

PODER E PEDOFILIA: CASO SEFER
Ex-deputado condenado por estupro de vulnerável no Pará segue livre 16 anos após condenação. Manobras jurídicas adiam prisão de Luiz Afonso Sefer. Prestes a fazer 70 anos, ele pode ser beneficiado com prescrição da pena
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Paula Litaiff – MTb 793/AM paulalitaiff@revistacenarium.com.br www.paulalitaiff.com
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Estagiário Administrativo
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Sistema da impunidade
Por Paula Litaiff, Diretora-Geral
Belém, Pará. Uma menina de 9 anos teve sua infância brutalmente interrompida e sua dignidade destroçada por quatro anos, ao ser vítima de estupros sistemáticos cometidos por um político influente do Estado, o ex-deputado Luiz Afonso Sefer. Dezesseis anos após a condenação, reafirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), Sefer segue livre, protegendo-se sob o manto da lentidão processual e das manobras jurídicas. Não se trata apenas de um caso individual, mas de um símbolo: a Justiça brasileira se curva, reiteradamente, ao poder e ao privilégio.
Em 1995, Bontempo, Bosetti, César e Leal nos alertavam que “a violência sexual contra meninas e adolescentes é praticada com requintes de dominação, sustentada por uma estrutura de desigualdade que

naturaliza o abuso como exercício de poder masculino”. A denúncia dessa estrutura é retratada com minúcias na reportagem de João Paulo Guimarães publicada nesta edição da REVISTA CENARIUM, onde os detalhes do processo Sefer revelam um sistema conivente, que não apenas falha em punir o agressor, mas relega a vítima ao esquecimento e à revitimização institucional.
É preciso nomear: essa é uma Justiça de classe, patriarcal e colonial. Não à toa, a maior parte das vítimas de estupro no Brasil são meninas negras, pobres e periféricas. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, 61% dos estupros registrados no País têm como alvo meninas entre 10 e 13 anos. Não é coincidência que Sefer seja apoiado por figuras do alto escalão
do Estado do Pará. Contratos milionários, vínculos familiares de aliados poderosos com o Judiciário e uma rede de proteção política e empresarial tornam o caso um exemplo escandaloso de como o poder se protege.
Como defender um Estado democrático de Direito que naturaliza a impunidade seletiva e brutaliza quem ousa romper o silêncio? O caso Sefer é uma chaga aberta na história do Pará e do Brasil, que exige da sociedade civil, das instituições e da imprensa indignação e mobilização, para que a dor da menina de 9 anos não seja em vão, para que não se apague o crime hediondo cometido em nome da "caridade", para que o estupro de crianças não seja moeda de troca entre os poderes da República.
Justiça igual para cinco “pês”
Por Márcia Guimarães, Editora-Executiva
“As pessoas são tratadas de forma diferente de acordo com seu status, sua cor de pele e o dinheiro que têm. Tudo isso tem um papel enorme no sistema judicial e especialmente na impunidade”. A fala do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, em maio de 2013, em evento da Unesco na Costa Rica, é uma versão polida da máxima popular de que, no Brasil, cadeia é só para preto, puta e pobre, três “pês” da desigualdade. Barbosa, um negro no mais alto cargo do Judiciário brasileiro, sabia bem do que estava falando.
As palavras do ex-ministro dizem muito sobre a reportagem de capa. Nesta edição, trazemos o “caso Sefer”, em que o ex-deputado estadual do Pará, Luiz Afonso Sefer, condenado em 2010 a 21 anos de prisão
por estupro de vulnerável em continuidade delitiva, até hoje não cumpriu um dia sequer da pena. A vítima, uma menina de 9 anos de idade à época, levada de um município do interior para Belém para “trabalhar em casa de família” e estudar, sofreu abusos até os 13 anos de idade.
A condenação foi derrubada ao menos três vezes na Justiça paraense. Com manobras jurídicas de recursos sem fim, a defesa do ex-parlamentar consegue obter decisões que adiam sucessivamente o cumprimento da pena, mesmo com a condenação já tendo sido confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). E, assim, passaram-se 16 anos com o ex-deputado em liberdade, enquanto a vítima vive em uma espécie de prisão sem grades, incluída em programa de proteção, escondida para se manter em
segurança. Agora, Sefer está a dois meses de completar 70 anos, quando haverá chances de possível prescrição da pena.
Além de ex-político, Sefer é médico, branco, cuja família é dona de empresas na área de saúde. Ele também mantém relações de proximidade com figuras poderosas, como o governador Helder Barbalho. Se fosse um trabalhador comum, de baixa renda, ou um “preto, puta ou pobre”, teria Sefer conseguido se manter em liberdade? É um questionamento que a sociedade paraense tem se feito ao longo dos anos.
Aos nossos leitores, deixamos esta edição, desejando o dia em que a cadeia no Brasil não mais será só para pretos, putas e pobres, mas também para políticos e poderosos. Justiça igual para cinco “pês”.

Conexão com a Amazônia
Nasci em Manaus, mas há alguns anos moro nos Estados Unidos. Faço questão de acompanhar o que acontece na minha terra, e a CENARIUM tem sido um veículo fundamental. Ler sobre os povos indígenas, os territórios quilombolas e tudo o que envolve a Amazônia me faz lembrar de onde vim e do quanto nossas histórias importam. Obrigada por manterem essa conexão viva. Aqui do outro lado, sigo acompanhando cada matéria com carinho e orgulho.
Margaret Bizantino Graham Hurricane, Utah – EUA

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Sumário







Procedimento para destravar a BR-319
Marina Silva e Renan Filho acertam retomada das obras da rodovia com exigência de estudos ambientais
Ana Cláudia Leocádio e Jadson Lima –Da Cenarium
BRASÍLIA e MANAUS (AM) – A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, e o ministro dos Transportes, Renan Filho, alinharam procedimentos para viabilizar a repavimentação do “Trecho do Meio” da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), construída durante o Regime Militar e que teve o tráfego interrompido desde o final da década de 1980. A informação foi divulgada inicialmente no dia 15 de julho, pelo jornal Folha de S. Paulo.
À CENARIUM, Marina, afirmou com exclusividade, ainda em 15 de julho, que a criação da proposta de um plano de ação
para fortalecer a governança, o ordenamento territorial e as atividades produtivas sustentáveis na região da BR-319 servirá para pôr “um freio na destruição” da floresta. A medida, que terá a participação de outros ministérios do Governo Lula, visa à retomada do debate sobre o licenciamento da pavimentação e restauração da rodovia que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO).
“O plano terá como base a perspectiva de que a BR-319 abrange um território sensível e sujeito a pressões, e que, portanto, demanda planejamento, governança, articulação interfederativa e soluções de
Os ministros do Meio Ambiente e Mudança do Clima e dos Transportes, Marina Silva e Renan Filho, respectivamente
Crédito: Reprodução Agência Brasil | Composição Lucas Oliveira | Cenarium
curto, médio e longo prazo”, disse o MMA em nota.
Segundo o ministério, a proposta em debate alia a implementação efetiva e urgente de áreas protegidas, a destinação de florestas públicas, o reconhecimento dos territórios de povos e comunidades tradicionais, estratégias de regularização ambiental e fundiária para a população rural local e a retomada de terras griladas para restauração florestal. A medida envolve, ainda, o fortalecimento da fiscalização ambiental e fundiária, das investigações contra a grilagem de terras e do monitoramento, prevenção e controle de incêndios.
Marina já havia anunciado, durante audiência pública na Comissão de Agricul-
tura da Câmara, no dia 2 de julho, que, ao contrário dos demais ministros dos Transportes, Renan Filho se dispôs a fazer todo o processo de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) para a área de abrangência da BR-319. O objetivo é buscar governança, evitar o esquema de grilagem de terras e a invasão de áreas nos 400 quilômetros de floresta ao longo da rodovia. “Quando se faz uma estrada, são destruídos pelo menos de 30 quilômetros a 50 quilômetros, de uma margem à outra”, afirmou Marina, na sessão.
Aos deputados, a ministra também disse que nunca declarou ser contra a repavimentação da estrada, somente cobra que seja feita da forma correta, para evitar o que já ocorreu em outras rodovias na Amazônia, que se tornaram vetores de desmatamento.
Um exemplo é a BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), com histórico de desmatamento e degradação.
“O ministro Renan não está brigando com a realidade e com a ciência. Vamos fazer a Avaliação Ambiental Estratégica para a área de abrangência e vamos criar unidade de conservação de um lado e do outro, porque a estrada é para as pessoas irem para Rondônia, para irem ao médico, para levar as crianças à escola. Não é isso o que está sendo dito? Então, é unidade de conservação de um lado e unidade de conservação do outro, é um processo de governança”, declarou Marina aos deputados.
Conforme informações da Folha, o acordo foi batizado de “Plano BR-319” e

Vista aérea em trecho da BR-319
“Oministro Renan
não está brigando com a realidade e com a ciência. Vamos fazer a Avaliação Ambiental Estratégica para a área de abrangência e vamos criar unidade de conservação de um lado e do outro”
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, em audiência pública na Comissão de Agricultura da Câmara, no dia 2 de julho.
glebas públicas, que precisam ser resolvidas com a criação de unidades de conservação, por exemplo, além da promoção da regularização fundiária e da proteção das Terras Indígenas.
VÁRIAS TENTATIVAS DE PAVIMENTAÇÃO
A BR-319 tem, ao todo, 918 quilômetros de extensão e foi construída para conectar o Estado do Amazonas aos Estados de Rondônia e Roraima durante o Regime Militar (1964-1985). A rodovia teve as obras iniciadas em 1968, foi inaugurada em 1972 e fechada definitivamente para o tráfego contínuo em 1988. Suas partes trafegáveis estão localizadas nos extremos, próximos a Manaus e Porto Velho. O trecho do meio, entre os quilômetros 250 e 655, tem sido, há décadas, motivo de demandas políticas e empresariais pela repavimentação.
O relatório, de 64 páginas, traz um histórico das mudanças que ocorreram ao longo de décadas, inclusive na legislação brasileira, principalmente no aspecto ambiental. “Após a última reunião do Grupo de Trabalho que discutiu a otimização da BR-319, o documento foi disponibilizado aos diversos órgãos participantes, para pactuação ou sugestão de ações a serem desenvolvidas com o apoio do Ministério dos Transportes”, informou o MT.
cria um cronograma de ações de proteção ambiental e de desenvolvimento para os moradores do entorno. Além do AAE, “o documento elenca as preocupações socioambientais para a formulação de políticas públicas na região. Além de prever o controle do desmatamento, o estudo deve conter medidas para fortalecer comunidades locais e resolver os problemas de titularidade de terras que se espalham ao longo do traçado da rodovia”.
Sobre a Avaliação Ambiental Estratégica, ressalta a Folha, a estatal Infra S.A., ligada ao Ministério dos Transportes, será a encarregada de contratar a consultoria independente e especializada na região para realizar os estudos. A partir da assinatura do contrato, a empresa terá oito meses para elaborar a AAE.
Por ser considerada uma “zona de impacto crítico”, a previsão é que sejam adotadas ações de monitoramento e controle ambiental, combate ao desmatamento e fiscalização ostensiva na área da BR-319, informa o jornal.
Marina também já manifestou, em várias ocasiões, preocupação com a destinação das
Desde o fechamento da rodovia em 1988, a estrada só começou a receber novas obras a partir de 2001, em alguns trechos. Em 2005, abriu-se uma nova discussão sobre a repavimentação e reconstrução de toda a extensão, que foi embargada pela Justiça Federal com a exigência de Estudos de Impacto Ambiental (EIA/Rima) para a continuidade das obras. Desde então, houve sucessivas tentativas de retomada dos trabalhos, em 2008, 2011 e 2021, sem avanços concretos.
Em julho de 2022, as obras do trecho do meio receberam Licença Prévia (LP) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), etapa que abriu prazo para que o Ministério dos Transportes apresentasse o pedido de Licença de Instalação (LI), o que, até hoje, não ocorreu. A Justiça Federal suspendeu a Licença Prévia, a pedido do Observatório do Clima, e agora o governo federal vai recorrer da decisão.
Após pressão política das bancadas parlamentares do Norte, o governo federal instituiu, em novembro de 2023, o Grupo de Trabalho da BR-319, que reuniu diversos órgãos para apresentar sugestões e soluções. O relatório, divulgado pelo Ministério dos Transportes em junho de 2023, concluiu pela viabilidade da repavimentação da rodovia e apontou algumas providências para atender às condicionantes socioambientais exigidas para a concessão das licenças.

“Os Ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e dos Transportes, em atuação coordenada com a Casa Civil, elaboram proposta de plano de ação para fortalecer a governança, o ordenamento territorial e as atividades produtivas sustentáveis na região da BR-319, como premissa para retomada do debate sobre o licenciamento da pavimentação e restauração da rodovia.
O plano terá como base a perspectiva de que a BR-319 abrange um território sensível e sujeito a pressões, e que, portanto, demanda planejamento, governança, articulação interfederativa e soluções de curto, médio e longo prazo. Essas vulnerabilidades devem ser plenamente consideradas na discussão sobre a pavimentação, de modo que uma eventual obra não implique prejuízos socioambientais.
A proposta em debate entre os ministérios alia a implementação efetiva e
Leia a nota do MMA na íntegra
urgente de áreas protegidas, a destinação de florestas públicas, o reconhecimento dos territórios de povos e comunidades tradicionais, estratégias de regularização ambiental e fundiária para a população rural local e a retomada de terras griladas para restauração florestal. Envolve, ainda, o fortalecimento da fiscalização ambiental e fundiária, das investigações contra a grilagem de terras e do monitoramento, prevenção e controle de incêndios.
Os trabalhos serão conduzidos por dois colegiados interministeriais: uma comissão composta por ministros e um comitê executivo formado por representantes técnicos. O plano será estruturado em três eixos principais:
► Ações emergenciais de governança socioambiental para a região da BR-319 numa faixa de 50 km para cada lado da rodovia, a serem promovidas pelos
órgãos federais em articulação com Estados e municípios;
► Implementação de Parceria Público-Privada para estruturar uma governança de longo prazo para a região, com desenvolvimento sustentável e respeito ao meio ambiente e às populações locais, também considerando o raio de 50 km para cada lado da estrada;

► Avaliação Ambiental Estratégica para mapear os possíveis impactos na área de influência da BR-319.
Espera-se que a implementação do plano alcance resultados concretos na redução do desmatamento, grilagem e incêndios na região. A partir disso, o processo de licenciamento ambiental poderá ser retomado, tendo como foco a mitigação dos impactos diretos e indiretos dimensionados no plano de ação”.
Maquinário

Bancada (anti) Amazônica na votação do PL 2159
Quase 75% dos deputados da Amazônia apoiam flexibilização do licenciamento ambiental; veja votação
Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium
BRASÍLIA (DF) – Dos 91 deputados federais que compõem a Bancada da Amazônia na Câmara dos Deputados, 67 votaram a favor do Projeto de Lei 2159/2021, que estabelece a Lei Geral do Licenciamento Ambiental no Brasil, apelidada pelos ambientalistas como “PL da Devastação”. Isso corresponde a cerca de 75% dos representantes da região amazônica na Câmara Baixa. Os demais, 18 não votaram e seis se posicionaram contra a proposta.
O projeto foi aprovado na madrugada do dia 17 de julho, por 267 votos favoráveis e 116 contrários. Com texto originado na Câmara dos Deputados, a proposta foi ao Senado, onde sofreu 32 mudanças, o que, na opinião das frentes parlamentares ambientais no Congresso, piorou ainda mais o que já havia saído ruim da Casa, em 2021.
Das nove bancadas da Amazônia na Câmara, somente a de Tocantins, formada por oito parlamentares, aprovou o projeto com 100% dos votos, seguida do Mato Grosso e Rondônia, com sete apoios cada. Dois parlamentares não votaram na sessão:
Emanuel Pinheiro (MDB-MT) e Lúcio Mosquini (MDB-RO).
As bancadas do Acre e Amazonas contribuíram com seis votos cada, para a aprovação do projeto. Somente os deputados Socorro Neri (PP-AC) e Amom Mandel (Cidadania-AM) votaram contra, enquanto Meire Serafim (União-AC) e Pauderney Avelino (União-AM) não votaram na sessão.
Dos 17 parlamentares da bancada do Pará, 12 foram favoráveis ao “PL da Devastação”. Os votos contrários vieram dos representantes do PT, que receberam orientação da bancada para rejeitar o texto: Airton Faleiro e Dilvanda Faro. Elcione Barbalho, Renilce Nicodemos e José Priante, do MDB, não votaram.
Estado com parte do território na Amazônia e com a maior bancada da região na Câmara, o Maranhão deu 12 dos 18 votos à proposta. Somente o deputado Márcio Jery (PCdoB) votou contra, enquanto Hildo Rocha (MDB), Junior Lourenço (PL), Marreca Filho (PRD), Pedro Lucas (União) e Rubens Pereira Jr. (PT) não votaram na sessão.
Dos oito parlamentares de Roraima, cinco votaram a favor da proposta e três não votaram: Albuquerque (REP), Defensor Stélio Dener (REP) e Helena Lima (MDB). A bancada do Amapá foi a que contribuiu com a menor quantidade de votos proporcionais ao projeto, com quatro apoios. O deputado Dorinaldo Malafaia (PDT) foi o único contrário. Não votaram na sessão
Professora Goreth (PDE), Silvia Waiãpi (PL) e Sonize Barbosa (PL).
Havia uma expectativa de que o projeto tivesse a votação adiada para depois do recesso, em agosto, mas a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de derrubar o Decreto Legislativo do Congresso sobre o IOF, aliada à decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de vetar o projeto que aumenta o número de deputados, inviabilizou qualquer negociação. O PL do Licenciamento acabou tendo sua votação concluída às 3h40.
Ao encerrar os trabalhos, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que o texto atende a praticamente 70% de tudo o que foi solicitado pelo governo. Além disso, ao retornar do Senado, os deputados têm pouca margem de mudança, podem somente rejeitar ou aprovar as mudanças.
“Até o último momento, antes de trazermos a matéria ao plenário, nós buscamos negociar com o governo, com o líder José Guimarães, com o ministro da Casa Civil, para construir a convergência de um projeto que fosse bom para o País. Nós respeitamos todos os posicionamentos divergentes”, afirmou Motta.
Com a aprovação do PL 2159/2023, a matéria agora segue para a sanção ou veto do presidente Lula, que tem 15 dias para tomar essa decisão. Caso decida vetar total
Crédito: Marcelo Camargo Agência | Brasil | Composição Lucas Oliveira | Cenarium
Votação no Plenário da Câmara dos Deputados
ou parcialmente o texto, os deputados e senadores ainda podem derrubar ou manter as vedações.
AS MUDANÇAS PREVISTAS
Segundo informações da Agência Câmara, o relator do projeto, deputado Zé Vitor (PL-MG), incorporou em seu substitutivo 29 das 32 duas emendas do Senado. Dentre as mudanças mais polêmicas inseridas pelos senadores estão a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) e a Licença Ambiental Especial (LAE), apresentada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) em plenário. Há, ainda, a Licença Ambiental Única (LAU), que pode reunir todas as licenças numa só.
Atualmente, o Brasil não dispõe de uma Lei Geral do Licenciamento e tem todo o processo regido em nível federal pela Resolução 237/1997, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), órgão colegiado do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) criado pela Lei 6.938, de 1981. Os Estados e municípios também possuem normas próprias para regulamentar os licenciamentos, assim como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

ACRE
Antônia Lúcia (Republicanos) Sim Coronel Ulisses (União) Sim
Eduardo Velloso (União) Sim
Meire Serafim (União) Não votou
Roberto Duarte (Republicanos) Não
Socorro Neri (PP) Não
Zé Adriano (PP) Sim Zezinho Barbary (PP) Sim

AMAPÁ
Acácio Favacho (MDB) Sim
Augusto Puppio (MDB) Sim
Dorinaldo Malafaia (PDT) Não
Josenildo (PDT) Sim
Professora Goreth (PDT) Não votou
Silvia Waiãpi (PL) Não votou
sonize Barbosa (PL) Não votou
Vinicius Gurgel (PL) Sim

AMAZONAS
Adail Filho (Republicanos) Sim
Amom Mandel (Cidadania) Não
Átila Lins (PSD) Sim
Capitão Alberto Neto (PL) Sim Fausto Santos Jr. (União) Sim Pauderney Avelino (União) Não votou
Sidney Leite (PSD) Sim
Silas Câmara (Republicanos) Sim

MARANHÃO
Allan Garcês (PP) Sim
Aluisio Mendes (REP) Sim
Amanda Gentil (PP) Sim Cleber Verde (MDB) Sim Detinha (PL) Sim
O modelo vigente de licença ambiental é conhecido como trifásico, com as licenças Prévia (LP), de Instalação (LI) e de Operação (LO). Pelo texto aprovado pelo Congresso, serão agora sete tipos de licenciamento com a definição de prazos para emissão, validade e renovação. Além desses três tipos tradicionais, foram criadas a LAC, LAE, LAU e a Licença de Operação Corretiva (LOC).
Pelo Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC), o empreendedor precisa preencher um formulário se comprometendo a cumprir as normas, sem a necessidade de submeter o projeto à análise técnica. A crítica a essa mudança se dá no fato de abranger obras de médio impacto, uma vez que era restrita aos de baixo impacto.
A LAE foi apresentada por Alcolumbre para abranger projetos estratégicos, que precisarão ser definidos por decreto, pelo Poder Executivo, e podem prescindir de licenciamento. A emenda chega no momento em que o País discute a exploração de petróleo da Margem Equatorial, a 500 quilômetros da costa do Amapá.
ALGUMAS ATIVIDADES ISENTAS
A nova proposta também definiu, entre outros pontos, as atividades que
Duarte Jr. (PSB)
Sim
Flávio Macedo (PODE) Sim
Hildo Rocha (MDB) Não votou
Josimar Maranhãozinho (PL)
Josivaldo JP (PSD)
Junior Lourenço (PL)
Juscelino Filho (União)
Márcio Honaiser (PDT)

Sim
Sim
Não votou
Sim
Sim
Márcio Jery (PCdoB) Não
Marreca Filho (PRD) Não votou
Pastor Gill (PL)
Sim
Pedro Lucas (União) Não votou
Rubens Pereira Jr. (PT) Não votou
MATO GROSSO
Coronel Assis (União)
Coronel Fernanda (PL)
Emanuel Pinheiro (MDB)
Gisela Simona (União)
José Medeiros (PL)
Juarez Costa (MDB)
Nelson Barbudo (PL)
Rodrigo da Zaeli (PL)

PARÁ
Airton Faleiro (PT)
Andreia Siqueira (MDB)
Antônio Doido (MDB)
Delegado Éder Mauro (PL)
Delegado Caveira (PL)
Dilvanda Faro (PT)
Dra. Alessandra Haber (MDB)
Elcone Barbalho (MDB)
Henderson Pinto (MDB)
Joaquim Passarinho (PL)
José Priante (MDB)
serão isentas da necessidade de licenciamento: cultivo de espécies agrícolas e pecuária extensiva e semi-intensiva; pecuária intensiva de pequeno porte; pesquisa de natureza agropecuária sem risco biológico; empreendimentos militares; empreendimentos de porte insignificante; intervenções emergenciais; obras de serviço público de distribuição de energia elétrica até 69 quilovolt; usinas de triagem e reciclagem de resíduos sólidos e da construção civil; pátios e estruturas para compostagem.
Uma emenda apresentada pelo senador Eduardo Braga (MDB), no plenário do Senado, foi mantida na Câmara, e prevê a dispensa de licenciamento para estradas já pavimentadas anteriormente, o que abrange a BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). A emenda é tida como solução para destravar as obras que carecem, há décadas, do licenciamento do Ibama.
Outro ponto da proposta aprovada e que causou a fúria dos movimentos sociais, é a que prevê a consulta pública para aqueles empreendimentos que impactarem Terras Indígenas e quilombolas homologadas.

