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Serviço Nacional de Saúde Uma conquista do 25 de Abril
from OsmusikéCadernos 2
by osmusike
António da Rocha e Costa antoniorochaecosta@gmail.com
Até ao 25 de Abril, mais concretamente até à publicação da Lei de Bases do Serviço Nacional de Saúde, a assistência pública em Portugal não tinha uma grande expressão, tendo o Estado um papel supletivo na prestação dos cuidados de saúde. Estes constituíam uma responsabilidade do indivíduo e da família e estavam entregues a entidades particulares, com destaque para as Misericórdias. “Com excepção dos Serviços de Sanidade geral, dos Hospitais civis de Lisboa, do Hospital Joaquim Urbano, no Porto, e dos Hospitais Escolares de Lisboa e Coimbra, os serviços de saúde eram da responsabilidade da iniciativa privada”, refere Arnaldo Sampaio. O nascimento dos Serviços Médico-Sociais em 1946, no seguimento da constituição da Federação das Caixas de Previdência, permitiu a expansão da oferta de cuidados, sob a forma de seguro social, não garantindo um direito universal e geral à população, mas apenas aos seus beneficiários. O número de beneficiários cresceu com grande rapidez, passando de uma cobertura de 10% da população residente em 1951, para 78% em 1975. Em 1971, Gonçalves Ferreira e Baltazar Rebelo de Sousa lançaram as bases de uma reforma da saúde para um horizonte temporal de 15 anos. O plano, ambicioso para a época, contemplava a criação de uma rede nacional de 300 centros de saúde, em articulação com os hospitais distritais e centrais e os laboratórios de saúde pública, uma campanha de informação e formação comunitária e reorganização e reestruturação da rede hospitalar. Foi também por essa altura que Arnaldo Sampaio, distinto médico nascido em Guimarães, foi nomeado responsável pelo Plano Nacional de Vacinação. O 25 de Abril não interrompeu esta dinâmica reformista. Veio antes reforçá-la e dar-lhe uma nova configuração e orientação, preconizando metas mais ambiciosas. A Constituição da República Portuguesa de 1976 consagra um SNS geral, universal e gratuito e em 1979 é publicada a Lei de Bases do SNS, graças ao empenho e clarividência de António Arnaut. De então para cá, temos assistido a uma série de projetos e reestruturações, com o objetivo de adaptar o SNS aos tempos modernos e torna-lo sustentável. Fazendo uma avaliação retrospetiva, podemos afirmar que ao longo de mais de 40 anos muita coisa mudou, essencialmente para melhor. Entre os avanços alcançados estão a redução drástica da mortalidade
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infantil e o aumento extraordinário de esperança média de vida à nascença. Tudo isto foi possível, graças à conjugação de três fatores essenciais: - Implementação de uma rede de hospitais, centros de saúde e USF e de cuidados continuados e integrados; - aumento e valorização de recursos humanos; - Financiamento adequado, tanto quanto possível, sem perder de vista a sustentabilidade do sistema.
Quanto à rede hospitalar, foi objeto de uma reorganização progressiva, embora ainda estejamos longe de alcançar os resultados desejáveis, como se pode comprovar pelas listas de espera cada vez maiores e pela incapacidade de pôr a funcionar devidamente os serviços de urgência hospitalares. Os Centros de Saúde foram dando lugar às Unidades de Saúde Familiar (USF) aumentando a cobertura de cuidados de saúde à população. A rede de cuidados continuados e integrados veio suprir um conjunto de necessidades criadas pelo envelhecimento da população e a necessidade dos familiares para resolver esta situação. Quanto aos recursos humanos, assistimos à criação e ao preenchimento de vagas em alguns sectores, visando um rácio equilibrado de profissionais de saúde/doentes. Mesmo assim, vai-se sentindo cada vez maior dificuldade no preenchimento de vagas em alguns sectores, problema que tem origem, entre outros fatores, na fuga de profissionais para o sector privado, sobretudo médicos. O financiamento tem sido o calcanhar de Aquiles do SNS. Os custos com a saúde têm aumentado exponencialmente ao longo das últimas décadas, temendo-se cada vez mais a falta de sustentabilidade, que pode conduzir ao colapso do sistema, tal como o conhecemos. Portugal atingiu indicadores de saúde comparáveis aos dos países mais desenvolvidos. Manter essa situação implica não só um reforço orçamental, mas sobretudo um conjunto de reformas estruturais no sentido de diminuir drasticamente os custos, sem pôr em causa a qualidade o que, a ser realizável, representará a “quadratura do círculo”. O aumento da esperança média de vida, a inovação tecnológica no que diz respeito, sobretudo a medicamentos inovadores e meios de diagnóstico cada vez mais sofisticados, vieram introduzir uma pressão acrescida no sistema de custos, já que os cidadãos reclamam o direito a serem tratados com os melhores meios disponíveis. Até que ponto será possível manter um SNS tendencialmente gratuito, sem distinguir ricos e pobres, só o futuro o dirá e esse futuro é já amanhã.
A prestação de cuidados de saúde à população portuguesa é atualmente assegurada por três sectores que se relacionam entre si num regime de complementaridade. São eles os sectores público, social e privado, sendo que os prestadores privados já detêm uma fatia significativa do chamado “mercado da saúde”. A questão ideológica veio contaminar a discussão sobre o modelo ideal de serviço de saúde para o nosso país e tem contribuído decisivamente para a falta de consenso entre os partidos políticos, inviabilizando uma reforma legislativa que seja, no essencial, do agrado de todos. Porém, dado o grau de envolvimento de cada um dos sectores, será desejável uma articulação entre eles, que seja equilibrada e transparente, com regras bem definidas pela Administração Pública, que tem obrigação de regular e fiscalizar regras comuns a todos eles. Entretanto, o que já se vinha notando há muito tempo, tornou-se muto mais evidente com o surgimento da pandemia causada pelo Covid-19, cujos efeitos se farão sentir certamente por muito tempo: as bases do SNS começam, em parte, fruto do desinvestimento operado nos últimos anos, a dar sinais preocupantes de fadiga e esgotamento, sendo da máxima urgência insuflar-lhe uma “nova alma” e dotá-lo de instrumentos que evitem o seu desmoronamento. Em Guimarães, cidade onde temos o prazer de viver, as coisas não se passaram de forma muito diferente do resto do país, já que a gestão do sistema nacional de saúde é centralizada, cabendo às autarquias um papel residual. As pessoas da minha geração ainda se lembrarão certamente dos tempos em que os doentes se referiam aos clínicos, designando-os por “médicos da caixa” e “médicos de paga”. Desde esse tempo muita coisa mudou: Guimarães passou a ter um hospital público moderno de nível 2, dotado de valências essenciais, que serve uma população numerosa e passou a contar também com centros de saúde e respetivas extensões, instalados em edifícios modernos e funcionais. No sector privado ´, a capacidade instalada também aumentou de forma considerável, contando o concelho, neste momento, com um hospital privado e numerosas clínicas de grande e pequena dimensão, que prestam uma grande variedade de serviços no âmbito das diferentes especialidades médicas.