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Liberdade
from OsmusikéCadernos 2
by osmusike
“Liberdade, Liberdade Quem a tem chama-lhe sua Já não tenho liberdade Nem de pôr o pé na rua...” Liberdade … (Vitorino, carbonárias)
Elvira Oliveira aelvira.oliveira00@gmail.com
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Liberdade! Liberdade! É o grito de guerra mais vulgarmente ouvido, hoje em dia. Vulgarmente, digo eu, porque, infelizmente, se banalizou a palavra no seu sentido mais nobre. A desculpa para todas as ações que praticamos, principalmente as más, é a de que somos livres: livres para ser mal-educados, livres para dizer palavrões, livres para deitar de dia e andar na noite, livres para usar o álcool, livres para usar as drogas, livres para assaltar, livres para violar, livres para matar, livres…livres…livres… Mas que liberdade é esta? Será que só não somos livres para saber escolher e optar entre o que é bom e o que é mau?
Segundo Fernando Savater, no seu livro Ética para um Jovem, “Há coisas que dependem da minha vontade (e isso é ser livre), mas nem tudo depende da minha vontade. Não somos livres de escolher o que nos acontece, mas somos livres de responder desta ou daquela maneira ao que nos acontece.” Então, enquanto homens, e só completamente, na medida em que dependermos e aceitarmos a ajuda de outros homens, do seu exemplo, da aprendizagem cultural que fizermos gradualmente, ao longo da vida, poderemos dar voz à razão que nos impele a realizar isto e não aquilo, poderemos encontrar o motivo que nos leve à explicação mais plausível e aceitável do comportamento que tivemos perante este ou aquele facto. E os motivos são vários: umas vezes são a resposta a uma ordem, outras vezes, mera rotina quotidiana, por capricho ou impulso momentâneos e ainda os funcionais, aqueles que faço, por ser a melhor maneira de conseguir o que quero…
Cada um destes motivos levar-nos-á a determinado comportamento e explicará a razão da nossa preferência. Enquanto as ordens e os costumes são extrínsecos à nossa pessoa, os caprichos só dependem de nós e de mais ninguém, embora muitas vezes sejam por simples contraindicação, isto é, para contrariar a vontade ou a ordem de alguém. A maior parte das coisas que fazemos, fazemo-lo obedecendo a essas ordens ou, como já dissemos, porque não vivemos sozinhos, mas em sociedade e existe o preconceito, o medo do ridículo e da censura que nos impõem e nos pressionam a seguir os costumes e o exemplo dos demais. Ocasiões há, porém, que seguir estas motivações nos deixam insatisfeitos e então interrogamo-nos: será que não temos uma cabeça para pensar; seremos meros carneiros seguindo o mesmo rebanho; não teremos ideias próprias; seremos imbecis ao ponto de não pararmos para refletir e ponderar de que lado está a razão e qual o melhor motivo para a nossa escolha? Liberdade não é libertinagem e eu só sou livre justamente até onde começa a liberdade do outro. Ser livre é poder dizer sim ou não, faço isto e não faço aquilo, digam os outros o que disserem, é isto o que me convém e o que eu quero e não aquilo. Liberdade é decidir, mas assumindo essa decisão com responsabilidade. Não ir na onda porque é moda, porque os meus pares é assim que fazem.
Então se numa primeira resposta ao motivo do nosso agir nos sai um “porque nos mandam fazer, porque é costume, ou porque nos apetece, numa segunda abordagem, as coisas já mudam de figura, porque somos livres, mas liberdade implica essa tal responsabilidade. E se, até agora, divagamos um pouco sobre aquilo que pensamos ser liberdade, vamos juntar outras palavras: pandemia, confinamento, emergência, cerca sanitária, isolamento profilático, ficar em casa, usar máscara, distanciamento social, lavar as mãos, desinfetar com soluções alcoólicas… Tudo isto nos transporta para a tal liberdade. Qual? A liberdade boa ou a liberdade má? A liberdade/libertinagem ou a liberdade responsável, da decisão ponderada, do respeito por nós e pelos outros. Sim, porque a situação que vivemos atualmente não é fácil: divergência constante de opiniões; necessidade de trabalho e não poder trabalhar; ter de ficar em casa e querer muito sair, ir até à praia; abrir o comércio, ter as lojas fechadas; usar a máscara, não pôr máscara; distanciamento social, andar em magotes; não poder juntar a família, fazer festas às escondidas, etc., etc. Se para ser feliz, viver alegre e ter uma vida boa, preciso sentir-me bem comigo mesmo, preciso espalhar essa alegria e essa felicidade à minha volta.
Há uma máxima que muitos de nós conhecem: “Ama e faz o que quiseres!”
Mas a vida boa nunca nos é oferecida. Temos de conquistá-la com esforço e muita coragem. Quem é responsável é consciente do real da sua liberdade e sabe que é cada um dos seus atos que o vai construindo, que o vai definindo, que o vai inventando. Não precisamos de melhor princípio do que aquele de que nos fala Erich Fromm: “Não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem a ti.” As pessoas não são coisas e, por isso, não devem viver de qualquer maneira. Ninguém pode ser livre pelo outro, daí que a coragem e o esforço para decidir seja um trabalho solitário, sabendo que cada ato livre limita as possibilidades da minha escolha. Tenho o direito de… tenho o dever de… Ao ter consciência da nossa humanidade, fragilidades e diferenças, ponho-me , no lugar do outro, torno-me, verdadeiramente, seu semelhante e levo- o a sério na sua dignidade, justamente, porque me certifico que cada um de nós é único e não moeda de troca, pois é detentor dos mesmos direitos e deveres e tão socialmente reconhecido como qualquer outro. A Liberdade é um direito! A Liberdade é um dever! A Liberdade é política, mas disso, eu não sei falar. Deixo para quem sabe, embora, muito intrinsecamente, sinta que estão inexpugnavelmente ligados. Por isso, comecei este trabalho com um extrato da letra da canção do Vitorino…