Sim
Sim
Não votou
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Não
Sim
Sim
Sim
Sim
Não
Sim
Não votou
Sim
Sim
Não votou

Keniston Braga (MDB) Sim
Olival Marques (MDB) Sim
Pastor Cláudio Mar (MDB) Sim
Raimundo Santos (PSD) Sim Renilce Nicodemos (MDB) Não votou
RONDÔNIA
Cel. Chrisóstomo (PL) Sim
Cristiane Lopes (União) Sim
Dr. Fernando Máximo(União) Sim
Lebrão(União) Sim
Lúcio Mosquini (MDB) Não votou
Maurício Carvalho (União) Sim
Silvia Cristina (PP) Sim
Thiago Flores (Republicanos) Sim

RORAIMA
Albuquerque (Republicanos) Não votou
Defensor Stélio Dener (Republicanos) Não votou
Duda Ramos (MDB) Sim
Gabriel Mota (Republicanos) Sim
Helena Lima (MDB)
Nicoletti (União)
Pastor Diniz (União)
Zé Haroldo Cathedral (PSD)

TOCANTINS Alexandre Guimarães (MDB)
Antônio Andrade (Republicanos)
Gaguim (União)
(PL)
(PL)
Júnior (PP)
COMO VOTARAM OS DEPUTADOS DA AMAZÔNIA

Entidades apontam ameaça ao futuro e pedem veto de Lula
BRASÍLIA (DF) – A aprovação do Projeto de Lei (PL) do Licenciamento Ambiental, também apelidado de “PL da Devastação”, desencadeou reações contra um marco legal que pode comprometer o futuro do País, segundo o Observatório do Clima. Nas redes sociais, aumenta a pressão para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vete a proposta. O texto, aprovado pelo Senado em maio, aguardava a análise da Câmara sobre as 32 modificações feitas pelos senadores.
Logo após o final da votação do PL do Licenciamento, durante a madrugada, o Observatório do Clima (OC) divulgou uma nota, na qual afirma que o Congresso Nacional “desmonta o principal instrumento de controle dos impactos ambientais de empreendimentos no País”. A organização classifica a legislação como inconstitucional, que será contestada na Justiça, pois vai resultar em conflitos e insegurança jurídica para empreendedores e investidores.
“A aprovação do Projeto de Lei 2.159/2021 é o maior retrocesso ambien-
tal legislativo desde a ditadura militar (1964-1985) e ocorre a menos de quatro meses da COP30, a conferência do Clima da ONU, que será realizada em Belém”, diz a entidade.
Para o Observatório, os presidentes das duas Casas, Davi Alcolumbre e Hugo Motta, ignoraram todos os alertas de especialistas, da sociedade e da ciência sobre os riscos trazidos pelo PL do Licenciamento. “O licenciamento ambiental pode ser aperfeiçoado, mas isso deve ser feito com participação da sociedade e critérios técnicos e científicos. O PL 2.159 é a antítese da solução para o licenciamento”, reitera a nota.
O documento lembra, ainda, que “foi o licenciamento ambiental que mudou a realidade de regiões como o município de Cubatão (SP), o “Vale da Morte” nas décadas de 1970 e 1980. Ao rifar a proteção do meio ambiente e da saúde para atender a interesses de setores empresariais e do agronegócio por menos controle, o Congresso ameaça o País”, afirma.
Para a coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, em vez de aperfeiçoar as regras do licenciamento e a avaliação de impactos ambientais, o Congresso optou por consolidar a lei da não-licença e o autolicenciamento.
“Um apertar de botão, sem apresentação prévia de qualquer estudo ambiental, será o procedimento padrão que gerará a maior parte das licenças no País, na modalidade por Adesão e Compromisso. Já a chamada Licença Ambiental Especial, criada para facilitar grandes empreendimentos, é oficialmente guiada por interesses políticos”, afirma Araújo.
O secretário executivo do OC, Marcio Astrini, declara que o texto aprovado expõe a capacidade de destruição do Congresso e coloca o governo federal sob escrutínio. “Tal como foi aprovado, o projeto de lei estimula o desmatamento e agrava a crise climática. O presidente Lula diz que o Brasil vai liderar a agenda ambiental pelo exemplo. O veto do PL 2.159, às vésperas da COP 30, é a oportunidade perfeita para transformar o discurso em
Crédito: Composição Paulo
Dutra
Cenarium
prática. Esperamos que ele cumpra seus compromissos de campanha e rejeite esse texto absurdo aprovado pelo Congresso brasileiro”, conclui.
MARINA FALA EM ‘ADEUS À PROTEÇÃO’
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, divulgou, em suas redes sociais, depois da aprovação da matéria, trechos de uma entrevista em que considera a proposta um “adeus à proteção ambiental”.
“É momento de muita preocupação. (que envolve) Tudo aquilo que foi construído ao longo de décadas, para proteger o meio ambiente, pois o licenciamento é uma das principais ferramentas dessa proteção. À medida que você estabelece que, a partir de agora, você não tem uma regra geral, que cada prefeito, cada governador, o presidente da República, que vão determinar o que tem impacto e o que não tem impacto, adeus proteção ambiental”, afirmou a ministra.
A preocupação se dá também com o que ela chama de “competição no caminho de baixo” entre os entes que mais diminuírem a proteção para atraírem investimentos. Para Marina, “a simplificação para projetos de segurança energética é um grande risco porque, um projeto que é estratégico para atender a energia, não muda as leis da natureza”.
“Nós tínhamos uma grande expectativa de que essa lei não fosse aprovada no açodamento, nas portas do recesso, sem assimilar o impacto que a sociedade tem em relação àqueles que, de forma distante, estão produzindo prejuízos, que são bem perto e bem próximos das nossas vidas, da vida do nosso filho e do nosso neto”, ressaltou.
‘TRAGÉDIA ANUNCIADA’
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao MMA, considera a aprovação como “tragédia anunciada”, uma vez que vai fragilizar a proteção de unidades de conservação federais.
“O projeto aprovado representa um grande risco para a integridade das áreas protegidas federais, dado o conhecimento técnico específico que o ICMBio detém sobre cada uma delas. O projeto compromete gravemente a capacidade do órgão gestor de assegurar a compatibilidade entre atividades econômicas e proteção
da biodiversidade brasileira em unidades de conservação”, diz nota.
Para o Instituto, a situação é ainda mais grave para as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), que perderão totalmente a participação do ICMBio no processo de licenciamento. “Considerando que muitas dessas unidades são extensas e abrangem diversos Estados e municípios, a ausência de acompanhamento preventivo pode gerar conflitos com atividades incompatíveis com os planos de manejo aprovados. Nesses casos, o projeto prevê que o ICMBio atue apenas de forma reativa, por meio de vistoria e fiscalização, quando os danos já estiverem em curso. É uma lógica perversa: lidar com o problema depois que ele acontece, ao invés de trabalhar para evitá-lo”, afirma.
A Fundação SOS Mata Atlântica também classificou como “o maior retrocesso da história do licenciamento ambiental brasileiro” e destaca a aprovação da Emenda 28, que altera a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006) e enfraquece a proteção de suas áreas mais preservadas, contrariando alertas de ambientalistas, empresários, cientistas e contra grande mobilização da sociedade.
Na avaliação da diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, as manifestações nas redes sociais, os posicionamentos de diversos setores da sociedade, de artistas, líderes religiosos e a repercussão na imprensa mostraram que a sociedade está atenta e atuante. “No entanto, dentro do Parlamento “a maioria ficou surda, totalmente alheia à sociedade”, definiu.
A fundação reclama de que teve todos seus apelos pela rejeição da emenda ignorados, tanto pelo relator do PL, deputado Zé Vitor (PL-MG), quanto pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
SBPC APONTA DESMONTE
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) já havia se posicionado contra o PL da Devastação antes da votação. Na avaliação da SBPC, o novo marco legal desmonta o sistema de licenciamento ambiental brasileiro e “representa o maior retrocesso das últimas décadas na política ambiental brasileira”.
Na nota divulgada antes da aprovação do PL, a SBPC afirma que os dispositivos fragilizam “o controle sobre grandes obras com potencial destrutivo; dispensa o licenciamento para atividades do agronegócio
com base em autodeclarações; e ignora compromissos internacionais do Brasil no combate às mudanças climáticas”.
“Claramente, o PL é uma ameaça à Constituição Federal e aos direitos dos brasileiros. Mas també, é uma afronta à ciência produzida pelos cientistas do Brasil e do mundo, incluindo aqueles reunidos no âmbito da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da SBPC, do Painel Científico da Amazônia e do IPCC”, afirma.
A entidade acrescenta que o projeto também “coloca em risco biomas inteiros, como a Amazônia, o Cerrado e a Mata Atlântica; ameaça diretamente os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais; viola princípios constitucionais, desmonta o papel do Estado na proteção ambiental e sabota o futuro da educação, da ciência e do desenvolvimento sustentável”.
“A SBPC não aceitará que conquistas históricas da sociedade brasileira sejam desmontadas por interesses imediatistas”, afirma a entidade.
REPÚDIO
O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) repudiou a aprovação do PL porque ele “desmonta os pilares do licenciamento ambiental e enfraquece a capacidade do Estado de prevenir danos ao meio ambiente”.
“No momento em que o Brasil se prepara para um dos eventos mais importantes para o futuro da humanidade, a COP30 em Belém, nosso Congresso nos brinda com uma agenda que vai na contramão de nossa liderança global: um PL que usa o correto pretexto de simplificar, para tornar o processo de licenciamento ambiental no Brasil menos transparente e mais arriscado para o meio ambiente”, disse o diretor-executivo do Ipam, André Guimarães.
Para a organização, mais do que um retrocesso, “trata-se de uma decisão que pode gerar efeitos duradouros: aumento do desmatamento, ataque aos direitos de comunidades indígenas e tradicionais, maior exposição a tragédias ambientais e o enfraquecimento da credibilidade internacional do Brasil em temas climáticos”. Apesar dos protestos das organizações de defesas do meio ambiente e de cientistas, o PL do Licenciamento recebeu apoio de 98 entidades do setor produtivo, que dizem acreditar que o novo regramento vai destravar o desenvolvimento do País.

Amazonas submerso
Cheia impactou mais de meio milhão de pessoas em 58 municípios do interior do AM
Ana Pastana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – A cheia no Amazonas chegou a afetar 58 municípios e mais de 520 mil pessoas, segundo o “Boletim Cheia”, do governo do Estado. Dos 62 municípios amazonenses, somente quatro estavam em situação de normalidade, outros 18 estavam em estado de alerta e 40 estavam em situação de emergência, até o início de julho.
Ao todo, 525.381 pessoas estavam sendo impactadas pela cheia, o que represen-
tava 131.349 famílias. Os municípios de Canutama, Envira, Presidente Figueiredo e Lábrea eram as cidades consideradas em normalidade, sem consideráveis impactos da cheia.
Os municípios de Autazes, Barcelos, Beruri, Codajás, Iranduba, Manaus, Maués, Nhamundá, Novo Airão, Parintins, Pauini, Rio Preto da Eva, São Gabriel da Cachoeira, São Sebastião do Uatumã, Silves, Tabatinga, Tapauá e Urucará eram os 18 municípios que estavam em estado de alerta e podem ser mais afetados pela cheia deste ano. Em Manaus, o Rio Negro ultrapassou a cota de inundação severa e chegou a 29,02 metros no dia 30 de junho, segundo medição do Porto de Manaus e dados da Defesa Civil. Segundo o Serviço Geológico do Brasil
(SGB), no entanto, a previsão é que o rio não atinja a marca histórica de 30,02 metros, registrada em 2021. A estimativa foi divulgada no 3º Alerta de Cheias da Bacia do Amazonas de 2025.
Os 40 municípios em emergência eram: Alvarães, Amaturá, Anamã, Anori, Apuí, Atalaia do Norte, Barreirinha, Benjamin Constant, Boa Vista do Ramos, Boca do Acre, Borba, Caapiranga, Carauari, Careiro Castanho, Careiro da Várzea, Coari, Eirunepé, Fonte Boa, Guajará, Humaitá, Ipixuna, Itacoatiara, Itamarati, Itapiranga, Japurá, Jutaí, Juruá, Manacapuru, Manaquiri, Manicoré, Maraã, Nova Olinda do Norte, Novo Aripuanã, Santa Izabel do Rio Negro, Santo Antônio do Içá,
Cheia em Anamã, no Amazonas
Crédito: Antonio Lima | Secom
São Paulo de Olivença, Tonantins, Tefé, Uarini e Urucurituba.
Até o início de julho, a previsão de chuva na região amazônica era considerada acima da média do centro-norte de Roraima ao norte do Amapá. Nas regiões de Mato Grosso, Tocantins, Maranhão e Rondônia, a previsão de chuva
500 mil
Ao todo, 525.381 pessoas chegaram a ser impactadas pela cheia, o que representa 131.349 famílias, segundo a Defesa Civil do Amazonas.
era considerada abaixo da média. No Amazonas, as previsões são de normalidade para o Estado.
Cerca de 580 toneladas de cestas básicas já foram entregues em municípios como Humaitá, Manicoré, Apuí, Boca do Acre, Novo Aripuanã, Borba, Anamã, Amaturá, Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Santo Antônio do Içá, São Paulo de Olivença, Tonantins, Carauari, Itamarati, Ipixuna, Juruá e Guajará.
SAÚDE
A Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) já destinou 2,3 milhões de doses de hipoclorito, utilizado para limpeza, desinfecção e purificação de água. Em Anamã, a Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES-AM) destinou uma embarcação adaptada em uma balsa para funcionar como hospital na região. O Barco Hospital São João XXIII vai auxiliar nos atendimentos à população neste período de emergência.
AULAS
Alunos da rede pública do Estado também foram impactados pelas cheias nos municípios. Segundo a Secretaria de Estado de Educação e Desporto Escolar (Seduc), até a publicação deste boletim, 444 alunos estavam sendo impactados pela cheia dos rios em quatro cidades: Anamã, Itacoatiara, Novo Aripuanã e Uarini.
Com isso, os alunos passaram a cumprir o calendário escolar em casa por meio do “Aluno em Casa”, projeto que tem o objetivo de disponibilizar à comunidade escolar conteúdos didáticos pedagógicos para possibilitar a continuidade dos estudos fora do ambiente escolar presencial, apoiando os professores nas práticas de ensino e aos estudantes em seu processo de aprendizagem.
O projeto é uma iniciativa para que os alunos da rede estadual de ensino não sejam impactados em contextos pandêmicos ou de sazonalidade de estiagem e de seca dos rios.

Moradora de Anamã, no Amazonas, se locomove em canoa na cheia do rio
Crédito: Antonio Lima | Secom
Abusos, poder e um crime ainda sem castigo
No Pará, graças a manobras jurídicas, ex-deputado condenado por estupro de vulnerável segue em liberdade 16 anos após condenação. Agora, Luiz Afonso Sefer pode se beneficiar com prescrição de pena ao completar 70 anos
João Paulo Guimarães – Especial para a Cenarium
Cronologia do caso Sefer
Em 28/06/1995
Nasce a vítima, uma menina em Mocajuba (PA), criada pela avó após morte da mãe e abandono do pai.

De 2005 há 2008
Sofre abusos diários, incluindo tortura com instrumentos médicos, espancamentos e estupros.
Em 15/12/2008
Sefer faz um pronunciamento na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), culpando a vítima, criminalizando sua família e alegando “caridade” e inocência no caso.
Em 25/05/2009
O Ministério Público do Pará (MPPA) pede a prisão preventiva de Sefer por estupro e atentado violento ao pudor. Ele é preso no Rio de Janeiro em 27 de maio de 2009, mas solto no dia seguinte graças a um habeas corpus.
Em 2005 (aos 9 anos)
A criança é levada de Mocajuba para a casa de Luiz Afonso Sefer, em Belém, sob o pretexto de trabalhar como babá.
Em 2008
Aos 13 anos, a criança denuncia os abusos à mãe de duas amigas de escola, que a encaminha ao Conselho Tutelar. A menina é incluída no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM). A Polícia Civil investiga o caso.
Em 16/02/2009
A delegada Christiane Lobato é intimada por habeas corpus da defesa de Luiz Afonso Sefer, que tenta anular o inquérito criminalizando a delegada, acusando-a de perseguição pessoal. O pedido é negado pelo TJPA.
Em 2009
Tem início a CPI da Pedofilia no Pará que intima e ouve Sefer. O então senador Magno Malta, classifica seu depoimento como “contraditório e confuso”.
Em 2010
Sefer é condenado em primeira instância pela Justiça do Pará a 21 anos de prisão e ao pagamento de indenização de R$ 120 mil, mas recorre.
2010–2024
Recursos e tentativas de anulação da investigação e da condenação. Defesa de Sefer entra com recursos infindáveis no TJPA, STJ e STF para protelar o cumprimento da pena.
Em 22/01/2025
Alex Centeno pede vista do processo, para analisar um agravo regimental da defesa de Luiz Afonso Sefer.

Em 19/02/2025
Nove desembargadores do TJPA, incluindo Alex Centeno (primo do governador Helder Barbalho), reabrem a discussão sobre a nulidade do processo, ignorando decisão do STJ.
Em
março de 2025
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abre investigação contra os 9 desembargadores por possível afronta ao STJ.
Em 12/03/2025
Um novo julgamento em sigilo acontece no TJPA. O Tribunal decide que não pode analisar nulidade, enviando o caso novamente para o STJ/STF.
Em 10/04/2025
O CNJ arquiva o caso contra o TJPA por perda de objeto.
Em setembro de 2025
Sefer completa 70 anos, podendo reduzir prazo prescricional pela metade (art. 115 do CP).

BELÉM (PA) – Há 20 anos, o Pará acompanha um dos casos mais brutais de pedofilia de sua história, que envolve poder e que ainda segue sem punição. O ex-deputado Luiz Afonso Sefer, condenado a 21 anos de prisão por estupro reiterado de uma menina (crime em continuidade delitiva) e ao pagamento de indenização por danos morais de R$ 120 mil, jamais iniciou o cumprimento da pena. Protegido por sucessivas manobras jurídicas, ele vem adiando o cumprimento
da sentença. Os abusos foram cometidos entre 2005 e 2008, quando a vítima tinha entre 9 e 13 anos de idade. Agora, Sefer está a dois meses de completar 70 anos, em setembro, o que poderá reduzir pela metade o prazo de prescrição da pena, conforme previsto no artigo 115 do Código Penal. Favorecido por uma decisão recente do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), que mais uma vez adia a aplicação da condenação, o ex-parlamentar pode se livrar do cumprimento da pena por prescrição.
“Mesmo com condenação em primeira instância e posterior confirmação pelo Superior
Tribunal
de Justiça, o sistema de Justiça não consegue, ou não quer, sustentar a pena.
Enquanto
isso, quem carrega o peso real dessa demora é a própria vítima, obrigada a ver seu agressor escapar, amparado pelos privilégios que o cercam”
Nilton Carlos Noronha Ferreira, jurista e professor, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará (PPGD/UFPA).
A CENARIUM teve acesso a informações sobre o processo que levou à condenação do ex-parlamentar, com detalhes que mostram a gravidade da violência sofrida. Documentos, análises de juristas e personagens que acompanham o caso desde o início também apontam para relações próximas entre Sefer e sua família com figuras influentes da política paraense, entre elas, o governador do Estado, Helder Barbalho.
A criança que denunciou os abusos, que chamaremos pelo nome fictício de Valentina, para proteger sua identidade e segurança, tinha 9 anos quando um médico da cidade de Mocajuba bateu à porta de sua casa. Ele perguntou à avó da menina se Valentina poderia morar em Belém para cuidar de outra criança, na casa de um político e médico famoso na sociedade paraense. Lá, ela teria um quarto só dela e poderia estudar e até viajar. Ganharia presentes e poderia sonhar com um futuro melhor. Valentina disse que não queria, mas a avó insistiu até que ela aceitasse embarcar na viagem que marcaria profundamente a sua vida.
Os relatos da menina sobre sua história e a violência sofrida constam nas mais de 1 mil páginas do processo, segundo informações a que nossa reportagem teve acesso. Em um trecho, foi ressaltado que a
Crédito: Reprodução Instagram de Luiz Afonso Sefer
O então deputado Luiz Afonso Sefer, na Alepa

O Pará registrou 3.648 crimes sexuais contra crianças e adolescentes, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, acima da média nacional, que é de 2.449 casos.
adolescente estava bastante abalada emocionalmente, que chorou durante o seu relato e disse que estava com muito medo, mas que Luiz Afonso Sefer precisava pagar pelo que fez com ela e com outras meninas que também foram vítimas dele.
INFÂNCIA INTERROMPIDA
Em depoimentos, Valentina contou, segundo informações a que a reportagem teve acesso, que o médico a levou para Belém e ela ficou na casa de outro indivíduo, que hospedou a criança por alguns dias até que o deputado estadual Luiz Afonso de Proença Sefer a levou para morar em seu apartamento. Chegando ao local, ela notou que algo estava errado. Não havia criança para ela cuidar, como havia sido dito para sua avó, mas sim adolescentes e maiores de idade. Os adolescentes eram Rafael Sefer, de 17 anos, e Gustavo Sefer, de 14 anos, filhos de Luiz Afonso, e uma menina de 12 anos que, de acordo com relatos de Valentina, morava no apartamento sob o pretexto de exercer a função de empregada e babá, na casa onde não havia crianças. Vamos chamá-la pelo nome fictício de Maria.
Em depoimento, segundo informações apuradas, Valentina contou que depois de se instalar nas dependências da empregada, Maria avisou que elas não estavam ali para serem babás, mas sim para serem estupradas pelo dono da casa. Dois dias depois, Maria foi embora e voltou a morar com sua
Reproduções de trechos de depoimentos que falam dos abusos, do abalo emocional da vítima e da proximidade com a família Barbalho, e trechos da sentença de condenação de Luiz Afonso Sefer
PODER & INSTITUIÇÕES

família. Valentina ficou sozinha. A partir daí, contou em depoimentos, ela passou a ser violentada diariamente no quarto de Luiz Afonso Sefer e em seu quarto.
Segundo as informações apuradas pela reportagem, consta em depoimentos, que o então deputado, que também era médico proctologista, usava instrumentos cirúrgicos para torturar Valentina, como o bico de pato, usado para exames ginecológicos. A primeira vez que a menina teve coragem de pedir ajuda foi para a empregada de Luiz Afonso, que não residia no apartamento. Valentina contou pelo que passava para a mulher e pediu que ela avisasse a polícia. Em vez de denunciar, a empregada contou ao patrão, que deu uma surra na criança. Depois disso, a mulher disse à criança que não contasse a ninguém o que acontecia, pois seu patrão era um monstro.
De acordo com as informações a que a reportagem teve acesso, em depoimentos, a criança relatou que Luiz Afonso a espancava e a obrigava a ingerir bebidas alcoólicas, como cerveja e whisky. Além de ser abusada pelo deputado médico, ela relatou que passou a ser abusada também pelo filho mais novo, Gustavo Sefer, hoje
deputado estadual do MDB, com 38 anos de idade, e que faz parte da base aliada do governador Helder Barbalho.
Em depoimentos, Valentina relatou ainda, segundo informações apuradas, que em um episódio, antes de a estuprar, Gustavo disse para ela que sabia tudo o que seu pai fazia. O filho de Sefer tinha 16 anos quando um dia, no apartamento, agarrou a criança e a levou para o quarto à força. Gustavo foi intimado a comparecer no dia 7 de janeiro de 2009 ao meio-dia, na Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), no Rio de Janeiro, para prestar esclarecimentos. Naquele ano, Gustavo Sefer já estava com 18 anos de idade. Gustavo disse, segundo informações repassadas à reportagem, que a criança era fechada, mal-humorada, antissocial, não seguia regras e, por fim, se sentia injustiçado e indignado porque a criança frequentava os mesmos lugares que ele e a família, e foi trazida do interior para ter oportunidades. Ele não chegou a ser denunciado pelo Ministério Público.
Em depoimentos, de acordo com informações a que a reportagem teve acesso, a menina de 9 anos demonstrou que gostava
de ler e escrever, e destacava a capoeira como esporte preferido. Valentina tinha dificuldades em entender matemática, mas adorava português e ciências. Ela gostaria de ter feito o curso de informática, mas isso nunca aconteceu durante sua estadia na cidade.
A LIBERTAÇÃO DA CRIANÇA
Valentina tinha duas amigas na escola em que estudava. Um dia foi à casa delas para fazer um trabalho escolar. Criou coragem e contou para a mãe das meninas sobre os abusos que sofria. A mãe das amigas decidiu que ela não voltaria mais para a casa de Sefer, entrou em contato com o Conselho Tutelar, que a encaminhou Valentina para um abrigo.
De acordo com depoimentos que constam no inquérito, segundo informações apuradas, Luiz Afonso Sefer passou a ligar para a mãe das meninas, oferecendo dinheiro para a mulher, que se negou a recebê-lo. No dia 10 de novembro de 2008, Valentina finalmente foi inserida no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAM).
Exames de corpo de delito do Instituto Médico Legal (IML) confirmaram que a criança era menor de idade e apresentava vestígios de penetração vaginal, anal, com múltiplas cicatrizes em ambas as regiões e várias rupturas cicatrizadas.
Em 15 de dezembro de 2008, o deputado fez um pronunciamento na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), culpando a vítima, tentando criminalizar a família dela e alegando “caridade” e inocência no caso.
Mesmo escondida em um abrigo, Valentina foi descoberta. A empregada de Sefer, em companhia de outra mulher e um advogado tentaram obter informações sobre a situação dela, de acordo com depoimentos prestados à polícia na época, conforme apurado pela reportagem. A assistente social que fazia plantão no abrigo testemunhou que ambas mulheres, aparentando ser humildes, visitaram a criança e depois foram embora em um carro de luxo, de cor preta, de acordo com descrição da assistente social.
Segundo as informações que chegaram à reportagem, há ainda depoimento apontando que o apartamento de Luiz Afonso Sefer era frequentado por muitos políticos
Trecho da sentença destaca propensão à pedofilia

