTO AMBIENTAL:

“Processo administrativo destinado a licenciar atividade ou empreendimento utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidor ou capaz, sob qualquer forma, de causar degradação do meio ambiente”.

NOVOS TIPOS DE LICENÇAS:

► Licença por Adesão e Compromisso (LAC): modalidade simplificada de licenciamento baseada na autodeclaração do empreendedor, que já existe em alguns Estados, sem necessidade de estudos prévios de impacto. Emissão automática.

► Licença Ambiental Especial (LAE): o procedimento, baseado em uma única licença, terá rito especial, com dispensa de etapas e prioridade na análise, aplicado a projetos previamente listados como prioritários pelo Poder Executivo, com base em manifestação do Conselho de Governo. O prazo máximo de análise para a emissão da licença será de um ano.

► Além destas duas, há ainda as licenças Prévia (LP), de Instalação (LI), de Operação (LO), a Licença Ambiental Única (LAU) e Licença de Operação Corretiva (LOC). Os senadores incluíram prazos mínimos e máximos para o órgão licenciador emitir as autorizações ou negativas.

► Dispensa de licenciamento ambiental para atividades agropecuárias: poderá ser apresentada certidão declaratória para atestar que o empreendedor não está explorando ilegalmente o meio ambiente.

► Só poderão ser ouvidos nos processos de licenciamentos povos de Terras Indígenas homologadas e quilombos registrados. O que exclui povos que ainda aguardam uma definição do Estado por seus territórios.

► Isenção de licenciamento para obras: militares; de porte insignificante; emergenciais como resposta ao colapso de obras de infraestrutura, a acidentes ou a desastres; obras e intervenções urgentes cuja finalidade seja prevenir a ocorrência de dano ambiental iminente ou para interromper situação que cause risco à vida; usinas de triagem de resíduos sólidos, mecanizadas ou não, entre outros.

► Empreendimentos de saneamento básico terão procedimento simplificado e prioridade na análise da licença.

► Licenças podem ser renovadas sucessivamente, desde que não haja mudanças no projeto do empreendimento.

► Para empreendimentos de mineração prevalecem as disposições do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), até que seja promulgada lei específica.

► O plenário do Senado incluiu na lista de obras dispensadas de licença ambiental as obras de manutenção e melhoramento de infraestrutura em rodovias anteriormente pavimentadas.

Crédito: Pexels

Primatas em perigo

Sauim-de-coleira integra lista dos 25 primatas mais ameaçados do mundo

Jadson Lima – Da Cenarium

MANAUS (AM) – O relatório “Primatas em Perigo: Os 25 Primatas Mais Ameaçados do Mundo” apontou que o sauim-de-coleira (Saguinus bicolor), um pequeno primata nativo da Amazônia brasileira e símbolo da cidade de Manaus (AM), é uma das 25 espécies mais ameaçadas de extinção. A lista de 2023–2025 inclui primatas que enfrentam graves ameaças devido à destruição de habitats, caça, mudanças climáticas e comércio ilegal de animais silvestres.

O estudo foi conduzido por um grupo de 100 pesquisadores e conservacionistas,

sob a coordenação de um grupo de especialistas em primatas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN SSC). A produção do relatório contou com o apoio de instituições como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Organização Não Governamental Re:wild.

De acordo com o relatório, o  sauim-de-coleira está ameaçado de extinção porque vive em uma região impactada pela expansão urbana, estradas, colonização e agricultura. “Outras ameaças que foram negligenciadas são doenças, pois são pouco investigadas. Há uma compreensão limitada dos efeitos de parasitas e patógenos de vida livre e animais em cativeiro, algo que tem sido de grande preocupação para a conservação”, diz um trecho.

O animal tem a pele de duas cores, o corpo castanho-escuro e o colar branco, e

é encontrado exclusivamente em uma área restrita em Manaus (AM) e nos municípios de Rio Preto da Eva (AM) e Itacoatiara (AM), distantes, respectivamente, 87 e 178 quilômetros da capital amazonense. O principal avanço recente para a conservação da espécie foi a criação do Refúgio de Vida Silvestre do Sauim-de-Coleira, com cerca de 15.000 hectares e condições de manter uma população viável a longo prazo.

Apesar de ser o mascote oficial da cidade desde 2005, por conta do Decreto Municipal nº 8.101/05, o sauim-de-coleira sofre com o avanço desordenado da malha urbana sobre áreas de floresta. Fragmentos florestais remanescentes, muitas vezes isolados por avenidas ou empreendimentos, reduzem a área de circulação do animal e dificultam a formação de populações viáveis geneticamente.

Relatório foi produzido por um grupo de mais de 100 pesquisadores e ambientalistas
Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium

Além do sauim-de-coleira, nativo da Amazônia, outra espécie brasileira endêmica da Caatinga, o guigó-da-caatinga, também aparece na lista de primatas sob risco de extinção. O estudo menciona que diversos projetos de pesquisa aumentaram significativamente o conhecimento sobre a distribuição, populações e ecologia da espécie, fundamentais para embasar a efetiva implementação de ações de conservação.

OUTRAS EDIÇÕES

Treze primatas brasileiros já foram incluídos nas listas de espécies ameaçadas de extinção do estudo desde sua primeira edição, em 2000. Ao todo, são três espécies de mico-leão (dourado, Leontopithecus rosalia; preto, Leontopithecus chrysopygus; e de-cara-preta, Leontopithecus caissara), os dois saguis-da-serra (Callithrix aurita e Callithrix flaviceps), dois macacos-prego (de-peito-amarelo, Sapajus xanthosternos; e galego, Sapajus flavius).

A lista também inclui o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus) e o zogue-zogue de Mato Grosso (Plecturocebus grovesi). As espécies brasileiras incluídas em mais edições foram o bugio-ruivo (Alouatta guariba), endêmico da Mata

15

mil ha

O Refúgio de Vida Silvestre do Sauim-de-Coleira tem cerca de 15.000 hectares e condições de manter uma população viável a longo prazo.

Atlântica e que sofre com o desmatamento, caça e surtos de febre-amarela, e o caiarara-Ka’apor (Cebus kaapori), endêmico do Centro de Endemismo Belém, no arco do desmatamento da Amazônia.

LEIA O ESTUDO NA ÍNTEGRA

Sauim-de-coleira é visto em telhados de casas no Amazonas
Sauim-de-coleira é espécie nativa do Amazonas
Crédito: Divulgação
Crédito: Diogo Cesar

‘Me senti agredida fazendo o meu trabalho’

Ministra Marina Silva diz ter sofrido violência de gênero por senador Plínio Valério. Senadores Omar Aziz e Marcos Rogério também proferiram falas consideradas agressivas

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) – A ministra do Meio

Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, considera ter sofrido violência de gênero por parte do senador Plínio Valério (PSDB-AM), que, durante audiência pública na Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado, no dia 27 de maio, disse que não a respeitava como “ministra” e sim como “mulher”. Marina retirou-se da sessão por sentir-se desrespeitada pelo senador e condicionou sua permanência na sala a um pedido de desculpas do parlamentar, o que não

ocorreu. A ministra foi convidada pelos parlamentares para participar de uma sessão que discutia os estudos para a criação de unidades de conservação marinha na Margem Equatorial, no litoral norte do Brasil.

Após a saída intempestiva da reunião com os senadores, Marina Silva teve uma audiência com o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), para conversar sobre o projeto de lei que cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, considerado um retrocesso pelo ministério comandado por ela.

Marina Silva sofreu ataques de senadores em audiência no Senado
Crédito: Reprodução | Agência Senado | Composição de Lucas Oliveira | Cenarium

Na saída, ela foi questionada se considerou o tratamento, no Senado, como violência de gênero. “Com certeza, e isso acontece com a gente o tempo todo. Eu agora usei o ‘a gente’ para criar sororidade entre nós. Porque vocês, no governo anterior, muitas jornalistas também foram agredidas fazendo o seu trabalho. Eu me senti agredida fazendo o meu trabalho”, avaliou.

Não é a primeira vez que Plínio é acusado de violência de gênero contra Marina. Ele foi denunciado por oito deputadas federais e um deputado ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado, devido às falas de quando ele afirmou que desejava enforcar a ministra.

As falas de enforcamento contra Marina foram proferidas por Plínio durante evento da Federação do Comércio do Amazonas (Fecomércio-AM), em março deste ano, em Manaus. Ao receber a Medalha do Mérito Comercial do Amazonas 2025, o parlamentar fez declarações contra a ministra por causa da BR-319 e, no meio de sua fala, disse: “Imagina o que é tolerar a Marina por seis horas sem enforcá-la”.

Na Representação 01/2025, protocolada dia 20 de março deste ano no Senado, as parlamentares sustentam que o senador amazonense “transcendeu a sua imunidade parlamentar e malferiu os direitos de participação política da mulher, depreciando a condição de mulher (da ministra) e incitando a violência de gênero e, portanto, estimulando a discriminação em razão do sexo feminino”.

Marina também foi perguntada sobre se pretende tomar alguma medida jurídica contra o senador do Amazonas. “A manifestação que o senador tinha dito, que foi muito difícil para ele não me enforcar, eu já estava analisando com os meus advogados. Agora, ele agravou a situação quando, propositadamente, me convidam como senadora [ministra] e dizem depois que não me respeitam como ministra. Eu, graças a Deus, respeito todas as pessoas, sempre procuro fazer o diálogo respeitando as pessoas. Agora, o que nunca vão ter de mim é submissão”, disse.

Assinaram a petição ao Senado as deputadas federais: Enfermeira Ana Paula (PDT-CE), Benedita da Silva (PT-RJ),

“A mulher merece respeito, a ministra não. Por isso que eu quero separar”

Plínio Valério, senador pelo Amazonas.

Duda Salabert (PDT-MG), Gisela Simona (União-MT), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Laura Carneiro (PSD-RJ), Maria Arraes (Solidariedade-PE), Tabata Amaral (PSB-SP), Talíria Petrone (PSOL-RJ) e o deputado federal Túlio Gadêlha (REDE-PE).

Os parlamentares baseiam o pedido na Lei 14.192/2021, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, e a Resolução Nº 20/1993, que instituiu o Código de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal. Eles também utilizam postagem da

Marina Silva e senador Plínio Valério discutem durante audiência no Senado
Crédito: Divulgação | Senado Federal
“Com certeza [foi violência de gênero], e isso acontece com a gente o tempo todo. Eu agora usei o ‘a gente’ para criar sororidade entre nós. Porque vocês, no governo anterior, muitas jornalistas também

foram agredidas fazendo o seu trabalho. Eu me senti agredida fazendo o meu trabalho”

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

CENARIUM nas redes sociais, que publicou em primeira mão o vídeo com as falas do senador, como prova da repercussão que o caso tomou no Brasil.

A violência de gênero consiste nas formas de violências perpetradas contra alguém com base no seu gênero ou orientação sexual. Pode ser física, psicológica, sexual, ou simbólica, com as mulheres sendo historicamente as mais afetadas devido à desigualdade de poder.

A representação está parada no Conselho de Ética do Senado há dois meses e

aguarda a designação da nova composição do colegiado, cujo mandato expirou no final de março. Cabe ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) fazer a convocação dos novos membros, o que até hoje não ocorreu.

MARINA ABANDONA AUDIÊNCIA

A ministra Marina Silva foi convidada, a pedido do senador Lucas Barreto (PSD-AP), para prestar informações sobre estudos e reuniões realizadas para a criação de Unidades de Conservação marinha na Costa

do Estado do Amapá, na chamada Margem Equatorial, mas acabou sendo indagada sobre outras questões, como a pavimentação da BR-319, a exploração do potássio em Autazes (AM) e a “Ferrogrão”, no Mato Grosso, por exemplo.

Depois de responder às perguntas de outros senadores, Plínio tomou a palavra para fazer perguntas a Marina. “Ministra Marina, que bom reencontrá-la e, ao olhar para a senhora, estou vendo a ministra, não estou falando com a mulher”, disse o tucano, que foi imediatamente retrucado por Marina. “O senhor está falando com as duas coisas”, rebateu.

Plínio novamente respondeu: “Não, não. Porque a mulher merece respeito, a ministra não. Por isso que eu quero separar”. Foi então que a ministra o questionou. “Por que o senhor não me respeita como ministra? O senhor que disse que queria me enforcar”, rebateu.

Nesse momento, começou o bate-boca, com a intervenção do presidente da CI, senador Marcos Rogério (PL-RO), que foi indagado por Marina sobre como reagiria se ela dissesse a ele que não o respeitava. Ele

Marina Silva deixa audiência no Senado Federal após discussão com o senador Plínio Valério
Crédito: Divulgação | Senado Federal

Jadson Lima – Da Cenarium MANAUS (AM) – Em mais um momento de ataque à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante a audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado no dia 27 de maio, o senador Marcos Rogério (PL-RO) disse para ela “se pôr no lugar dela”.

A discussão entre Marina e os senadores se intensificou quando Omar Aziz (PSD-AM) tentou atribuir à ministra a tentativa de atrapalhar o desenvolvimento do País por meio de decisões do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Após ela reagir às declarações do parlamentar amazonense, o senador

‘Se ponha no seu lugar’

de Rondônia, que presidia a comissão, afirmou que Marina não tinha educação. Marcos Rogério é aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

“Essa é a educação da ministra Marina Silva. Ela aponta o dedo e... Mas eu não vou me vitimizar, não” disse Marcos Rogério. Com o dedo em riste, a ministra disse que o parlamentar gostaria que ela fosse uma mulher submissa e pediu respeito. “Me respeite, [a senhora] se ponha no seu lugar”, rebateu o presidente da sessão.

Após a fala, senadores da base do Governo Lula, que acompanhavam a sessão, como a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), reagiram contra o presidente

do colegiado. “O que é isso, presidente? Ponha-se o senhor no seu lugar, presidente”, afirmou Gama, que pediu respeito à ministra. Em seguida, o presidente da comissão voltou a interromper Marina e disse que pediu para ela se colocar em seu lugar como ministra de Estado.

Durante a discussão, Rogério afirmou que trata Marina com respeito e dignidade, como faz com todas as autoridades que comparecem à comissão. “Vamos fazer mais uma audiência para a gente continuar o debate aqui por mais tempo”, disse Rogério. Omar, sem pedir a palavra, afirmou ao microfone: “Não, da próxima vez não vai ser audiência, não. Vai ser convocação”, frisou.

“Me respeite, [a senhora] se ponha no seu lugar”
Marcos Rogério, senador por Rondônia.
Marina Silva e o senador
Marcos Rogério, que disse para ela ‘se pôr no lugar dela’

Crédito: Reprodução | Agência

Marcela Leiros – Da Cenarium

MANAUS (AM) – Durante audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal no dia 27 de maio, o senador Omar Aziz (PSD-AM) culpou a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, pelas obras paradas no País, o que, segundo o parlamentar, atrasa projetos de desenvolvimento no Brasil. Uma das obras citadas foi a da BR-319, que permanece inacabada mesmo após 40 anos de sua inauguração. Em resposta, a ministra afirmou que é usada para camuflar a “incompetência” de outros governos.

O debate, que se tornou acalorado, girou em torno do papel do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) nos processos de licenciamento. O senador alegou que a lentidão do órgão estaria afetando o andamento de projetos de infraestrutura.

“Não vou cair numa conversa da senhora se vitimizar pra mim”

Omar Aziz, senador pelo Amazonas.

Culpa por obras paradas

“A senhora está atrapalhando o desenvolvimento do País, eu lhe digo isso com a maior naturalidade do mundo. A senhora atrapalha o desenvolvimento do nosso País. Tem mais de 5 mil obras paradas por causa dessa conversinha, governança, nhem nhem nhem, blá blá blá”, afirmou o senador.

