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Velhos e novos de Abril

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Obrigado Francisca

Obrigado Francisca

Francisco Teixeira fjateixeira@sapo.pt

O 25 de abril de 1974 foi uma coisa estranha. Num dia tínhamos pesados 48 anos de ditadura, no outro tínhamos o povo na rua! Bem entendido, os 48 anos foram mais turbulentos do que muitos imaginam e o “silêncio” de uma parte significativa dos portugueses deveu-se diretamente à repressão salazarista. Mas a repressão foi tão intensa que, de algum modo, para muitos, se naturalizou. Aconteceu que, porém, ainda no dia 25 o povo saiu à rua como se uma torrente se tivesse soltado, sem peias. Em certo sentido, com o 25 de abril quase se pode falar de uma transubstanciação pelo povo, de um movimento religioso e misterioso que fez emergir uma manhã como se nunca vira, uma esperança como muitos já não imaginavam possível. Outra das estranhezas de Abril foi a idade dos militares golpistas. Os mais velhos estavam na casa dos trinta e poucos. A maioria estava na casa dos vinte. Pouco mais que adolescentes. Apesar disso, a sua coragem imensa e desmesurada transmutou o país. Terá sido a guerra a endurecê-los e fazê-los assim libertadores, tão cedo, instilando-lhes coragem? Ou terá sido, pelo contrário, a desesperança que os moveu, movendo um país com eles, mostrando como quer um, quer outra podem produzir frutos insuspeitos? Olhar para as fotografias dos rostos dos jovens soldados e capitães do dia 25 é uma experiência curiosa. Pelo menos para mim. Tudo é demasiado alvo, claro e limpo, como um primeiro dia de espanto (glosando pobremente Sofia). Bem entendido, nos dias seguintes ao 25 os jovens envelheceram depressa e depressa foi preciso envelhecer, passar pela espessura dos nevoeiros e atirar-se às ondas de todas as marés. Mas a coisa lá foi. Até aqui. A minha grande pergunta, hoje, é se ainda são possíveis olhos daquelas primaveras e daquelas brancuras, ou se o eterno retorno não nos espera, na esquina, com mais anos e anos de escuridão. A grande questão é a de saber se é possível mostrar a emoção de ser livre, a sério, à José Mário, sem a água benta e a beatice da responsabilidadezinha logo à ilharga, ou a espreitar por cima do ombro, como um bufo. Ora, se há peso para os velhos de abril é, hoje, a de ensinarem para a irresponsabilidade do futuro, para o desrespeito do sucesso e para o amor do pensar como se cada dia fosse o último e cada pensamento uma ou um amante proibido, mas de que se não abdica, com escândalo que seja, assim, à Natália Correia, à Sofia, à Teresa Horta… Há pois, hoje, que deseducar as criancinhas, mostrar-lhes como quem não sabe desobedecer nunca verá um dia claro.

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