conhecidos, como Jader Barbalho, que na época morava no mesmo prédio que o então deputado, e seu filho Helder, hoje governador do Pará. As relações de proximidade entre as duas famílias se mantêm ao longo dos anos.
INVESTIGAÇÕES
Depois que Valentina foi resgatada, a Polícia Civil iniciou investigações, tendo a então delegada do Grupo de Pronto-Emprego (GPE), Christiane Lobato, à frente do caso, que posteriormente ganhou visibilidade na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofilia do Senado, em seus desdobramentos no Pará. Em 25 de maio de 2009, o Ministério Público do Pará (MPPA) pediu a prisão preventiva de Luiz Afonso Sefer pelos crimes de estupro de vulnerável, atentado violento ao pudor e outros.
O MP argumentou que havia a necessidade de decretação da prisão preventiva para garantir a ordem pública em razão dos crimes atribuídos ao acusado terem causado “total repugnância no seio da sociedade, já que a vítima era uma criança de apenas 9 anos”. O MP também alegou que a brutalidade dos crimes cometidos por
Sefer era tão grande, que o fato de o então deputado ser réu primário era irrelevante.
A investigação da CPI da Pedofilia no Pará, em 2009, foi marcada por forte mobilização institucional e social. O então deputado estadual Arnaldo Jordy teve papel central como relator, coordenando diligências, oitivas e análise de documentos.
A CPI foi motivada por denúncias públicas feitas pelo bispo do Marajó, Dom José Luiz Azcona (já falecido), e contou com apoio da Comissão de Justiça e Paz da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), destacando-se aí a atuação da irmã Henriqueta Cavalcante, que também foi ameaçada por denunciar redes de exploração envolvendo políticos e empresários.
O Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA) colaborou com a CPI fornecendo cópias de processos judiciais relacionados aos crimes investigados e o Ministério Público foi um dos principais destinatários dos encaminhamentos da CPI e participou da apuração. Representantes do MPPA participaram de reuniões com a comissão, e o procurador-geral foi formalmente oficiado para tomar providências sobre os casos. Luiz Afonso Sefer foi um dos principais alvos da investigação. A CPI tratou seu caso
com destaque, realizando oitivas com diversas testemunhas, como porteiros, a vítima e a mãe dela. Também foram solicitadas perícias em computadores e a quebra de sigilos telefônicos.
A atuação da irmã Henriqueta, ligada à CNBB, foi essencial no apoio às vítimas e na articulação com a rede de proteção. Durante os trabalhos da CPI, foi feito um registro formal de ameaça contra ela, reforçando a
No Arquipélago do Marajó, no Pará, de acordo com dados do Ministério Público do Estado do Pará, só em 2022 foram registrados 550 processos relacionados a crimes sexuais contra crianças e adolescentes nos municípios marajoaras. Desse total, 391 ocorreram na Região Administrativa Marajó II, com destaque para os 306 casos de estupro de vulnerável, contra menores de 14 anos.
Crédito: Ozeas Santos | Assembleia LegislativaPA
O bispo do Marajó, Dom José Luiz Azcona, em depoimento à CPI da Pedofilia na Alepa

seriedade do clima de intimidação durante as investigações.
Arnaldo Jordy, como relator, destacou a necessidade de enfrentar a impunidade e propôs a criação de mecanismos como varas judiciais especializadas. A CPI teve seu prazo prorrogado várias vezes diante da gravidade e da quantidade de casos, e seu relatório final foi entregue em fevereiro de 2010. A atuação conjunta de Jordy, irmã Henriqueta e os demais órgãos foi fundamental para dar visibilidade nacional ao problema da pedofilia e das redes de exploração sexual infantil no Pará.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também acompanhou parte das apurações, especialmente no que se refere ao funciona-
61%
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 destaca que o Brasil registrou, em 2023, um estupro a cada seis minutos, e que 61% das vítimas são menores de idade — sendo a maioria meninas entre 10 e 13 anos.
“Do
ponto de vista técnico, o risco da prescrição da pena é real. Segundo o artigo 115 do Código Penal, o prazo de prescrição é reduzido pela metade quando o réu completa 70 anos antes do trânsito em julgado da condenação. Se a decisão condenatória não for confirmada de forma definitiva antes dessa data, parte significativa da pena pode se tornar inexequível”
Luana Tomás, professora da Faculdade de Direito e do Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Federal do Pará (PPGD/UFPA), presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Pará (OAB-PA).
mento do Judiciário nos municípios mais atingidos pela rede de abusos.
RENÚNCIA
Com a publicidade dada às denúncias contra Luiz Afonso Sefer, pressionado e para não ser cassado, o ex-deputado renunciou ao seu mandato na Assembleia Legislativa na manhã do dia 7 de abril de 2009, entregando pessoalmente a carta de renúncia e uma “Carta Aberta ao Povo do Pará”. A carta de renúncia teve apenas quatro linhas, mas foi acompanhada por um documento de três páginas e meia, no qual o deputado se defendeu das acusações de abuso sexual.
Na carta, Sefer afirmava que estava sendo alvo de perseguição política e que sua saída não representava um afastamento voluntário, mas sim uma imposição causada pela pressão do cenário político e das denúncias. “Estou abrindo mão do meu mandato de deputado estadual, que é interrompido pela perseguição política e não pela vontade do povo”, escreveu. Ele se dizia injustiçado pelo processo e alegava parcialidade nas investigações: “De maneira unilateral, formaram juízo de valor. Só deram crédito à acusação”.
Com a renúncia, a Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Alepa anunciou

Crédito: Ricardo Lima |
TJPA
Sessão do Pleno do TJPA
Crédito: Arquivo Pessoal
que arquivaria as representações, já que não havia mais objeto de análise. O presidente da comissão à época, deputado Cássio Andrade (PSB), declarou: “Com a renúncia, vamos receber as representações e vamos arquivar por não haver mais objeto”.
VAI E VEM JUDICIAL
A condenação de Luiz Afonso Sefer em primeira instância, no Tribunal de Justiça do Pará, ocorreu em 2010, sendo o réu condenado a 21 anos de prisão por estupro de vulnerável em continuidade delitiva e ao pagamento de indenização de R$ 120 mil. A sentença, assinada pela juíza da Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes, Maria das Graças Alfaia Fonseca, segundo informações apuradas pela reportagem, cita que o réu possui propensão à prática de pedofilia e destaca que o crime cometido é rotulado como hediondo. O processo, no entanto, não se encerrou aí e vem sendo marcado por sucessivas reviravoltas, com a condenação já tendo sido derrubada por ao menos três vezes, sempre em decisões aprovadas por ampla maioria dos desembargadores e, em alguns casos, em sessões sigilosas.
Em 2011, em novo julgamento após recursos, a sentença foi revogada e o ex-deputado foi absolvido com o argumento de que não havia provas suficientes para a condenação. Em 2018, após recurso do Ministério Público, a condenação foi restabelecida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que devolveu o processo ao TJPA, com a vigência da ordem de prisão. Já em 2019, atendendo à apelação da defesa de Sefer, a condenação voltou a ser anulada pela Justiça paraense, sob alegação de nulidade na investigação do réu, uma vez que este possuía prerrogativa de foro privilegiado ao tempo dos fatos e, assim, o caso não poderia ter sido aberto por determinação da justiça comum.
Em 2022, contudo, a condenação voltou a ser imposta pela Corte paraense, que anunciou a pena definitiva mantendo a aplicação de prisão, mas reduzindo para 20 anos de reclusão, e a indenização de R$ 120 mil.
Já em 2024, houve nova reviravolta, com a suspensão do cumprimento da sentença, quando a defesa de Luiz Afonso Sefer
“Há uma discussão jurídica sobre se essa previsão poderia ser interpretada de forma extensiva e também valer quando a idade é
alcançada apenas no momento do trânsito em julgado da sentença. Ou seja, quando a condenação
se torna definitiva e a pena passa a ser executada”
Mailô Andrade, doutora em Direito Penal pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), mestra em Direitos Humanos pela UFPA.
recorreu utilizando como argumento a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.447, que em 2023 entendeu ser necessária autorização judicial para investigar agentes com foro privilegiado, o que não teria sido observado no caso do ex-deputado, investigado quando ainda era parlamentar. O cumprimento da pena ficou suspenso até que o STF decida se o efeito da decisão sobre a ADI pode ser retroativo, o que beneficiaria Sefer.
Na decisão, o desembargador Roberto Gonçalves de Moura, vice-presidente do TJPA, determinou que o início do cumpri-
mento da pena de Sefer deveria ser analisado novamente após o parecer do STF.
A manobra jurídica mais recente em favor de Luiz Afonso Sefer no TJPA começou a ser desenhada no dia 22 de janeiro deste ano. O desembargador Alex Centeno, primo do governador Helder Barbalho e nomeado por ele ao cargo, pediu vistas do processo para analisar recurso da defesa do ex-deputado, um agravo regimental solicitando que a 3ª Turma Criminal do tribunal analisasse novamente a alegação de nulidade das investigações que resultaram em sua condenação, novamente com o argumento da necessidade de autorização prévia.

Crédito: Ricardo Lima | TJPA
Alex Centeno em sua posse como desembargador
“A Justiça paraense está a dever. O caso foi condenado em 2010, transitou em julgado no STJ, e até hoje ele não cumpre a sentença. É uma vergonha”
Arnaldo Jordy, advogado e ex-deputado federal, que foi relator da CPI da Pedofilia.
O desembargador nunca havia tido contato com o processo antes. Em seu voto, proferido em sessão secreta no dia 19 de fevereiro, Centeno decidiu pela nulidade do processo e foi seguido pela maioria dos desembargadores, encabeçando, dessa forma, a reabertura da discussão sobre a anulação, contrariando decisão já determinada pelo STJ.
A nova decisão do TJPA acendeu um sinal de alerta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que chegou a abrir procedimento de apuração de infração disciplinar para averiguar possível “teratologia jurídica”, termo utilizado para tratar de decisões que se afastam de forma significativa dos fundamentos jurídicos, sendo consideradas absurdas. Os desembargadores que votaram pela nulidade chegaram a ser intimados a dar maiores explicações sobre seus votos.
Também diante da nova manifestação do TJPA, o Ministério Público ingressou com recurso, um embargo de declaração impetrado pelo procurador de Justiça Hezedequias Mesquita, em que exigia que fosse melhor esclarecida a decisão pela nulidade do processo.
Em 12 de março deste ano, após iniciada a apuração do CNJ, por maioria de votos, mais uma vez durante sessão secreta, os desembargadores rejeitaram o agravo regimental da defesa de Sefer, aceito na sessão do dia 19 de fevereiro, e decidiram que a

Justiça paraense deveria apenas cumprir a determinação do STJ de dosar a pena do condenado. Dessa forma, o processo retorna ao STJ e ao STF para decisão sobre aplicação da pena.
Na mesma sessão, o desembargador Alex Pinheiro Centeno, relator do embargo de declaração do MP, também mudou de decisão sobre a nulidade do processo, considerando em seu voto que a vice-presidência do TJ do Pará, relatora do agravo regimental da defesa de Sefer, “não tem competência para avaliar a questão na atual fase processual, limitada ao juízo de admissibilidade de recursos especial e extraordinário”.
Como os desembargadores acabaram revendo a decisão favorável à nulidade do processo, o procedimento de apuração do CNJ foi arquivado por perda de objeto.
Com mais um retorno do processo às instâncias superiores, adia-se novamente o cumprimento da pena dada a Luiz Afonso Sefer, que agora está mais próximo de completar 70 anos de idade, quando a legislação vigente no Brasil, no artigo 115 do Código Penal, pode permitir a ele a redução pela metade do prazo para prescrever a pena,
caso a defesa abra uma discussão sobre o tema e a Justiça aceite a tese.
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Especialistas em Direito Penal e Direitos Humanos ouvidos pela CENARIUM explicam de que forma o ex-deputado Luiz Afonso Sefer poderia ser beneficiado com o avançar da idade.
Luana Tomás, professora da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará (PPGD/UFPA), diretora-adjunta do Instituto de Ciências Jurídicas e presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Pará (OAB-PA), destaca:
“Do ponto de vista técnico, o risco da prescrição da pena é real. Segundo o artigo 115 do Código Penal, o prazo de prescrição é reduzido pela metade, quando o réu completa 70 anos antes do trânsito em julgado da condenação. Se a decisão condenatória não for confirmada de forma definitiva antes dessa data, parte significativa da pena pode se tornar inexequível”.
Mailô Andrade, doutora em Direito Penal pela Universidade Estadual do Rio de
Crédito: Reprodução | Facebook Helder Barbalho
Luiz Afonso Sefer reunido com Helder Barbalho

CONTRADIÇÕES E AMEAÇAS NA CPI
Durante a CPI da Pedofilia que ocorreu em 2009, em Belém do Pará, Luiz Afonso Sefer prestou depoimento de quatro horas. Magno Malta, na época senador pelo PR-ES e presidente da CPI, descreveu o depoimento de Sefer como contraditório, confuso e desencontrado. “Ele tentou apresentar a menor como se fosse um demônio e não conseguiu explicar em que condição abrigou a criança em sua casa”, disse o senador à Agência Senado, em publicação da época.
Durante as investigações, a mãe de Maria, adolescente que morou no apartamento antes da criança, negou que a filha tivesse sido estuprada pelo deputado e médico. A mãe da menina disse que a filha estava sendo vítima de difamação e que ainda era virgem. A mulher chegou a solicitar que a filha passasse por exame de corpo de delito para provar que Luiz Afonso Sefer nunca a havia violentado. De acordo com a defesa do ex-deputado, a menina foi submetida a exame que atestou a virgindade da adolescente.
A perícia na adolescente foi requisitada à Polícia Civil, na unidade do bairro Pedreira, no dia 13 de março de 2009. Os pedidos foram preenchidos para conjunção carnal, atos libidinosos da conjunção carnal e contágio venéreo.
Arnaldo Jordy, advogado e ex-deputado, relator da CPI, relembrou os fatos que levaram à criação da comissão sobre exploração sexual de crianças no Marajó, em 2008. “A CPI foi motivada por uma denúncia do bispo emérito Dom José Luiz Azcona, publicada na Folha de S.Paulo, sobre meninas sendo exploradas sexualmente em navios na região. Na matéria, Dom Azcona denunciava que as famílias as levavam para serem abusadas sexualmente em troca de querosene, biscoitos ou café”, afirmou.
O ex-deputado destacou que, durante as investigações, surgiu o caso de Luiz Afonso Sefer, após uma denúncia anônima. “Achamos que podia ser trote, mas uma conselheira tutelar nos procurou com detalhes. O caso já estava sendo apurado pela delegada Christiane Lobato”, explicou. Jordy relatou as pressões sofridas durante a CPI. “Tentaram abafar o caso, dizendo que era mentira. Mas fizemos um pacto para não negligenciar crimes assim”, disse, citando colegas. O ex-parlamentar também revelou ter recebido ameaças. “Recebi várias ameaças, a maioria anônimas. Ligaram para minha casa e mencionaram minha filha, dizendo para eu ter cuidado, porque eu tinha filhos. Comuniquei ao secretário de Segurança,
mas as chamadas vinham de orelhões e não foram rastreadas”, contou.
O advogado também conta que encontrou o pai do acusado durante a CPI. “Ele era amigo do meu pai e pediu para me ver. Eu disse que não agravaria nada, mas também não ia omitir fatos. Expliquei que, naquele momento, as investigações estavam começando, mas disse que, da minha parte, eu não tinha motivação pessoal, então não iria haver nenhuma vírgula que não fosse a absoluta transparência dos fatos apurados. Não sei se ele ficou satisfeito, mas agradeceu”.
Ao criticar a demora na execução da pena, Jordy foi enfático: “A Justiça paraense está a dever. O caso foi condenado em 2010, transitou em julgado no STJ, e até hoje ele não cumpre a sentença. É uma vergonha”. Ele relacionou a impunidade ao poder econômico: “O dinheiro compra alguns juízes, não todos, mas há exemplos evidentes. Espero que o STJ exija o cumprimento da pena”, disse.
Por fim, Jordy lamentou a sensação de injustiça: “São 16 anos de uma condenação confirmada, e nada. Isso reforça que a Justiça é cega para quem tem dinheiro. A decisão está lá, só falta ser cumprida. É o mínimo que as vítimas merecem”, concluiu.
O então deputado Arnaldo Jordy na CPI da Pedofilia (primeiro à direita)
Crédito: Reprodução Flickr Deputado Márcio Miranda
PODER & INSTITUIÇÕES
“São 16 anos de uma condenação confirmada, e nada. Isso reforça que a Justiça é cega para quem tem dinheiro. A decisão está lá, só falta ser cumprida. É o mínimo que as vítimas merecem”
Arnaldo Jordy, advogado e ex-deputado federal, que foi relator da CPI da Pedofilia.
Janeiro (Uerj), mestra em Direitos Humanos pela UFPA, diretora e roteirista do documentário “Os sentidos do estupro na Amazônia” (Lei Aldir Blanc Pará 2020) e autora do livro “Ela não mereceu ser estuprada”: a cultura do estupro nos casos penais (Lumen Juris, 2018), explica que a questão da redução pela metade do prazo prescricional por conta da idade do réu está claramente prevista no artigo 115 do Código Penal, que exige que o réu tenha completado 70 anos no momento da sentença condenatória em primeiro grau para que essa redução se aplique.
Mas a especialista ressalta que existe uma discussão sobre se essa previsão de redução do prazo de prescrição deve ser ampliada para que seja aplicada também em casos de sentença transitada em julgado, ou seja, no final do processo, quando é determinado o cumprimento e a execução da pena.
“No caso específico, se essa idade tivesse sido alcançada na sentença da Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes, que o condenou inicialmente a 21 anos, aí sim, a redução poderia ser aplicada [de forma mais direta]. Porém, há uma discussão jurídica sobre se essa previsão poderia ser interpretada de forma extensiva e também valer quando a idade é alcançada apenas no momento do trânsito em julgado da sentença, ou seja, quando a condenação se torna definitiva e a pena passa a ser executada”, afirmou Mailô.
A doutora em Direito Penal também acrescenta que o reconhecimento da prescrição pela idade avançada “não é automático” e que essa é uma matéria que precisa ser arguida pela defesa e analisada pelo Judiciário. “Existem decisões tanto do STJ quanto do STF que caminham em sentidos
diferentes, então é um tema em aberto, ainda em debate”, afirma. Ela destaca que, além da possibilidade de reduzir o prazo da prescrição, “há também a discussão sobre o cumprimento da pena de formas alternativas, como a prisão domiciliar, especialmente em casos de réus com mais de 70 anos, por questões humanitárias e de política criminal”, disse.
Nilton Carlos Noronha Ferreira, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará (PPGD/UFPA), professor substituto da Faculdade de Direito da UFPA (FAD) e secretário-geral da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Pará (OAB/PA), afirma que, em casos como o de Sefer, é muito comum a estratégia de alongar as discussões em todas as instâncias visando à possível prescrição da pena. Mas ele chama atenção para o fato de que a redução pela metade do prazo prescricional não se aplicaria ao réu que completa 70
anos após a data da sentença, conforme se apreende do artigo 115 do Código Penal.
“No contexto do ex-deputado, o prazo prescricional não cairia de 20 para 10 anos em razão da idade do réu, o que não significa, por outro lado, que não haja risco de prescrição, considerando que já transcorreram 16 anos da condenação até a presente data”, explicou.
Noronha conclui, enfatizando que o crime de estupro de vulnerável possui pena máxima de 15 anos, de modo que o prazo prescricional seria de 20 anos (art. 109, I, do Código Penal). “Se o réu tinha menos de 21 anos na época do crime ou se tinha 70 anos ou mais na data da sentença, o prazo prescricional seria reduzido para 10 anos”, disse.
O especialista atenta para o fato de que, uma vez reconhecida a prescrição, ocorreria a extinção da punibilidade. “O Estado estaria impedido de impor uma pena em razão do transcurso do tempo. No caso do ex-deputado, a análise da prescrição considera a pena de 20 anos aplicada, tendo, portanto, o mesmo prazo prescricional de 20 anos (arts. 110 e 109, I, do Código Penal), a contar do trânsito em julgado da condenação”, finaliza.
Portanto, se aceita a tese de que a previsão de redução do prazo prescricional pela idade de 70 anos pode ser estendida para o momento final do processo, a pena de Luiz Afonso Sefer prescreveria em 10 anos. Como já se passaram 16 anos desde a condenação inicial, em 2010, ele estaria
“Como presidenta da Comissão de Direitos Humanos da OAB, é meu dever afirmar que esse não é apenas um caso individual. Ele simboliza a falência de um modelo de Justiça que, ao invés de proteger os mais vulneráveis, se curva ao privilégio, por isso a importância de resistirmos”
Luana Tomás, professora da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará (PPGD/ UFPA), presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Pará (OAB-PA).

livre do cumprimento da pena, mesmo tendo sido condenado.
O jurista Nilton Carlos também explica que, mesmo com a sanção da Lei nº 15.160, que modifica o Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848) para alterar a circunstância atenuante e vedar a redução do prazo de prescrição para os crimes que envolvam violência sexual contra a mulher, esta nova regra não se aplicaria ao caso de Luiz Afonso Sefer. “Por conta do que se chama de irretroatividade da lei penal mais gravosa. Uma lei penal nova só pode se aplicar a casos anteriores se for em benefício do réu, o que não é o caso”, explica. A sanção da nova lei foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) do dia 4 de julho deste ano, assinada pelo presidente em exercício, Geraldo Alckmin.
ESTRATÉGIAS DE IMPUNIDADE
Para os especialistas em Direito ouvidos pela reportagem, as manobras jurídicas da defesa do ex-deputado condenado, aceitas pelo TJPA, resultam em impunidade ao adiar indefinidamente o cumprimento da sentença e têm implicações para a sociedade.
“Como jurista e professor, ouço com frequência a afirmação de que o sistema penal brasileiro não funciona. Costumo rebater dizendo que ele funciona, e muito bem. Basta observar os altos índices de
“A insegurança jurídica e a incerteza em torno desse caso não evidenciam apenas falhas pontuais. Revelam um sistema penal que, longe de ser ineficiente por acidente, é eficiente como projeto: segue funcionando muito bem para moer os pobres e blindar os poderosos”
Nilton Carlos Noronha Ferreira, jurista e professor, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará (PPGD/UFPA).
encarceramento e violência que o caracterizam, como mostrou o Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2024. No entanto, casos como o do ex-deputado Luiz Sefer me fazem reformular essa afirmativa para uma pergunta: ‘Não funciona para quem?’”, pondera Nilton Carlos.
De acordo com Nilton Carlos, fica evidente “como o sistema privilegia certos crimes em detrimento de outros, operando a partir de uma lógica de seletividade”. Nesse contexto, analisa o jurista, é possível distinguir dois grandes tipos de criminalidade: a comum e a dos poderosos. Para o jurista, a criminalidade comum é aquela prevista de forma mais clara no Código Penal e praticada por indivíduos sem grande influência social ou econômica. Já a criminalidade dos poderosos, os chamados “crimes de colarinho branco”, envolve agentes que contam com prestígio político e capital financeiro, o que frequentemente lhes garante tratamento diferenciado pela Justiça.
“No caso do ex-deputado, vemos um processo que se arrasta há mais de duas décadas, praticamente o mesmo tempo da pena inicialmente imposta. Mesmo com condenação em primeira instância e posterior confirmação pelo Superior Tribunal de Justiça, o sistema de Justiça não consegue, ou não quer, sustentar a pena. Enquanto isso, quem carrega o peso real dessa demora é a própria vítima, obrigada a ver seu agressor escapar, amparado pelos privilégios que o cercam”, afirmou Nilton Carlos.
O jurista aponta ainda que “as idas e vindas, as condenações e anulações, somadas ao fato de que Luiz Sefer segue em liberdade, mesmo tendo praticado um crime hediondo (Lei de Crimes Hediondos nº 8.072/1990, art. 1º, inciso VI), apenas evidenciam que esse processo é exceção, e não a regra dos rigores do sistema de (in)justiça”.
SEFER PRESO POR UM DIA
A única vez em que Sefer chegou a ser preso, por apenas um dia, foi no Rio de Janeiro. O Tribunal de Justiça do Pará, a Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes, a Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) e a Polícia Civil do Pará são os órgãos por trás da operação que resultou na apreensão do deputado.
“Sirvo-me do presente para comunicar que foi dado cumprimento, pela Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil do Rio de Janeiro, ao mandado de prisão preventiva em desfavor do réu Luiz Afonso de Proença Sefer, o qual está recolhido na carceragem da Polinter, de acordo com o ofício 0428-2009, no dia 27 de maio de 2009”, dizia trecho do ofício encaminhado do Rio para Belém do Pará, avisando da prisão de Sefer.
No dia 28 de maio foi expedido habeas corpus e, no mesmo dia, o alvará de soltura do médico.
Crédito: Arquivo Pessoal
“Diante disso, a insegurança jurídica e a incerteza em torno desse caso não evidenciam apenas falhas pontuais. Revelam um sistema penal que, longe de ser ineficiente por acidente, é eficiente como projeto: segue funcionando muito bem para moer os pobres e blindar os poderosos”, concluiu Nilton Carlos.
Para Luana Tomás, “o caso Sefer revela as entranhas de um sistema de Justiça que frequentemente se dobra diante do poder político e econômico, mesmo diante de crimes gravíssimos, como o estupro de vulnerável”.
“A condenação do ex-deputado Luiz Sefer por estupro de uma criança de 9 anos foi uma conquista importante no enfrentamento à violência sexual contra crianças, mas a tentativa recente de anular a sentença, às vésperas de ele completar 70 anos, expõe as manobras jurídicas que favorecem a impunidade seletiva”, afirmou à CENARIUM.
De acordo com Luana, “a reviravolta judicial não pode ser lida de forma ingênua” e “evidencia como o sistema penal pode ser duro para muitos, mas estranhamente flexível para poucos”.
“Não se trata de mera disputa jurídica: está em jogo o direito à verdade, à justiça e à reparação da vítima, que foi revitimizada inúmeras vezes ao longo desses anos. Como presidenta da Comissão de Direitos Humanos da OAB, é meu dever afirmar que esse não é apenas um caso individual.