Aziz ainda declarou que os amazonenses querem ter o direito de circular pela BR-319. “Eu moro na Amazônia. Eu moro lá. A gente quer, sim, a BR-319, ministra, para passear, como a senhora disse. Queremos, sim! Nós temos o direito de passear na BR-319, e não é a senhora que vai impedir que a gente circule na BR-319. Nós, amazonenses, queremos ter o direito de passear na BR-319. A senhora passeia na Avenida Paulista hoje, e nós queremos passear na BR-319”, disse Omar Aziz.

A ministra rebateu as declarações, lembrando que ficou 15 anos fora do governo

e que obras como a da BR-319 não foram realizadas nesse período. “Por que as pessoas tão dadas às coisas concretas não fizeram a BR? Mas existe um ‘bode expiatório’ que, mesmo durante 15 anos, continuou sendo o ‘bode expiatório’, para esconder a incompetência daqueles que fazem promessas e não as cumprem. Isso é concreto, é concretíssimo. Ou não é verdade que, de 2008 a 2023, são 15 anos? Por que o Governo Bolsonaro não o fez?”, questionou Marina Silva.

“Não vou cair numa conversa da senhora se vitimizar pra mim”, respondeu Omar, após Marina afirmar que virou ‘bode expiatório’.

A BR-319 foi inaugurada em 1976 e liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). Há mais de 30 anos, a rodovia possui trechos não pavimentados que dificultam o tráfego e causam prejuízos aos usuários.

Omar Aziz e Marina Silva também tiveram embate
Senado | Composição de Lucas Oliveira | Cenarium

pediu que os colegas tentassem manter um ambiente de urbanidade até a conclusão dos trabalhos, sem desrespeito.

O senador Rogério Carvalho (PTSE) também interveio e pediu respeito à ministra, sugerindo a retirada da convidada caso o desrespeito contra ela continuasse. “O debate político pode ser caloroso, pode-se expressar as divergências, pontos de vista. Agora, manifestação de desrespeito é inaceitável! Quando alguém começa o debate dizendo que ‘eu respeito a mulher, mas não respeito a ministra’, isso não cabe num debate institucional, como está acontecendo aqui”, disse Carvalho.

Marina reiterou que não estava desrespeitando ninguém e lembrou que Plínio já declarara vontade de enforcá-la em outra audiência da qual participou. “Eu não estou provocando, ele que disse que não me respeita”, afirmou.

Depois de tentativas de retomar o debate, a ministra disse que só não se retiraria da sala caso Plínio lhe pedisse desculpas, porque estava ali como ministra de Estado e não na condição de mulher. “Ou ele pede desculpas, ou eu vou me retirar. Porque eu fui convidada como ministra e, como ministra, ele não me respeita. O senhor me peça desculpas e eu permaneço. Se não pedir desculpas, eu vou me retirar”, declarou.

O parlamentar do Amazonas se negou a pedir desculpas e justificou-se dizendo que a separação ocorria porque ele não tinha nada contra a mulher, mas divergia da ministra. “A senhora está gritando, quando diz que eu sou o psicopata, a senhora está acreditando na sua afirmação? (…) Tá com medo de mim, ministra?”, afirmou Plínio, enquanto Marina se retirava da sala.

Sobre a BR-319, Marina disse que esteve 15 anos fora do governo federal e questionou por que não asfaltaram a rodovia. Para ela, é mais fácil apontá-la como “bode expiatório” do que reconhecer a incompetência por, até hoje, não conseguirem liberar as obras, que exigem uma política de governança capaz de evitar o desmatamento ambiental no entorno da rodovia.

MINISTRA JUSTIFICA SUA ATITUDE

Após sair da audiência, Marina lembrou que foi senadora por 16 anos e, atualmente, é deputada federal pelo Estado de São Paulo, licenciada para assumir o cargo de ministra.

“Sou ex-senadora, sou ministra do Meio Ambiente. Foi nessa condição que eu fui convidada. Ouvir um senador dizer que não me respeita como ministra, eu não poderia ter outra atitude. Mas eu dei a chance de ele pedir desculpas. Como ele é uma pessoa que já disse, da outra vez em que vim aqui também como convidada, que foi muito

difícil para ele ficar seis horas e dez minutos comigo sem me enforcar, hoje ele veio aqui, de novo, para me agredir. Além de pessoas que atribuem a mim responsabilidades que são delas”, declarou Marina.

A ministra fazia referência ao outro senador do Amazonas, Omar Aziz (PSD), que travou um embate com ela pouco antes de Plínio Valério. Na ocasião, ele disse que Marina era a responsável pela aprovação do projeto que cria a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que passou pelo Senado e agora aguarda a análise da Câmara dos Deputados.

“Porque dizer que o atraso, a demolição da legislação ambiental, que foi praticada aqui no Senado, com o relatório que foi aprovado, é responsabilidade minha, é não querer honrar o voto de quem os elegeu. Porque quem tem o mandato de senador, de deputado, vota pelas convicções que tem, não porque alguém o obrigou a fazer alguma coisa”, refutou Marina.

Marina foi enfática sobre o tratamento recebido e como se posicionar em relação a isso. “O que não pode é alguém achar que, porque você é mulher, porque você é preta, porque você vem de uma trajetória de vida humilde, que você vai dizer quem eu sou e ainda dizer que eu devo ficar no meu lugar. O meu lugar é onde todas as mulheres devem estar”, disse, após ser alvo de bate-boca com parlamentares.

Previdência sob suspeita

Parlamentares da Amazônia assinam CPMI para investigar descontos ilegais dos segurados do INSS

Ana Cláudia Leocádio - Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) – Das 259 assinaturas para a criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar os descontos ilegais nos benefícios dos segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), 48 são de parlamentares da bancada da Amazônia Legal. Rondônia foi o Estado que mais contribuiu com o número de subscrições, nove no total, segundo o requerimento protocolado pela deputada federal Coronel Fernanda (PL-MT) e pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF).

O pedido arrecadou um número superior ao necessário para a instalação de uma CPMI, que exige o mínimo de 171 deputados e 27 senadores, correspondentes a um terço da composição de cada Casa Legislativa. Estado com maior número de assinaturas, Rondônia contribuiu com a subscrição de sete deputados, de uma bancada de oito, e dois senadores, de um total de três representantes.

Em seguida, está o Mato Grosso, de onde vem a autora da CPMI, Coronel Fernanda (PL), junto a seis colegas da Câmara e dois senadores, totalizando oito assinaturas.

Em terceiro lugar, está o Acre, com sete apoios, sendo quatro dos oito deputados federais e os três senadores. Amazonas, Pará e Roraima contribuíram com cinco assinaturas cada. A diferença é que nenhum senador da bancada paraense subscreveu o pedido. Foram quatro deputados e um senador do Amazonas; cinco deputados do Pará; e dois deputados de Roraima, além dos três senadores.

Do Tocantins, foram três deputados federais e um senador. Na bancada do Maranhão, nenhum senador subscreveu o requerimento, que teve a adesão de três deputados. O Amapá, com uma bancada total de 11 integrantes, foi o Estado com menos assinaturas: apenas duas, um deputado e um senador.

Das 48 assinaturas, 31 são de parlamentares de partidos que integram ministérios

R$ 6,3 bi

Esquema descoberto pela Polícia Federal e pela ControladoriaGeral da União causou prejuízo de R$ 6,3 bilhões nos benefícios do INSS. A maioria dos aposentados e pensionistas não autorizou esses pagamentos a entidades associativas.

do Governo Lula, como PSD, União, PP, PSB, MDB e Republicanos. Destaque para o União Brasil, com 11 assinaturas da bancada da Amazônia, seguido do PSD, com seis. Republicanos e Progressistas apoiaram com quatro parlamentares cada; MDB, com três; e PSB, com dois.

No dia 23 de abril, a operação “Sem Desconto”, deflagrada pela Polícia Federal (PF)

Prédio do Instituto Nacional do Seguro Social em Brasília
Crédito: Rafa Neddermeyer | Agência Brasil

Justificativa para a investigação

Na justificativa do pedido, as autoras da CPMI sustentam que o montante estimado pela CGU, descontado ilegalmente entre 2019 e 2024, representa a subtração direta de renda de milhões de brasileiros que dependem do INSS para sua sobrevivência, sendo a maioria idosos.

“A magnitude e a duração do esquema apontam para uma fraude sistêmica, facilitada por fragilidades institucionais dentro do INSS. O caso envolveu não apenas pessoas externas, mas também servidores públicos, inclusive o então presidente do INSS, que foi afastado e posteriormente demitido. A investigação é fundamental para identificar e corrigir essas falhas, aprimorando os mecanismos de controle e fiscalização do órgão”, escrevem no requerimento.

Para as parlamentares, somente com uma investigação profunda será possível entender como o esquema foi viabilizado, quais mecanismos foram burlados e quais procedimentos precisam ser revistos. Isso permitirá o aperfeiçoamento dos controles internos e evitará que fraudes semelhantes ocorram no futuro.

Um outro pedido de investigação foi protocolado somente na Câmara dos Deputados, no dia 30 de abril deste ano. Proposto pelo deputado Coronel Chrisóstomo (PL-RO), o requerimento de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os sindicatos envolvidos na fraude do INSS conseguiu 185 assinaturas de parlamentares de 14 partidos.

em conjunto com a Controladoria-Geral da União (CGU), desbaratou um esquema que pode chegar a R$ 6,3 bilhões, que consiste em descontos indevidos de mensalidades a entidades associativas nos proventos dos beneficiários do INSS. Auditoria da CGU apontou que a maioria dos aposentados e pensionistas sequer deu autorização para os pagamentos às entidades.

O escândalo derrubou o ministro da Previdência, Carlos Lupi, e afastou seis servidores da autarquia. O presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, foi demitido do cargo.

Deputado bolsonarista facilitou fraudes

Ana Pastana - Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – O deputado federal pelo Amazonas Capitão Alberto Neto (PL-AM) foi citado em uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo (Estadão) como relator da Medida Provisória (MP) que flexibilizou o controle sobre descontos em folhas de pagamento de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em 2021. À época, o parlamentar defendeu, em plenário, o parecer que prorrogava por dois anos a margem maior — de 35% para 40% — para acesso a empréstimos consignados por aposentados e pensionistas.

Segundo o jornal, durante a votação em plenário, Alberto Neto revelou que o aumento do prazo foi solicitado pela Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). A proposta inicial era de adiamento até 2023, mas o acordo foi fechado com o deputado para que o prazo fosse estendido até 2022, com a possibilidade de prorrogação por mais um ano, por ato do presidente do INSS.

As duas entidades são suspeitas de realizar cobranças indevidas de mensalidades de aposentados sem autorização dos beneficiários.

“A emenda original prorrogava a revalidação até 2023. Depois, em conversa com

o relator da medida provisória, deputado Capitão Alberto Neto, ficou estabelecido que o adiamento ficaria para 2022, podendo ser prorrogado por mais um ano por ato do presidente do INSS, dando o mesmo efeito prático pretendido”, diz um trecho da reportagem.

A justificativa para o adiamento do prazo de revalidação dos descontos foi a pandemia de Covid-19. “Esse contexto imponderável exige, sobretudo do Poder Legislativo, compreensão, tolerância e dilação de prazos, ante a absoluta impossibilidade de os exigir ao tempo e modo previstos”, dizia o texto da emenda assinada pelo atual ministro da Previdência Social, Wolney Queiroz.

O QUE DIZ O DEPUTADO?

Em nota à CENARIUM, Alberto Neto afirma que a reportagem é uma tentativa leviana de associar seu nome a uma máfia atuante no Governo Lula. O parlamentar ressalta, ainda, que “reafirma o compromisso com a defesa dos aposentados e pensionistas”.

Alberto Neto é aliado do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL), de quem recebeu, em 2024, apoio para a candidatura à Prefeitura de Manaus. O deputado chegou a disputar o segundo turno das eleições municipais, mas não foi eleito.

Deputado federal pelo Amazonas, Capitão Alberto Neto
Crédito: Composição Paulo Dutra | Cenarium

Aposentadoria ou recompensa?

Desembargador afastado por suspeita de irregularidades em decisões judiciais que resultaram em prejuízo milionário é aposentado com salário de R$ 52 mil

Jadson Lima - Da Cenarium

Desembargador Elci Simões vai receber aposentadoria equivalente a 40 salários mínimos

Crédito: Divulgação

MANAUS (AM) – O Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) decidiu aposentar compulsoriamente o desembargador Elci Simões com salário mensal de R$ 52 mil. A decisão foi tomada de forma unânime pelo Pleno da instituição e ocorre cerca de três meses após o afastamento cautelar do magistrado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sob suspeita de irregularidades em decisões judiciais que resultaram em um prejuízo temporário de aproximadamente R$ 150 milhões à Eletrobras.

A aposentadoria foi confirmada nove dias antes de Elci completar 75 anos, a data-limite para exercer cargo no Judiciário, conforme prevê a Constituição Federal. Segundo o presidente do TJAM, Jomar Fernandes, a aposentadoria do magistrado passou a valer a partir do aniversário dele, no dia 22 de maio, e teve valor vinculado ao teto do funcionalismo público, definido pelo salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Durante a sessão do TJAM, transmitida por meio do canal institucional, os magistrados se manifestaram sobre a aposentadoria. O irmão do magistrado, Yêdo Simões, que também ocupa o cargo de desembargador no tribunal, afirmou que Elci foi forjado nos ensinamentos cristãos e

“Nesses

36 anos de magistratura, sempre atuou de forma exemplar

destacou sua atuação “produtiva e alinhada aos anseios dos jurisdicionados”.

“O desembargador Elci [Simões] sempre foi juiz na acepção da palavra. Nesses 36 anos de magistratura — que completaria em 16 de junho —, sempre atuou de forma exemplar e responsável, e fez da magistratura um verdadeiro sacerdócio, dando a cada um o que é seu e participando ativamente de todas as iniciativas do Poder Judiciário do Amazonas voltadas à melhoria da prestação jurisdicional [...] Quero deixar registrada a lembrança da contribuição efetiva do desembargador ao TJAM”, afirmou.

Outros desembargadores que participavam da sessão também pediram a palavra para comentar a aposentadoria do magistrado. Cezar Luiz Bandiera relembrou a atuação de Elci como advogado e o apontou como “ético, dedicado e um grande profissional na advocacia”. Para o juiz, ele cumpriu a sua jornada.

“Conheci o desembargador Elci na advocacia. Ele atuava como um profissional ético e dedicado, que depois enriqueceu a magistratura. Desejo felicidades ao eminente colega, que cumpriu sua jornada na magistratura. Foi um grande magistrado, e fico muito feliz de ter compartilhado anos da minha vida com ele”, disse.

Decisões suspeitas

Afastado das funções desde fevereiro deste ano, o desembargador do TJAM foi o responsável por decisões que suspenderam, mas depois permitiram a realização da quitação de dívidas referentes a valores requeridos pelo advogado Bruno Thomé de Souza. Os valores foram levantados por meio de dez alvarás expedidos em 10 de fevereiro pelo juiz da Comarca de Presidente Figueiredo (AM), Carlos Pimentel, que também foi afastado das funções. Bruno Thomé ingressou com a ação em 2021, representado por um escritório do Amazonas. Próximo ao desfecho do caso, outras quatro bancas de advocacia aderiram ao processo, mas se retiraram após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinar a devolução do valor. Thomé alega que a Eletrobras perdeu prazos para contestar e não questionou a autenticidade dos títulos, que seriam legítimos, segundo ele.

e responsável, e fez da magistratura um verdadeiro sacerdócio, dando a cada um o que é seu”

Yêdo Simões, desembargador

Bebês reborn em pauta na Câmara

Projetos incluem a proibição de atendimentos médicos aos bonecos, sanções administrativas a profissionais que realizarem atendimento e acolhimento psicossocial

Jadson Lima - Da Cenarium

MANAUS (AM) – A Câmara dos Deputados recebeu Projetos de Lei (PLs) que propõem restrições ao uso dos chamados “bebês reborn”, bonecos hiper-realistas que simulam recém-nascidos. As medidas incluem a proibição de atendimentos médicos a essas imitações em unidades de saúde públicas e privadas, sanções administrativas a profissionais que realizarem esse tipo de atendimento, além de acolhimento psicossocial a pessoas que desenvolvam vínculos afetivos com os bonecos.

