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A Educação Sexual na Escola e o 25 de Abril

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Obrigado Francisca

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Filipe Guimarães filipeguimaraes@esfh.pt

Com a escola da pós-modernidade, surgida entre nós após o 25 de abril, a educação sexual começou a ser enquadrada como uma das dimensões de uma educação socio emocional, de uma educação para a cidadania. A lei de Bases do Sistema Educativo, parametrizadora das vertentes educacionais do país é perentória ao chamar a atenção para a necessidade da escola assumir como função prioritária a formação de cidadãos responsáveis, respeitadores de si mesmos e dos outros, conhecedores dos fatores de desenvolvimento socio emocional enquanto suportes de um saber viver, de um saber ser. Nesta perspetiva, a educação sexual apresenta-se como uma dimensão de tal educação (art.º 47, § 3), como uma das vertentes do respeito por si e pelos outros, como fator crucial da relação consigo próprio e com os outros. Apesar de tal importância e de a Lei de Bases do Sistema Educativo contar já com trinta e cinco anos de existência, a Educação Sexual, em Portugal, apresenta ainda uma história bem recente. Com efeito, se só após o 25 de abril se começou a falar de sexualidade como algo educável, como uma vertente da vivência da cidadania, o certo é que os tabus inerentes a uma mentalidade judaico-cristã continuam a fazer dela efetivo tabu, reflexo de um modo de pensar que durante milhares de anos alienou as potencialidades das emoções, remetendo-as para o limbo da negatividade, para uma educação onde a separação dos sexos era uma das caraterísticas evidentes, a perpetuar um maniqueísmo educacional que a vida nega por natureza e à partida. As gerações mais velhas recordam-se dos manuais e mapas em que o esquema do corpo continha lacunas, ou melhor, cortes ou falha de imagens, mais parecendo que se tratava de corpos mutilados. Recordam-se também as escolas só para raparigas e só para rapazes bem como o modo como a relação entre uns e outros era alvo de vigilância cerrada e severa. Neste contexto, falar de Educação Sexual, mais que pretensa aleivosia, era tabu socio educacional, expressão inequívoca de uma axiologia ancilosada, ensimesmada em valores retrógrados, incompreensíveis numa ‘sociedade do conhecimento’. Embora muitas destas pessoas possam porventura ter recordações positivas da sua passagem pela escola, o panorama que existia naquela época quanto à educação sexual era o do consciente afastamento e proibição, remetendo para o domínio da sanção social e moral qualquer tentativa contrária. Falar sobre sexo era social e moralmente tabu, fazendo com que os poucos conhecimentos sobre o tema se adquiris-

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sem nas penumbras das relações da turma, nos bastidores ocultos das relações de grupos privados ou de relações escondidas. Na verdade, sendo a escola parte integrante da sociedade e reflexo dos fundamentos sociológicos e axiológicos da mesma, o que faz com que jamais se apresente como entidade axiologicamente neutra, natural se torna que estando a sociedade portuguesa da época inserida num sistema político e num ambiente moral fortemente autoritários, fechados e conservadores, a sexualidade se visse liminarmente arredada dos domínios educativos, remetida para a abominável dimensão do pecado. Não espanta, por isso, que o paradigma da convivência dos diferentes géneros fosse enquadrado em modelos educativos distintos, com as raparigas educadas para papéis passivos, subservientes, em torno do lar e dos filhos e da satisfação sexual dos maridos, enquanto a educação masculina assentava num estatuto de liderança, de inquestionável autoridade na família e na sociedade. E se é certo que, progressivamente, após o 25 de abril, tal situação se veio alterando, não será provavelmente menos certo que, ainda hoje, docentes e pais se não sentem à vontade para abordar abertamente o problema da sexualidade junto dos alunos e filhos, preferindo remeter-se a uma comprometedora atitude de alheamento e silêncio sobre o tema. Apesar disso, e pese embora tal comprometedora atitude, difícil se torna, nos nossos dias, não ouvir falar de sexualidade, quer na televisão, jornais, quer na rua, ou mesmo entre os próprios jovens não podendo, por isso, a escola alhear-se deste tema, sob o risco de estar a negar uma das suas funções primordiais, que é preparar os jovens para uma vivência de plena cidadania, desenvolvendo, para tal, as competências fundamentadoras do saber ser em cada aqui e agora. Tal pressuposto encontra ainda fundamentos científicos e sociológicos no movimento nascido na primeira metade do século XX, e onde a educação sexual é encarada como uma necessidade, de um movimento científico, cívico e intelectual, protagonizado por diversos movimentos e atores, e que vai ganhar um crescente reconhecimento na segunda metade do referido século e que as neurociências vêm a cada momento confirmando. O desenvolvimento das ciências humanas - nomeadamente a Psicanálise e a Psicologia e mais recentemente as Neurociências – têm gradualmente a evidenciar a importância da educação sexual como vertente sustentadora de uma homeostasia de, como diria Damásio, de uma tendência para a sobrevida. A educação sexual não pode de modo algum confinar-se à redutora dimensão da reprodução – única vertente aceite por diversas religiões e fontes de pensamento- antes tem de enquadrar-se numa perspetiva de ‘drives motivacionais’ conducentes ao equilíbrio da genética com o meio, ao desenvolvimento equilibrado de cada um.