Ele simboliza a falência de um modelo de Justiça que, ao invés de proteger os mais vulneráveis, se curva ao privilégio. Por isso, a importância de resistirmos”, disse.
Outra especialista que aponta nas manobras jurídicas uma estratégia para a impunidade é Mailô Andrade. “O caso de Sefer expõe os caminhos para a impunidade em crimes sexuais, uma ‘cultura do estupro’ que legitima violências e atua pela manutenção de um sistema de Justiça que suspeita das sobreviventes e escusa os estupradores”, disse.
Mailô Andrade avalia que o cenário de revitimização de sobreviventes de estupro pelas polícias e Judiciário é bem documentado. Para ela, as narrativas das vítimas são atacadas e acusadas de serem “falsas acusações” e elas, a maioria mulheres, “são taxadas de mentirosas, movidas por vingança ou interesses escusos de acabar com a reputação de ‘homens bons’, são transformadas em prostitutas”.
“Muitas sobreviventes afirmam que o processo penal é tão ruim quanto o estupro em si. Nesse sentido, no caso Sefer, a sobrevivente relatou mais de seis vezes os fatos no decorrer do processo, de forma coerente, harmônica, sem contradições, como parece ser importante ressaltar”, destacou Mailô.
A especialista ressalta que, embora os tribunais afirmem que “em crimes sexuais a palavra da vítima tem especial relevância”, os julgadores só costumam considerar a “palavra da vítima” quando corroborada por todas as outras provas aceitas e
450
mil
Segundo o estudo da Funpapa (Fundação Papa João XXIII), 450 mil crianças e adolescentes residem em Belém, e cerca de 59,6% vivem em áreas de “aglomerados subnormais”, onde a falta de infraestrutura básica e serviços públicos intensifica as vulnerabilidades.
possíveis, entre laudos periciais que atestem a violência física e sexual e testemunhas. A especial relevância da palavra da vítima é um mito do estupro que se repete cotidianamente na jurisprudência brasileira, inclusive para justificar absolvições, afirma Mailô.
Ainda segundo a especialista, a absolvição por falta de provas é a realidade das decisões envolvendo crimes de estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal) e estupro (art. 213 do Código Penal), e de outros delitos sexuais, no Brasil e no mundo. Embora o Brasil seja um dos países que mais prende no mundo, em casos de violências cometidas contra minorias políticas, como são os casos envolvendo violência de gênero e, portanto, o estupro, o princípio da presunção de inocência tem sido mobilizado para fundamentar decisões em processos relativos a esses casos de uma maneira distinta de como
“O caso de Sefer expõe os caminhos para a impunidade em crimes sexuais, uma ‘cultura do estupro’ que legitima violências e atua pela manutenção de um sistema de Justiça que suspeita das sobreviventes e escusa os estupradores”
Mailô Andrade, doutora em Direito Penal pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), mestra em Direitos Humanos pela UFPA.
Crédito: Arquivo Pessoal
funciona nos crimes contra o patrimônio ou tráfico de drogas.
“Decisões judiciais que legitimam a violação sexual têm efeitos concretos no cotidiano das pessoas e disputam narrativas para impor uma verdade sobre estupro que não condiz com a experiência real das vítimas. Se o estupro é um instrumento de controle social, do qual o ‘medo do estupro’ e da descrença sobre o estupro exercem papel fundamental na manutenção das desigualdades de gênero, passa-se uma ordem implícita que determina os lugares que se pode ir, e se, e que, mulheres podem ser, inclusive a própria ‘vítima’”, afirma Mailô.
Para a mestra em Direitos Humanos, “é importante denunciar a condução dos processos e a revitimização imposta a quem já sofreu tanto, mas que segue na luta pelo reconhecimento da sua dor e de que um mal imenso, irreparável, horrível, foi causado”.
“Não se trata de mera disputa jurídica: está em jogo o direito à verdade, à justiça e à reparação da vítima, que foi revitimizada inúmeras vezes ao longo desses anos”
Luana Tomás, professora da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará (PPGD/UFPA), presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, secção Pará (OAB-PA).
LIGAÇÃO COM PODEROSOS
Luiz Afonso de Proença Sefer, de acordo com ele mesmo, em pronunciamento na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), em 15 de dezembro de 2008, é um “homem de família, católico praticante e devoto de Nossa Senhora de Nazaré”. Médico, entrou para o serviço público no dia 3 de janeiro
de 1984 e está hoje lotado como servidor no Sistema Único de Saúde (SUS).
Nascido em 28 de setembro de 1955, Sefer iniciou sua carreira política como deputado estadual no Pará em 1995 e, mesmo depois do escândalo, da renúncia e da condenação, entre 2009 e 2010, em 2015 ele voltou à Assembleia Legislativa,
A INTIMAÇÃO DA DELEGADA CHRISTIANE LOBATO
No dia 16 de fevereiro de 2009, a delegada Christiane Lobato, encarregada do inquérito desde o princípio, recebeu o ofício número 0368/2009, com intimação para prestar informações sobre as investigações contra Luiz Afonso Sefer, no prazo de 48 horas. Foi impetrado habeas corpus também, desde o dia 9 de fevereiro daquele ano, contra a delegada, considerando ilegal o indiciamento de Sefer. Mais uma vez, a defesa de Sefer atacou a criança com acusações e insinuações.
O habeas corpus acusava a delegada de usurpação de competência, ou seja, Christiane era acusada de retirar do Tribunal de Justiça a competência para processar e julgar os deputados estaduais nas infrações comuns.
A usurpação de competência ocorre quando um órgão jurisdicional, como um Tribunal de Justiça, exerce atribuições que legalmente pertencem a outra instância ou poder, violando o princípio da separação de poderes e as normas de competência estabelecidas na Constituição e nas leis processuais. Essa prática é considerada ilegítima e pode ser anulada por meio de recursos judiciais, como o recurso extraordinário ou o mandado de segurança,
visando ao restabelecimento da ordem jurídica e das competências constitucionalmente definidas. Conforme jurisprudência, a usurpação de competência é frequentemente debatida em casos em que tribunais invadem esferas de decisão reservadas a outras instâncias, como o Poder Legislativo ou órgãos administrativos (JusBrasil, 2024).
Dessa forma, o habeas corpus criminalizava Christiane, mas também pedia a anulação de todos os atos indevidamente praticados, o encerramento de todo o inquérito e do indiciamento à identificação criminal de Sefer. Por fim, o habeas corpus acusava Christiane Lobato de absoluta incompetência. “A procedência do habeas corpus para o fim de decretar a nulidade de todos os atos de investigação até então praticados pela autoridade impetrada, desconstituindo-se a constrição do ilegal indiciamento e identificação criminal do paciente”, no caso, o deputado Sefer. O pedido de habeas corpus foi negado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará.
A reportagem entrou em contato com Christiane Lobato, que preferiu não se manifestar novamente sobre o assunto, alegando medo e o desgaste emocional
vivido ao longo dos anos em que esteve envolvida nas investigações.
Christiane relembrou que sofreu intensa criminalização, perseguições e até mesmo assédio jurídico, que quase a levaram a perder o cargo de delegada. Em tom firme, ela afirmou: “Eu te peço desculpas, mas eu não vou falar, tá? Estou em outra fase da minha vida, então, quanto menos eu aparecer, melhor”.
Mesmo assim, Christiane ainda lembrou que seu único contato com a vítima ocorreu durante o depoimento realizado em Brasília. “O único contato que eu tive com a vítima foi na oitiva em Brasília. Ela estava (escondida) em algum lugar do Brasil, levaram ela para Brasília e aí nós a escutamos”. Ela conta que, na época, a vítima era uma adolescente de aproximadamente 14 anos. “E depois de muito tempo eu soube, mas não sei se é verdade, que ela tinha sido adotada por uma família, mas não sei te dizer o Estado, não sei se ela mudou de nome, não sei te dizer mesmo”.
As palavras de Christiane reforçam o desejo de distanciamento do caso que lhe causou profundo impacto pessoal e profissional.
PODER & INSTITUIÇÕES

Respectivamente, o prefeito de Belém, Igor Wander Centeno Normando (segundo da esq. para a dir.), o governador do Pará, Helder Barbalho (quarto da esq. para a dir.), e o deputado estadual Gustavo Sefer (primeiro à direita), em momento descontraído
após conquistar mais de 33,6 mil votos nas eleições de 2014. Nessa época, ele já acumulava um patrimônio de mais de R$ 8 milhões, de acordo com declaração feita ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2019, decidiu encerrar a carreira política.
A trajetória de Luiz Afonso está entrelaçada com figuras-chave do poder no Pará, incluindo o senador Jader Barbalho, o governador Helder Barbalho, desembargadores do TJPA e familiares em postos de poder e no comando de empresas da família com contratos firmados com o governo do Estado, como Ronaldo de Proença Sefer, irmão de Luiz Afonso Sefer.
A família Sefer tem forte atuação no Judiciário e na política. Ricardo Sefer, que é procurador-geral do Estado e também secretário interino de Educação, é primo de primeiro grau do ex-deputado condenado. Ele assumiu, em junho deste ano, a Secretaria de Educação após a saída de
Rossieli Soares, ocorrida em meio à pressão popular e denúncias de corrupção.
Gustavo Sefer, deputado estadual do MDB/PA e filho de Luiz Afonso, que também foi acusado de participar dos abusos contra a vítima quando ele tinha 16 anos, é hoje aliado do governador do Estado. Em 2023, o MPPA abrigou denúncias contra Gustavo Sefer por desvio de verbas públicas e uso indevido de dinheiro público, além de prática de rachadinha e retenção de tickets de servidores. Durante a campanha eleitoral, Helder Barbalho apoiou abertamente Gustavo Sefer para a eleição de deputado estadual.
Rafael Bemerguy Sefer, o outro filho de Sefer, que morava nos EUA na época em que os crimes contra Valentina ocorreram, é o menos exposto politicamente e publicamente, mas aparece como sendo representante legal e sócio-proprietário de várias empresas da família e, da mesma
forma, representou algumas dessas empresas em licitações do Governo do Pará e do Banco Banpará, assim como em licitações e contratos em municípios do interior do Estado, onde a família Sefer é proprietária de hospitais, como Abaetetuba, Igarapé-Miri e Ananindeua.
A maior exposição de Rafael à Justiça foi em 2019. O processo que tramita na 2ª Vara Federal de Marabá expõe a atuação de Rafael como um dos contratantes da empresa Marca Vigilância e Segurança Ltda., que, segundo o Ministério Público Federal (MPF), foi utilizada na época como milícia armada para promover a invasão de terras da União e expulsar assentados de áreas como Lago dos Macacos, PA Diamante e a Comunidade Flor do Brasil.
Os crimes ocorreram principalmente entre agosto e novembro de 2019, no sudeste do Pará. A atuação de Rafael Sefer foi enquadrada pelo MPF como parte de
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Gustavo Sefer
44,27%
Aproximadamente 44,27% das crianças e adolescentes que moram em Belém estão em situação de pobreza ou extrema pobreza, um contexto que favorece a incidência de violência sexual infantojuvenil e dificulta a proteção efetiva das vítimas.
uma associação criminosa voltada à prática de diversos crimes, como invasão de terra pública, ameaça, incêndio e contratação de grupo armado. Segundo os autos, moradores apontaram a presença de vigilantes armados a serviço dos fazendeiros, com depoimentos que detalham destruição de barracos, imposição de bloqueios de acesso à comunidade e até o uso de trator para derrubar casas.
A empresa contratada sequer possuía autorização legal para atuar com armamento naquela região. O MPF sustentou que a presença e atuação de Rafael Bemerguy Sefer contribuíram diretamente para a escalada de violência e para a violação dos direitos dos ribeirinhos e assentados.
Apesar da gravidade, Rafael Sefer não aparece entre os nomes contra os quais foram solicitadas ou decretadas prisões preventivas. No entanto, o MPF destaca sua coautoria nos fatos. A Procuradoria defendeu que o envolvimento de Sefer, juntamente com os demais, constitui “grave afronta à ordem pública, sendo peça-chave em uma engrenagem voltada ao uso da força privada para apropriação indevida de terras públicas federais”.
CONTRATOS MILIONÁRIOS
Contratos milionários ligam empresas da família Sefer ao Governo do Estado do Pará, na gestão do governador Helder Barbalho, ao longo dos anos, envolvendo serviços que vão de saúde à locação de imóveis. Os negócios têm em Rafael Sefer figura central, como representante legal de pelo menos três empresas fornecedoras do Estado, e em Ronaldo Sefer, irmão de Luiz
Afonso, que também é médico, aposentado e sócio de um dos hospitais da família.
O Hospital Dr. Afonso Rodrigues Filho Ltda., localizado em Igarapé-Miri, tem contratos com a Secretaria de Estado de Saúde do Pará (Sespa), com valores que chegam a R$ 13.192.416,60 anuais, para fornecimento de atividades de atendimento hospitalar, exceto pronto-socorro e unidades para atendimento a urgências, para o SUS. A gestão é de Rafael, sócio-administrador.
A Elimata Participações Societárias Ltda. é outra empresa da família que está inclusa na administração do hospital, descrito
como sendo de pequeno porte. O deputado estadual, filho de Luiz Afonso Sefer e irmão de Rafael, Gustavo Sefer, também é sócio na Elimata Participações Societárias Ltda.
As informações constam em sites do governo federal, como o Portal da Transparência, Dívida Ativa da União, Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais e murais de licitações, assim como em documentos onde são citados os CNPJs das empresas e hospitais da família, com nomes e sobrenomes identificados. Também buscamos informações nos bancos de dados dos órgãos TJPA, STJ, MPPA e STF.

Contrato de hospital da família Sefer com o Governo do Pará

O Hospital Júlia Sefer, localizado em Abaetetuba, também tem contratos com a Sespa, com valores de R$ 16.038.791,88 anuais, para atendimento ambulatorial e hospitalar. Rafael Sefer também é sócio-administrador. A Elimata Participações Societárias Ltda. também é mencionada como sócia, assim como uma sociedade consorciada, na qual é citada outra empresa da família: o Consórcio SGR, que atua com atividades de coordenação e controle da operação da geração e transmissão de energia elétrica.
A Piraí Holdings, também controlada por Rafael Sefer, herdando um contrato inicialmente firmado com a Aliança Imobiliária Eireli, fornecia imóveis para o banco público do Estado do Pará, o Banpará, sociedade de economia mista, organizada como banco múltiplo, de capital aberto e controlado pelo governo estadual. A
empresa trabalha com aluguel de imóveis próprios, construção de edifícios, estacionamento de veículos, compra e venda de imóveis próprios e gestão e administração de propriedades imobiliárias.
O Hospital das Clínicas de Ananindeua já firmou contratos com a Prefeitura de Ananindeua no valor de R$ 15.166.729,68, para serviços médicos e hospitalares, e com o Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Pará (Iasep), para serviços hospitalares.
Em 2014, o Tribunal de Contas da União (TCU) condenou o Hospital das Clínicas de Ananindeua e seu então diretor, Ronaldo de Proença Sefer, um dos irmãos de Luiz Afonso Sefer, por desvio de R$ 58,7 mil em recursos do Fundo Nacional de Saúde. Atualmente, o hospital é administrado por Rafael Sefer e tem Ronaldo como um dos sócios.
As multas aplicadas foram de R$ 20 mil para Ronaldo Sefer e de R$ 10 mil para o hospital. Na época, o advogado de defesa foi o atual procurador do Estado do Pará, Ricardo Nasser Sefer.
OUTRAS LIGAÇÕES
Alex Centeno, desembargador que votou pela nulidade do processo de Luiz Afonso Sefer, e Igor Wander Centeno Normando, atual prefeito de Belém do Pará, são primos de primeiro grau de Helder. Camilo Centeno, outro primo do governador, é CEO do Grupo RBA (Rede Brasil Amazônia de Comunicação), que pertence à família Barbalho.
Jader e Helder faziam parte da vizinhança de Luiz Sefer e sempre tiveram relação de amizade, morando no mesmo prédio onde o ex-deputado residia em Belém, o Condomínio Edifício Strauss, onde ocorreram os abusos, conforme os depoimentos de Valentina. Havia frequentes visitas ao apartamento de Sefer, segundo depoimentos da vítima e da empregada.
CONTATOS
A reportagem enviou, por e-mail, solicitação de manifestação e informações ao Ministério Público, questionando sobre o andamento do processo atualmente e as medidas para garantir o cumprimento da pena por Luiz Afonso Sefer. Ao Tribunal de Justiça do Pará, foi encaminhado pedido de manifestação sobre as decisões apontadas como manobras jurídicas que favorecem o ex-deputado condenado.
A CENARIUM também encaminhou ao CNJ pedido de maiores esclarecimentos sobre o arquivamento do procedimento de apuração contra os desembargadores do Pará, bem como à defesa de Luiz Afonso Sefer, para saber se gostaria de se manifestar sobre o caso. Até o fechamento desta edição, não houve retorno das solicitações.
A CENARIUM também tentou entrar em contato com Valentina, por meio de intermediários, mas não obteve êxito em ouvi-la. Não foi possível saber como a menina de 9 anos do início da reportagem se tornou a mulher, hoje com 30 anos, adotada por outra família e vivendo em outro local, e como conseguiu reconstruir sua vida após os acontecimentos.
Crédito: Reprodução
Hospital da família Sefer como fornecedor do Governo do Pará

IRMÃ HENRIQUETA PREFERE O SILÊNCIO
A CENARIUM também entrou em contato com a freira Marie Henriqueta Ferreira Cavalcante, conhecida como irmã Henriqueta, presidente do Instituto Dom Azcona, do Marajó, que testemunhou na CPI da Pedofilia no Pará. Ela também preferiu não comentar novamente o caso de Valentina e Luiz Afonso Sefer. As falas de irmã Henriqueta à reportagem revelam cicatrizes profundas deixadas pelas ameaças sofridas durante a CPI.
Mesmo após tantos anos, ela ainda sente o peso da perseguição. De acordo com irmã Henriqueta, as ameaças feitas por telefone pelo pai do acusado Luiz Afonso Sefer, nas quais ele prometia que cada um dos envolvidos “pagaria um preço alto”, a mergulharam em um estado de vulnerabilidade emocional, obrigando-a a buscar terapia para lidar com as sequelas.
O medo persiste, afirmou a religiosa, alimentado não apenas pelas memórias, mas pela consciência de que as estruturas de poder por trás dessas ameaças continuam intactas. “Como você sabe, não é só o Sefer. Tem outras pessoas poderosas [envolvidas], então eu não gostaria de mexer com isso novamente. Não vai me fazer bem emocionalmente”, desabafou, deixando claro que sua cautela não é paranoia.
PEDOFILIA É GRAVE NO PARÁ
Belém do Pará apresenta um cenário preocupante de violência sexual contra crianças e adolescentes, agravado por fatores socioeconômicos estruturais. Segundo o estudo da Fundação Papa João XXIII (Funpapa), 450 mil crianças e adolescentes residem na capital paraense, e cerca de 59,6% vivem em áreas de “aglomerados subnormais”, onde a falta de infraestrutura básica e serviços públicos intensifica as vulnerabilidades.
Aproximadamente 44,27% desse público está em situação de pobreza ou extrema pobreza, um contexto que favorece a incidência de violência sexual infantojuvenil e dificulta a proteção efetiva das vítimas.
A atenção do poder público à violência sexual em Belém começou a se estrutu-
rar com o Programa Sentinela, em 2001, substituído posteriormente pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). Desde então, diversas iniciativas como o Projeto “Tamba-Tajá” e o programa Pro Paz Integrado vêm buscando oferecer atendimento psicológico, jurídico e social às vítimas. Ainda assim, a gravidade do problema exige medidas mais eficazes, intersetoriais e permanentes.
No Arquipélago do Marajó, de acordo com dados do Ministério Público do Estado do Pará, só em 2022 foram registrados 550 processos relacionados a crimes sexuais contra crianças e adolescentes nos municípios marajoaras. Desse total, 391 ocorreram na Região Administrativa Marajó II, com destaque para os 306 casos de estupro de vulnerável, contra menores de 14 anos.
Em escala estadual, o Pará apresentou 3.648 registros de crimes sexuais contra crianças e adolescentes, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, número significativamente superior à média nacional, que é de 2.449 casos.
O próprio anuário destaca que o Brasil registrou, em 2023, um estupro a cada seis minutos, e que 61% das vítimas são menores de idade, sendo a maioria meninas entre 10 e 13 anos.
Entre as capitais brasileiras, Belém figura entre as mais afetadas por essa violência. Em comparação com outras capitais, destacam-se também cidades como Manaus (AM), Teresina (PI), Porto Velho (RO) e Rio Branco (AC), que registram altas taxas de estupro de vulnerável.
Crédito: Reprodução
Material de campanha eleitoral com Gustavo Sefer e Helder Barbalho juntos, além de outros candidatos


Crédito: Ricardo Lima | TJPA

DESEMBARGADOR ALVO DE PROCESSO DISCIPLINAR
Entre os nove desembargadores que votaram pela nulidade do caso, em 19 de fevereiro deste ano, está Amílcar Roberto Bezerra Guimarães, que responde a Processo Administrativo Disciplinar (PAD) perante o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por crime relacionado a abuso sexual infantil.
O processo, registrado sob o número 0001871-55.2024.2.00.0000, está vinculado ao “Caso Rapina 611/2023”, que envolve um relatório do National Center for Missing and Exploited Children (NCMEC), ou Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas, na tradução para o português, organização dos EUA que centraliza denúncias de crimes relacionados ao abuso sexual infantil. Eles recebem apoio do governo norte-americano para estabelecer um mecanismo centralizado de recebimento de denúncias sobre crimes relacionados a abuso sexual infantil e desaparecimento de crianças.
Nos Estados Unidos, os prestadores de serviços (de conexão/internet) são obrigados por lei a relatar suspeitas de pornografia infantil que trafeguem em suas redes. Assim, tais provedores (Facebook,