Um dos projetos foi protocolado pelo deputado federal Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP). A proposta prevê punições para agentes de saúde que realizarem atendimentos a esses bonecos, com sanções que vão de advertência à demissão em casos de reincidência ou grave violação dos deveres funcionais. De acordo com o parlamentar,

Crédito: Divulgação

o objetivo é impedir o uso indevido dos serviços de saúde.

O debate ganhou força nas redes sociais após relatos de cidadãos que teriam levado “bebês reborn” para consultas médicas. Na justificativa do PL, o parlamentar cita o risco de desvio da função dos serviços de saúde, ainda que reconheça que os bonecos podem ser utilizados por pessoas em luto, com traumas ou transtornos psiquiátricos. Esses objetos são utilizados, em geral, como instrumento afetivo por pessoas que vivenciam luto, traumas ou transtornos psiquiátricos. Ainda que tais condições mereçam cuidado, a prática indiscriminada de simular atendimentos médicos a objetos inanimados configura desvio inaceitável dos serviços de saúde, especialmente quando realizados com recursos públicos ou em detrimento da atenção a pacientes reais”, diz trecho.

Outra proposta protocolada na Câmara trata da aplicação de sanção administrativa ao cidadão que tentar usar os “bebês reborn” para obter benefícios destinados a crianças de colo. O PL também prevê multa de cinco a 20 salários mínimos em caso de descumprimento. O autor da proposta, deputado Zacharias Calil (União), defende que, em caso de prática reiterada, o valor da multa seja aplicado em dobro.

“A proposta tem por objeto coibir a utilização dolosa de bonecas hiper-realistas – popularmente conhecidas como bebês reborn – ou de qualquer artifício que simule a presença de criança de colo para auferir benefícios, prioridades e facilidades legalmente assegurados a bebês e a seus responsáveis. Trata-se de conduta que, além de afrontar a boa-fé objetiva que deve reger as relações sociais e de consumo, sobrecarrega serviços públicos”, diz trecho da justificativa do PL.

“A proposta

não pretende, sob nenhuma hipótese, criminalizar, ridicularizar ou patologizar o uso desses objetos, tampouco restringir liberdades individuais ou manifestações legítimas de afeto. Pelo contrário: parte-se do princípio da autonomia do sujeito e da liberdade de conduta”

Rosangela Moro, deputada federal.

Atendimento psicossocial

Apresentado pela deputada Rosangela Moro (União Brasil-SP), o PL 2323/2025 prevê o atendimento psicossocial de pessoas que desenvolvam vínculos afetivos intensos com objetos de representação humana. A proposta prevê o acolhimento humanizado e a escuta qualificada de pessoas que apresentem sofrimento mental relacionado a vínculos afetivos disfuncionais com os “bebês reborn”.

“A proposta não pretende, sob nenhuma hipótese, criminalizar, ridicularizar ou patologizar o uso desses objetos, tampouco restringir liberdades individuais ou manifestações legítimas de afeto. Pelo contrário: parte-se do princípio da autonomia do sujeito e da liberdade de conduta, orientando-se pela necessidade de criar mecanismos institucionais de acolhimento ético e não estigmatizante”, diz a parlamentar na justificativa.

O PL também menciona que a regulamentação de diretrizes será de competência do Poder Executivo, que também

ficará autorizado a firmar convênios e termos de cooperação com instituições públicas e privadas de ensino superior, centros de pesquisa e entidades científicas para promover estudos clínicos, pesquisas e análises científicas sobre o fenômeno dos vínculos afetivos com objetos de representação humana e suas consequências na saúde mental.

TRAMITAÇÃO

Antes de chegar ao plenário da Câmara dos Deputados, as propostas apresentadas devem seguir um longo caminho nas comissões temáticas da Casa Legislativa, que devem debater a constitucionalidade das matérias, além de possíveis alterações nos textos. Caso sejam aprovadas pelos deputados, as medidas devem ser encaminhadas ao Senado, onde seguirão o mesmo rito. Para virar lei, as propostas, após a aprovação do Congresso Nacional, devem ser sancionadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Seminf: mais de R$ 1 bi pagos e distritos esquecidos

Em Manaus, Secretaria Municipal de Infraestrutura movimenta R$ 1 bilhão, em 12 meses, e Distritos de Obras estão com sinais de abandono

Ana Pastana – Da Cenarium

Maquinários da Prefeitura de Manaus cobertos por vegetação no

Crédito: Ricardo Oliveira
Crédito: Luiz André Nascimento | Cenarium
Crédito: Luiz André Nascimento | Cenarium
bairro Cidade de Deus
Distrito de Obras no Morro da Liberdade. Placas de identificação da Seminf improvisadas para tapar buraco no muro do local
Muro com marcas da gestão atual está com a pintura descascando no Distrito de Obras do bairro Cidade de Deus

MANAUS (AM) - A Secretaria Municipal de Infraestrutura de Manaus (Seminf), responsável pelo planejamento, execução, fiscalização e manutenção de infraestrutura urbana da cidade, movimentou mais de R$ 1 bilhão em 2024, de acordo com informações do Portal da Transparência da Prefeitura de Manaus. O valor expressivo, que teve quase meio bilhão de reais destinado ao pagamento de contratos com cinco empresas prestadoras de serviços, expõe uma desconexão dos gastos da pasta com a realidade dos Distritos de Obras da cidade, subunidades da Seminf que estão com estruturas precárias e sinais de abandono.

O valor total do orçamento da Seminf previsto nas Leis Orçamentárias Anuais (LOAs) na gestão do prefeito David Almeida (Avante), desde 2021, quando tomou posse pela primeira vez como prefeito de Manaus, até 2025 (orçamento aprovado em 2024), já em seu segundo mandato, é de R$ 2.702.180.000. As previsões orçamentárias podem sofrer alterações ao longo do ano, a depender de créditos adicionais, reduções ou remanejamentos. O valor movimentado pela pasta no ano passado, por exemplo, é 102,5% superior ao valor previsto pela LOA para o mesmo ano, de R$ 605.552.000. A pasta é comandada pelo secretário e vice-prefeito, Renato

Junior (Avante), do mesmo partido de David Almeida.

Os 18 Distritos de Obras de Manaus, espalhados por todas as zonas da cidade, são responsáveis por executar diretamente os serviços de manutenção e obras nos bairros, como prevenir alagamentos das ruas em decorrência das chuvas, asfaltamento, drenagem e outros serviços. As demandas também são feitas por comunitários e por entes oficiais, como a Câmara Municipal, que solicitam aos Distritos de Obras um determinado serviço.

O valor da movimentação da secretaria pode ser consultado no Portal da Transparência, que, segundo os dados disponibilizados, em 2024, pagou um montante superior a R$ 428,8 milhões a cinco empresas que receberam os maiores valores de pagamento para prestar serviços à pasta ao longo do ano, que vão de recuperação viária a fornecimento de materiais de construção e manutenção de iluminação pública. Entre as cinco, a que mais recebeu durante o período de 2024 foi a Manaus Luz Iluminação Pública SPE Ltda., a quem foi destinado o valor de R$ 127,9 milhões. A empresa está inscrita sob o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) nº 22.768.840/0001-31. Também estão entre as que receberam os maiores valores a Construtora Etam Ltda. (CNPJ

“O bairro é todo esquecido, cheio de buracos, ruas intrafegáveis, principalmente nas ladeiras, que é onde tem mais buracos”

João Vitor, autônomo, morador do bairro Grande Vitória.

Crédito: Luiz André Nascimento Cenarium
Crédito: Reprodução Portal da Transparência
Movimentação de valores pagos pela Secretaria de Obras da Prefeitura de Manaus em 2024

nº 22.768.840/0001-31), que recebeu R$ 97,9 milhões; a F. M. Rodrigues e Cia Ltda. (CNPJ nº 48.893.226/0011-67), com R$ 94,4 milhões; a Nale Engenharia Ltda. (CNPJ nº 04.938.566/0001-10), com R$ 77,1 milhões; e a Construtora Soma Ltda. (CNPJ nº 01.088.73/0001-11), com R$ 31,5 milhões. Somando os valores destinados às cinco empresas, chega-se ao montante de R$ 428,8 milhões.

Ao consultar o Portal da Transparência no que se refere ao total pago pela Seminf em 2024, constam informações como o nome da pasta e dados correspondentes ao valor do empenho (reservado à pasta) de R$ 1.450.640.790,51, acréscimo nesse valor registrado em R$ 135.205.980,76, valor anulado de R$ 381.768.693,55, o valor liquidado (aprovado após verificação da entrega do serviço) de R$ 1.200.508.436,31, o valor pago de R$ 1.216.961.537,81 e o valor anulado de R$ 13.033.726,38.

Logo abaixo, no documento disponibilizado no portal, também consta a informação dos valores destinados à Unidade Executora de Projetos (departamento responsável pelo planejamento, coordenação

e execução de projetos no âmbito municipal), assim como as informações disponibilizadas dos valores gastos pela Seminf. Sendo estes: o valor do empenho de R$ 12.782.599,86, acréscimo nesse valor de R$ 0,00, valor anulado de R$ 3.743.651,66, valor liquidado de R$ 9.038.948,20, valor pago de R$ 9.263.274,79 e o valor anulado de R$ 180.692,80.

Somando os valores pagos de R$ 1.216.961.537,81 e de R$ 9.263.274,79, chega-se à soma de R$ 1.226.224.812,60 movimentados pela Seminf no ano de 2024.

DISTRITOS DE OBRAS

O valor expressivo de verbas movimentadas pela secretaria em 2024 não condiz com a realidade estrutural dos Distritos de Obras da cidade. A CENARIUM visitou dez dos 18 distritos de Manaus para averiguar a situação dos locais, no período de 13 a 20 de maio deste ano, nas zonas Norte, Leste, Sul, Centro-Sul e Oeste, sendo estes localizados nos bairros: Cidade de Deus, Cidade Nova, Santa Etelvina, Mutirão, São José, Jorge Teixeira, Petrópolis, Morro da Liberdade, Aleixo, Compensa e Centro.

As sedes dos Distritos de Obras visitadas pela reportagem estão com sinais de abandono, lixo jogado nos terrenos, máquinas abandonadas, tomadas por vegetação, enferrujadas, com entulhos, reformas inacabadas, com muros quebrados, danificados e sem estrutura na sua maioria. Apesar da situação precária e das condições do local de trabalho oferecidas, trabalhadores dos distritos afirmaram à equipe de reportagem que as subsedes da Seminf funcionam normalmente com a estrutura disponível.

No Distrito de Obras do bairro Cidade de Deus, na Zona Norte de Manaus, maquinários como caminhão-caçamba, rolo compactador, pá carregadeira, tratores de esteira, motoniveladora e uma retroescavadeira estão cobertos por vegetação, enferrujados, inutilizados e danificados. A situação dos veículos indica que eles estão no local há mais de um ano. No local amplo, há entulhos, lixo, canos de concreto, geralmente utilizados para obras de drenagem, vegetação em várias partes do terreno e quatro estruturas de alvenaria para alocar os funcionários. Na entrada, uma guarita contém as cores da identidade visual da Pre-

Crédito: Dhyeizo Lemos Semcom
O prefeito David
Almeida e o vice
Renato Junior em visita à obra do viaduto Rei Pelé

Empréstimos de R$ 1,7 bi para obras

Marcela Leiros – Da Cenarium

Durante o primeiro mandato como prefeito de Manaus, David Almeida acumulou R$ 1.750.000.000 em empréstimos, segundo dados levantados pela CENARIUM. Foram três empréstimos em 2023 — de R$ 470.000.000,00, R$ 100.000.000,00 e R$ 600.000.000,00, respectivamente — e um no ano passado, de R$ 580.000.000,00.

O último, antes de ser autorizado, tornou-se o ponto central de um embate entre a Câmara Municipal de Manaus (CMM) e a prefeitura. Na época, o órgão do Legislativo negou o empréstimo, o que levou o caso à Justiça. Por decisão do desembargador do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), Jorge Manoel Lopes Lins, a Câmara foi obrigada a votar a operação de crédito, aprovada por 22 votos a favor e 18 contra.

Durante o impasse com a CMM, ao comentar a não aprovação do empréstimo, Almeida detalhou em quais áreas seriam aplicados os recursos. Segundo ele, o montante seria usado para asfaltar 2 mil ruas, desassorear 12 igarapés, conter as voçorocas no período de chuvas, construir a primeira Praça da Bíblia, quatro Unidades Básicas de Saúde, quatro creches e 42 terminais de ônibus.

A CENARIUM buscou no Portal da Transparência da Prefeitura de Manaus dados e informações sobre em quais obras municipais os valores dos empréstimos foram aplicados. A reportagem verificou que o portal não disponibiliza detalhes sobre a aplicação desses recursos públicos.

Em 2025, já foram aprovados mais dois empréstimos para a Prefeitura de Manaus,

que somam R$ 2,6 bilhões, e com os quais sobe para R$ 4 bilhões o valor total de empréstimos do Executivo, se somados todos os contratados desde 2021.

A falta de transparência sobre a aplicação dos recursos obtidos por meio de empréstimos levou o vereador Rodrigo Guedes (Progressistas) a reunir 11 assinaturas para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a destinação dos valores. No dia 10 de abril deste ano, o vereador Coronel Rosses (PL) assumiu a missão de viabilizar a CPI, após Guedes abdicar, alegando que seu nome vinha sendo usado como justificativa para a recusa de apoio à investigação dos empréstimos.

A comissão precisa de 14 assinaturas para ser instaurada, no entanto, está “emperrada” na CMM.

Crédito:
Luiz André Nascimento Cenarium
Distrito de Obras do bairro Cidade de Deus

“Descaso e abandono no Distrito de Obras da Zona Norte de Manaus. As consequências disso são as ruas esburacadas, bairros sem infraestrutura e sem condições dignas. A fiscalização não vai parar”

Sargento Salazar, vereador de Manaus.

feitura de Manaus, sinalizando que o espaço é de responsabilidade da gestão municipal. No bairro Cidade Nova, também na Zona Norte, o Distrito de Obras, com as cores da identidade visual da atual gestão, não possui identificação visível à população de que o local se trata de uma unidade de obras da Seminf ou da Prefeitura de Manaus. O local se iguala à unidade da Cidade de Deus, com lixo, entulhos e vegetação por todo o terreno.

Imagens de drone registradas pela CENARIUM sobre o local constataram que a identificação da sede fica estampada no telhado de uma das estruturas do referido distrito. No local, também é possível notar tubos de concreto, bem como alguns maquinários e operários.

Outro bairro da Zona Norte de Manaus que possui um Distrito de Obras para realizar as manutenções de áreas determinadas é o Santa Etelvina. O local, menor em comparação aos demais, tem uma estrutura de alvenaria, com salas com ar-condicionado, computadores e espaço para comportar os operários. No terreno, bastante areia, alguns materiais de auxílio a obras, como pá, enxada, tubos, maquinários e tubos de

Crédito: Luiz André Nascimento Cenarium
Crédito: Luiz André Nascimento Cenarium
Distrito de Obras do bairro Cidade Nova, na Zona Norte de Manaus
Distrito de Obras do bairro Santa Etelvina
“O projeto [de reformas dos Distritos de Obras] está sendo finalizado e as obras começam em breve”

Renato Junior, secretário da Seminf e vice-prefeito de Manaus.

concreto. Na fachada do Distrito de Obras dessa localidade, há uma identificação sobre a funcionalidade do local.