Psiquiatras, psicólogos, pediatras, sociólogos insistem na necessidade de não deixar as crianças crescer na ignorância, de responder às suas perguntas sempre com a verdade, de modo a que elas possam crescer de uma forma saudável, encarando a sexualidade como uma das vertentes saudáveis da sua existência, da sua relação com o meio, enquanto indivíduos e espécie, e não como uma realidade que tem de ser vivida na obscuridade das alcovas, no silêncio e penumbra da existência. Contrapõe-se, assim, nesta libertadora perspetiva de Abril o esclarecimento franco e aberto, a educação para uma vida equilibrada e sustentada em valores de um equilíbrio positivo e emocionalmente sustentável, à ótica obscurantista do pecado, do ‘escondido´, do proibido, do meramente reprodutivo, como defende o modelo educativo assente na perspetiva biológico-reprodutiva. A escola de Abril tem necessariamente de assumir com plena consciência e responsabilidade que a educação sexual é, antes e acima de tudo, uma dimensão crucial da vivência de cidadania; uma condição ‘sine qua non’ pode haver respeito por si e pelos outros; uma condição de um saber ser enquanto indivíduo eminentemente social, interativo, emocionalmente equilibrado. Mais do que técnicas ou princípios biológicos, a educação sexual de uma escola de Abril deve encarará cada aluno como um ser emocionalmente em desenvolvimento, onde as competências emocionais se aprendem e desenvolvem ao longo de toda a vida. Nessa ótica, conhecer as próprias emoções e as dos que o rodeiam, ser capaz de as regular e, sobretudo, partilhar num ambiente de efetiva empatia, são os parâmetros que devem sustentar uma educação para a sexualidade, para um equilíbrio emocional. Tais objetivos devem, em meu entender, presidir a um real programa de educação sexual, não se restringindo, por isso, aos redutores princípios propostos pelo Ministério da Educação que, neste domínio, se quedam pela educação para evitar comportamentos de risco, promover atitudes de aceitação e fomentar autonomia e liberdade de escolha de uma forma responsável. A educação da sexualidade proposta por uma escola do pós 25 de Abril, de uma escola da ‘sociedade do conhecimento’ tem de ir bem mais além. Tem, acima de tudo, de olhar para o aluno como um todo, como um projeto de cidadania, com o consequente desenvolvimento de competências que lhe permitam responder homeostática e evolutivamente aos desafios de cada momento existencial, numa dimensão interativa consigo próprio e com os que o rodeiam. Por tudo isso a educação sexual da escola do pós 25 de Abril deve assentar numa estruturante atitude de compreensão para a mentalidade vigente na nossa sociedade e para as estratégias conducentes à respetiva e progressiva mudança, na certeza de que, como dizia Ortega y Gasset de que o que somos tem sempre de ser equacionado nas nossas concretas e reais circunstâncias.

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