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O 25 de Abril e a oportunidade perdida
from OsmusikéCadernos 2
by osmusike
José Maria Gomes zemariagomes@gmail.com
Estamos a comemorar meio século da revolução dos cravos. Por todo o lado se comemora esta data e se recorda o fim dos momentos de “escuridão” e de “aperto” da ditadura. Frequentava o antigo quinto ano liceal e tenho bem presente o desabafo enfurecido e sentido do meu professor de Matemática. – “O tempo das cunhas e dos calaceiros já acabou. Hoje não há aulas. Podem sair.” Muitos de nós ficámos sem perceber nada. Nem tínhamos dado conta que houvesse acontecimentos justificativos de interrupção das aulas, mesmo que por um dia. Nos dias subsequentes, os órgãos de informação encarregaram-se de relatar os acontecimentos e o seu enquadramento no tempo. Apesar da minha juventude, da minha irreverência e de ser, como hoje, um não-alinhado, nunca presenciei atrocidades, “apertos” ou ausência de liberdade. Pobreza, humildade e modéstia…SIM!!! Repressão…NÃO!!! Antes de 74 criámos um grupo de jovens - “Grupo Coral, Recreativo e Cultural” - com idades compreendidas entre os 15 e 22 anos. Tinha no seu repertório musical e de representação músicas de intervenção, sátiras políticas e sociais. Nunca ninguém foi incomodado por fazermos ou dizermos o que quer que fosse. Nos primeiros tempos, abrilhantar algumas celebrações religiosas foram as únicas dificuldades sentidas por sermos um grupo demasiado ousado e atrevido para a época. “- Parem lá com essas latas (violas) que aqui não é nenhum arraial.” – dizia o celebrante. A novidade, a rebeldia e a inveja deste grupo constituíram motivo para que não se realizassem algumas celebrações, nomeadamente a “Missa do Galo”, sem que houvesse qualquer tipo de represálias no momento e posteriormente. As informações e as histórias de repressão eram difundidas via oral - quem conta um conto acrescenta um ponto - e responsáveis pela criação de um clima e ambiente de medo na população. Abril transformou, por completo, a sociedade portuguesa e a revolução dos cravos estabeleceu liberdades democráticas e transformações sociais no país. Falta saber a que preço. O sistema político implementado, por uma pequena elite corporativa e descontente, não foi capaz de dotar o país das reformas necessárias, permanentemente adiadas, onde os partidos apregoam e propagandeiam o interesse do Povo e do País mas mais não fazem que servir-se e servir os seus.
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Hoje vivemos em liberdade e democracia. Escolhemos alegremente os nossos representantes para os governos da nação, em função das promessas de proporcionar ao Povo uma vida melhor. Acontece, porém, que, depois de eleitos, as promessas e o Povo são esquecidos e, conforme amplamente noticiado sobressaem os interesses, o tráfego de influências, os favores, as cunhas e a corrupção. Afinal…o meu professor de Matemática que sentiu na pele os horrores da ditadura não tinha razão quando afirmava… “O tempo das cunhas e dos calaceiros já acabou.” Afinal…não acabou!!! A democracia trouxe, também, o pior deste sistema político: conflito de interesses, a falta de transparência, casos de corrupção e comportamentos associados. Esta convicção e este desabafo, em voz alta, não será exagerado se nos recordarmos dos casos mais badalados pela comunicação social resolvidos, não resolvidos, ou mal resolvidos: fax de Macau, Paquetes da Expo, Tecnoforma, Bragaparques, Freeport, BPN, BCP, Monte Branco, privatização da água e Saneamento, BPP, Santander/Totta, Face Oculta, Operação Furacão, Caso Portucal, Venda do prédio dos CTT em Coimbra, TDT, PPP, “Vistos Gold”, Manuel Pinho, GES/BES, EDP, TAP e Novo Banco. Parece-nos que quando o Povo manifesta indiferença e se abstém de votar dá um sinal claro de discordância das regras deste sistema democrático que olha sobretudo para os eleitos, seus familiares e amigos permitindo uma promiscuidade excecional de sorvedouro dos dinheiros públicos e de surgimento de casos como os enumerados nesta narrativa. A democracia está doente e a massa crítica escasseia. O crescente aumento de descontentamento, de populismos e intolerância revela um sistema democrático doente com elevado grau de individualismos, mediocridade, extremismos, subsídio-dependentes, pobreza e miséria.
Antes… o pobre mais pobrezinho sempre matava o seu porquinho. Agora… será que o pobre mais pobrezinho consegue uma parte de um porquinho? O feito e o esforço daqueles que nos trouxeram a liberdade, dos que contribuíram para a implementação de uma democracia pluralista, para a defesa da igualdade de oportunidades e para a interiorização de sentimentos de pertença à União Europeia pode tornar-se inglório e uma oportunidade perdida para o povo português.
Parafraseando Martin Luther King “o que mais me preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem caráter, nem dos sem ética. O que mais me preocupa é o silêncio dos bons! O POVO!”