Outra área visitada pela reportagem foi a Zona Leste de Manaus, no bairro São José, onde a situação de abandono é semelhante. O local, assim como outros Distritos de Obras, não tem identificação sobre a funcionalidade do espaço, além de estar tomado por entulhos, montes de areia e vegetação.

Uma pequena estrutura de alvenaria, na cor azul, com um banco de cimento, portas e janelas de ferro também compõe o local. Em outro lado, um banheiro químico e uma estrutura pintada de amarelo e azul.

Reeleição com campanha de R$ 13,7 milhões

Marcela Leiros – Da Cenarium

Em 2024, o Brasil realizou eleições municipais e, em Manaus (AM), o prefeito David Almeida (Avante) foi reeleito no segundo turno, realizado em 27 de outubro daquele ano. Ele obteve 576.171 votos, correspondendo a 54,59% dos votos válidos, superando o adversário Capitão Alberto Neto (PL), que recebeu 479.297 votos (45,41%). O vice de David é o secretário de Obras da prefeitura, Renato Junior, da mesma sigla.

Após a campanha, David Almeida declarou despesas totais de R$ 13.781.888,03, conforme informações do DivulgaCand, sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os três principais doadores da campanha eleitoral foram a direção nacional do Avante, que repassou R$ 12.736.025,00; o empresário Humberto Soares da Silva, que direcionou R$ 800.000,00; e Luciano Pinto Nascimento, que doou R$ 102.000,00.

Na campanha do ano passado, David Almeida também contou com o apoio dos senadores Eduardo Braga (MDB) e Omar Aziz (PSD), aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A Coligação “Avante, Manaus” contou com os partidos Agir, PSD, Democracia Cristã (DC), Avante e Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

Crédito:
Distrito de Obras localizado no bairro São José, na Zona Leste de Manaus
Caminhão abandonado no Distrito de Obras do Petrópolis

Já na Zona Sul da cidade, no bairro Petrópolis, também foram localizados veículos danificados, enferrujados, aparentemente parados no local há algum tempo. O local, mais amplo que os demais, tem a identificação da Prefeitura de Manaus no muro externo da unidade, nomeado de Distrito de Obras de Petrópolis. Canos de concreto, palha seca, vegetação, entulhos e lixo também dividem espaço com materiais de construção e os operários do local, assim como as demais unidades visitadas pela CENARIUM. O local tem um espaço mais elevado, onde consta uma mesa, banheiros e um espaço para que funcionários possam se acomodar antes do trabalho.

Em outro bairro da Zona Sul da capital amazonense, no Morro da Liberdade, a situação é semelhante à dos outros distritos. O descaso com o local é visível à população que transita na via. O muro da unidade está danificado. Para solucionar o problema, placas de sinalização de aviso de obras da Seminf servem de tapumes para cobrir o local danificado do muro. Mais à frente, três estacas de madeira seguram o muro

Crédito: Luiz André Nascimento Cenarium
Crédito: Luiz André Nascimento Cenarium
Outros caminhões abandonados no Distrito de Obras do Petrópolis
Muro encostado com tábuas no Distrito de Obras do Morro da Liberdade

Crédito: Luiz André Nascimento | Cenarium

inclinado, com risco de desabar. Essa é a única identificação do local.

O terreno também contém entulhos, lixo e materiais de obras aparentemente inutilizados. O local também tem uma estrutura de alvenaria para alocar os funcionários. No momento em que a equipe de reportagem estava no local, micro-ônibus também estavam na unidade do Morro da Liberdade, bem como caminhões-caçamba estacionados na parte externa do Distrito de Obras.

Já na Zona Oeste de Manaus, onde fica localizada a sede da Prefeitura de Manaus, no bairro Compensa, a estrutura é diferente dos demais Distritos de Obras visitados pela CENARIUM. Com um muro alto na cor cinza e um portão de ferro na cor preta, o local tem uma casa de alvenaria na cor branca, onde os funcionários da unidade de obras são recebidos. Uma placa, instalada no muro do Distrito de Obras, identifica a funcionalidade do espaço. Sem lixo ou vegetação, o local contava com montanhas de areia e caminhões estacionados na parte interna do ambiente.

Crédito: Luiz André Nascimento | Cenarium
Distrito de Obras do bairro Compensa
Fachada do Distrito de Obras do Centro

No Centro de Manaus, o Distrito de Obras fica localizado na Feira da Banana, dividindo espaço com o estacionamento da feira municipal. A unidade é identificada em um muro baixo, de cor cinza, com gradil na cor laranja. Tem uma estrutura onde há materiais de concreto, veículos de passeio, moto e até um micro-ônibus. O espaço é menor do que o do estacionamento. Uma estrutura improvisada com uma lona na cor azul também consta no local, que acumula entulhos, isopor, carrinhos de mão, uma mesa de madeira com bancos e um banheiro químico. Do lado de fora, além de dividir espaço com um estacionamento particular, também há presença de moradores de rua e usuários de drogas. A equipe de reportagem também visitou o bairro Coroado, na Zona Leste de Manaus, mas o local onde deveria funcionar o Distrito de Obras não foi encontrado. De acordo com informações repassadas pela população, a subsede foi transferida para a sede da Seminf, localizada no bairro Aleixo, Zona Centro-Sul da cidade.

Diferente da realidade encontrada nos dez dos 18 Distritos de Obras visitados pela CENARIUM, a sede da pasta conta com

Crédito: Luiz André Nascimento Cenarium
Distrito de Obras do Centro
Fachada da sede da Seminf, no bairro Aleixo

agentes de portaria, estruturas sinalizadas pela identidade visual da gestão municipal atual, pavilhões divididos por setores e espaços adequados para carga e descargas de caminhões com materiais de obras como areia, tubos de concreto, dentre outros.

RUAS DE MANAUS

A realidade das ruas nos bairros de Manaus é o reflexo do abandono nos Distritos de Obras, como constatou a reportagem da CENARIUM. No bairro Grande Vitória, na Zona Leste de Manaus, a Avenida Açaizeiro, uma das principais ruas do local, apresenta uma cratera que tem impactado a vida da população e as vendas do comércio. Uma lama de esgoto com forte odor também compromete a qualidade de vida dos moradores.

O autônomo João Victor, proprietário de um comércio que fica localizado em frente ao buraco, afirmou que acidentes são registrados diariamente no local. Além disso, a chuva também impacta o comércio. “Todo dia tem acidente aqui. A maioria dos acidentes é causada por moto que

tenta desviar dos buracos, e alguns carros. Quando chove, alaga tudo”, disse.

João também relata que outras localidades do bairro estão intrafegáveis em decorrência dos buracos nas vias. “O bairro é todo esquecido, cheio de buracos, ruas intrafegáveis, principalmente nas ladeiras, que é onde tem mais buracos”, declarou.

O comerciante João Marinho ressalta que a água contaminada prejudica a saúde das pessoas, que acabam tendo contato com a lama. “Nenhuma providência é tomada em relação a essa situação aqui. Essa água que escorre é água da fossa, uma água fedida. Estamos ao lado do colégio e, quando os estudantes saem daqui, que o carro passa, espirra água neles. É um descaso! Essa água está trazendo doenças. Se ela tocar em você, imediatamente a sua pele começa a coçar”.

A aposentada Teresinha Maciel dos Santos, de 93 anos, expressou tristeza e angústia quando a casa dela, onde mora com a irmã com problemas de saúde, também idosa, alagou após uma forte chuva que atingiu a cidade em março deste ano, no bairro

Praça 14, Zona Sul da cidade. Essa não foi a primeira vez que a casa da idosa alagou. Teresinha informou à CENARIUM que, em dias de chuva, precisa se virar sozinha para salvar o pouco que resta na casa. “Quem mais sofre nesse pedacinho sou eu. O pessoal joga lixo, joga isso, joga aquilo, e vai empatando [a água de escorrer pelo bueiro], e sou sozinha para limpar. Quando a chuva vem, em vez de chorar, canta; em vez de ficar calado, conversa, grita, para não se entregar à tristeza”, disse.

Segundo a aposentada, com a pavimentação deteriorada e a dificuldade do tráfego de veículos na rua, carros coletores de lixo enfrentam dificuldades para acessar o local. Com isso, de acordo com Teresinha, o lixo que se acumula na região, com as fortes chuvas, acaba sendo levado para dentro dos bueiros, impedindo a passagem da água e causando alagamentos no entorno.

No bairro Mauazinho, Zona Leste de Manaus, em maio deste ano, um barranco desabou, soterrando casas. De acordo com uma moradora atingida, identificada como Rozineide Queiroz, o problema começou quando uma tubulação passou a jogar água no local. “Pegaram tubulação e jogaram atrás da minha casa. Com o tempo, com a chuva, começou a cavar, quebrar… Começamos a correr atrás, mas [as autoridades] não ligaram, não vieram ver, não vieram fazer nada. Se tivessem tomado providência desde o início, não tinha chegado onde está hoje, porque nossas casas estão correndo risco”, disse.

Segundo a Lei nº 20, de 31 de julho de 2013, é competência da Seminf desenvolver planos estratégicos para implementação de políticas de infraestrutura nas áreas de saneamento básico, drenagem, abastecimento de água, obras públicas, iluminação pública e urbanismo. Além disso, também deve cumprir, acompanhar, fiscalizar e receber obras e serviços de engenharia de interesse da administração direta e indireta.

Crédito: Luiz André Nascimento

DENÚNCIA DE VEREADORES

O vereador de Manaus, Sargento Salazar (PL), utilizou as redes sociais para denunciar a falta de infraestrutura dos Distritos de Obras de Manaus. No Instagram, o parlamentar mostra locais como o Distrito de Obras do bairro Cidade Nova. “Des-

O comerciante João Marinho se queixa da falta de saneamento no bairro Grande Vitória

caso e abandono no Distrito de Obras da Zona Norte de Manaus. As consequências disso são as ruas esburacadas, bairros sem infraestrutura e sem condições dignas. A fiscalização não vai parar”, escreveu.

Após a denúncia do parlamentar, em 8 de abril deste ano, o secretário da Seminf e vice-prefeito de Manaus, Renato Junior, prometeu reformar os 18 Distritos de Obras da capital. “O projeto está sendo finalizado e as obras começam em breve”, afirmou o secretário, sem definir data para o início das obras, na época.

A CENARIUM entrou em contato com a Seminf para solicitar a data do início das obras de recuperação nos Distritos de Obras em Manaus. A equipe de reportagem também solicitou detalhes sobre a movimentação dos mais de R$ 1 bilhão pela Seminf e em que foram aplicados os recursos. Até o fechamento desta reportagem, a revista não obteve retorno.

Crédito: Luiz André Nascimento | Cenarium
Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium
Aposentada Teresinha Maciel dos Santos, moradora da Praça 14, chora após ter prejuízos com alagamento de sua casa
Barranco que desabou no bairro Mauazinho

O vice-prefeito de Manaus e secretário de Infraestrutura,

Meio bilhão para cinco empresas

Saiba a quais empresas a gestão de Renato Junior na Seminf destinou os maiores pagamentos em 2024

Jadson Lima – Da Cenarium

MANAUS (AM) – Sob a gestão de Renato Junior (Avante), a Secretaria de Infraestrutura de Manaus (Seminf) pagou um montante de R$ 428,8 milhões, quase meio bilhão de reais, a cinco empresas que prestaram serviços à pasta ao longo de 2024. A CENARIUM apurou

que os empreendimentos receberam por serviços que vão desde a recuperação viária até a manutenção de iluminação pública da capital amazonense. Além de secretário, Renato Junior também é vice-prefeito de Manaus, na atual gestão do prefeito David Almeida, da mesma sigla.

Os dados do Portal da Transparência apontam que a empresa que mais recebeu durante o período foi a Manaus Luz Iluminação Pública SPE Ltda., cujo valor do pagamento chegou a R$ 127,9 milhões. A empresa é responsável pela concessão para garantir o serviço da rede de iluminação pública de Manaus. Na sequência, apare-

cem a Construtora Etam Ltda. (R$ 97,9 milhões); F M Rodrigues e Cia Ltda. (R$ 94,4 milhões); Nale Engenharia Ltda. (R$ 77,1 milhões); e Construtora Soma Ltda. (R$ 31,5 milhões).

O primeiro pagamento à Manaus Luz Iluminação Pública SPE Ltda. foi referente ao valor empenhado no mesmo ano e ocorreu em 1º de fevereiro de 2024, quando a empresa recebeu cerca de R$ 40 milhões do saldo remanescente do 1º Termo Aditivo ao Contrato 12/2019, firmado em 15 de abril de 2020, com validade até 2045. O valor global da contratação é de R$ 3.133.835.256,25.

Crédito: Composição de Lucas Oliveira | Cenarium
Renato Junior

No período consultado pela CENARIUM, o maior valor pago pela pasta de Renato Junior à empresa ocorreu entre 26 de junho e 13 de dezembro, quando a Prefeitura de Manaus pagou cerca de R$ 74,8 milhões. O Portal da Transparência apontou que os pagamentos foram realizados por meio do programa Serviços de Iluminação Pública de Manaus. O montante integra o contrato global firmado entre a empresa e a Seminf.

CONSTRUTORA ETAM

Os dados consultados pela reportagem indicam a Construtora Etam Ltda. como a segunda que mais recebeu recursos da Seminf ao longo do ano passado, para a prestação de serviços à pasta da infraestrutura da capital amazonense. A empresa é responsável pela recuperação viária da cidade e recebeu, dos cofres municipais,

Cinco empresas que mais receberam da Seminf em 2024

Manaus Luz Iluminação Pública SPE Ltda.

Consultora Etam Ltda.

F M Rodrigues e Cia Ltda.

Nale Engenharia Ltda.

Construtora Soma Ltda.

R$ 127,9 milhões

R$ 97,9 milhões

R$ 94,4 milhões

R$ 77,1 milhões

R$ 31,6 milhões

Extratos mostram os valores totais pagos à empresa Manaus Luz Iluminação Pública SPE Ltda. em 2024

Crédito: Reprodução Portal da Transparência
Fonte: Portal da Transparência da Prefeitura de Manaus.
Ranking de empresas que mais receberam pagamentos da Seminf em 2024

DISTRITOS SEM OBRAS?

ECONOMIA & SOCIEDADE

Extrato de empenho mostra onde o valor global do contrato de R$ 3.133.835.256,25 com a Manaus Luz foi aplicado

viária da área do bairro Alvorada 2, localizado na Zona Centro-Oeste da capital.

R$ 3,1 bilhão

O valor global do contrato da Seminf com a empresa Manaus Luz é de R$ 3.133.835.256,25. Ela foi a que recebeu os maiores valores de pagamento em 2024.

cerca de R$ 97,9 milhões, divididos em 19 vezes.

O primeiro pagamento à Etam ocorreu entre 8 e 17 de março do ano passado, quando os demonstrativos foram emitidos por meio do programa “Mobilidade Urbana de Manaus – Manaus Móvel”, para recomposição do pavimento viário da cidade.

O montante de R$ 6 milhões foi empenhado em 2 de janeiro e é referente à 1ª medição do 3º Termo Aditivo do contrato 039/2022, firmado entre a empresa e a Seminf, e prevê os serviços de recuperação

O Portal da Transparência apontou que, em 1º de março, a pasta de Renato Junior empenhou mais R$ 5 milhões para o programa Asfalta Manaus I, também na área do bairro Alvorada 2. O valor foi pago entre os dias 9 e 17 de abril, após a emissão de seis extratos. Segundo os dados disponíveis para consulta, os recursos são referentes à 2ª medição do 3º Termo Aditivo do mesmo contrato firmado entre a Seminf e a Etam.

Os dados consultados pela CENARIUM mostram, ainda, que a Seminf empenhou, em 29 de fevereiro, R$ 10 milhões para a Etam executar a interligação das avenidas Efigênio Sales e José Lindoso (Torres), localizadas na Zona Centro-Sul da cidade, com a construção do novo viaduto na Rua Rio Preto.

