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A poesia está na rua

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Obrigado Francisca

Obrigado Francisca

Álvaro Nunes

“Não hei de morrer sem saber qual a cor da liberdade”

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Ora, de facto, Jorge de Sena (1919-1978) não morreria sem conhecer a cor da liberdade. E chegaria mesmo a responder:

“Qual a cor da liberdade? Verde, verde e vermelha!”

Verde e vermelha como a cor da nossa bandeira Realmente, nesse dia de 25 de Abril de 1974, dar-se-ia início da caminhada rumo à liberdade e ao processo democrático, na diversidade das suas cores, rasgando-se os longos anos de “Exílio”, que Sophia evoca abjetamente:

“Quando a pátria que temos não a temos Perdida por silêncio e por renúncia Até a voz do mar se torna exílio

E a luz que nos rodeia é como grades”.

Porém e felizmente, esse “tempo da selva mais obscura”, em que “até o mar azul se tornou grades/ e a luz do sol se tornou impura”, como Sophia caracterizaria a ditadura salazarista, findaria em 25 de Abril de 1974. Com efeito, como canta o poeta Ary dos Santos no poema “As Portas que Abril abriu”, “foi esta força viril/que antes quebrar que torcer/que em vinte e cinco de Abril/fez Portugal renascer”. Efetivamente, o 25 de Abril trouxe o entusiasmo do renascimento do velho Portugal glorioso dos tempos de outrora, contra aquela “a apagada e vil tristeza” e institui no país as causas da democracia e da liberdade, a par com o desenvolvimento e a descolonização como bandeiras de vanguarda da Revolução de Abril. Liberdade, e democracia que, contudo, urge fortificar quotidianamente, pois como canta Sérgio Godinho, “só há liberdade a sério quando houver/a paz o pão/habitação/saúde educação”. Ora, realmente, a poesia tem sido ao longo dos últimos tempos uma arma da democracia. Usá-la-ia a Sophia de Mello Breyner Andresen, Manuel Alegre, Jorge de Sena, entre muitos outros poetas. Arma de arremesso que ainda hoje se mantém acutilante, como Sophia já previa em 1977 perante o populismo e a

demagogia, que tem grassado um pouco, ao longo destas décadas:

“Com fúria e raiva acuso o demagogo E o seu capitalismo de palavras (…) Que se promove à sombra da palavra E da palavra faz poder e jogo E transforma as palavras em moeda

Como se faz com o trigo e com a terra” .

É por isso, preciso separar o trigo do joio e recomeçar a lutar sem desistências contra as prepotências, os interesses instalados e os desmandos abusivos; e por vezes e se necessário, sair de novo à rua, a cantar:

“Grândola, Vila Morena Terra da fraternidade O povo é quem mais ordena

Dentro de ti, ó cidade”

Realmente, como escreve o poeta vimaranense Carlos Poças Falcão, na sua obra “Sombra Silêncio” recentemente premiada pela Sociedade Portuguesa de Autores como o “Melhor Livro de Poesia”, não basta atermo-nos ao silêncio ou ao “Manifesto Mínimo”:

“Neste humanismo abafa-se – e não sem um tremor armamo-nos dos verbos de um programa insubmisso: calar e apagar, desconectar, desaparecer. Manda a democracia que falemos? Nós calamos. Exige o espetáculo mais brilho? Apagamo-nos. Devemos estar em rede e ao serviço? Desligamo-nos. A Coisa Absurda chama-nos? Ah, não comparecemos!”

Cantar de novo Abril, de Zeca Afonso a José Mário Branco e recordar Adriano Correia de Oliveira de “O Canto e as Armas”, ou trautear Fausto e Vitorino, entre outros, é uma salutar vivência de Abril, para a qual “Traz outro amigo também” … Mas, caso “Venham mais cinco” ou mais, todos não seremos de mais para vencer os novos desafios do presente e futuro.

Claro, “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, mas “Eu vim de Longe”. E por cá estou de momento, como canta Fausto “Pro que der e vier” …

Por isso, caro democrata, neste 25 de Abril atenta que a democracia exige (cada vez mais) a participação crítica e cívica, mesmo que os tecnocratas e burocratas nos queiram impor a verdade única e mastigada, ou os demagogos populistas nos queiram impingir em fake-news de encomenda! Não vás em cantigas, mas se for preciso cantar, canta, como José Mário Branco canta. Canta de galo, canta a bom cantar:

“Qual é a tua, ó Meu?” …

Andares a dizer” quem manda aqui sou eu? Qual é a tua, ó meu? Nesse peditório o pessoal já deu …

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