Diante da possibilidade de impunidade para Luiz Afonso Sefer, a sociedade civil também se mobilizou por meio de uma solicitação protocolada em março de 2025 e assinada por entidades como o Conselho Regional de Psicologia e a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, que pedem ao Ministério Público do Pará (MPPA) medidas urgentes para garantir a prisão do ex-deputado.
O caso, descrito como “covarde estupro de uma criança, incluindo métodos escabrosos, por 4 anos, causando danos irreparáveis”, completava à época mais de uma década de condenação sem execução da pena. Os signatários alertam que, em setembro de 2025, Sefer completará 70 anos, o que reduziria pela metade o prazo prescricional da pena, conforme o artigo
Instagram, WhatsApp, Flickr, X, Google, Microsoft etc.) reportam o armazenamento, disseminação ou divulgação de conteúdo alusivo à pornografia infantojuvenil de que tiverem conhecimento, detectado em seus sistemas, por meio de suas ferramentas. Esses dados são centralizados pelo NCMEC, que os processa, gerando reports ou Cybertips (relatórios), que se constituem em notícias de fato sobre possível conduta criminosa. Quando se trata de pessoas possivelmente localizadas no Brasil, o NCMEC disponibiliza as informações à Polícia Federal (ponto de contato no Brasil) para análise e investigação ou encaminhamento às unidades estaduais responsáveis.
O desembargador Amílcar Guimarães teve seu nome registrado em relatório do NCMEC pelo upload de dois arquivos de vídeo contendo pornografia infantil em seu Google Drive. O material foi detectado por provedores de serviço de internet e reportado ao NCMEC, que repassou as informações à Polícia Federal do Brasil para análise.
O CNJ, por sua vez, tem a prerrogativa de avaliar se os fatos configuram violação
MOBILIZAÇÃO SOCIAL
115 do Código Penal, “atingindo a pretensão acusatória do Estado”.
A solicitação destaca que o ex-parlamentar vem usando “recursos infindáveis” para adiar a execução da pena, incluindo tentativas de anular o processo no Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), contrariando decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF). Embora o TJPA tenha reconhecido a impossibilidade de reanalisar nulidades do processo após embargos de declaração do MPPA, os autos seguem pendentes no STJ e no STF.
O texto cita jurisprudência para reforçar que o “manejo recursal com finalidade meramente protelatória autoriza a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal”, conforme decisão da Sexta Turma do STJ
disciplinar por parte do magistrado, independentemente da conclusão criminal. O documento de registro do processo reforça que, no Brasil, para que se configure um crime previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é necessário comprovar o dolo específico, ou seja, que o armazenamento do material tenha ocorrido “para fins primordialmente sexuais”.
A reportagem entrou em contato com a Coordenação de Repressão a Crimes Cibernéticos Relacionados a Abuso Sexual Infantojuvenil da Polícia Federal, pedindo informações sobre o caso ou sobre os procedimentos adotados em investigações como essa. A coordenadoria explicou, por e-mail, que “a Polícia Federal, por meio desta Coordenação, apenas responde às solicitações do juízo cível, tendo em vista a sensibilidade dos dados vinculados ao processo”.
A CENARIUM também enviou e-mail ao gabinete do desembargador Amílcar Guimarães com pedido de informações e solicitação de manifestação sobre o processo administrativo. Até o fechamento desta edição, não obteve retorno.
(2018). A insistência em recursos é classificada como “abuso de direito”, violando “deveres de lealdade processual e comportamento ético”.
As entidades exigem que o MPPA apresente uma reclamação ao STJ para coibir os recursos de Sefer, argumentando que “só servem para adiar a execução da pena até que ele alcance os 70 anos”. O material também menciona decisões unânimes do STF, como a rejeição do foro privilegiado no Agravo Regimental 1.391.234/PA, e apela para a aplicação de “pesada multa adicional, compatível com a sua fortuna e poder”.
A carta, subscrita por mais de 15 organizações e personalidades políticas do Pará, simboliza a pressão da sociedade civil por celeridade.

Superintendente da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), Bosco Saraiva, e o presidente dos EUA, Donald Trump
Um tarifaço e seus reflexos
Impacto da tarifa dos EUA é ‘quase insignificante’ na ZFM, diz superintendente
Lucas Thiago – Da Cenarium
MANAUS (AM) – O superintendente da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), Bosco Saraiva, afirmou que a taxação de 50% sobre exportações brasileiras, anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, terá impacto “quase insignificante” sobre a ZFM. Em vídeo enviado à CENARIUM no dia 10 de julho, ele destacou que o Polo Industrial de Manaus (PIM) exporta muito pouco para o mercado norte-americano.
“Do ponto de vista das exportações do Polo Industrial de Manaus, esse volume é quase insignificante para o seu faturamento,
o faturamento que temos divulgado regularmente nos últimos tempos”, declarou Saraiva.
O superintendente também afirmou que o posicionamento da Suframa acompanha o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que criticou a medida e indicou que o Brasil poderá responder com base na Lei da Reciprocidade Econômica.
CARTA E RETALIAÇÃO
O anúncio das tarifas foi feito por Donald Trump por meio de uma carta endereçada a Lula e publicada na rede social Truth Social, no dia 9 de julho. No texto, o ex-presidente dos EUA alerta que,
Crédito: Hudson Fonseca - Aleam | Ricardo Oliveira | Casa Branca | Composição: Paulo Dutra - Cenarium
“Do ponto de vista das exportações do Polo Industrial de Manaus, esse volume é quase insignificante para o seu faturamento, o faturamento que temos divulgado regularmente nos últimos tempos”
Bosco Saraiva, superintendente da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).
Produtores brasileiros sentem impacto
MANAUS (AM) – Produtores brasileiros aguardam reuniões e medidas do governo brasileiro para reverter ou mesmo minimizar a taxação anunciada pelo presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, de 50% sobre todas as exportações brasileiras ao país norte-americano a partir do dia 1º de agosto. Para alguns setores, o momento é de apreensão e espera, para outros, os impactos já começaram a ser sentidos.
O setor de pescados é um dos que foram imediatamente impactados. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca), pelo menos 58 contêineres com 1.160 toneladas de pescados que seriam destinadas aos Estados Unidos perderam os compradores e terão que retornar aos produtores.
Segundo o diretor-executivo da Abipesca, Jairo Gund, os EUA respondem por 70% do mercado externo brasileiros de pescado. Somente de tilápia, o país é o destino de 90% do produto. Os contêiners que tiveram as compras canceladas eram de congelados. O mercado de produtos frescos, feito por avião, segue normalmente.
AGUARDANDO DECISÕES
Os produtores de cítricos também aguardam os próximos passos. “Temos que ter cautela. Essa tarifa é para o dia 1º de agosto. Temos que deixar o governo fazer as ações, fazer a defesa e negociar. Acho que uma boa conversa é muito melhor do que uma má discussão”, ressaltou o presidente da Câmara Setorial da Citricultura do Estado de São Paulo e vice-presidente da Associação Brasi-
O Brasil é o maior fornecedor de suco de laranja para os EUA, que compram mais de 40% das exportações brasileiras. A produção de Simonetti segue com normalidade. “Ainda está tudo normal, sem nada de alertar, tudo correndo normal por enquanto. Não tivemos ainda nenhuma estratégia anunciada”.
INDÚSTRIA
Em posicionamento divulgado no dia 14 de julho, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) alertou que o momento “exige ações enérgicas, contundentes”, para reverter o quadro, tanto interna quanto externamente.
“Nas relações exteriores, precisamos de moderação e equilíbrio para contornar a política tarifária dos EUA. Devemos negociar a revogação da taxação na condição de país parceiro e de nação soberana. Cabe ao governo brasileiro defender os interesses da sociedade brasileira, evitando, sobretudo, as armadilhas da polarização política que o episódio coloca no caminho”, diz a CNI.
Além disso, a CNI enfatiza que a taxação coloca em risco os planos de investimento e os negócios em andamento. “A taxação põe fim à previsibilidade que sustenta milhares de contratos de longo prazo, afetando fábricas brasileiras e plantas nos Estados Unidos que dependem de componentes e insumos produzidos no Brasil para manter linhas produtivas e empregos”, diz a nota.
(*) Com informações da Agência Brasil.
As novas taxas norte-americanas variam entre 20% e 50%, a depender do país, e entrarão em vigor a partir de 1º de agosto. Entre as 22 nações notificadas, o Brasil foi o único a receber a alíquota máxima.
caso o Brasil adote medidas de retaliação, o valor poderá ser somado à tarifa de 50%.
As novas taxas norte-americanas variam entre 20% e 50%, a depender do país, e entrarão em vigor a partir de 1º de agosto. Entre as 22 nações notificadas, o Brasil foi o único a receber a alíquota máxima.
MODELO ECONÔMICO
O secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (Sedecti), Serafim Corrêa, afirmou que a Zona Franca de Manaus não será afetada. Segundo ele, as exportações do PIM para os Estados Unidos são mínimas.
“Em 2024, exportamos R$ 99 milhões para os Estados Unidos, mas importamos R$ 1,4 bilhão. Nossa balança comercial é altamente deficitária. A taxação terá impacto muito pequeno na Zona Franca, porque as exportações equivalem a 0,1% do faturamento do Polo Industrial”, afirmou Corrêa.
INDÚSTRIA AVALIA RISCOS INDIRETOS
O vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam), Wilson Périco, também avalia que o impacto direto será nulo, mas alerta para possíveis efeitos no câmbio. “As indústrias do Polo Industrial de Manaus não exportam praticamente nada para os Estados Unidos. O impacto direto será sobre produtos do agronegócio e minérios. No entanto, podemos sofrer com pressão cambial. A redução na entrada de dólares pode elevar o preço do câmbio, encarecendo produtos fabricados aqui”, explicou.
leira de Citros de Mesa Antonio Carlos Simonetti.
“Somos
um país soberano. Não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja. Possuímos instituições sólidas e independentes. Ninguém está acima da lei. Sobretudo, os que atentam contra a liberdade e o estado de direito”
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil.
RESPOSTA DO GOVERNO BRASILEIRO
O presidente Lula afirmou, ainda no dia 9 de julho, que a resposta brasileira seguirá os princípios da reciprocidade e poderá incluir uma ação na Organização Mundial do Comércio (OMC). O governo sustenta que não há motivação técnica para a tarifa, pois a balança comercial é desfavorável ao Brasil e a medida viola normas de concorrência justa.
Lula também associou o gesto de Trump a uma retaliação política pela situação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que responde a processos no Supremo Tribunal Federal (STF). Em defesa das instituições brasileiras, o presidente reforçou que o país é soberano e “não aceitará ser tutelado por ninguém”.
Em meio à Cúpula do Brics, no Rio de Janeiro, Lula rebateu, no dia 7 de julho, a defesa que Trump fez de Bolsonaro no contexto do processo que enfrenta por tentativa de golpe de Estado, dizendo que ele seria inocente.
O presidente brasileiro disse que a defesa da democracia no Brasil é um tema que compete aos brasileiros. “Somos um país soberano. Não aceitamos interferência ou

Lula regulamenta Lei de Reciprocidade
MANAUS (AM) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou, no dia 14 de julho, o decreto que regulamenta a Lei da Reciprocidade Comercial. A informação foi confirmada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, em declaração à imprensa após um evento no Palácio do Planalto.
A norma autoriza o governo brasileiro a adotar medidas comerciais contra países que imponham barreiras unilaterais aos produtos do Brasil no mercado global. A medida poderá ser usada para responder à imposição da tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras para os Estados Unidos (EUA), a partir do dia 1º de agosto, conforme anunciado pelo presidente norte-americano, Donald Trump.
Segundo Rui Costa, o decreto não menciona especificamente nenhum país e estabelece os mecanismos necessários para dar cumprimento à lei. “A denominação ‘reciprocidade’ pode responder de um formato também rápido, se outro país fizer medidas semelhantes a essa que foi anunciada pelos Estados Unidos”, explicou.
HISTÓRICO
Aprovada em março pelo Congresso Nacional e sancionada em abril, a nova lei é justamente uma resposta à escalada
da guerra comercial desencadeada por Donald Trump contra dezenas de países. No caso do Brasil, a tarifa inicialmente imposta pelos EUA foi de 10% sobre todos os produtos exportados para o mercado norte-americano. A exceção nessa margem de tarifas são o aço e o alumínio, cuja sobretaxa imposta pelos norte-americanos está em 25%, afetando significativamente empresas brasileiras, que constituem os terceiros maiores exportadores desses metais para os norte-americanos.
A Lei da Reciprocidade Comercial estabelece critérios para respostas a ações, políticas ou práticas unilaterais de país ou bloco econômico que “impactem negativamente a competitividade internacional brasileira”.
A norma valerá para países ou blocos que “interfiram nas escolhas legítimas e soberanas do Brasil”.
No Artigo 3º do texto, por exemplo, fica autorizado o Conselho Estratégico da Câmara de Comércio Exterior (Camex), ligado ao Executivo, a “adotar contramedidas na forma de restrição às importações de bens e serviços”, prevendo ainda medidas de negociação entre as partes antes de qualquer decisão.
(*) Com informações da Agência Brasil.
Lula (à esq.) e Donald Trump
Crédito: Composição Lucas Oliveira Cenarium
tutela de quem quer que seja. Possuímos instituições sólidas e independentes. Ninguém está acima da lei. Sobretudo, os que atentam contra a liberdade e o estado de direito”, afirmou Lula, em nota.
Naquele dia, Trump saiu em defesa de Bolsonaro em uma rede social, atacando a ação penal sobre a tentativa de golpe de Estado que tramita no STF. “O Brasil está fazendo uma coisa terrível em seu tratamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. Eu tenho assistido, assim como o mundo, como eles não fizeram nada, mas vão atrás dele, dia após dia, noite após noite, mês após mês, ano após ano! Ele não é culpado de nada”, disse Trump.
No dia 14 de julho, o presidente Lula também anunciou a criação do Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais, para adoção de medidas de proteção da economia brasileira.
O grupo foi criado por meio do decreto de regulamentação da Lei de Reciprocidade Econômica (Lei 15.122/25) e terá o objetivo de ouvir os setores empresariais para detectar as implicações do anúncio feito por Trump de impor tarifas de 50% sobre todos os produtos importados do Brasil, a partir do dia 1º de agosto.

‘Não há perseguição no Brasil’, afirma Barroso a Trump
MANAUS (AM) – Em carta divulgada na noite de 13 de julho, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, afirma que a tarifa de 50% imposta pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao Brasil teve como fundamento uma “compreensão imprecisa dos fatos” e que “no Brasil de hoje, não se persegue ninguém”.
à vida e à integridade física de ministros do STF, inclusive com pedido de impeachment; acampamentos de milhares de pessoas em portas de quartéis pedindo a deposição do presidente eleito”, listou Barroso.
“No
Brasil de hoje, não se persegue ninguém. (...) Foi necessário um tribunal independente e atuante para evitar o colapso das instituições, como ocorreu em vários
países do mundo, do Leste
Europeu
à América Latina”
Luís Roberto Barroso, presidente do STF.
Ao impor a tarifa, em carta enviada ao presidente Luís Inácio Lula da Silva, Trump justificou a medida citando o ex-presidente Jair Bolsonaro, que é réu no STF por tentativa de golpe de Estado. Ele também destacou ordens do STF emitidas contra apoiadores do ex-presidente brasileiro que mantêm residência nos Estados Unidos e que atingem empresas de tecnologia norte-americanas.
Na resposta publicada no domingo, 13 de julho, Barroso disse considerar seu dever fazer “uma descrição factual e objetiva da realidade”. O ministro fez um apanhado de diversas tentativas de golpe de Estado ao longo da história brasileira e, em seguida, apresentou fatos ocorridos desde 2019 que indicaram uma nova ameaça à democracia.
“Nos últimos anos, a partir de 2019, vivemos episódios que incluíram: tentativa de atentado terrorista a bomba no aeroporto de Brasília; tentativa de invasão da sede da Polícia Federal; tentativa de explosão de bomba no Supremo Tribunal Federal (STF); acusações falsas de fraude eleitoral na eleição presidencial; mudança de relatório das Forças Armadas que havia concluído pela ausência de qualquer tipo de fraude nas urnas eletrônicas; ameaças
O presidente do Supremo afirmou ainda que denúncia do procurador-geral da República (PGR) aponta ter havido na nova tentativa de golpe, que teria sido liderada por Bolsonaro, o plano para assassinar Lula, além do vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do próprio Supremo.
“Foi necessário um tribunal independente e atuante para evitar o colapso das instituições, como ocorreu em vários países do mundo, do Leste Europeu à América Latina. As ações penais em curso, por crimes diversos contra o Estado democrático de direito, observam estritamente o devido processo legal, com absoluta transparência em todas as fases do julgamento. Sessões públicas, transmitidas pela televisão, acompanhadas por advogados, pela imprensa e pela sociedade”, escreveu Barroso.
O presidente do Supremo também negou que haja censura no Brasil e disse que as decisões da Corte buscam proteger a liberdade de expressão. Ele mencionou a mais recente decisão sobre a responsabilização de redes sociais por publicações ilegais feitas por usuários, afirmando “que o STF produziu solução moderada, menos rigorosa que a regulação europeia, preservando a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a liberdade de empresa e os valores constitucionais”.
Ministro Luís Roberto Barroso
Crédito: Reprodução | Agência Brasil

Sim à luz mais cara
Bancada da Amazônia vota para manter itens que vão encarecer conta de energia
Ana Cláudia Leocádio – Da Cenariun
BRASÍLIA (DF) – A bancada dos parlamentares da Amazônia Legal contribuiu com pelo menos 17% dos votos que derrubaram vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a uma série de pontos da Lei 15.097/25, que trata dos investimentos na geração de energia em eólicas em alto-mar (offshore) e que deve aumentar a conta para o consumidor, segundo previsão da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace). Nem todos os vetos foram apreciados no dia 17 de junho, em sessão conjunta do Congresso Nacional. A parte sobre termelétricas foi adiada após acordo com o governo, mas o que foi rejeitado é alvo de críticas da entidade.
A bancada da Amazônia no Congresso é composta por 108 parlamentares, sendo 27
senadores e 91 deputados federais. Somente o Pará e o Maranhão possuem número de deputados federais superior ao mínimo de oito. A bancada paraense é composta por 17 membros, enquanto a dos maranhenses tem 18. De modo geral, pelo menos 80 parlamentares votaram para derrubar o veto presidencial, o que abrange 74% dos representantes da região no Legislativo em Brasília.
Como foram 24 vetos a vários dispositivos da “Lei das Eólicas Offshore”, o principal argumento do Governo Lula para não aceitar o texto integral da legislação a três itens que foram analisados no dia 17 de junho, pelo Congresso, é o de que, mesmo com a boa intenção dos legisladores, os dispositivos “contrariam o interesse público em decorrência dos possíveis impactos sobre o preço das tarifas a serem custeadas pelos consumidores de energia elétrica”.
Esses dispositivos vetados eram os chamados “jabutis”, termo utilizado no jargão político para caracterizar a inserção de artigos em matéria legislativa que não correspondem ao tema original do texto e que
foram acrescentados pelos parlamentares durante a tramitação no Congresso.
O presidente da Abrace, Paulo Pedrosa, fez um alerta antes da apreciação dos vetos pelos parlamentares, no início de maio, e disse que, se os “jabutis” forem mantidos na legislação, “os consumidores de energia brasileiros já podem começar a preparar os bolsos”. “As disposições vetadas aumentam a conta de energia em mais de 9%, R$ 540 de custos adicionais e desnecessários para a sociedade, ou 25 anos de bandeira vermelha nas tarifas”, afirmou Pedrosa.
Em nota divulgada pela Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE), a entidade calcula um impacto de 3,5% nas contas de energia e estuda acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) contra os “jabutis”, por falta de justificativa econômica e possível inconstitucionalidade.
COMO
VOTARAM AS BANCADAS
A primeira votação analisada pela CENARIUM foi do veto ao parágrafo 14 do Art. 1º da Lei 14.182, de 12 de julho de 2021, com
Região amazônica é composta por nove Estados
Crédito: Fotos Ricardo Oliveira | Agência Brasil | Composição Lucas Oliveira Cenarium
a redação dada pelo art. 22, que estabelece os valores em megawatts de capacidade e energia associada de centrais hidrelétricas de até 50 MW a serem contratados para as regiões Centro-Oeste, Sul, Sudeste, Norte e Nordeste, e os respectivos prazos de contratação e entrega. Segundo a Abrace, esse trecho que permanecerá na lei é o que mais impacta na conta de luz e terá um custo de R$ 140 bilhões.
Dos 99 votos computados pelo sistema do Congresso, 83 foram para derrubar o veto de Lula, sendo 20 do Senado e 63 da Câmara dos Deputados. Entre os deputados, Maranhão (12), Pará (12) e Mato Grosso (8) registraram o maior número de votos, seguidos dos Estados do Tocantins (7), Amapá (8), Acre e Amazonas (5 cada um), Rondônia e Roraima (com 4 votos de cada bancada).
Entre os senadores da bancada da Amazônia, Acre, Amazonas, Maranhão, Pará e Rondônia votaram integralmente para rejeitar o veto e manter o dispositivo. No Mato Grosso, foram dois votos; e no Amapá, Roraima e Tocantins, um de cada.
Na outra frente, dois senadores e 14 deputados federais tiveram outro posicionamento em relação à votação, com oito deputados que votaram em branco e seis pela manutenção.
HIDROGÊNIO LÍQUIDO
A segunda análise correspondeu ao veto ao parágrafo 15 do art. 1º da Lei 14.182, de 12 de julho de 2021, com a redação dada pelo art. 22, que estabelece os valores em megawatts a serem contratados de energia proveniente do hidrogênio líquido a partir do etanol na Região Nordeste, proveniente de eólicas na Região Sul, definindo os respectivos prazos de contratação e entrega.
O governo alegava no veto que esse tipo de geração ainda se encontra em estágio incipiente de desenvolvimento, sendo incertos os custos de sua geração, que podem impactar a conta do consumidor. Para a Abrace, o custo será de R$ 28 bilhões ao longo dos anos.
Ao final, 61 deputados federais e 17 senadores votaram para derrubar o veto e manter esse “jabuti” na lei (80 no total). A bancada do Pará na Câmara contribuiu com 12 votos, seguida do Maranhão (11), Mato Grosso (7). Acre, Amapá e Tocantins
deram seis apoios cada, Amazonas (5), Rondônia e Roraima, com quatro cada. Nove parlamentares decidiram votar em branco, seis votaram para manter o veto de Lula e houve duas abstenções.
No Senado, as bancadas do Acre, Amazonas, Maranhão, Pará e Rondônia contribuíram com todos os três votos para derrubar o veto. Os Estados do Amapá e Roraima tiveram votos de somente um senador cada: Dr. Hiran (PP-RR) marcou em branco e Lucas Barreto (PSD-AP) votou pela manutenção da vedação presidencial.
R$ 197
bilhões
A decisão do Congresso Nacional em derrubar vetos presidenciais da Lei das Eólicas Offshore eleva a conta dos consumidores de energia em R$ 197 bilhões até 2050, segundo a Abrace, em nota publicada no dia 18 de junho.
CONTRATO DE MONTANTES DE ENERGIA
O terceiro veto derrubado tratava da redação dada pelo art. 22 da lei ao parágrafo 16 do art. 1º da Lei 14.182, de 12 de julho de 2021. Esse dispositivo prevê que as diferenças dos montantes de energia poderão ser contratadas em anos posteriores aos previstos, em caso de inexistência de oferta nos anos originalmente definidos, adiando-se a data de entrega. Também prevê o abatimento dos montantes de energia previamente contratados do total estabelecido para a Unidade Federativa.
Para o governo, ao estabelecer a obrigatoriedade de contratação do volume integral dos montantes de energia por prazo indeterminado, isso impediria a fruição de oportunidades oriundas de novas tecnologias limpas que venham a se desenvolver, com possíveis impactos sobre o custo de energia para os consumidores residen -
ciais e para o setor produtivo. Além disso, dificultaria “o alcance do princípio da modicidade tarifária e o atendimento de compromissos internacionais assumidos pelo País para a mitigação das mudanças climáticas e a descarbonização da matriz energética brasileira”.
Na votação, 63 deputados da Amazônia e 17 senadores se posicionaram pela derrubada do veto, com nove deputados federais que registraram voto em branco, cinco para manter e duas abstenções. No Senado, foram três votos em branco e dois para manter a vedação do presidente.
Pará (12) e Maranhão (11), por terem as maiores bancadas na Câmara, seguiram o perfil de maior votação para derrubar o veto, seguidos de Mato Grosso (7), Tocantins (7), Acre, Amapá e Amazonas (com 6 votos cada), Rondônia e Roraima (4 votos de cada). Entre os senadores, os representantes de Acre, Amazonas, Maranhão, Pará e Rondônia foram unânimes para manter os dispositivos na lei que elevarão a conta de luz. Tocantins registrou um voto pela derrubada, enquanto Amapá e Roraima não marcaram posição nesse item.
CONTA DE R$ 197 BILHÕES
Em nota publicada no dia 18 de junho, a Abrace avalia “que a decisão do Congresso Nacional em derrubar alguns vetos presidenciais da Lei das Eólicas Offshore eleva a conta dos consumidores de energia em R$ 197 bilhões até 2050, amplia distorções do setor elétrico e prejudica o País”.
“A Abrace Energia tem pautado sua atuação por levar propostas com embasamento técnico e compromisso não apenas com o setor elétrico, mas também com a sociedade brasileira. Lamentamos que um país com o potencial como o Brasil continue desperdiçando oportunidades, encarecendo e sujando sua energia, que poderia ser o grande vetor de transformação em um país mais próspero e menos desigual, capaz de descarbonizar sua produção industrial e usar a transição energética para competir globalmente com produtos verdes e competitivos. Infelizmente, não chegaremos lá se continuarmos seguindo o caminho de estragar o futuro”, diz a manifestação.