O empenho do montante foi feito no regime diferenciado de contratação 004/2003. Cento e noventa e cinco dias depois, houve o primeiro pagamento, dividido em sete extratos emitidos entre 11 e 17 de outubro.

F M RODRIGUES E CIA. LTDA.

A Construtora Etam Ltda. é seguida pela empresa F M Rodrigues e Cia Ltda., que tem

como atividade principal a construção de estações e redes de distribuição de energia elétrica. Ao longo do ano passado, o empreendimento recebeu, em cinco parcelas, montante que superou R$ 81,3 milhões.

As notas de empenho apontam que o valor se referiu à indenização dos serviços de gestão completa e execução do Sistema de Iluminação Pública (SIP) de Manaus, executados e não pagos, referente ao Termo de Contrato nº 010/2015.

As despesas saíram do caixa do programa Serviços de Iluminação Pública e foram pagas entre os dias 20 de junho e 17 de dezembro do ano passado. “Os pagamentos serão feitos da seguinte forma: mês de maio/2024: 2 (duas) parcelas de R$ 11.808.084,93, totalizando o valor de R$ 23.616.169,86. Nos meses de junho a novembro/2024, parcelas mensais e iguais no valor de R$ 11.808.084,93 cada”, diz trecho do demonstrativo disponível no Portal da Transparência.

ASFALTA MANAUS 3 E USINAGEM DE CONCRETO

A recuperação do sistema viário da área central e do Centro Histórico de Manaus, com pavimentação asfáltica, calçada, meio-fio e sarjeta, levou a empresa Nale

Crédito: Reprodução Portal da Transparência

Engenharia Ltda. a receber cerca de R$ 77,1 milhões no ano passado.

O empreendimento foi contratado pela prefeitura, sob a gestão de David Almeida, por meio do programa Mobilidade Urbana de Manaus – Manaus Móvel. De 27 demonstrativos de empenho, dois deles eram referentes ao exercício de 2023.

Já a Construtora Soma Ltda., especializada em obras de terraplanagem, fecha a lista das cinco empresas que mais receberam da Seminf de Manaus em 2024. Ao todo, foram cerca de R$ 31,5 milhões pagos entre 21 de agosto e 2 de outubro, por meio do Programa de Melhoria da Infraestrutura Urbana e Tecnológica do Município de Manaus (Prominf).

A empreiteira foi a responsável pela prestação de serviços contínuos de usinagem de concreto betuminoso usinado a quente (CBUQ), incluindo o fornecimento dos materiais, conforme consta em extrato.

Demonstrativo aponta o recurso empenhado, o reforço e o valor pago
Extratos apontam as datas em que os valores foram pagos à Construtora Etam Ltda.

DISTRITOS SEM OBRAS?

ECONOMIA & SOCIEDADE

Valores pagos à Construtora Etam Ltda., em 2024

Demonstrativo sobre o pagamento de R$ 5 milhões à Etam

Pagamento da execução de serviços de obra na Zona Centro-Sul de Manaus

ECONOMIA & SOCIEDADE

Crédito: Reprodução Portal da Transparência
Valor total pago à empresa F M Rodrigues consta no Portal da Transparência
Extrato de empenho mostra onde o valor pago à F M Rodrigues foi aplicado

Reprodução Portal da Transparência

Crédito: Reprodução Portal da Transparência

Documento demonstra termo aditivo de contrato entre a Seminf e a Construtora Soma

Crédito:
Valores pagos pela Seminf à Construtora Soma, em 2024

DISTRITOS SEM OBRAS?

ECONOMIA & SOCIEDADE

Valor empenhado e pago à Nale Engenharia pelo sistema viário de Manaus

Vidas debaixo d’água

Cheia no AM já impacta 260 mil pessoas e 28 municípios decretam emergência

Jadson Lima – Da Cenarium

MANAUS (AM) – Subiu para 28 o número de municípios do Amazonas que decretaram situação de emergência em meio à subida dos rios Solimões, Amazonas, Purus, Madeira e Juruá. No período de um mês, as cidades atingidas pela cheia dos rios mais do que dobraram no Estado, e a população afetada ultrapassa 260 mil. Os dados foram divulgados pela Defesa Civil do Amazonas no dia 23 de maio, por meio de um boletim de monitoramento.

O relatório “Operação Cheia 2025”, que traz dados atualizados a partir de sistemas de monitoramento, aponta que os rios Madeira e Alto Solimões concentram o maior número de municípios em situação de emergência, com seis cada. Na sequência, conforme a última atualização, aparecem cinco municípios localizados no Rio Juruá, seguidos pelos rios Médio e Baixo Solimões, com quatro cada. Do Médio Amazonas, duas cidades decretaram emergência e, no Rio Purus, uma.

Um dos municípios que entraram na lista de emergência é Anamã (AM), localizado a 165 quilômetros de Manaus. A cidade é uma das que, ao longo dos anos, tem sido a mais afetada com a cheia do Rio Solimões, chegando a ficar totalmente submersa em grandes cheias, como a que

foi registrada em 2021. A atualização do monitoramento hidrológico do dia 24 de maio apontava que o município estava a 1,60 metro de atingir a marca histórica.

Neste ano, outro município do Estado afetado pela subida dos rios no Amazonas foi Humaitá (AM), distante 332 quilômetros da capital amazonense. A cidade entrou em emergência em 19 de março deste ano, quando o prefeito Dedei Lobo (União) assinou um decreto com validade de 180 dias, para que as autoridades auxiliassem na ajuda humanitária aos afetados. Atualmente, a cidade está no período de vazante, segundo o monitoramento.

Conforme a Defesa Civil, o monitoramento do nível dos rios é feito ao longo do ano e, quando a cota de transbordamento é ultrapassada, o município inicia

Família em uma canoa sobre a água com o mapa do Amazonas
Crédito: Foto de Ricardo Oliveira | Cenarium | Composição de Lucas Oliveira | Cenarium

Crédito: Reprodução

as primeiras ações de resposta, por meio da administração municipal. O órgão estadual explicou que, quando a situação ultrapassa a capacidade local, o Estado assume ações complementares, após a decretação e reconhecimento do estado de emergência.

Um relatório técnico do órgão, publicado em abril deste ano, aponta que “todas

Cheia do Rio Madeira atingiu pico em Humaitá e governo auxiliou afetados

as calhas do Estado do Amazonas estão em processo de enchente, com variações locais”. O documento indicou que a tendência é que os níveis continuem subindo gradualmente e dentro da normalidade. “Já na bacia do Negro, os níveis estão normais, com enchentes em curso”, diz um trecho.

Crédito: Divulgação Prefeitura

O monitoramento hidroclimatológico também aponta que 29 cidades amazonenses estão em alerta por causa do nível dos rios.

ALERTA E ATENÇÃO

O monitoramento hidroclimatológico também aponta que 29 cidades amazonenses estão em alerta devido ao nível dos rios. São elas: Alvarães, Anori, Autazes, Barreirinha, Beruri, Boa Vista do Ramos, Caapiranga, Canutama, Coari, Codajás, Iranduba, Itacoatiara, Lábrea, Manacapuru.

A lista também integra os municípios de Manaquiri, Manaus, Maués, Nhamundá, Novo Airão, Parintins, Pauini, Rio Preto da Eva, São Sebastião do Uatumã, Silves, Tabatinga, Tapauá, Tefé, Uarini e Urucará. A Defesa Civil descreve que esses locais têm grau de risco considerado elevado e necessitam de monitoramento constante.

Dados foram extraídos da Defesa Civil do Amazonas
Cidades em emergência chegam a 28, no AM
Crédito: Composição Lucas Oliveira Cenarium

Concorrência desleal

Câmara dos Deputados aprova criação da Zona Franca do Distrito Federal e Entorno com mesmos benefícios de Manaus; políticos do Amazonas criticam

Ana Cláudia Leocádio - Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) – A Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional (Cindre), da Câmara dos Deputados, aprovou a criação da Zona Franca do Distrito Federal e Entorno com os mesmos regimes tributário, cambial e administrativo previstos para a Zona Franca de Manaus (ZFM), pelo prazo de 25 anos. Proposta pelo deputado federal José Nelto (Podemos/GO), em 2019, o texto passou por duas relatorias, sendo aprovado no dia 23 de abril.

Segundo o Projeto de Lei 4247/2019, a Zona Franca do DF e Entorno terá características de livre comércio de exportação e importação e de incentivos fiscais especiais, e abrangerá 19 municípios do Estado de Goiás e outros quatro do Estado de Minas Gerais.

Em sua justificativa, o autor do projeto, José Nelto, enaltece o modelo da Zona Franca de Manaus, que considera

Zona Franca do DF abrange 19 municípios do Estado de Goiás e outros quatro de Minas Gerais
Proposta é de autoria do deputado federal José Nelto (Podemos/GO)
Crédito: Reprodução Fecomércio

uma “experiência muito bem-sucedida na busca de novas estratégias de desenvolvimento regional adotadas pelo País”. “Sua criação levou à implantação, há mais de meio século, de um polo industrial que representa importante fonte de emprego e renda, avanços tecnológicos e preservação ambiental”, afirma o parlamentar.

Para Nelto, a implantação dessa Zona Franca no DF e Entorno possibilitaria a formação de um polo industrial cujos reflexos

econômicos e sociais se estenderiam por toda a região Centro-Oeste. “Representaria, mais que isso, um primeiro grande movimento em direção à retomada do nosso processo de desenvolvimento, baseado na produção, no emprego e na renda, há tanto tempo aguardado por todos os brasileiros”, ressaltou.

APROVAÇÃO

A votação da matéria foi rápida na Comissão. O relator Gilson Daniel (Podemos/ES) lembrou que o texto já havia recebido um outro relatório pela aprovação, do colega Cabo Gilberto Silva (PL/PB), que não chegou a ser votado, mas teve seus argumentos aproveitados nesse parecer aprovado pela Cindre.

Ameaça para o Amazonas

Para o ex-deputado Marcelo Ramos (PT/AM), aprovar uma Zona Franca na área central do País é acabar com o modelo econômico que sustenta o Amazonas. Em suas redes sociais, ele mostrou indignação com a aprovação da matéria na Comissão da Câmara, sem que nenhum parlamentar do Estado fizesse qualquer protesto. Dois parlamentares do Amazonas são titulares da Cindre: Fausto Júnior (União) e Silas Câmara (Republicanos), e Átila Lins (PSD) é suplente. Fausto e Silas constam com presença na sessão, mas nenhum deles se manifestou na votação do projeto do deputado goiano. A CENARIUM tentou contato com os parlamentares do Amazonas titulares na Comissão, mas não obteve sucesso.

“Criar uma outra Zona Franca na área central do País é acabar com a nossa Zona Franca. E isso foi aprovado sem

“Além de não haver

previsão

para esta

orçamentária
renúncia

fiscal, o projeto

não

está em acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal”

Pauderney Avelino, deputado federal.

que ninguém falasse nada”, reclamou o ex-parlamentar, que, agora, trabalha como consultor em Brasília.

Conforme Ramos, o projeto é danoso para a ZFM por diversas razões. “Se o Distrito Federal, Goiás e o Entorno, que estão muito mais no centro do Brasil e muito mais próximo dos mercados consumidores, com ligação Rodoviária com os outros Estados, uma infraestrutura logística muito melhor do que a nossa, tiverem os mesmos incentivos fiscais que tem Manaus, toda a indústria sairá de Manaus e se instalará lá porque os custos serão muito menores”, advertiu.

O superintendente da Zona Franca de Manaus (Suframa), Bosco Saraiva, disse à CENARIUM que o novo modelo não deve prosperar por conta da Reforma Tributária, que protege os benefícios fiscais do Amazonas.

Agora, o projeto precisa passar pela análise de mais duas comissões da Câmara: a de Finanças e Tributação e a de Constituição e Justiça (CCJ), em caráter conclusivo, sem precisar ir à apreciação do plenário.

“Criar uma outra Zona Franca na área central do País é acabar com a nossa Zona Franca”

Marcelo Ramos, ex-deputado federal.

Deputado do AM pede relatoria

Da Cenarium*

MANAUS (AM) – O deputado federal Pauderney Avelino (União-AM) trabalha internamente, na Câmara dos Deputados, para ser indicado relator do Projeto de Lei nº 4.247/2019, que cria uma Zona Franca do Distrito Federal e entorno, com características de livre comércio e exportação, importação e de incentivos fiscais especiais.

“Vou esperar o PL que cria uma nova Zona Franca no Distrito Federal chegar na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), da qual sou membro, para pedir a relatoria da matéria. Além de não haver previsão orçamentária para esta renúncia

fiscal, o projeto não está em acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal”, disse.

A proposta para a criação de uma zona especial de comércio abrange o Distrito Federal, além de 35 municípios de Goiás e quatro de Minas Gerais, que teriam regime tributário, cambial e administrativo idênticos aos da Zona Franca de Manaus.

“Na CFT esse projeto de Lei não passará. Já estou em contato com o presidente da comissão, deputado Rogério Correia (PT-MG) para que eu possa fazer a análise desta matéria. Trabalharemos para que esse PL não passe desta comissão”, finalizou.

(*) Com informações da assessoria.

de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Roraima: epicentro do feminicídio

Estado liderou o ranking com uma taxa de 10,4 mortes a cada 100 mil mulheres

Marcela Leiros - Da Cenarium*

MANAUS (AM) – Estados da Amazônia Legal concentraram as maiores taxas de homicídios de mulheres em 2023, segundo dados do Atlas da Violência 2025, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Roraima liderou o ranking, com uma taxa de 10,4 mortes a cada 100 mil habitantes, quase o triplo da média nacional, que foi de

3,5. Amazonas, Bahia e Rondônia também registraram índices elevados, todos com 5,9 mortes por 100 mil mulheres. Mato Grosso também figurou no ranking com 5,7, mesma taxa de Pernambuco.

A pesquisadora sênior do fórum, Manoela Miklos, apontou que cada localidade tem sua especificidade. No caso de Roraima, por exemplo, foi considerada a questão do garimpo ilegal. “Fizemos com Roraima um estudo de hipóteses que envolve a presença do garimpo, então é um trabalho que precisa ser feito de olhar com lupa para cada uma dessas unidades e entender quais fenômenos específicos fazem essas taxas se manterem altas”, disse Manoela.

Em contraste, Estados do Sudeste e Sul apresentaram os menores índices de homi-

cídios de mulheres. São Paulo registrou a menor taxa do País, com 1,6 mortes por 100 mil habitantes, seguido por Minas Gerais (2,6) e o Distrito Federal (2,7).

A advogada Amanda Pinheiro, presidente do Instituto As Manas, observa que a violência contra as mulheres é resultado de uma cultura que as objetifica. “A cultura patriarcal que enraíza a educação no machismo faz com que mulheres sejam objetificadas, vistas como propriedade de seus companheiros, que não aceitam que elas sigam suas vidas após o término das relações. Nossa população é de origem miscigenada entre indígenas, povos europeus e nordestinos, o que demonstra que o machismo e a misoginia são uma violação universal de direitos humanos, sendo a

Dados constam no Atlas da Violência 2025, elaborado pelo Instituto
Crédito: Composição Lucas Oliveira | Cenarium

Alta na média nacional

No contexto nacional, os registros de violência contra mulheres no Brasil tiveram alta em 2023, enquanto os homicídios estagnaram, apesar de uma redução geral nos assassinatos no País. Foram 275 mil notificações de agressão, ante 221 mil registros em 2022.

Já a taxa de homicídios ficou em 3,5 mortes por 100 mil habitantes nos dois anos. Números de 2023 mostram 3,9 mil homicídios registrados, com alta de 2,5% ante 2022, que teve 3,8 mil vítimas.