Condenação por trama golpista
Provas confirmam participação ativa de Bolsonaro na tentativa de golpe, diz PGR. Procurador-geral pede que ex-presidente e outros sete réus sejam condenados
Ana Cláudia Leocádio - Da Cenarium*
BRASÍLIA (DF) – Ao pedir a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por cinco crimes, o procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, sustenta, em suas alegações finais, que as provas produzidas no processo confirmam a participação ativa do ex-mandatário na organização e coordenação de atividades antidemocráti-
cas, que culminaram nos ataques de 8 de janeiro de 2023 às sedes dos Três Poderes, em Brasília. Segundo o procurador-geral da República, “as evidências são claras: o réu agiu de forma sistemática, ao longo de seu mandato e após sua derrota nas urnas, para incitar a insurreição e a desestabilização do Estado Democrático de Direito”.
O ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus no caso
O documento das alegações finais do procurador-geral, Paulo Gonet, no processo que julga a tentativa de golpe de Estado no Brasil, tem um total de 517 páginas.

Gonet apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) as alegações finais da Ação Penal 2668 (AP), no dia 14 de julho, que julga o “Núcleo Crucial” da trama golpista, que tem como réus Jair Bolsonaro, apontado como líder da organização, e outros sete aliados dele, que foram seus colaboradores diretos durante o mandato na Presidência da República (2019-2022). Os oito são julgados pelos cinco ministros da 1ª Turma do STF, cujo relator é o ministro Alexandre de Moraes.
Na peça de 517 páginas, o procurador-geral da República enquadra o ex-presidente nos crimes de liderar organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio
da União, com considerável prejuízo para a vítima, e deterioração de patrimônio tombado. As penas para esses crimes podem chegar a até 43 anos de prisão.
Paulo Gonet faz um detalhamento de todas as ações que teriam sido lideradas por Bolsonaro e executadas por seus aliados, desde 2021, com o intuito de permanecer no poder, a começar pela campanha para desacreditar o sistema de votação brasileiro, que funcionou como força motriz para estimular atos antidemocráticos após o resultado desfavorável, em 2022, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva e do vice Geraldo Alckmin.
Também detalha os planos “Verde Amarelo” para assassinar autoridades e a elaboração de uma minuta de decreto que levaria à ruptura institucional no País, sem
PODER & INSTITUIÇÕES

“As
evidências são claras: o réu agiu de forma sistemática, ao longo de seu mandato e após sua derrota nas urnas, para incitar a insurreição e a desestabilização do Estado Democrático de Direito”
Paulo Gonet, procurador-geral da República, em suas alegações finais na Ação Penal 2668.
a assunção do novo presidente eleito, em favor de Bolsonaro, que teve um discurso para a ocasião, encontrado no seu gabinete na sede do PL, em Brasília.
Conforme as alegações da PGR, os fatos narrados na peça acusatória não deixam dúvida de que o cenário de instabilidade social registrado depois do pleito de 2022 é resultado de uma longa e meticulosa construção por parte do grupo denunciado, que, desde 2021, se dedicou à incitação de intervenção militar no País.
“A organização não só disseminou, por múltiplos canais, ataques aos poderes constitucionais, como também espalhou a falsa narrativa de que o sistema eletrônico de votação havia sido manipulado para prejudicar o réu Jair Bolsonaro. Esse movimento estratégico, liderado por figuras-chave do governo e seu entorno, contribuiu significativamente para o clima de incerteza e violência que se seguiu”, afirma.
Segundo Gonet, além de negar todos os crimes, Bolsonaro alegou em sua defesa que a prova de que nada tinha contra si em relação ao resultado eleitoral foi a de que facilitou os trâmites para a transição de poder, mas, na prática, “utilizou seu poder e seu cargo para instigar uma ruptura institucional, mantendo sua base de apoio acesa e pronta para a insurreição”.
“Em última análise, o exame dos fatos e das evidências revela que Jair Bolsonaro desempenhou um papel central na orquestração e promoção de atos antidemocráticos. Sua liderança sobre o movimento golpista, o controle exercido sobre os
manifestantes e a instrumentalização das instituições estatais para fins pessoais e ilegais são elementos que provam, sem sombra de dúvida, a responsabilidade penal do réu nos atos de subversão da ordem democrática”, ressalta a peça.
O documento da PGR frisa, ainda, o fato de que, para que a tentativa de golpe se consolide, não é indispensável a ordem assinada do presidente, porque, se assim o fosse, estaria consumado o golpe. “A tentativa se revela, porém, na realização de ações tendentes à materialização da ruptura das regras constitucionais sobre o exercício do poder, com apelo ao emprego de força bruta – real ou ameaçado”, reitera.
A confirmação de participação ativa de Bolsonaro na organização e coordenação de atividades antidemocráticas fica patente desde 2021, acrescenta o procurador-geral da República, quando ele, “em suas falas e ações, incitou a desconfiança nas instituições, questionando a legitimidade do sistema eleitoral e promovendo um ambiente de tensão institucional”.
“As ações de Jair Messias Bolsonaro não se limitaram a uma postura passiva de resistência à derrota, mas configuraram uma articulação consciente para gerar um ambiente propício à violência e ao golpe. O controle da máquina pública, a instrumentalização de recursos do Estado e a manipulação de suas funções foram usados para fomentar a radicalização e a ruptura da ordem democrática”, sustenta Paulo Gonet.
PARTICIPAÇÃO MAIS CONTUNDENTE
Gonet faz um retrospecto de todos os atos realizados durante a gestão de Bolsonaro, que começaram em julho de 2021 e atravessaram todo o ano de 2022, tendo como consequência os protestos em frente aos quartéis pedindo uma intervenção militar no País e os planos de tentativa de golpe, que não prosperaram por causa da recusa dos comandantes do Exército, Freire Gomes e da Aeronáutica, Baptista Júnior.
“Comprovou-se que a atuação dos membros da organização criminosa foi ainda mais contundente do que a inicialmente percebida, uma vez que o núcleo central da organização esteve em constante interlocução com as lideranças populares, agindo de forma estratégica e deliberada. Essa interação não era de natureza casual; ela configurava um direcionamento claro e sistemático, com o grupo demonstrando pleno conhecimento sobre todos os movimentos a serem realizados por seus apoiadores”, descreve o procurador-geral da República, ao demonstrar os participantes da cadeia de interlocução entre a Presidência e os acampamentos.
O procurador-geral relembra a justificativa dada por Bolsonaro, durante interrogatório no STF, quando tentou se eximir de responsabilidade, chamando os seus adeptos mais fanáticos de “malu-
cos”. “O réu, ao alegar que não houve envolvimento direto, distorce a realidade dos acontecimentos, os quais foram conduzidos por suas ações, palavras e omissões ao longo de todo o período de transição política”, afirma o procurador-geral da República.
A peça destaca que o comportamento de Bolsonaro nas redes sociais, no dia 8 de janeiro de 2023, quando reagiu de forma protocolar, com postura ambígua e ausência de ação concreta para conter o ânimo dos manifestantes inflamados por ele, é indício claro de sua contribuição para a escalada de violência.
DEMAIS DENUNCIADOS
Além de Bolsonaro, são réus no “Núcleo Crucial” o ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, o ex-ministro da

Justiça, Anderson Torres, o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, o ex-ajudante de Ordens, Mauro Cid, o ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e o ex-candidato a vice na chapa de Bolsonaro, Walter Braga Netto. Apenas Ramagem foi enquadrado em três dos cinco crimes, por terem ocorrido após a diplomação como deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro.
Com a entrega das alegações finais pela PGR, conclui-se a penúltima etapa até o julgamento da ação. A partir de agora, o relator Alexandre de Moraes deverá abrir prazo de 15 dias para os demais réus, mas em cronograma escalonado, começando pelo delator Mauro Cid. Quando todos entregarem suas defesas e alegações, o presidente da 1ª Turma, ministro Cristiano Zanin, poderá marcar a audiência para os cinco membros se reunirem e julgarem a AP 2668.
Crimes pelos quais Bolsonaro foi denunciado:
► Deterioração de patrimônio tombado: art. 62, I, da Lei nº 9.605/1998;
► Liderar organização criminosa armada: art. 2º, caput, §§ 2º, 3º e 4º, II, da Lei 12.850/2013;
► Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito: art. 359-L do Código Penal (CP);
► Golpe de Estado: art. 359-M do CP;
► Dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima: art. 163, parágrafo único, I, III e IV, do CP.
TENTATIVA DE GOLPE
PODER & INSTITUIÇÕES

Moraes determina tornozeleira para Bolsonaro
Ex-presidente foi submetido a medidas cautelares por suspeita de que tentaria sair do País. Ele se diz humilhado e perseguido
Ana Pastana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi alvo de buscas realizadas pela Polícia Federal (PF) no dia 18 de julho, assim como de medidas cautelares impostas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e foi submetido ao uso de tornozeleira eletrônica para ser monitorado. Além de enfrentar um processo por acusação de liderar uma trama golpista, Bolsonaro também está envolvido em outras investigações conduzidas pelo órgão.
Após deixar a Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seap), onde teve uma tornozeleira eletrônica instalada, Bolsonaro se pronunciou à imprensa. O ex-presidente classificou a medida como uma forma de perseguição e disse se sentir humilhado.
Durante a operação da PF, foram cumpridos mandados na casa de Bolsonaro e em endereços ligados ao Partido Liberal (PL), legenda do ex-presidente. Além de passar a fazer uso de tornozeleira eletrônica como medida restritiva, o ex-presidente não poderá ter acesso às redes sociais. As sanções foram determinadas pelo STF e confirmadas pelos advogados de Bolsonaro à imprensa.
Outras medidas cautelares também incluem permanecer em casa entre 19h e 6h, e a proibição de se comunicar com embaixadores e diplomatas estrangeiros, assim como com outros réus investigados pelo STF.
Segundo a Folha de S. Paulo, o procedimento sigiloso que levou à aplicação das medidas contra Bolsonaro foi autuado no STF e distribuído ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes no dia 11 de julho, dois dias depois que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros, citando o processo contra o ex-presidente no STF.
A Polícia Federal apreendeu cerca de US$ 14 mil na operação de busca realizada contra o ex-presidente, de acordo com agentes que acompanharam as ações. A defesa de Bolsonaro afirmou ter recebido “com surpresa e indignação” as medidas cautelares impostas ao ex-presidente. Disse ainda que ele “sempre cumpriu com todas as determinações do Poder Judiciário”.
PRONUNCIAMENTO
À imprensa, Bolsonaro comentou as medidas restritivas impostas contra ele, negou intenção de deixar o Brasil e mencionou o filho, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro, que está nos Estados Unidos desde fevereiro. Ele também se pronunciou sobre a quantia em dinheiro encontrada na residência onde mora, em Brasília e, em diversos momentos, fez críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Meus advogados tomaram conhecimento do inquérito que gerou as cautelares
em cima de mim, aquele que meu filho está respondendo por estar nos Estados Unidos, o Eduardo Bolsonaro. Estou restrito a Brasília com tornozeleira, fizeram busca e apreensão em casa, prenderam R$ 7 mil e, aproximadamente, US$ 14 mil devidamente com origem. É um novo inquérito e eu também estou dentro dele”, disse. O expoente da direita brasileira negou planos de sair do País e disse que a medida é uma “suprema humilhação”. “Nunca pensei em sair do Brasil, nunca pensei em ir para a embaixada, mas as cautelares são em razão disso. Eu não posso me aproximar de embaixada, eu tenho horário para ficar na rua e no meu entender, o objetivo é uma suprema humilhação”, afirmou.
Sobre a quantia encontrada na residência onde mora, alvo de busca e apreensão da PF, Bolsonaro afirmou que os valores estão dentro da legalidade e com comprovantes de origem. “Tem mais ou menos US$ 14 mil. Poxa, sempre guardei dólar em casa, ‘pô’. Todo dólar que pego tem ‘lá’ o recibo do Banco do Brasil. O dólar em casa está com o recibo do Banco do Brasil que ano que vem, eu declaro no Imposto de Renda”, esclareceu. Em outro momento, Bolsonaro declara que as medidas restritivas contra ele e os mandados de busca e apreensão são perseguições e uma prática de humilhação. “Poxa, eu sou ex-presidente da República, tenho 70 anos de idade, é uma suprema humilhação. É a quarta
O ministro do STF Alexandre de Moraes
Crédito: Fellipe Sampaio | STF
busca e apreensão em cima de mim. Eu não tenho a menor dúvida que é perseguição, gente. Que prova tem contra mim? Não tem nada, são só suposições”, declarou.
GOVERNO LULA
Bolsonaro afirmou que se o Governo Lula tivesse interesse, ele poderia negociar com o presidente dos EUA, Donald Trump, sobre as tarifas impostas contra o Brasil. “Se o governo tiver interesse, eu converso, eu busco uma audiência com o presidente dos Estados Unidos. Agora, hoje em dia, o Lula não conversa com o Trump, o ministro das Relações Exteriores [Mauro Vieira] não conversa com o Rubio [secretário de Estado dos EUA]. É um governo complemente alienado. É um governo que não conversa”, afirmou.
Na sede do PL, em Brasília (DF), o ex-presidente voltou a fazer declarações
sobre o Governo Lula. Bolsonaro disse que a perseguição tem relação com as aparições dele na mídia, em comparação ao atual presidente. “Eu incomodo. Desde quando saí da presidência, eu apareço na mídia. O Lula só aparece quando fala besteira. Eu incomodo”, afirmou.
APOIO DO PL
Em publicações nas redes sociais, o PL Nacional e o presidente da sigla, Valdemar Costa Neto, compartilharam, em colaboração, uma imagem de Bolsonaro em frente a uma reprodução da Bandeira do Brasil, com o seguinte texto: “Verás que um filho teu não foge à luta”. Na legenda da publicação, o partido chama Bolsonaro de “capitão” e afirma que ele não está sozinho.
Em outra publicação, o partido manifesta “estranheza e repúdio” diante da operação da Polícia Federal contra o ex-pre-
sidente e na sala que Bolsonaro ocupa na sigla. O Partido Liberal questiona, na nota, o que justifica a atitude se Bolsonaro sempre esteve à disposição das autoridades, e afirma ser desproporcional a medida determinada pelo STF.
“O PL considera a medida determinada pelo Supremo Tribunal Federal desproporcional, sobretudo pela ausência de qualquer resistência ou negativa por parte do presidente Bolsonaro em colaborar com todos os órgãos de investigação”, declarou. Essa não é a primeira operação de busca contra o ex-presidente. Em fevereiro de 2024, a PF cumpriu mandados de busca e prisão contra ex-ministros de seu governo e militares envolvidos na trama golpista para manter o ex-presidente no poder. Um dos alvos foi o próprio ex-presidente. Ele teve que entregar o passaporte para a PF.
Primeira Turma do STF vota por manter cautelares
MANAUS (AM) – A maioria dos ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) votou, ainda no dia 18 de julho, por manter a decisão do ministro Alexandre de Moraes que impôs medidas cautelares contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, entre elas o uso de tornozeleira eletrônica.
Até o fechamento desta edição, além do próprio Moraes, votaram por manter as medidas cautelares os ministros Cristiano Zanin e Flávio Dino. Os ministros Cármen Lúcia e Luiz Fux tinham até as 23h59 do dia 21 de julho para votar, o que ainda não havia ocorrido até o fechamento desta edição.
A Primeira Turma do Supremo é também responsável por julgar uma tentativa de golpe de Estado que teria sido liderada por Bolsonaro, de acordo com acusação formal feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
As medidas cautelares contra o ex-presidente têm relação com a possível obstrução de Justiça e coação no curso do processo dessa ação penal sobre a trama golpista, na qual Bolsonaro é réu, tendo sido apontado como líder do complô.
A sessão de julgamento sobre as cautelares teve início ao meio-dia, poucas horas depois de a tornozeleira ter sido colocada em Bolsonaro.
Moraes repetiu em seu voto a íntegra da liminar (decisão provisória) em que determinou as medidas cautelares. Além do uso da tornozeleira eletrônica, o ministro impôs a Bolsonaro o recolhimento noturno, entre 19h e 6h, bem como aos fins de semana.
Pela decisão, agora mantida pela maioria da Primeira Turma, Bolsonaro está ainda proibido de se ausentar da comarca do Distrito Federal, não pode se comunicar com seu filho Eduardo Bolsonaro, também investigado, ou com embaixadores e diplomatas de outros países. O ex-presidente não pode se aproximar de embaixadas.
As medidas têm como justificativa o risco de fuga apontado pela Polícia Federal (PF) e pela PGR, bem como para impedir que Bolsonaro continue a atuar em prol de sanções de outros países a autoridades brasileiras.
DECISÃO
Em sua decisão, Moraes escreveu que Bolsonaro e Eduardo praticam uma “confissão flagrante” dos crimes de coação no curso do processo e obstrução de Justiça, ao trabalharem para que o governo dos Estados Unidos aplique sanções contra autoridades brasileiras e o próprio País.
O ministro citou ainda os possíveis crimes de tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito e de ataque à
soberania nacional, diante da conduta de Bolsonaro e do filho de condicionarem o arquivamento do processo sobre o golpe à retirada de taxas impostas pelos EUA sobre todos os produtos importados do Brasil.
Nesse mês, o presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou a taxação de 50% sobre produtos brasileiros. Entre as justificativas, ele citou o que chamou de “caça às bruxas” contra Bolsonaro e aliados, devido ao processo em que o ex-presidente é julgado por golpe de Estado.
COAÇÃO ESDRÚXULA
Ao votar por manter na íntegra a decisão de Moraes, o ministro Flávio Dino escreveu que a coação contra a Justiça praticada por Bolsonaro e o filho “assume uma forma inédita: o ‘sequestro’ da economia de uma Nação, ameaçando empresas e empregos, visando exigir que o Supremo Tribunal Federal pague o ‘resgate’, arquivando um processo judicial instaurado a pedido da Procuradoria-Geral da República, sob a regência exclusiva das leis brasileiras”.
Dino acrescentou que “esse ‘sequestro’ certamente merecerá muitos estudos acadêmicos, inclusive nas Universidades dos Estados Unidos, por seu caráter absolutamente esdrúxulo”.
(*) Com informações da Agência Brasil.



Estudantes coletam dados para traçar o perfil socioeconômico dos moradores e, assim, mapeiam as demandas junto às comunidades
Economia solidária
Acadêmicos da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) participam de projeto que estimula o protagonismo econômico de comunidades indígenas
Marcela Leiros – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Visando fortalecer a autonomia econômica dos povos originários, o projeto “Mapeando demandas extensionistas e fomentando a economia solidária em comunidades indígenas de Manaus-AM” foi desenvolvido por alunos do curso de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). A iniciativa, que envolve 60 alunos, tem como foco estimular o protagonismo
de grupos dessas comunidades da capital amazonense em atividades econômicas sustentáveis, como a produção de biojoias, respeitando suas tradições e saberes.
O projeto, que integra a disciplina Laboratório de Extensão I, atuará em três comunidades indígenas da capital amazonense: Monte Horebe, Lua Verde e Yawarité
Ipixuna. A primeira etapa foi realizada na Yawarité Ipixuna. As atividades são realizadas em parceria com a Cáritas Arquidiocesana de Manaus.
Nas ações, os alunos que integram o projeto coletam dados para traçar o perfil socioeconômico dos moradores e, assim, mapeiam as demandas junto às comuni-
Crescimento do microempreendedorismo
Em 2024, segundo o Sebrae, o número de pequenos negócios no Brasil registrou um crescimento de mais de 10%, alcançando o total de 4,158 milhões de novos empreendimentos abertos durante todo o ano. Este foi considerado o melhor resultado da história do empreendedorismo no País.
Os dados foram compilados com base no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica da Receita Federal. Ainda conforme o Sebrae, ao todo, em 2024, abriram as portas mais de 3 milhões de microempreendedores individuais, 974 mil microempresas e 190 mil empresas de pequeno porte.
Crédito: Arquivo Pessoal
dades, que demonstraram maior interesse pela montagem de uma lojinha de produtos artesanais para a venda de biojoias. Depois, o grupo leva as ações extensionistas às localidades, como explica a professora doutora Girlian Silva de Sousa, uma das coordenadoras do grupo.
“A Cáritas vai até a comunidade e vai oferecer a oficina de fabricação das biojoias. Aí os meninos [do projeto] retornam lá para ministrar o curso de profissionalização, que vai incluir precificação, controle de custo, controle de estoque, a parte da fotografia, que é ensina como esses produtos precisam ser fotografados, como é que eles podem ser comercializados nas redes sociais, toda essa parte de comercialização. Os alunos voltam lá para fazer essa capacitação”, explicou a professora.
Para Girlian Silva de Sousa, a economia solidária é uma possibilidade de melhoria de vida para quem está em situação de vulnerabilidade. “A gente sabe que o mercado não tem espaço para todo mundo. A gente precisa sair da ideia de que todas as pessoas precisam ter um patrão. Então, a economia solidária trabalha numa proposta de realização humana, numa ideia de que é possível levar desenvolvimento, ou pelo menos melhoria de vida para quem reside, para quem está em uma situação de vulnerabilidade econômica”, afirmou.
“A gente vê que é uma dificuldade muito grande. A falta de acesso à educação, ao conhecimento, ao trabalho, à capacitação, tudo isso, querendo ou não, afeta essa comunidade também”
Graziella Pamplona, universitária.
Economia real
Também coordenador da disciplina, o professor mestre Armando Clóvis Souza pontua que a atividade, além de impactar a realidade das comunidades indígenas, também muda a visão dos alunos de Ciências Econômicas sobre o que existe fora da sala de aula.
“Eles se depararam, na prática, com a economia real. Vendo esses problemas que as pessoas enfrentam. E o nosso objetivo é justamente esse: que o aluno não fique só nessa atividade livresca, mas também possa compreender a realidade. Usando uma expressão da Maria da Conceição Tavares: ‘o povo não come PIB’. Ele [o aluno] precisa — e essa é a nossa intenção — melhorar, de alguma forma, aquela realidade. E, ao mesmo tempo, se formar. É preciso ajudar na formação do aluno para que ele possa ir para esse tal mercado também”, complementou.
Para a universitária Graziella Pamplona, do 5º período de Ciências Econômicas, o projeto pretende contribuir para o desenvolvimento não só econômico da comunidade, mas também social. “A gente vê que é uma dificuldade muito grande. A falta de acesso à educação, ao conhecimento, ao trabalho, à capacitação, tudo isso, querendo ou não, afeta essa comunidade também. Esse é o nosso desafio, chegando lá”, afirmou a estudante.
O universitário Talison Cunha complementa a colega: “Aqui na capital, dentro da Zona Franca de Manaus, onde 80% da riqueza do Amazonas é produzida, a gente acha que é uma cidade muito rica, muito desenvolvida, porque tem um polo industrial. Mas, chegando na comunidade, a gente percebe que essa realidade não chega para todos”, disse ele.