Seis de cada dez casos de violência — 177.086 no total — ocorreram em casa. Em seguida, aparecem registros de violência comunitária (59.611) — aquela praticada por pessoas sem vínculo familiar, como vizinhos, colegas ou desconhecidos —, violência mista (34.653) e do tipo institucional (3.925), quando há algum tipo de hierarquia envolvida.

Todas essas categorias registraram aumento na comparação entre 2022 e 2023.

2,6 mil

No recorte por raça, mulheres negras são as vítimas mais frequentes de homicídio, aponta o Atlas, com 2,6 mil mortes, ou 68,2% dos casos.

violência contra a mulher ainda ‘tolerável e justificável’ pela sociedade”, declarou.

Os dados do Atlas da Violência têm como base o Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde. Por isso, há diferenças entre os números usados no estudo e as estatísticas divulgadas por secretarias estaduais de Segurança Pública e pesquisas feitas a partir de dados criminais. Já os microdados de 2023 do Sistema de Informação de Agravos de Notificação, também do Ministério da Saúde e usados para as informações sobre agressões, são preliminares.

Homicídios de mulheres no Brasil

Taxa

Estados da Amazônia também estão no topo do ranking

Tipos de violência

A violência mais frequente em 2023 foi a física (37,4%), seguida pela múltipla (30,3%). A negligência representou 12% dos casos, e a psicológica e a sexual tiveram proporção, respectivamente, de 10,1% e 9,5%.

Ao longo da trajetória de vida, a negligência é a principal forma de violência contra mulheres de 0 a 9 anos, com 49,5% dos casos. A sexual se torna a mais frequente na faixa de 10 a 14 anos (45,7%). Dos 20 aos 69 anos, é a física a que mais aparece nos registros. A negligência, então, volta a ser a predominante (33,3%) a partir dos 70 anos.

No recorte por raça, mulheres negras são as vítimas mais frequentes de homicídio, aponta o Atlas, com 2,6 mil mortes, ou 68,2% dos casos. “Os números eviden-

ciam o trágico encontro entre a cultura patriarcal e o racismo estrutural, ambos fortemente enraizados no Brasil”, afirma a publicação.

A variação entre as Unidades da Federação também indica a necessidade de políticas públicas focadas. É o caso de Roraima, por exemplo, que tem 10,4 mortes de mulheres por 100 mil habitantes, muito acima da média nacional, de 3,5 mortes.

“Fizemos com Roraima um estudo de hipóteses que envolve a presença do garimpo, então é um trabalho que precisa ser feito de olhar com lupa para cada uma dessas unidades e entender quais fenômenos específicos fazem essas taxas se manterem altas”, diz Manoela. (*) Com informações da Folhapress.

Fonte: Atlas da Violência 2025 / Ipea e Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Crédito: Composição Lucas Oliveira | Cenarium

Indígenas da Comunidade Parque das Tribos, no bairro Tarumã-Açu,

Manaus

Caminhada demorada

Indígenas caminham duas

horas até chegar à parada de ônibus em Manaus

Ana Pastana - Da Cenarium

MANAUS (AM) – Indígenas da Comunidade Parque das Tribos, no bairro Tarumã-Açu, na Zona Oeste de Manaus, enfrentam dificuldades para ter acesso ao transporte coletivo que atende à localidade. De acordo com relatos à CENARIUM, moradores caminham por mais de duas horas para chegar até o ponto de ônibus mais próximo.

O indígena da etnia Guarani, Estevão da Silva Cavalcante, de 16 anos, é natural do município de São Paulo de Olivença (a 985 quilômetros da capital amazonense) e está em Manaus em busca de mais oportunidades de estudo. Estevão, que estuda no bairro São Jorge, na Zona Oeste de Manaus, leva cerca de duas horas e 47 minutos para chegar até a parada de ônibus.

“Às 9h, em ponto, eu já estou vindo para cá [para a parada de ônibus], depois eu pego o ônibus das 11h40 e vou para a escola”, afirmou, acrescentando que faz o percurso a pé todos os dias.

O estudante, que mora em uma região de difícil acesso, reforçou a necessidade de paradas de ônibus mais próximas ao local

onde mora. “A única coisa que eu pediria, mesmo, era que as linhas de ônibus entrassem até lá [em casa] e que também houvesse mais paradas de ônibus por lá”, reforçou.

A dona de casa Jaqueline Duarte da Silva, indígena da etnia Munduruku, também precisa caminhar por um quilômetro para chegar até a parada de ônibus mais

Inviabilidade operacional

A CENARIUM entrou em contato com o Instituto Municipal de Mobilidade Urbana (Immu) para questionar sobre as dificuldades com o transporte coletivo relatadas por moradores da Comunidade Parque das Tribos. Em nota, o órgão informou que “atualmente, nove veículos operam nas linhas que atendem à região”, sendo as linhas 011, 012 e 005.

Questionado sobre por que em algumas regiões da comunidade os ônibus não operam, o instituto municipal infor-

mou que “determinadas localidades ainda não contam com atendimento direto devido à inviabilidade operacional de trajeto e manobra dos coletivos em pontos mais internos da comunidade”.

Além disso, o Immu informou que “mantém estudos técnicos em andamento visando à melhoria do atendimento à comunidade” e que estão “avaliando alternativas viáveis de acesso para garantir maior cobertura, segurança e regularidade nas operações do transporte coletivo na região”.

na Zona Oeste de
Crédito: Composição Paulo Dutra | Cenarium

próxima. A mulher afirma que, no final de semana, a espera por um transporte coletivo pode levar até duas horas. “O transporte, dia de semana, passa a cada uma hora, no final de semana é de duas em duas horas”, disse.

Questionada sobre quanto tempo leva para chegar até a parada de ônibus, Jaqueline afirma que caminha por um quilômetro. “[Ando] um quilômetro para poder pegar o ônibus e, quando para, tem motorista que só ‘Jesus na causa’. Tem uns que estão de bom humor e param, porque o ônibus já vem bem lotado. Aqui, nós necessitamos de mais ônibus. Durante a

semana, seria no caso de três a quatro rotas a mais, para diminuir o prazo de duas a três horas esperando o ônibus. Agora eu estou precisando sair, estou desde 10h50 aqui e só vou pegar 11h45, 12h”, declarou.

Durante a reportagem, a equipe presenciou a espera por um transporte coletivo da dona de casa e da filha dela. Após uma hora de espera, quando um ônibus se aproximou, Jaqueline foi informada de que a motorista estaria indo para o horário de almoço e que outro veículo passaria. “Agora, é esperar até as 12h, 12h30”, lamentou.

Aumento da tarifa

A Prefeitura de Manaus aumentou o valor da tarifa do transporte público de R$ 4,50 para R$ 6, no valor integral. O valor, que passou a valer a partir do dia 20 de abril deste ano, foi oficializado pelo prefeito da capital amazonense, David Almeida (Avante), por meio do Decreto 6.166/2025, publicado em edição extra do Diário Oficial de Manaus (DOM), no dia 19 do mesmo mês.

Segundo a Prefeitura de Manaus, apesar do valor cheio da passagem ser de R$ 6, descontos serão aplicados conforme o perfil do usuário. Passageiros que pagam com dinheiro ou cartão PassaFácil terão desconto e pagarão R$ 5 por viagem. Os estudantes que não possuem gratuidade devem seguir pagando R$ 2,50, mediante apresentação da carteira estudantil válida.

Em fevereiro, o aumento da tarifa do transporte coletivo em Manaus chegou a ser alvo de Ação Civil Pública (ACP), do Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM), para suspender o aumento da tarifa, que seria reajustada de R$ 4,50 para R$ 5. Na época, o MP apontou que o reajuste foi realizado sem a devida transparência, considerando que o Immu e o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Amazonas (Sinetram) não apresentaram estudos técnicos que justificassem o novo valor.

A justificativa para o aumento, de acordo com a Prefeitura de Manaus, seria a renovação da frota. Mas, segundo o MP-AM, “a substituição de veículos é uma obrigação contratual das concessionárias e deveria ocorrer regularmente para garantir um transporte de qualidade”.

Parque das Tribos

O bairro Parque das Tribos, primeiro bairro indígena da capital amazonense, segundo a prefeitura municipal, abriga mais de mil famílias, de 35 etnias. Em 2024, a CENARIUM já havia registrado a dificuldade dos moradores do Parque das Tribos com o acesso ao transporte coletivo no bairro. Na época, o pai de uma estudante do Ensino Médio, Raimundo Nonato, lamentou que a filha precisasse enfrentar um longo trajeto para ter acesso ao transporte coletivo.

“Minha filha sai às 4h da tarde para chegar na escola. Só volta às 21h, em um ônibus lotado e com a mochila pesada nas costas. Quando tem mais sorte, chega às 20h, dependendo do trânsito ou se nada acontece com o ônibus no caminho”, afirmou, na época.

Sâmia Gonzaga da Silva, da etnia Kanamari, moradora do Parque das Tribos desde a fundação, afirmou à reportagem, na época, que muitos indígenas chegaram a perder oportunidades de trabalho devido à demora dos coletivos na região. “A gente passa horas na parada de ônibus e, quando passa, é lotado. A principal situação é que eles demoram. Gostaríamos de mais opções e outras linhas. A situação aqui de transporte é de calamidade“, disse.

A dona de casa Jaqueline da Silva e a filha Aline da Silva
O estudante indígena Estevão da Silva Cavalcante
Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium
Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium

Festival de Parintins: lucro com cultura indígena e exclusão social?

Ka tücüna naina. Saudações, leitor(a). Como advogada indígena com experiência, e como mulher que carrega com orgulho a luta do meu povo, preciso ser clara: o Festival de Parintins não representa os povos indígenas. Pelo contrário, ele simboliza a exclusão, a apropriação indevida de nossa cultura e a invisibilidade de nossas vozes. Em um evento que deveria, ao menos, ser um reflexo do respeito e da celebração de nossas raízes, o que vemos é uma exploração da nossa história e das nossas tradições para o lucro de empresários não indígenas, enquanto os verdadeiros donos dessa cultura são deixados à margem, sem qualquer participação efetiva ou benefício.

O Festival de Parintins, realizado anualmente, tornou-se uma poderosa máquina de lucro para uma elite empresarial composta majoritariamente por pessoas brancas e não indígenas. E uma das estratégias principais do festival é dar visibilidade aos não indígenas, distorcendo a figura do indígena para agradar ao olhar do público, especialmente por meio da criação da personagem fictícia cunhã-poranga, uma “indígena guerreira”. Essa personagem não só é uma representação falsa da cultura indígena, mas também se torna um veículo para a sensualização do corpo da mulher indígena, passando a ideia de que os corpos das mulheres indígenas são objetos de prazer para uma sociedade doente. Cunhã-poranga serve como uma caricatura sexualizada, alimentando estereótipos nocivos e perigosos sobre a mulher

indígena, transformando-a em um objeto de consumo e desejo.

Esse tipo de representação não apenas distorce nossa identidade, mas contribui para a objetificação do corpo das mulheres indígenas, perpetuando a ideia de que estamos à disposição para o prazer e a exploração da sociedade dominante. Essa sexualização é mais do que um estereótipo; ela fomenta a visão de que as mulheres indígenas podem ser tocadas, abusadas e tratadas como mercadoria. Um festival que deveria celebrar nossa cultura e fortalecer nossa identidade se torna um terreno fértil para a exploração e a marginalização de nossas mulheres, criando um ambiente onde a prostituição infantil e a violência contra as mulheres são normalizadas, incentivada pela falsa ideia de que nossos corpos estão à disposição.

O Festival de Parintins, embora envolto em uma fachada de celebração cultural, na realidade busca apenas enriquecer uma minoria. Embora as manifestações culturais dos povos originários sejam belamente expostas nas apresentações, a participação real dos indígenas é completamente ignorada. Somos invisibilizados em nossa própria terra, enquanto nossa cultura e nossos rituais sagrados são recriados e distorcidos por aqueles que não pertencem aos nossos povos. O palco desse evento se tornou um teatro de uma cultura que nos pertence, mas que nos é roubada, sendo interpretada por aqueles que nunca viveram nossa realidade.

A ideia de que o festival “celebra” a cultura indígena é uma falácia. Ele não apenas

ignora os verdadeiros representantes dessa cultura, como também perpetua a falsa ideia de que estamos aceitando ser usados como objetos de entretenimento. Não há crítica da sociedade sobre esse fenômeno, e a presença de indígenas nesses espaços não é tratada com respeito, mas com um silêncio cúmplice, como se nossa presença não fosse necessária para a construção de uma narrativa verdadeira. Não há verdadeira inclusão, mas uma inclusão forçada, uma aparência que visa aplacar as consciências enquanto, na prática, nada muda.

O Festival de Parintins se repete anualmente, consolidando-se como um evento bilionário. Mas o que se observa é que a riqueza gerada pelos empresários, muitos deles oriundos de famílias brancas e ricas, jamais retorna para as comunidades indígenas. Nossos territórios, nossas histórias e nossa cultura são vendidos a preço de ouro, mas nenhuma parte desse lucro é revertida para os povos indígenas, que continuam à margem, sobrevivendo em condições precárias. Esse evento bilionário, que é visto como um marco de celebração cultural, reflete a exclusão e a marginalização de nossa gente, sem qualquer questionamento por parte da população local. A falta de crítica e a normalização dessa realidade são sintomas claros do racismo estrutural e da xenofobia que permeiam a sociedade amazonense.

A desvalorização dos povos indígenas no Amazonas é um problema grave, mas tratado com indiferença por muitos. O festival apenas reforça a política silenciosa de exclusão, onde as histórias e as tradições

Crédito: Arquivo Pessoal

dos povos originários são desrespeitadas e dilaceradas, enquanto os lucros vão para as mãos de poucos. A verdade é que os organizadores do festival não têm interesse em preservar ou respeitar a cultura indígena, mas apenas em gerar lucro e perpetuar a ideia de que nossa presença e nossa história são dispensáveis.

Nós, indígenas, não morremos apenas quando somos assassinados ou vítimas de violência física. Morremos todos os dias quando nossos territórios são roubados, quando nossas histórias são distorcidas e nossas culturas são apropriadas sem nossa permissão. O Festival de Parintins é um reflexo dessa usurpação. Ele é a materialização de um furto cultural, de uma apropriação indevida do que é nosso, sem qualquer respeito por nossas tradições ou participação no processo.

É necessário questionar publicamente: qual povo deu permissão para que seus rituais sagrados fossem transformados em espetáculo? Onde está a consulta, o consentimento, a participação ativa dos indígenas nesse processo? Não podemos

permitir que nossa cultura continue sendo retratada sem nossa voz, sem nosso poder de decisão. Este evento não beneficia as comunidades indígenas, mas enriquece os empresários que fazem parte de uma elite branca e opressora.

Em minha trajetória como advogada, vejo que a luta por justiça para os povos indígenas no Amazonas é uma luta diária contra o racismo, a exploração e a exclusão.

O Festival de Parintins não é uma celebração genuína da nossa cultura. Ele é uma indústria que lucra com nossas tradições, sem nos dar o devido reconhecimento, sem promover nossa verdadeira inclusão e sem garantir que os benefícios alcancem quem realmente precisa. O evento não representa meu povo Kanamari, assim como não representa nenhum outro povo indígena da região. Sua única finalidade é gerar lucro para quem já detém o poder e a riqueza neste Estado, perpetuando um ciclo cruel de exclusão.

Chegou o momento de nos questionarmos, de questionar os organizadores e o governo: por que nossa cultura é usada para enriquecer outros, enquanto nós, indígenas,

continuamos à margem, sendo representados por aqueles que, em muitos casos, nos desprezam? A verdadeira inclusão não se faz com a venda de nossa identidade, mas com a garantia de nossos direitos, de nossa voz e de nossa participação. O Festival de Parintins, infelizmente, não é e nunca será um espaço de verdade para os povos indígenas do Amazonas.