Projeto atuará em três comunidades indígenas da capital amazonense: Monte Horebe, Lua Verde e Yawarité Ipixuna
Crédito: Arquivo Pessoal

‘O senhor carrega essa culpa’
Companheiro de grávida morta em acidente causado por buraco em avenida responsabiliza prefeito de Manaus pelas mortes da mulher e da filha
Adrisa De Góes – Da Cenarium
MANAUS (AM) – João Vitor, companheiro da biomédica Giovana Ribeiro, que estava grávida de sete meses e morreu em um acidente de trânsito causado por um buraco no asfalto na noite do dia 22 de junho deste ano, direcionou uma declaração ao prefeito de Manaus, David Almeida, ao mencionar a responsabilidade da manutenção da infraestrutura urbana da capital amazonense. A fala aconteceu durante o velório de mãe e filha, no dia 23 de junho, no bairro Monte das Oliveiras, na Zona Norte da cidade.
“Não é mais uma vida, não é mais uma estatística, prefeito. Elas existem, prefeito.
Elas existiam. Agora, o senhor me tirou isso, mas o senhor vai ser pai, prefeito. Agora, a sua mulher está grávida. O senhor imagina a dor que é o senhor se colocar no meu lugar, prefeito. Empatia. Ninguém nessa cidade é mais culpado do que o senhor. Ninguém, prefeito. É só o senhor que carrega essa culpa nas suas costas”, disse João Vitor, em declaração direcionada ao prefeito de Manaus, David Almeida (Avante).
O acidente foi causado por um buraco na Avenida Djalma Batista. Segundo testemunhas, Giovana e o marido trafegavam pela via sem manutenção quando caíram. A vítima foi arremessada contra o canteiro
João Vitor lamentou a morte da companheira e da filha, que ainda estava na barriga da mãe
Crédito: Composição de Lucas Oliveira | Cenarium
central, onde foi reanimada por socorristas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mas não resistiu aos ferimentos e morreu no local. O bebê, uma menina que se chamaria Maria Carolina, também morreu.
Após o acidente, a Prefeitura de Manaus mandou fechar, na manhã do dia 23 de junho, o buraco que levou a biomédica à morte. A falta de manutenção das vias públicas da cidade foi criticada por usuários das redes sociais. “Buraco, o causador do acidente. Que o município seja responsabilizado, pois sua obrigação é manter as ruas em perfeito estado para tráfego”, escreveu um internauta.
FAMILIARES LAMENTAM MORTES
Familiares de Giovana Ribeiro lamentaram a morte dela e da criança nas redes sociais. O irmão dela, identificado como Dhavid Corrêa Jardim, disse que a família esperava ansiosa pelo nascimento do bebê. “É intrigante como a morte consegue burlar a ordem cronológica da vida e tirar pessoas tão especiais e amadas. Junto com
“Ninguém nessa cidade é mais culpado do que o senhor. Ninguém, prefeito. É só o senhor que carrega essa culpa nas suas costas”
João Vitor, companheiro da biomédica Giovana Ribeiro, morta em acidente de trânsito causado por um buraco.
você, a morte levou a Maria Carolina. Nós estávamos ansiosos pela sua chegada, você estava nos seus últimos dias de gestação”, escreveu, nas redes sociais, em uma foto junto da irmã.
Outro irmão da vítima, identificado como Giovani Ribeiro, falou sobre o sentimento de perda. “Ela nunca fez mal a ninguém. Era uma menina de ouro, esse mundo não é digno de alguém como minha irmã. Depois da nossa mãe, foi a pessoa que mais acreditou em mim. A dor que eu sinto agora é terrível, profunda”, declarou.
Segundo o laudo do Instituto Médico Legal (IML), a causa da morte foi dada como anemia e hemorragia aguda, traumatismo torácico e abdominal, ação contundente e feto natimorto. Até o fechamento desta edição, a Prefeitura de Manaus não se manifestou sobre as declarações de João Vitor.
REPERCUSSÃO
A falta de manutenção das vias públicas da cidade foi criticada por usuários das redes sociais que se manifestaram após a notícia do acidente. A prefeitura municipal

João Vitor chora sobre o caixão da companheira, Giovana Ribeiro
“A
prefeitura mantém
o compromisso de agir com celeridade e responsabilidade diante de cada nova demanda que surge. A prefeitura reforça, ainda, que a segurança no trânsito é um esforço conjunto”
Prefeitura de Manaus, em nota à imprensa.
é legalmente responsável pela manutenção das vias públicas urbanas, conforme estabelece o Artigo 30 da Constituição Federal. Entre as atribuições estão a pavimentação, o reparo de buracos, a sinalização, a drenagem e a conservação de ruas e calçadas. Essas ações são consideradas serviços públicos de interesse local.
“Buraco, o causador do acidente. Que o município seja responsabilizado, pois sua obrigação é manter as ruas em perfeito estado para tráfego. As ruas de Manaus estão horríveis com tantos buracos e o poder público nada faz para melhorar”, escreveu um internauta.
“Realmente, as ruas estão péssimas de tanto buraco, situação muito precária”, disse outra pessoa em um comentário. “Muita gente está morrendo por conta desses buracos”, afirmou outro internauta.
GIOVANA RIBEIRO
Amorosa, coração bom, gentil, ótima profissional, irmã e amiga. É assim que amigos e familiares descrevem a biomédica esteta Giovana Ribeiro da Silva, de 29 anos. A biomédica era especialista em Harmonização Facial e prometia deixar os pacientes “mais bonitos com harmonização fácil”. Ela era proprietária da clínica estética Perfectaclin Estética e Harmonização, no bairro Adrianópolis, Zona Centro-Sul. O espaço foi inaugurado recentemente.

Buraco na Avenida Djalma Batista sinalizado com um pneu
Crédito: Ricardo Oliveira
Cenarium

Após morte, prefeitura fecha buraco
Ana Pastana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – A Prefeitura de Manaus mandou fechar o buraco que estava aberto na Avenida Djalma Batista, Zona Centro-Sul de Manaus, na manhã de 23 de junho, após o acidente que vitimou a biomédica esteta Giovana Ribeiro da Silva, de 29 anos, grávida de sete meses de uma menina. A CENARIUM esteve no local e registrou a recuperação da via.
Por volta das 8h36, a reportagem registrou que o buraco na via estava sinalizado com um pneu e um cone, para que os condutores de veículos que trafegavam pela via pudessem desviar. Às 11h, uma equipe da prefeitura esteve no local para fechar a falha no pavimento.
Ainda no dia 23 de junho, a Prefeitura de Manaus se manifestou sobre o acidente. Em nota encaminhada à imprensa, a Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seminf) informou que o trecho da via onde o acidente foi registrado entrou no cronograma de manutenção viária “há duas semanas”.
Sob o comando do vice-prefeito Renato Júnior (Avante), a pasta informou
que “o buraco em questão surgiu neste período e foi corrigido na manhã desta segunda-feira, 23”. A CENARIUM registrou, no dia 23, o buraco aberto na principal via da capital amazonense. Horas após o primeiro registro, a reportagem identificou que o local havia passado por manutenção por servidores municipais.
“As frentes de trabalho permanecem ativas diariamente, com equipes atuando desde cedo em importantes corredores como a Torquato Tapajós, Avenida Timbiras e Cosme Ferreira. A prefeitura mantém o compromisso de agir com celeridade e responsabilidade diante de cada nova demanda que surge. A prefeitura reforça, ainda, que a segurança no trânsito é um esforço conjunto, que depende do compromisso e atenção de todos os condutores”, diz trecho da nota.
‘ALARDE’
Durante sessão da Assembleia Legislativa do Amazonas, o deputado estadual Daniel Almeida (Avante), irmão do prefeito de Manaus, David Almeida, afirmou que a repercussão pela morte da biomédica e da filha dela é um “alarde por causa de
buraco”. Em tom exaltado, o deputado estadual disse que é um “absurdo querer fazer alarde e colocar a culpa [pelo acidente] na Prefeitura de Manaus”. Segundo o irmão do prefeito, a Avenida Djalma Batista “está toda asfaltada”.
Durante a declaração, Daniel Almeida disse que o presidente da Casa Legislativa, Roberto Cidade (União), e o delegado Péricles (PL) estariam fazendo “alarde” pelo acidente com as vítimas fatais. O irmão do prefeito questionou o que classificou como “moral da Aleam” para falar de uma avenida que “está toda asfaltada”. No momento em que falava, Daniel Almeida foi vaiado pelas pessoas que estavam no plenário do parlamento.
Houve bate-boca durante o pronunciamento, após Daniel Almeida apontar o dedo para o presidente da Casa, Roberto Cidade. “Você não aponte o dedo para cima de mim. Você tem que respeitar esta Casa. Você tem que aprender a respeitar os deputados desta Casa”, rebateu Cidade. A deputada Débora Menezes, que presidia a sessão no momento da discussão, pediu que os microfones dos parlamentares fossem cortados.
O deputado Daniel Almeida se manifestou na Assembleia Legislativa em defesa do irmão, o prefeito David Almeida
Crédito:
Reprodução Aleam

Expressão nem tão livre
STF decide que redes sociais devem remover posts ilegais ou serão penalizadas
Marcela Leiros – Da Cenarium*
MANAUS (AM) – O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 26 de junho deste ano, por 8 votos a 3, que as plataformas que operam redes sociais devem ser responsabilizadas diretamente por conteúdos considerados “ilegais” publicados por usuários. A decisão determina a retirada imediata de postagens e, em caso de descumprimento, prevê que as plataformas poderão ser responsabilizadas por danos morais e materiais causados a terceiros.
A maioria dos ministros da Corte entendeu que o Artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) é parcialmente constitucional. O artigo previa que as plataformas só poderiam ser responsabilizadas por postagens de usuários caso, após ordem judicial, não retirassem o conteúdo ilegal.
O novo entendimento dos ministros considerou o volume de postagens com desinformação, conteúdo antidemocrático e discursos de ódio, indicando que o artigo, da forma como estava, não protegia adequadamente os direitos fundamentais e a democracia. Dessa forma, as redes deverão remover conteúdos ilegais a partir de uma notificação extrajudicial dos envolvidos, sem necessidade de decisão judicial prévia. Os conteúdos considerados irregulares, que também poderão ser enquadradas no Código Penal, são: atos antidemocráticos; crimes de terrorismo; induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou automutilação; incitação à discriminação em razão de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexualidade ou identidade de gênero (condutas homofóbicas e transfóbicas); crimes praticados contra a mulher em razão da condição do sexo feminino, inclusive conteúdos que propagam ódio ou aversão às mulheres; crimes sexuais contra pessoas vulneráveis, pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes.
A decisão levantou questionamentos quanto ao risco de violações à liberdade de expressão, com possíveis decisões arbitrárias sobre o que deve ser removido. O advogado especialista em Direito Digital, Rafael Paixão, reconhece que o STF buscou proteger a sociedade contra conteúdos extremamente nocivos, como apologia ao terrorismo, pedofilia e incitação à violência, mas adverte para o risco de medidas se tornarem “censura disfarçada”.
“Concordo que, em casos tão graves, a remoção rápida pelas plataformas é necessária. Mas isso não pode abrir espaço para censura disfarçada. É fundamental que haja transparência nos critérios de moderação e que os usuários possam recorrer quando se sentirem injustiçados. Liberdade de expressão não é liberdade para ferir, mas também não pode ser silenciada por conveniência”, pontuou.
Paixão também comentou sobre a diferença de abordagem entre os Estados Unidos e o Brasil. “Nos Estados Unidos, o foco é quase total na liberdade indivi-
Discussão sobre o tema foi concluída pelo STF
Crédito: Composição Paulo Dutra | Cenarium
dual, enquanto, no Brasil, a preocupação maior é proteger a coletividade e evitar que conteúdos prejudiciais se espalhem. Não é que um modelo seja melhor que o outro, mas sim que refletem realidades e culturas jurídicas diferentes. O importante é encontrar um equilíbrio que funcione para o nosso contexto”, considerou.
A decisão do STF tem caráter transitório e vale até que o Congresso Nacional elabore uma nova legislação sobre a responsabilização das plataformas.
“Enquanto não sobrevier nova legislação, o Art. 19 do MCI deve ser interpretado de forma que os provedores de aplicação de internet estão sujeitos à responsabilização civil, ressalvada a aplicação das disposições específicas da legislação eleitoral e os atos normativos expedidos pelo TSE”, definiu o Supremo.
VALIDAÇÃO
Para o advogado e educador em Direitos Digitais na Amazônia, Aldo Evangelista, o
“Concordo
que, em casos tão graves, a remoção rápida pelas plataformas é necessária. Mas isso não pode abrir espaço para censura disfarçada. É fundamental que haja transparência nos critérios de moderação”
Rafael Paixão, advogado especialista em Direito Digital.
assunto traz muitos impactos e carece de mais discussão com toda a sociedade, assim como, principalmente, de uma legislação específica sobre o tema.
“O STF chegou a fazer várias audiências públicas antes de tomar essa decisão final, mas seria bem melhor que houvesse uma legislação e uma ampla discussão no Congresso Nacional, com legisladores e com a sociedade, sobre esse assunto das redes sociais e seus conteúdos, algo parecido com o que ocorreu com a própria elaboração do Marco Civil da Internet, que contou
com ampla participação social”, destacou, enfatizando que o ponto positivo é oferecer uma resposta rápida a conteúdos que ferem a dignidade de terceiros.
“É necessário realmente tomar providências no sentido de se criar, dentro do sistema jurídico brasileiro, elementos e mecanismos que permitam atuar, ou até mesmo chegar à responsabilização, em relação a conteúdos que ferem a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais”, acrescentou.
(*) Com informações da Agência Brasil.

Plenário do STF na audiência de 26 de junho

‘Nunca esperei perder um filho’
Mãe de estudante morto em ataque homofóbico em Manaus fala da dor pela perda do filho em morte violenta
Ana Pastana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Abalada, sem conseguir dormir e convivendo com a incerteza de um dia superar a perda de um dos seis filhos, a mãe do estudante Fernando Vilaça, de 17 anos, assassinado em um crime motivado por homofobia, afirmou à CENARIUM que os dias têm sido de profunda dor. Fernando foi espancado até a morte após questionar o motivo de ter sido chamado de “viadinho” por outros jovens, ainda não identificados. “Nunca esperei perder um filho”, desabafou a mãe.
A mãe, que preferiu não se identificar, disse que os dias após a tragédia não têm sido fáceis e que o próximo passo da família deve ser mudar da residência onde morava Fernando, pois, segundo ela, todos os luga-
res e cômodos da casa trazem lembranças do filho.
“Não foi fácil, nem sei dizer se eu vou superar, chegar aqui em casa e meu filho não ‘tá’ aqui. E outra coisa, meus filhos todos reunidos, cadê o outro? É difícil, meu filho que criei com tanto carinho, proteção e cuidado. Eu não quero mais ficar aqui, o sofá me lembra ele, ele ficava fazendo a tarefa dele aqui”, declarou.
O vazio da casa também é sentido pelos irmãos e, principalmente, pela irmã, identificada como Ana, que é Pessoa Com Deficiência (PCD). A mãe afirma que Fernando era um bom filho, um bom irmão, conselheiro, e que a ajudava com os cuidados
Mãe de Fernando Vilaça, adolescente de 17 anos morto após agressões motivadas por homofobia, olha pela janela da casa onde vivia com o filho
Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium
da irmã que, após a tragédia, enfrenta dificuldades para dormir.
“Fernando era um menino muito bom, muito bom, conselheiro, bom filho, irmão maravilhoso, ajudava a irmã dele, porque eu tenho uma filha especial. Ele a ajudava e, nesse momento, ela está passando por uma dificuldade tão grande que até adoeceu. Ela adoeceu. Ela estava com febre ontem [domingo], nem queria dormir no quarto”, relata a mãe do estudante.
A mulher, que, apesar do luto, ainda precisa encontrar forças para cuidar dos demais filhos que também sofrem com a perda do irmão, informou ainda que tem conversado com a filha Ana sobre a ausência de Fernando.
“Eu vou conversar com ela, pra ela se acalmar, pra ela dormir também, que ela tinha que dormir no quarto, né?! Que o quarto a gente dormia tudo ali. Aí ela dizia assim: ‘Mãe, a cama dele está vazia, mamãe’, e eu dizia: ‘A cama dele está vazia, mas o espírito dele está aqui’. Eu falava pra ela: ‘Então você não pode ficar com medo nem chorar, porque ele não gostava que ela chorasse’”, declarou.
O CASO
O relatório preliminar do Instituto Médico Legal (IML) do Amazonas apontou que as causas da morte do adolescente Fernando Vilaça foram edema cerebral, traumatismo craniano, hemorragia craniana e ação contundente. Testemunhas relataram que o estudante foi agredido até a morte após questionar outros jovens, ainda não identificados, sobre o motivo de o chamarem de “viadinho”.
O caso ocorreu no dia 2 de julho, na Rua Três Poderes, bairro Gilberto Mestrinho, Zona Leste de Manaus (AM). Um vídeo divulgado nas redes sociais mostra os suspeitos fugindo do local após a agressão. Nas imagens, também é possível ver a presença de dois homens e uma mulher, os irmãos e a mãe de Fernando, que foram até o local para defender o adolescente.
Em seguida, Fernando já aparece caído no chão, com parte do corpo sobre a calçada e a cabeça na sarjeta. Ele vestia uma camisa azul e é socorrido pela mãe, que informou à CENARIUM que o jovem já estava desacordado. Fernando Vilaça morreu no dia 5 de julho, no Hospital
“Não foi fácil,
nem sei dizer se eu vou superar, chegar aqui em casa e meu filho não
‘tá’
aqui. E outra coisa, meus filhos todos reunidos, cadê o outro? É difícil, meu filho que criei com tanto carinho, proteção e cuidado”
Mãe de Fernando Vilaça, em relato à CENARIUM.

O estudante Fernando Vilaça
Crédito: Ricardo Oliveira Cenarium
Deputada federal Erika Hilton pede acompanhamento das investigações. A informação foi publicada nas redes sociais da parlamentar

“É inaceitável um jovem sair para comprar leite e, pela homofobia alheia, não voltar pra casa”
Erika Hilton, deputada federal.
Erika Hilton aciona Governo Lula
Lucas Thiago – Da Cenarium
MANAUS (AM) – A deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) acionou o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) para acompanhar a investigação sobre o caso de homofobia contra o adolescente Fernando Vilaça da Silva, de 17 anos. A informação foi publicada nas redes sociais da parlamentar no dia 7 de julho.
“Estou requerendo, ao Ministério dos Direitos Humanos, o acompanhamento da investigação da morte do menino Fernando Vilaça, assassinado aos 17 anos em um crime de motivação homofóbica em Manaus”, declarou a deputada. É dilacerante pensar que uma pessoa, que tinha a vida toda pela frente, teve sua trajetória interrompida por questionar
o porquê de estarem lhe chamando de ‘viadinho’”, disse a parlamentar.
Na publicação, Erika Hilton também afirmou que é “revoltante saber que pessoas a mando dos agressores, que já foram identificados e estão foragidos, compareceram ao velório de Fernando para filmar o caixão”. A deputada colocou o seu “mandato à disposição” dos familiares da vítima. “Aos familiares de Fernando, dedico os meus mais sinceros pêsames e coloco o meu mandato à disposição para tudo que nos for possível”, escreveu.
A publicação de Erika Hilton ocorreu após a parlamentar ser mencionada por internautas para se posicionar sobre o caso. “É inaceitável um jovem sair para comprar leite e, pela homofobia alheia, não voltar pra casa”, seguiu a deputada.
e Pronto-Socorro João Lúcio, na capital amazonense.
A mãe relatou como aconteceram as agressões. De acordo com ela, ao pedir que Fernando comprasse leite em uma padaria perto da residência, ele avistou os suspeitos na esquina da rua e voltou para casa para avisar os irmãos, que o acompanharam de volta ao local onde os adolescentes estavam.
“Ele chegou do colégio e eu pedi para ele comprar um pacote de leite lá na padaria, né, para eles merendarem. Aí ele foi, mas nem chegou a comprar, voltou. Quando voltou, jogou o dinheiro aqui no sofá e falou pros dois irmãos dele [que aparecem nas imagens] que os moleques estavam lá na esquina. Quando os meus dois meninos desceram, eu fui atrás também”, afirmou.
A mulher relata ainda que um dos suspeitos atingiu a cabeça de Fernando com um chute e, com o impacto, ele teria caído ao chão já desacordado. “Um deles deu um chute na cabeça do meu filho que, com o impacto, bateu no muro da escola. Foi uma porrada muito forte, que estalou. Dessa porrada, meu filho caiu já todo se tremendo, duro no chão. Aí eu peguei, querendo levantar meu filho pra tirar da beira da calçada, pedi ajuda do vizinho que
Crédito:
mora na esquina. Aí corri aqui pra casa pra pedir ajuda”, disse.
Familiares do adolescente classificaram as agressões como “covardia”. “Ele sempre foi um menino muito tranquilo, nunca deu trabalho pra ninguém. O que fizeram com ele foi muita covardia. Ele não merecia isso, não”, afirmou à CENARIUM a tia de Fernando, Klíssia Souza, lembrando como o estudante era dedicado em correr atrás dos seus sonhos.
Nas redes sociais, o colégio onde Fernando estudava, a Escola Estadual Jairo da Silva Rocha, manifestou pesar pela morte do aluno, que cursava o 3° ano. “Pedimos
a Deus que o Espírito Santo console o coração de todos os familiares, amigos e colegas de turma. À família, receba as nossas condolências. Nossa escola está de luto hoje”, declarou o perfil oficial da instituição.
HOMOTRANSFOBIA
No texto intitulado “Uma crônica-denúncia sobre homotransfobia”, a escritora Aritana Tibira observa que a morte brutal do adolescente Fernando Vilaça, em Manaus (AM), após questionar uma “piada” homofóbica, expõe a face mais cruel da homo-
transfobia: a que mata. Ela analisa que a LGBTfobia não afeta apenas quem integra a comunidade, mas qualquer indivíduo que não se encaixe na cisheteronormatividade.
Aritana Tibira pontua que o preconceito não pede identidade ou orientação. “Ele ataca por reflexo, ele mata por suspeita”, afirma, relembrando casos como o da personal trainer impedida de usar o banheiro feminino de uma academia em Recife (PE), após um casal suspeitar que ela era uma mulher trans, e o de um pai e filho agredidos após andarem de mãos dadas em São Paulo, em 2011.
Polícia conclui caso e aponta homofobia como motivação
MANAUS (AM) – O delegado-geral adjunto da Polícia Civil do Amazonas (PCAM), Guilherme Torres, afirmou, no dia 16 de julho, que as investigações sobre a morte do adolescente Fernando Vilaça, 17 anos, foram concluídas e que a motivação do crime foi homofobia. O caso resultou na apreensão de dois adolescentes suspeitos de envolvimento no crime. Após a conclusão, o inquérito será encaminhado à Justiça.
Em coletiva de imprensa na sede da Delegacia Geral da Polícia Civil do Amazonas, no bairro Chapada, na Zona Centro-Sul de Manaus, Guilherme Torres confirmou que as investigações apontaram que a vítima foi alvo de injúrias preconceituosas. Cansado, Fernando Vilaça procurou os suspeitos para questioná-los sobre a motivação das ofensas, quando foi agredido.
“Nas investigações, se apura que a vítima foi alvo de várias injúrias preconceituosas com relação à sua possível opção sexual, não obstante a família, nem a própria vítima, nunca terem falado dessa questão. A polícia confirma, apesar de que eles [suspeitos] negam, falando que não conheciam a vítima e que nunca tinham feito nenhum tipo de injúria, mas tem a outra versão. Foi tudo encaminhado para a Justiça, e a Justiça vai decidir qual decisão vai acatar”, disse.
No dia 15 de julho, a PC-AM apreendeu o segundo adolescente, de 17 anos, que não teve a identidade revelada, suspeito de participação na agressão contra Fernando.
O primeiro suspeito, de 16 anos, já havia sido apreendido no dia 9 de julho.
Segundo a Delegacia Especializada em Apuração de Atos Infracionais (Deaai), os dois suspeitos são primos e já tinham histórico de comportamento agressivo. O mais velho, segundo a polícia, havia sido expulso da escola onde Fernando estudava por má conduta.
O advogado da família de Fernando Vilaça, Alexandre Torres, usou o perfil do Instagram para comunicar a apreensão do adolescente. “O segundo menor envolvido no caso do Fernando Vilaça, aquele que tirou a vida dele, já foi devidamente apreendido pela Polícia Civil do Amazonas. As investigações seguem agora no seu devido caminho normal, de maneira célere, e já caminham para o seu final”, disse.
Alexandre também confirmou a versão da polícia sobre a motivação do crime. “A Polícia Civil do Amazonas cumpre o mandado de apreensão do segundo envolvido no assassinato de Fernando Vilaça da Silva, que foi brutalmente assassinado por motivação homofóbica. Esta defesa segue incansavelmente propondo diligências nas investigações para que os fatos sejam inteiramente elucidados e que esses agressores sejam mantidos sob custódia”, escreveu.
DEFESA
À CENARIUM, a advogada Nildy Machado, que faz parte da defesa do adolescente de 17 anos, afirmou que foi determinada a internação provisória dos menores, pelo prazo legal de até 45 dias, conforme previsto no artigo 108 do Esta-
“Nas investigações, se apura que a vítima foi alvo de várias injúrias preconceituosas com relação à sua possível opção sexual, não obstante a família, nem a própria vítima, nunca terem falado dessa questão”
Guilherme Torres, delegadogeral adjunto da Polícia Civil do Amazonas (PC-AM).
tuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90). No presente momento, não foi possível a concessão de medida menos gravosa.
“Ressalto, contudo, que todas as diligências estão sendo realizadas com o devido respeito ao contraditório e à ampla defesa, certa de que a verdade será plenamente esclarecida e a justiça, devidamente realizada”, afirmou a advogada.
A CENARIUM tenta contato com a defesa do adolescente de 16 anos.
Ana Pastana – Da Cenarium