Bapo ikoni. Até a próxima pauta.

(*) Inory Kanamari, primeira advogada indígena do povo Kanamari. Atuou como presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB/AM de 2022 a 2024, vice-presidente da Comissão Especial de Amparo e Defesa dos Povos Indígenas no Conselho Federal da OAB de 2023 a 2024. Também atuou como consultora no projeto de tradução da Constituição Federal para a língua indígena Nheengatu no Conselho Nacional de Justiça. É articulista da REVISTA CENARIUM, ativista, poetisa e membra da Academia de Letras, Ciências e Cultura da Amazônia (Alcama). Escreve como colaboradora toda terça-feira para o Portal Info.Revolução.

Cunhã-poranga do boi Caprichoso, Marciele Albuquerque
Cunhã-poranga do boi Garantido, Isabelle Nogueira
Crédito: Lucas Silva Secom
Crédito: ALex Pazuello Secom

Ativista clama por proteção

Em áudio, o ativista ambiental Pedro Paulo denunciou ameaças de morte e pediu proteção ao governo

Ana Pastana - Da Cenarium

MANAUS (AM) – Após mais de dez dias desaparecido, o ativista ambiental Pedro Paulo de Moraes Lima, 61 anos, deu uma prova de vida por meio de um áudio enviado a um portal de notícias do Pará, segundo apurou a REVISTA CENARIUM. Pedro, diretor da

ONG Guardiões e Amigos do Parque Ecológico (Gape), não era visto desde o dia 6 de maio. Na gravação, ele disse estar vivo e em segurança no Amazonas.

No áudio, Pedro confirma sua identidade e diz estar refugiado no Amazonas. Ele pede proteção ao governo do Estado e à Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Amazonas (OAB-AM). O ativista ainda acusa o advogado Thiago José Souza dos Santos, chamado de “Carcaça”, um homem chamado Renato e outros indivíduos, por agressão física e ameaças.

“Meu nome é Pedro Paulo de Moraes Lima, sou ativista e defensor do Gape, Guardiões Amigos do Parque Ecológico. Estou hoje refugiado político ambiental no Estado do Amazonas, no qual estou aqui para pedir garantia de vida própria ao governo local e à Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, OAB Amazonas, em virtude de ter sido agredido fisicamente e ameaçado de morte pelo advogado Tiago, vulgo ‘Carcaça’, e outros: Renato e um desconhecido aparentando ser miliciano armado, e por uma viatura do 27º Batalhão da Polícia Militar do Estado do Pará”, diz ele.

Pedro é diretor da ONG
Guardiões e Amigos do Parque Ecológico
Crédito: Reprodução | Redes Sociais

Paulo estava desaparecido após uma sequência de episódios envolvendo agressões físicas, denúncias contra a venda irregular de terras e relatos de intimidações. As informações foram registradas em um Boletim de Ocorrência (BO) feito por Rosemary Pereira de Oliveira, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Pará (OAB-PA).

Segundo o relato, Pedro Paulo foi agredido no dia 3 de maio por três moradores do Conjunto Bela Vista, onde atuava como diretor de uma associação socioambiental. Um dos agressores foi identificado como

Pedro Paulo afirma ainda, na gravação, que ficará escondido até que seja garantida sua integridade física. “Me manterei em endereço oculto até que eu possa realmente ter a certeza de minha integridade física e moral, e o meu breve retorno seguro ao meu Estado de nascimento”, consta no áudio enviado ao portal de notícias Info. Revolução.

A CENARIUM entrou em contato com a OAB-AM e com o governo do Estado para solicitar posicionamento referente aos pedidos de proteção feitos por Pedro Paulo, mas não obteve retorno.

Agressão motivou o sumiço

Thiago José Souza dos Santos, advogado. Segundo informou à reportagem o coordenador do Gape, Flávio Trindade, Thiago fez parte de uma diretoria envolvida na possível venda clandestina de áreas de preservação ambiental.

Na tarde da agressão, Paulo passou mal e, após atendimento médico, foi levado para casa por colegas da ONG. No dia seguinte, ele voltou a se sentir mal, desta vez em um ônibus, e foi encaminhado ao Hospital Metropolitano pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). À noite, participou de uma reunião com

militantes do Gape, mas não quis participar da tradicional live (transmissão ao vivo por meio de alguma plataforma digital) semanal do grupo.

Na manhã de 6 de maio, um motorista de aplicativo e amigo próximo de Paulo foi até a casa do ativista para levá-lo a uma consulta médica, mas não o encontrou. Ao usar uma chave reserva e entrar na residência, encontrou um bilhete com os dizeres: “Estou sendo ameaçado de morte”, assinado por Paulo Lima. Essa foi a última vez que tiveram informações do paradeiro do ativista ambiental.

“Meu nome é Pedro Paulo de Moraes Lima, sou ativista e defensor do Gape, Guardiões Amigos do Parque Ecológico. Estou hoje refugiado político ambiental no Estado do Amazonas, no qual estou aqui para pedir garantia de vida própria ao governo local e à Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, OAB Amazonas, em virtude de ter sido agredido fisicamente e ameaçado de morte pelo advogado Tiago, vulgo ‘Carcaça’, e outros”

Pedro Paulo de Moraes, ativista ambiental, em mensagem de áudio enviada a um portal de notícias do Pará.

ONG denunciou sumiço

Fabyo Cruz - Da Cenarium

BELÉM (PA) – O desaparecimento do ativista ambiental Pedro Paulo de Moraes mobilizou entidades de direitos humanos e acendeu o alerta sobre possíveis ameaças enfrentadas por defensores do meio ambiente na capital paraense. A informação foi registrada oficialmente em Boletim de Ocorrência feito por Rosemary Pereira de Oliveira, da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Pará, na Delegacia de Pessoas Desaparecidas.

Segundo o relato, Pedro Paulo foi agredido por três moradores do Conjunto Bela Vista, onde atuava como diretor de uma associação socioambiental. Um dos agressores foi identificado como Thiago José Souza dos Santos, advogado. Segundo informou à reportagem o coordenador do

Gape, Flávio Trindade, Thiago fez parte de uma diretoria envolvida na possível venda clandestina de áreas de preservação ambiental.

Trindade afirma que há um esquema que envolve lideranças comunitárias e profissionais liberais para legitimar a ocupação e venda de áreas públicas, mesmo após pareceres do Ministério Público do Pará (MP-PA) que atestam a ilegalidade dessas transações. “O advogado que agrediu o Paulo era da diretoria que vendeu áreas ambientais dentro do conjunto”, diz.

INVESTIGAÇÃO

O ativista Pedro Paulo é conhecido por denunciar ocupações irregulares e pela defesa de áreas verdes em Belém, especialmente no entorno do Conjunto Bela

Vista, região que tem sido alvo de intensa pressão imobiliária e conflitos de terra. A ausência dele e o bilhete encontrado aumentam a preocupação entre familiares, amigos e militantes ambientais. A OAB-Pará e organizações de direitos humanos acompanham o caso e pressionam por uma resposta célere das autoridades.

A Polícia Científica do Pará (PCEPA) esteve no local e realizou perícia, mas até o momento não divulgou informações oficiais sobre o andamento da investigação. A CENARIUM entrou em contato com a Polícia Civil do Pará (PC-PA) para saber mais informações sobre o andamento das investigações. Por meio de nota, a corporação informou que “a Delegacia de Pessoas Desaparecidas está apurando as circunstâncias do desaparecimento da vítima”.

SSP-AM aponta que os crimes sexuais contra crianças e adolescentes são 12% mais altos no interior do Estado

Ameaça à infância

Crimes sexuais contra crianças são mais frequentes no interior do Amazonas

Jadson Lima - Da Cenarium

MANAUS (AM) – Dados da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) consultados pela CENARIUM apontam que os crimes sexuais contra crianças e adolescentes são 12% mais frequentes no interior do Estado, quando comparados aos casos registrados em Manaus. O painel de indicadores criminais do Centro Integrado de Estatística de Segurança Pública (Ciesp), que registra os delitos, teve a última atualização em março de 2025.

Essa foi a quantidade de ocorrências registradas em cidades do interior do Amazonas no primeiro trimestre deste ano.

Crédito: Composição Paulo Dutra | Cenarium

Ações intensificadas

No final de abril deste ano, a Polícia Civil do Amazonas (PC-AM) divulgou dados parciais sobre as prisões de suspeitos de praticar crimes contra crianças e adolescentes em todo o Estado, no período de janeiro a abril. Segundo as autoridades, 110 pessoas foram presas em cumprimento a mandados de prisão expedidos pelo Judiciário ou em flagrante delito.

A delegada Juliana Tuma, titular da Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca) de Manaus, pontuou que os índices alcançados no primeiro quadrimestre deste ano são resultados da atuação da PC-AM no combate aos crimes contra crianças e adolescentes. Ela também destacou que o estímulo às denúncias tem contribuído para a atuação das autoridades e prometeu intensificar as operações policiais.

“A operação reforça o compromisso das Forças de Segurança e da rede de proteção

com a fiscalização e combate às violações de direitos de crianças e adolescentes, especialmente em áreas de risco e rotas de vulnerabilidade. Iremos intensificar ainda mais as operações, promovendo investigações qualificadas, fortalecimento de parcerias e ações educativas que alcancem cada vez mais famílias, escolas e comunidades”, declarou Tuma.

A delegada também destacou a atuação de outros órgãos para garantir o combate efetivo aos crimes. “O apoio de órgãos como o Conselho Tutelar, Defensoria Pública, unidades de saúde e educação, além das demais Forças de Segurança, tem sido fundamental para o êxito das ações. Essa atuação permite a identificação precoce das situações de violência, o acolhimento imediato das vítimas e a articulação de medidas eficazes tanto na proteção das crianças quanto na responsabilização dos autores dos crimes”, frisou.

Os números revelam que, no primeiro trimestre, foram registradas 139 ocorrências nas cidades do interior, ante 122 na capital amazonense. Os relatórios da SSP-AM não especificam quais são as cidades onde há maior incidência dos delitos. Também não é possível confirmar, por meio do sistema, quantos crimes foram registrados em abril. A reportagem solicitou à SSP-AM os dados por município, mas, até o fechamento da matéria, não houve retorno.

Os cinco crimes contra crianças e adolescentes que constam nos relatórios disponíveis pela pasta incluem: divulgação de cena de estupro; estupro; estupro de vulnerável; importunação sexual; e assédio sexual. O crime mais reincidente é o estupro de vulnerável, com 197 registros em todo o Estado; seguido por importunação sexual (43); estupro (33); assédio sexual (9); e divulgação de cena de estupro (2).

Dia

‘D’

A Depca em Manaus, o Departamento de Polícia Metropolitana (DPM) e o Departamento de Polícia do Interior (DPI) da PC-AM deflagraram a Operação Caminhos Seguros em todo o Estado. O “Dia D” das ações policiais resultou na prisão de 44 investigados na capital amazonense e 33 em municípios do interior.

Segundo a PC-AM, os agentes empregados nas ações realizaram a prisão de 37 pessoas. Em Manaus, foram registradas cinco prisões em flagrante, enquanto no interior ocorreram sete flagrantes. As demais prisões decorreram do cumprimento de mandados de prisão preventiva e sentenças penais condenatórias. A operação também realizou palestras, ações educativas, preventivas e repressivas relacionadas a esses crimes.

“Essa atuação permite a identificação precoce das situações de violência, o acolhimento imediato das vítimas e a articulação de medidas eficazes tanto na proteção das crianças quanto na responsabilização dos autores dos crimes”

Juliana Tuma, delegada.

Crédito: Divulgação PC
Delegada Juliana Tuma, da Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca)

Justiça também determina a realização de um Estudo de Componente Indígena, que deve ser analisado pela Funai

Eneva proibida de explorar gás no AM

Decisão judicial suspende novas licenças à empresa por falta de consulta a indígenas

Marcela Leiros – Da Cenarium

MANAUS (AM) – A Justiça Federal da 1ª Região, por meio da juíza

Mara Elisa Andrade, determinou que o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) deixe de emitir novas licenças ambientais para a exploração de gás e petróleo pela Eneva S.A. nos municípios de Silves e Itapiranga, no interior do Estado. Segundo a decisão judicial, a suspensão

ocorre enquanto a empresa não realizar consulta aos povos tradicionais da região.

A decisão resulta de Ação Civil Pública (ACP) ajuizada em 2022 pela Associação dos Povos Indígenas do Rio Anebá (Apira) e pela Associação de Preservação Ambiental e Cultural (Aspac), organizações filiadas à Rede Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), com o objetivo de suspender o avanço das

atividades da Eneva na região. De acordo com os representantes indígenas, a área impactada pelas operações abriga ao menos sete aldeias, com uma população superior a mil indígenas.

Outras condições estabelecidas pela magistrada são a realização de um Estudo de Componente Indígena (ECI), que deve ser analisado pela Fundação Nacional dos

Violações denunciadas

Em 2024, a reportagem especial da CENARIUM sobre as violações dos direitos de povos indígenas e tradicionais na região do Complexo do Azulão conversou com o cacique da aldeia Gavião Real I, Jonas Mura, que, por viver sob ameaças, foi incluído no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH).

“É lamentável a gente não poder ficar em nossa terra sem escolta (policial). É uma vida totalmente diferente, não poder ter a liberdade de antes, de pescar, de caçar, de fazer o que se gostava”, relatou o cacique.

Mura faz parte das quase 200 famílias indígenas e ribeirinhas que moram

no entorno do chamado “Complexo do Azulão”, localizado entre as cidades de Itapiranga e Silves, distantes 226 e 181 quilômetros de Manaus, respectivamente, no Estado do Amazonas, que está sob a operação de extração de combustíveis fósseis para geração de energia (termelétricas) da empresa Eneva desde 2021.

A Eneva, que virou alvo de investigação do Ministério Público Federal (MPF), também tem denúncias de ameaças de funcionários registradas pelos povos tradicionais, que afirmam ser ignorados no processo de exploração comercial da região, contrariando a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Vitória judicial

Em nota conjunta, a Apira, a Aspac e a Rede GTA celebraram a decisão, afirmando que se trata de “uma importante vitória judicial em defesa dos direitos dos povos indígenas e da proteção ambiental na região do Médio Amazonas”. Para as organizações, é um reconhecimento da importância de um processo judicial coletivo que considere novos fatos e evidências, sobretudo relacionados à garantia de direitos fundamentais como a vida, a saúde e o território.

O grupo cita ainda a atuação do Ministério Público Federal (MPF) e da Funai no caso. “Essa conquista é resultado da resistência e mobilização das comunidades indígenas e tradicionais, que seguem firmes na defesa de seus direitos originários. Também é fruto da atuação decisiva do Ministério Público Federal (MPF) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que vêm cumprindo seu papel na proteção das populações originárias e do meio ambiente”, consta na nota.

Povos Indígenas (Funai), e estudos referentes aos povos isolados da região, que devem ser realizados pela Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC), também da Funai.

A ordem da juíza, que diz respeito ao Complexo do Azulão, ainda determina que a Eneva está proibida de impedir qualquer uso tradicional do território indígena e ribeirinho, em especial nas áreas dos poços sobrepostas ao território indígena Gavião Real. Conforme mostrou a CENARIUM na reportagem “O gás que sufoca na Amazônia”, que expôs o caso de lideranças indígenas do território que viviam sob ameaças de morte por questionarem o processo de exploração de gás e óleo na localidade.

Questionada pela CENARIUM, a Eneva informou que não foi notificada da decisão judicial em referência. “A companhia reitera que seus procedimentos de licenciamento ambiental seguiram todas as etapas necessárias, incluindo a realização de audiências públicas e a expedição de licenças de instalação e operação, conforme as exigências legais”, disse, em nota. O Ipaam também foi questionado sobre o assunto, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

Crédito: Fotos de Ricardo Oliveira
Cenarium | Composição de Lucas Oliveira | Cenarium

Abolição no Brasil ocorreu com a promulgação da Lei Áurea, ou Lei 3.353, de 13 de maio de 1888, sancionada pela princesa Isabel

Sem afirmação de direitos

Especialistas avaliam que a Abolição da Escravatura no Brasil ocorreu sem garantir direitos básicos à população negra

Marcela Leiros - Da Cenarium

MANAUS (AM) – Apesar de tradicionalmente associada a um avanço humanitário, a Abolição da Escravatura no Brasil, em 13 de maio de 1888, não representou a real liberdade dos negros, conforme avaliam especialistas à CENARIUM. Isso porque ocorreu sem garantir

direitos básicos à população negra, após mais de 300 anos de escravidão.

A abolição no Brasil ocorreu com a promulgação da Lei Áurea, ou Lei 3.353, de 13 de maio de 1888, sancionada pela princesa Isabel, que declarou extinta a escravidão em todo o território brasileiro. O País foi um dos últimos do Ocidente a abolir a escravização, conforme citou a historiadora Lilia Schwarcz, no livro Dicionário da Escravidão e Liberdade (2018), no qual é coautora com Flávio dos Santos Gomes.

À CENARIUM, o historiador Juarez Silva Júnior observou que a emancipação não apresentou políticas afirmativas necessárias para a população escravizada durante 350

anos. “Resultou em um ato não emancipatório, de mera abolição, sem qualquer afirmação de direitos ou reparações aos libertos. A Lei Áurea foi a lei mais curta da história brasileira, e não foi à toa“, pontuou Juarez Silva.

O estudioso acrescenta que o dia 13 de maio ainda é considerado uma data comemorativa, quando deveria ser reflexiva. “Mesmo com a popularização do 20 de novembro como ‘data negra’, muitos ainda não entenderam o porquê do esvaziamento do 13 de maio enquanto data comemorativa”, disse ele.

Conforme menciona a doutora em História pela Universidade de São Paulo

Crédito: Composição Lucas Oliveira | Cenarium

Apesar de tradicionalmente associada a um avanço humanitário, a Abolição da Escravatura no Brasil, em 13 de maio de 1888, foi, na prática, resultado de pressões econômicas. Por 350 anos, o Brasil teve sua economia ligada ao trabalho escravizado: exploração do pau-brasil, extração de ouro e pedras preciosas, cana-de-açúcar, criação de gado e plantação de café.

O professor de História Cleomar Lima, que possui 40 anos de magistério, cita duas pressões que culminaram na abolição, ambas envolvendo os ingleses. Na primeira, após a Independência do Brasil e o retorno

Pressões externas

do então príncipe regente Dom Pedro I a Portugal, a regência buscou a Inglaterra após o Banco do Brasil ter sido liquidado. Nesta ocasião, foi exigido o fim do tráfico internacional de escravizados ao País.

Depois, em decorrência da Guerra do Paraguai (1864-1870), o País buscou a Inglaterra novamente, quando recebeu novo ultimato. “Ou acaba com a escravidão, ou então não tem mais ajuda nenhuma, entendeu? Então, Dom Pedro I simulou uma doença, pediu licença do governo e colocou a mulher, a filha [Princesa Isabel], como regente. Era uma mulher, e lhe deu

Exigências

Desde a Independência, em 1822, a Inglaterra vinha exigindo do governo brasileiro ações explícitas para acabar com o tráfico. Como resposta, foi aprovada, em 1831, uma lei que declarava livres os africanos desembarcados em portos brasileiros após aquele ano, mas foi desrespeitada.

Diante da desobediência do novo País independente, a Inglaterra aprovou, em 1845, a Lei Bill Aberdeen para reprimir o tráfico internacional de escravizados. O Brasil ainda resistiu por alguns anos, mas, em 1850, depois de várias ações inglesas contra navios brasileiros, foi aprovada a

Lei Eusébio de Queirós, que extinguiu o tráfico para o País.

Seguidas destas, foram promulgadas a Lei do Ventre Livre, em 28 de setembro de 1871, que declarava livres os filhos de escravizadas nascidos a partir da sua data de aprovação, e a Lei do Sexagenário, que concedia liberdade aos escravizados com mais de 60 anos no Brasil.

Todas culminaram na Lei Áurea, ou Lei 3.353, de 13 de maio de 1888, sancionada pela Princesa Isabel, que declarou extinta a prática da escravidão em todo o território brasileiro.

ordem para acabar com a escravidão, que ninguém iria perceber nada. E, 13 de maio de 1888, foi em um domingo, na hora que o povo ia para a missa, a princesa assinou a Lei Áurea”, explicou Cleomar Lima.

O historiador Juarez Silva Júnior acrescenta: “A abolição já vinha sendo gestada há quase quatro décadas quando ocorreu e, em grande parte, por pressão econômica da Inglaterra e seus interesses de mercado. Todo um processo paulatino e cercado de resistências oligárquicas e políticas aconteceu antes do 13 de maio”.

“Que abolição é essa, que veio sem cidadania, sem direito à escola, sem acesso à terra e sem emprego, mas trouxe violência e criminalização das pessoas negras e de suas práticas cotidianas e culturais?”

Luciana Brito, doutora em História.

e professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Luciana Brito, em entrevista à Folhapress, a abolição ocorreu sem reparação: a liberdade sem renda e a migração para cidades aconteceu sem direito a casas.

“Que abolição é essa, que veio sem cidadania, sem direito à escola, sem acesso à terra e sem emprego, mas trouxe violência e criminalização das pessoas negras e de suas práticas cotidianas e culturais?”, questiona Luciana Brito.

“É claro que o 13 de maio tem um papel importante para a população negra brasileira. Foi criada uma lei oficial que acabava com a escravidão. Mas o dia seguinte deixa um legado que se arrasta até hoje para pessoas que já estão bem distantes da escravidão sob o aspecto jurídico”, diz.

Quadro de representação da Abolição da Escravatura no Brasil
Crédito: Reprodução

A pesquisa revela que mais de 60% das pessoas trans e travestis vivem com até um salário mínimo mensal

Comunidade T desamparada

Estudo aponta que pessoas trans e travestis vivem sem renda e sem direitos trabalhistas no Pará

Fabyo Cruz - Da Cenarium

BELÉM (PA) – No Pará, a população trans, travesti e não binária vive à margem dos direitos trabalhistas, relegada à informalidade, à violência e à prostituição compulsória. Essa é a realidade escancarada pelo estudo “Trabalho, Emprego e Renda Trans no Pará”, conduzido pela Universidade Federal do Pará (UFPA) entre 2022 e 2024. O levantamento, que ouviu 269 pessoas em todas as regiões do Estado, foi coordenado pelo Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA, com apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A pesquisa revela que mais de 60% das pessoas trans e travestis vivem com até um salário mínimo por mês. O desemprego é estrutural: quase metade das travestis (49,2%) está fora do mercado de trabalho

há mais de cinco anos, e menos de 10% têm carteira assinada. A informalidade e a prostituição — muitas vezes como única alternativa de sobrevivência — são a regra.

“Esse estudo evidencia uma exclusão sistemática sustentada por transfobia, racismo e desigualdade de classe”, afirma

o advogado e professor da UFPA Davi Haydee Almeida Lopes, que integrou o núcleo estruturante da pesquisa. “É um retrato do vazio jurídico em que vivemos. Sem leis específicas ou efetiva aplicação das que existem, a violência e a discriminação continuam impunes”, afirma.

Cidadania negada

A exclusão também atinge o acesso à cidadania básica. Apenas 17,9% das pessoas entrevistadas realizaram algum tipo de cirurgia de afirmação de gênero.

A retificação do nome civil ainda é uma barreira gigantesca: 90% das pessoas não binárias e 61% das travestis não concluíram o processo.

Mesmo entre aquelas que acessam serviços de saúde, o atendimento especializado é escasso. O estudo aponta dificuldades graves para consultas psicológicas, hormonização e cirurgias de transição via Sistema Único de Saúde (SUS). Mais de 80% dos entrevistados não recebem nenhum tipo de benefício social.

Davi Haydee destaca que medidas como cotas no ensino superior e incentivos fiscais têm potencial de impacto imediato. “As cotas atacam a raiz do problema: o acesso à educação. Já os incentivos fiscais ajudam quem está fora da escola a entrar no mercado”, explica. Para ele, o Judiciário e o Ministério Público precisam se educar sobre as múltiplas camadas de discriminação enfrentadas por essa população. “A violência começa na infância e atravessa toda a vida. Reconhecer isso é o primeiro passo para garantir direitos. O desconhecimento não pode continuar sendo uma desculpa para negar cidadania”, conclui.

Crédito: Composição Paulo Dutra | Cenarium

PROSTITUIÇÃO COMPULSÓRIA

Um dos dados mais alarmantes do relatório aponta que 61% das travestis e 58% das mulheres trans já exerceram trabalho sexual como única fonte de renda.

A pesquisa chama isso de “prostituição compulsória” — não por escolha, mas pela ausência de alternativas, impulsionada pela rejeição no mercado de trabalho e pela hipersexualização dos corpos trans.

A violência é um componente constante no cotidiano laboral dessa população. Mais

de 90% das pessoas trans relataram discriminação por identidade de gênero no trabalho. Entre as travestis, 35% afirmaram ter sofrido agressões físicas e verbais, enquanto 57% foram vítimas de violência verbal. Os principais agressores? Clientes e colegas de trabalho.

Além disso, o respeito à identidade de gênero é escasso: só 43% das travestis têm seus pronomes respeitados no trabalho. Entre pessoas não binárias, o dado é ainda mais grave — 23% afirmam que nunca são tratadas corretamente.

Transfobia institucionalizada

61%

Das mulheres trans já exerceram trabalho sexual como única fonte de renda.

Para a professora e presidente da Associação Vozes da Diversidade, com sede em Santarém (PA), Adiara Pereira, a principal barreira enfrentada pela população trans no Pará é a transfobia institucionalizada.

Ela descreve a exclusão como uma política não declarada, mas sistematicamente praticada. “A pior barreira é a transfobia disfarçada de desculpa: ‘não tem vaga’. Muitas vezes, a pessoa trans tem formação, está capacitada — como é o meu caso, sou professora com diploma reconhecido pelo MEC —, mas as oportunidades simplesmente não chegam. É um bloqueio silencioso”, destaca.

Adiara relata que, mesmo sendo uma liderança atuante e participando de audiências com o Ministério Público, jamais foi chamada para dialogar com o executivo municipal de Santarém.

“Na campanha, o prefeito chamou todos os coletivos. Depois da eleição, ninguém da comunidade LGBT foi convidado a dialogar. Já tentei contato com o vereador gay da cidade, mas ele nunca me procurou. Está no segundo mandato. Que representatividade é essa?”, questiona.

Ela também critica o uso da religião por gestores como justificativa para o preconceito: “Dizem que não têm precon-

ceito, mas não criam oportunidades. Um gestor deve agir como gestor, não como missionário. Política pública não se faz com pensamento cis para a população LGBT. É preciso escutar e dialogar com os movimentos”.

Adiara defende a criação de espaços de escuta e decisão ocupados por pessoas trans dentro das instituições públicas e privadas. “É preciso parar de usar datas comemorativas como maquiagem. O combate à LGBTfobia tem que ser diário. O preconceito nasce em casa e se espalha na escola, no trabalho, nas instituições. Só vai mudar quando ocuparmos esses espaços com políticas feitas por e para nós”, conclui.

PROPOSTAS PARA REVERTER O CENÁRIO DE EXCLUSÃO

Cotas em universidades e instituições públicas

Auxílio estudantil para pessoas trans

Incentivos fiscais para empresas que contratam pessoas trans

Criação de centros de apoio social e econômico

Observatórios de políticas públicas voltados à população trans

Inclusão da identidade de gênero nos bancos de dados oficiais

Campanhas contínuas de combate à transfobia

O lixo não é tão lixo assim: a reinvenção do futuro pelas mãos das novas gerações

Agestão pública, para além de seus instrumentos técnicos e normativos, encontra sua razão de ser quando se conecta à vida real das pessoas, aos desafios cotidianos das cidades e aos sonhos legítimos das novas gerações. Foi com esse espírito que nasceu o concurso Soluções Sustentáveis, promovido pela Escola de Contas Públicas do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, com o firme propósito de inspirar consciência ambiental, protagonismo estudantil e inovação cidadã.

Entre 97 projetos apresentados por escolas de diversos municípios do Amazonas, destacou-se o trabalho intitulado “O lixo não é tão ‘lixo’ assim: gerenciamento de resíduos sólidos”, desenvolvido pelos alunos Ludmila Miranda e Davi Ferreira Batista, da Escola Almirante Ernesto de Mello Baptista, em Manaus. Sob a orientação da professora Mary Luci Souza Castro Florêncio, a proposta não apenas se destacou tecnicamente — ao propor soluções como bueiro inteligente, produtos de limpeza ecológicos e campanhas de coleta seletiva — mas, sobretudo, emocionou e mobilizou uma comunidade escolar inteira em torno de um ideal: transformar o lixo em esperança e aprendizado.

Como bem sintetizou a diretora Cleny Ferreira Alves, “foi como ganhar um Oscar”. E, de fato, foi. Porque o que se premiou ali foi mais do que

um projeto escolar — foi um gesto de futuro. Um chamado à responsabilidade coletiva sobre o planeta. Uma prova viva de que, quando incentivados, nossos jovens respondem com criatividade, coragem e compromisso ético com a vida.

Vivemos um tempo em que o ordenamento e reaproveitamento dos resíduos sólidos se tornou um dos mais prementes desafios da gestão urbana. O volume diário de lixo gerado pela população urbana exige não apenas soluções técnicas, mas sobretudo mudanças culturais e educativas profundas. É nesse ponto que a iniciativa do TCE-AM revela sua vocação transformadora: utilizar a educação ambiental como ferramenta de cidadania e como plataforma de formação de uma civilização conectada aos princípios da sustentabilidade.

Ao promover o concurso Soluções Sustentáveis, o Tribunal reafirma sua missão pedagógica e seu papel indutor de boas práticas, ampliando o alcance da cidadania ambiental para além dos gabinetes e planilhas. Tocamos corações. Iluminamos mentes. Lançamos sementes.

Nos rostos entusiasmados de Ludmila e Davi, na emoção da mãe Dicelia Assis Batista ao ver o reconhecimento do esforço de seu filho, e na fala inspiradora da secretária adjunta da Seduc, Edilene Pinheiro, está a prova de que a educação ambiental é determinante

para a formação de sujeitos sociais capazes de pensar o coletivo, cuidar da natureza e transformar a realidade.

Este é o caminho mais promissor que o poder público pode trilhar: ouvir as juventudes, confiar no talento das escolas, valorizar a ciência e a criatividade aplicadas aos territórios. Uma sociedade verdadeiramente sustentável começa no pátio da escola, passa pela consciência das famílias e culmina na atuação de instituições que, como o TCE-AM, acreditam na força das ideias e na pedagogia do exemplo.

Que o prêmio concedido à Escola Almirante Ernesto de Mello Baptista seja apenas o início de uma longa jornada de descobertas e transformações. Porque, afinal, como nos ensinou esse projeto inspirador, o lixo pode ser apenas um nome provisório para o que ainda não aprendemos a valorizar. E é valorizando o que parecia descartável que aprenderemos, juntos, a construir o futuro que a Amazônia — e o planeta — tanto precisam.

(*) Atual presidente do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM), Yara Amazônia Lins é graduada em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Amazonas e em Direito pela Universidade Paulista. Ingressou no TCE-AM em 1975 como taquígrafa, sendo auditora-adjunta em 1989 e auditora em 2002. Desde 2014, é conselheira da Corte de Contas.

Crédito: Joel Arthus | TCEAM

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