Embates ambientais
Relatório aponta avanço de conflitos no Pará
Fabyo Cruz – Da Cenarium
BELÉM (PA) – O Pará está entre os Estados mais afetados por conflitos socioambientais e crimes ambientais na Amazônia Legal, segundo o relatório “Além da Floresta: Conflitos Socioambientais e Deserto de Informações”, elaborado pela Rede de Observatórios da Segurança (ROS). Divulgado em 17 de junho deste ano, o documento, que monitora nove Estados brasileiros (AM, BA, CE, MA, PA, PE, PI, RJ e SP), revela que o Pará respondeu por 22,2% das 495 ocorrências registradas entre 2023 e 2024, ficando atrás somente do Maranhão.
Com um total de 6.252 crimes ambientais computados no período, o Pará figura entre os Estados com maior número absoluto de registros, sendo superado somente por São Paulo. Os crimes mais frequentes envolvem fauna (2.873 ocorrências) e flora (2.524), seguidos de casos de poluição (675), exploração mineral (101) e outras infrações ambientais (79). Os dados foram fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa
Social (Segup) e incluíram informações detalhadas sobre o tipo de crime, local, delegacia responsável e perfil das vítimas.
Diferentemente de outros Estados que não forneceram dados sobre povos e comunidades tradicionais, o Pará apresentou informações que possibilitam uma análise mais aprofundada da violência ambiental. Os registros também incluíram crimes motivados por conflitos fundiários — uma tipificação ainda sem definição legal, mas considerada relevante pelo estudo. Nessas ocorrências, a motivação agrária é identificada como causa de delitos como homicídio, invasão de território e coação.
MINERAÇÃO OU GARIMPO ILEGAIS
O relatório destaca ainda o protagonismo negativo do Pará nos registros de mineração ou garimpo ilegais, com 48 dos 71 casos documentados nacionalmente. A exploração mineral, inclusive, representa 72% das exportações do Estado, o que evidencia a dimensão da atividade sobre os territórios e comunidades locais. Essa sobreposição de interesses econômicos, muitas vezes legais, com práticas ilegais tem acirrado os conflitos em áreas tradicionalmente ocupadas por indígenas, quilombolas e ribeirinhos.
Em entrevista à CENARIUM, o pesquisador Lucas Moraes, da Rede de Observatórios de Segurança no Pará, afirmou que a abundância de recursos naturais atrai organizações criminosas e empresas que exploram ilegalmente o território. Segundo ele, a ausência do poder público e o envolvimento de agentes políticos e membros das forças de segurança facilitam essas práticas: “A conivência institucional compromete a sobrevivência das comunidades tradicionais, com impactos como poluição dos rios, desmatamento e aumento da violência”, explicou.
ABORDAGEM PUNITIVISTA
A região do Arquipélago do Marajó é citada como exemplo de abordagem punitivista na gestão da segurança pública. Segundo a Rede de Observatórios, as operações policiais ocorridas nos três primeiros meses de 2025 resultaram na detenção de 56 pessoas e na apreensão de somente 4,6 kg de entorpecentes. O levantamento aponta que a repressão, desproporcional e pouco dialogada com as comunidades locais, gera medo, estigmatização e reforça desigualdades históricas.
Lucas Moraes observa que a presença do Estado no Marajó se manifesta mais pela
Garimpo ilegal no Pará
Crédito:
Reprodução Polícia Federal
6.252 crimes
Com um total de 6.252 crimes ambientais computados no período, o Pará está entre os Estados com maior número absoluto de registros, sendo superado apenas por São Paulo.
repressão do que pela proteção. “A polícia adota abordagens truculentas, que geram medo e desconfiança entre os moradores, agravando a sensação de insegurança”, disse.
FALTA DE DADOS PRECISOS
Em termos de variação, o Pará apresentou estabilidade entre 2023 e 2024, com um aumento de apenas 0,26% nos registros de crimes ambientais. No entanto, o relatório alerta que esse número não reflete a realidade das violações contra populações tradicionais, já que a maioria dos dados oficiais está enquadrada na Lei nº 9.605/1998, que não contempla, por exemplo, conflitos por terra ou invasões de territórios.
‘DESERTO DE INFORMAÇÕES’
Além da produção de dados oficiais, o relatório ressalta a importância de iniciativas como o Observatório do Marajó, que analisa a cobertura midiática local e denuncia a falta de contextualização nas notícias sobre segurança pública na região. A predominância de narrativas que reforçam a criminalização de populações vulneráveis é apontada como um dos fatores que alimentam o chamado “deserto de informações” na Amazônia.
Para o pesquisador, a baixa cobertura jornalística sobre crimes ambientais na região é agravada pela influência de políticos e empresários envolvidos em atividades ilegais. “Muitos casos deixam de ser noticiados porque os autores são figuras poderosas, o que dificulta a responsabilização. É preciso que o Estado fortaleça a presença institucional, com serviços públicos e políticas de desenvolvimento que garantam justiça ambiental e visibilidade às comunidades afetadas”, afirmou.



Polícia Militar do Pará no Arquipélago do Marajó
Polícia Federal e Ibama queimam estrutura de garimpo
Lucas Moraes é pesquisador da ROS no Pará

Cine Amazônia
Obras amazônicas expõem conflitos, realidade e saberes da floresta Ana Pastana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Celebrado em 19 de junho, o Dia do Cinema Brasileiro chama atenção para um movimento que cresce longe dos grandes centros urbanos: a produção de documentários e filmes na região amazônica. Apesar de não ter a mesma visibilidade que produções internacionais nas telas e plataformas de streaming, obras feitas na floresta têm ganhado destaque ao retratar, em ficções e narrativas documentais, a beleza, os desafios, os conflitos e a vida dos povos amazônicos.
A resistência indígena, a exploração econômica e o futuro que depende da preservação ambiental são temas centrais em filmes e documentários que, além da dimensão artística, buscam conscientizar e compartilhar conhecimento sobre a realidade amazônica. São obras que questionam
Obras de cinema produzidas na Amazônia e sobre a região

modelos de progresso, denunciam injustiças históricas e resgatam memórias de um Brasil profundo que, mesmo ganhando visibilidade, continua sendo, em grande parte, invisível.
A CENARIUM listou cinco obras, entre filmes e documentários, que foram produzidas com a colaboração de lideranças indígenas e gravadas na Amazônia brasileira.
Lançado em março de 2021, o documentário “A Última Floresta” contou com a colaboração do xamã e líder indígena Davi Kopenawa Yanomami para a produção do roteiro. Com filmagens realizadas nos Estados do Amazonas e Roraima, a obra mostra o cotidiano e a espiritualidade do povo Yanomami sob o olhar da liderança. O filme recebeu premiações em festivais internacionais.
Com cenas documentais e dramatizações baseadas em mitos ancestrais, o documentário também denuncia a atividade de garimpo ilegal que tem devastado grandes áreas da Terra Indígena (TI) Yanomami e é considerado um manifesto em defesa dos povos originários. A obra está disponível na plataforma de streaming Netflix.
Outro documentário é “Amazônia Eterna”. Dirigido pelo cineasta brasileiro Belisário Franca, a produção aborda o uso sustentável da floresta a partir da fala de empresários, ambientalistas e moradores que relatam a vivência com um dos maiores patrimônios naturais do planeta, além de discutir soluções para os dilemas da região.
Com cenários nos Estados do Amazonas, Pará, Acre, Rondônia e Mato Grosso, a obra, lançada em 2014, pode ser assistida por meio da plataforma de filmes Amazon Prime.
19 de junho
Data celebra o Dia do Cinema Brasileiro.
Crédito: Divulgação Composição Paulo Dutra | Cenarium
O documentário “Iracema – Uma Transa Amazônica” é uma docuficção dirigida por Jorge Bodanzky e Orlando Senna. As filmagens aconteceram na Rodovia Transamazônica, no Estado do Pará. Filmado durante a construção da Transamazônica, o longa mistura realidade e ficção ao acompanhar Iracema, uma jovem indígena, que viaja com um caminhoneiro do sul do País chamado Tião Brasil Grande.
Viajando pela estrada na época em que a rodovia estava em construção, a dupla testemunha o que não era de conhecimento da população: o desmatamento, as más condições de trabalho, entre outros problemas. O filme está disponível no YouTube.
“A Selva”, de Leonel Vieira, foi filmado no Estado de Rondônia e é baseado na obra de Ferreira de Castro. A história é ambientada no início do século XX e acompanha Alberto, um imigrante português enviado a um seringal amazônico. Lá, o personagem descobre a violência e o abandono que marcam a vida dos trabalhadores do ciclo da borracha. Com produção luso-brasileira, a obra resgata uma página importante e dolorosa da história da Amazônia. Também disponível no YouTube.
Outra obra que retrata a região é o filme “Amazônia”, filmado na Reserva Biológica do Uatumã, em Presidente Figueiredo (AM), distante 107 quilômetros de Manaus. O longa narra a jornada de um macaco-prego criado em cativeiro que precisa sobreviver sozinho na floresta após um acidente aéreo.
Produzido em 3D com consultoria científica, é uma experiência sensorial voltada ao público infantojuvenil, mas com forte mensagem ecológica sobre equilíbrio e sobrevivência na natureza. Disponível no YouTube.

Amor e resistência
‘Chama, pai!’: Eliana Franco e Diva, casal LGBTQIAPN+ de Manaus conquista fãs na internet com cotidiano da família
Ana Pastana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Com bordões como “Chama, pai” e “Ô besteira”, a influenciadora amazonense Eliana Franco e a esposa Maiara Araújo, chamada carinhosamente de Diva, conquistam, diariamente, milhares de seguidores nas redes sociais ao mostrar o cotidiano da família enquanto enfrentam ataques, preconceito e transformam a dor em superação.
Eliana e Diva formam um casal lésbico da periferia de Manaus (AM) que viralizou nas redes sociais com vídeos bem-humora-
dos. Com mais de um milhão de seguidores em uma única plataforma e vídeos que alcançam até 15 milhões de visualizações, elas se tornaram referência como casal LGBTQIAPN+ na internet. Mas, por trás da visibilidade e do humor, enfrentaram, e ainda enfrentam, desafios que impactaram a saúde mental e quase abalaram o relacionamento.
Com o relacionamento público, o casal LGBTQIAPN+ enfrenta julgamentos e comentários preconceituosos nas redes
Diva e Eliana Franco: casal LGBTQIAPN+ de Manaus transformou a dor em superação
Crédito: Bianca Diniz | Cenarium
sociais. À CENARIUM, elas afirmaram que os ataques proferidos contra o relacionamento e a forma como a família vive chegaram a afetar a saúde mental tanto de Eliana quanto de Diva, que cogitaram até romper o relacionamento.
“Eu fiquei muito mal, muito mesmo. Só que como ela [Eliana] já estava mal com os comentários, eu não dizia o que sentia. Só falava: ‘não quero gravar’. Diziam que ela era muito besta pra mim, que eu era uma parideira… até pessoas da nossa família faziam isso”, contou Diva.
Apesar dos ataques, o amor entre as duas falou mais alto. Eliana conta que Diva foi quem estendeu a mão quando ela mais precisava. “Ela é tudo pra mim. Quando eu estava na rua, viciada, suja, largada, ela saiu do emprego, vendeu o que tinha, pagou minhas dívidas e cuidou de mim. Nunca me disse ‘não’. Sempre me acolheu”, disse Eliana, emocionada.
DIA DO ORGULHO
Apesar da visibilidade dada à causa LGBTQIAPN+, ataques contra a comunidade e casais homoafetivos são facilmente
“Ela
é tudo pra mim. Quando eu estava na rua, viciada, suja, largada, ela saiu do emprego, vendeu o que tinha, pagou minhas dívidas e cuidou de mim”
Eliana Franco, influenciadora.
encontrados em redes sociais. A violência coloca o Brasil como o país que mais mata pessoas LGBTQIAPN+. Em 2024, foram registradas 291 mortes.
O Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+ é celebrado, anualmente, no dia 28 de junho, marcando uma data histórica na luta pelos direitos da população LGBTQIAPN+. A data é um símbolo de resistência, visibilidade e reivindicação por respeito e políticas públicas.
Em um cenário ainda marcado por preconceito e violência, a data reforça a importância da inclusão e do combate à discriminação em todas as esferas da socie-
dade. Assim como outros influenciadores, Eliana e Diva se apoiam uma na outra para seguir a vida nas redes sociais. Com muita força e amor, elas são símbolo de resistência e superação.
CONFIRA A ENTREVISTA COM ELIANA FRANCO E DIVA:

“Eu fiquei muito mal, muito mesmo. Só que como ela [Eliana] já estava mal com os comentários, eu não dizia o que sentia”
Maiara Araújo, conhecida como Diva, influenciadora.


Perfil no Instagram de Eliana e Diva

Marly Paixão, trancista, psicóloga e referência na valorização da identidade negra na Amazônia
Tranças e escuta
Combate à Discriminação
Racial: como as tranças e a psicologia viraram resistência em Manaus
Marcela Leiros – Da Cenarium
MANAUS (AM) – O Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial é celebrado no Brasil no dia 3 de julho, uma data que convida à reflexão sobre as desigualdades históricas enfrentadas pela população negra no País. Em Manaus, essa luta se reflete em um rosto: o de Marly Paixão, trancista, psicóloga e referência na valorização da identidade negra na Amazônia.
Nascida na periferia de São Paulo, Marly chegou a Manaus aos 14 anos. Na capital amazonense, casou-se, teve duas filhas biológicas, Keverly Paixão e Jeinnyliss Paixão, e outros 18 filhos do coração. E foi junto à família que descobriu sua vocação, uma missão que transformaria sua vida e a de
muitos outros, mais tarde tornando-se referência em suas duas áreas.
Foi em 1985 que Marly decidiu não mais negar sua identidade, após sofrer um corte químico ao tentar alisar o cabelo para o próprio casamento. Com lã, coragem e lembranças da prima trancista que conheceu em São Paulo, passou três dias trancada no banheiro, aprendendo a trançar sozinha. Ali, mesmo sem saber, surgiu a faísca que se tornaria o primeiro salão de tranças afro do Amazonas, hoje comandado pelas filhas.
“Ninguém me via. Eu ficava trançando, trançando. Quando era de madrugada, eu ia dormir e voltava de novo no outro dia, trançando o cabelo. Gastei vários novelos de lã fazendo as tranças. E eu falei assim: ‘É isso, essa sou eu’. Naquele dia, eu me reconheci. Eu já devia ter uns 23, 24 anos. E aí eu comecei a me apaixonar por aquilo e falei: ‘É isso que eu quero’”, relembra Marly Paixão.
As tranças no cabelo foram um escudo de proteção para Marly, assim como um cartão de visita. Andando nas ruas da capital amazonense, ela era abordada por outras
mulheres, negras, curiosas e interessadas naquela arte. A partir de então, Marly trançava os cabelos das filhas e de várias mulheres que a procuravam, sem cobrar nada pelos serviços.
Foi o marido quem a fez ver uma fonte de renda nas tranças. E ali, no primeiro salão afro de Manaus, as clientes compartilhavam com a trancista as lutas enfrentadas da porta para fora do estabelecimento, como chefes que as mandavam retirar as tranças, famílias que não as aceitavam e esposas que dormiam no salão para não mostrar aos maridos seus cabelos “reais”.
Com o tempo, essa escuta atenta virou missão. Movida pela dor das crianças abandonadas que conheceu em ações sociais e pela vivência dessas mulheres, Marly decidiu estudar Psicologia já na vida adulta. A formação só fortaleceu sua atuação, pois passou a liderar projetos sociais, como a Associação Brasileira Acolhe-Dor, e a oferecer atendimento psicológico a minorias, especialmente à população negra, que, ela observa, ainda enfrenta resistência.
Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium
“A mulher preta ainda acha que precisa vencer tudo que passa sozinha. Muitas vezes não busca a Psicologia. A maioria dos meus clientes são brancos, não são pretos, porque as pessoas pretas acham que é ‘mimimi’ tudo que elas sofrem, então precisam sofrer sozinhas. Eu tenho poucos pacientes pretos, mas ainda luto por essa causa. Projetos sociais que possam atender pessoas pretas e minorias na sua realidade”, pontua.
LUTA
Para Marly, apesar dos avanços já alcançados na luta contra a discriminação racial, ainda há muito a ser feito. O primeiro passo, segundo ela, é conseguir falar abertamente sobre o racismo que, no Brasil, ainda acontece de forma velada em muitos casos.
“As pessoas falam que isso não existe, mas, na nossa pele, isso grita. Eu falei para o meu marido, um dia desses, que achava que era tão bem resolvida… e fui fazer uma palestra numa faculdade. Quando entrei, vi algo que nunca mais tinha visto e que me remeteu à mesma dor da criança, de quando faziam isso comigo. Eu passei, e um estudante veio na minha direção, chegou perto de mim e falou: ‘Que susto’. Na hora, eu travei, e me veio à memória quantas vezes fizeram isso comigo na infância”, relembrou.
A psicóloga é taxativa ao afirmar que é preciso união e compartilhamento de experiências para que quem vive o racismo na pele tenha coragem de pedir ajuda.
“Eu acredito que essas pessoas precisam se unir, procurar pessoas que falam também

sobre isso, procurar pessoas iguais. Porque eu lembro que uma paciente, uma vez, falou assim: ‘Eu deixei de ser atendida, deixei de entender que a Psicologia era importante realmente para a minha vida, quando a minha psicóloga falou assim: ‘Ah, mas isso é bobagem, isso não é assim’’. Aí eu perguntei se ela, a psicóloga, era preta, e ela falou que não. É isso”, concluiu.

“A mulher preta ainda acha que precisa vencer tudo que passa sozinha. Muitas vezes, não busca a Psicologia. A maioria dos meus clientes são brancos, não são pretos, porque as pessoas pretas acham que é ‘mimimi’ tudo que elas sofrem, então precisam sofrer sozinhas”
Marly Paixão, trancista, psicóloga e referência na valorização da identidade negra na Amazônia.
Discriminação racial
Dados de uma pesquisa apoiada pelo Ministério da Igualdade Racial (MIR) e divulgada em junho deste ano mostram que, de cada 100 pessoas pretas, 84 relatam já ter sofrido discriminação racial. Para chegar aos dados, os pesquisadores aplicaram questionários baseados em uma escala de discriminação cotidiana.
Os entrevistados responderam perguntas como: Sou tratado com menos gentileza que outras pessoas? Sou tratado com menos respeito que outras pessoas? Recebo um atendimento pior que outras pessoas em restaurantes e lojas? Agem como se tivessem medo de mim? Sou ameaçado ou assediado? Sou seguido em lojas?
A análise das respostas mostrou que pouco mais da metade da população preta (51,2%) relatou ser tratada com menos gentileza. Entre os pardos, esse patamar é de 44,9%. Já na população branca, 13,9%. O levantamento conduzido pelas organizações da sociedade civil Vital Strategies Brasil e Umane coletou informações, pela internet, de 2.458 pessoas entre agosto e setembro de 2024.
Da esquerda para a direita: Etel (neto de Marly), Keverly Paixão e Marly Paixão
Crédito: Ricardo Oliveira Cenarium
Crédito: Ricardo Oliveira Cenarium
As mulheres da floresta e suas conexões com a natureza
Iraildes Caldas
Avivência das mulheres da Amazônia compõe um extraordinário repertório de cantos que fazem pulsar uma poética da floresta, com seus trabalhos e práticas sociais, que nos permitem pensar numa estética da floresta. O trabalho é central na vida destas mulheres, que são reconhecidas e valorizadas em suas comunidades, por meio do trabalho que fazem. É por meio dele que homens e mulheres se realizam como seres históricos e sociais no sentido ontológico.
Para além dos aspectos econômicos e da atividade lucrativa, o trabalho é fonte de realização do ser social homem e mulher. A centralidade do trabalho é um conceito de Marx, elaborado em 1844, nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos. Essa discussão emerge em meio à Revolução Industrial, ao passo que a ontologia do trabalho é parte intrínseca da pessoa do trabalhador e da trabalhadora, do seu ser.
As práticas sociais estão voltadas para a construção dos sujeitos e atores sociais em seus contextos de interação com culturas ancestrais, entrelaçadas a ofícios naturais repassados oralmente por meio da tradição e das atividades místico-sobrenaturais que transcendem o aspecto físico. Essas práticas

sociais são visíveis na atuação das benzedeiras, parteiras, erveiras, oleiras, quebradeiras de coco de babaçu, puxadoras de ossos, meliponicultoras, artesãs, até mandioqueiras e farinhadeiras. Elas promovem mudanças profundas e transformadoras na vida das pessoas com quem essas mulheres têm contato ou a quem elas assistem. São sociais porque atuam no contexto de suas comunidades, da coletividade, na sociedade, contribuindo para o desenvolvimento da humanidade e para a emancipação feminina.
As práticas sociais das mulheres da floresta fazem parte de um conceito que venho construindo nos últimos 15 anos na Amazônia. Estão associadas aos saberes das mulheres anciãs, à sabedoria ancestral. Clarissa Pinkola Estés (2007), é audaz em dizer que esses ensinamentos se estendem muito adiante, dando a verdadeira vida, em vez de permitir o rompimento da linha matrilinear viva da mulher sábia e indomável, da alma sábia e indomável.
Esses saberes estão assentados numa matrística, que, como aludido por Maturana (1998), corresponde a uma cultura na qual as mulheres floresceram, em tempos primordiais, como matriarcas, revestidas de poderes, especialmente os espirituais. As
práticas sociais das mulheres da floresta são compreendidas dentro do ecofeminismo que, na Amazônia, evoca o princípio feminino da Mãe-Natureza presentificado na tríade terra/ floresta/água. Os andinos chamam-na Pachamama, que é a Mãe-Terra. Na Amazônia, referenciamos também a Pachamam, mas sem esquecermos das mães da mata, dos igarapés, das cachoeiras, das corredeiras, enfim, a mãe da floresta e das águas.
O princípio feminino não é o sagrado feminino. O princípio feminino é vivente, pulsa nas veias da terra, da mata e das águas. Ele norteia a alma da natureza e as almas das pessoas sensíveis à natureza, entrelaçadas a ela: as mulheres que, investidas da matrística, bebem na sabedoria ancestral para auxiliar as pessoas. É a sabedoria ancestral que se entrelaça com a natureza. Essas mulheres possuem uma mística da floresta, desenvolvem uma poiesis que lenteia no seu próprio viver, nos seus modos de vida, no cotidiano vivido, no coração da floresta. A natureza intuitiva da poética com seu verniz ecológico do ato de viver a vida, está presente no mundo prosaico da selva.
(*) Professora titular da Universidade Federal do Amazonas e doutora em Antropologia Social.
Crédito: Acervo Pessoal


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