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A Soma e a Combinação

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Obrigado Francisca

Obrigado Francisca

António Jorge Extremina extremina@sapo.pt

Ao abordar Abril e a liberdade podia enveredar por descrever o raiar da aurora desse dia, era por esse horário que me deslocava para o trabalho; contar o acontecimento coincidente de haver greve de zelo na empresa, que passadas poucas horas as reivindicações foram aceites; dissecar sobre como foi o movimento popular nesse dia; o trabalho de militância no movimento JOC (Juventude Operária Católica) em que estava envolvido, que acabou com a expulsão por ser considerado "vermelho"; o envolvimento partidário em campo democrático já bem estabelecido (MDP-CDE); o intenso trabalho e dedicação quase obsessiva junto das populações no campo da dinamização social e cultural; os reveses, contradições do processo, assim como as ameaças, a vigília constante e as decepções; descrever as conquistas e o trabalho que ficou cimentado pela organização de movimentos populares; o virar da "agulha" a partir do contra processo com promessas de voltar à "normalidade"; o vivenciar do surgimento de políticas públicas ao contrário do espírito de Abril; o afastamento da vida activa partidária, partindo, como o normal do cidadão para outros voos (casamento), outras formas de agir e de estar (com coacção permanente); o estar sempre atento e com participação diminuta, mesmo assim sempre coagido e vigiado; todo este manancial de vivência durante todo o processo, daria com certeza lugar a contar muitas histórias, mas como escreveu José Régio no seu Cântico Negro (1926) «... ninguém me diga: " vem por aqui"! a minha vida é um vendaval que se soltou. É uma onda que se alevantou. É um átomo a mais que se animou ... Não sei por onde vou, não sei para onde vou. Sei que não vou por aí!», Pois é, dariam histórias de certo modo redutoras, pois foram vividas de forma empolgante, de sentido quase único, onde a preparação era escassa, a vontade muita, não havia um olhar para o todo, mas sim um olhar de orgulho em ser operário (qualificado, assim eram as regras do sistema para quem tinha curso da escola industrial).

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... decorridos cerca de 40 anos, ao virar para a categoria de Reformado, eis que o vendaval se soltou, a onda se alevantou e o átomo a mais se animou, daí partir para uma aventura em que um sonho se realizou, cursar a universidade e licenciar em Ciências Sociais (Ciência Política). Então sim, agora vou dissecar sobre Liberdade, primeiro sobre conceitos que nos impingem a todo o momento, ora através da comunicação social, no digital, em tudo que seja oportuno. Sendo a abertura de horizonte muito mais ampla, dá para abarcar com consciência estes novos conceitos, diria mesmo paradigmas de Liberdade, alicerçadas em teorias falaciosas como aquelas que nos são induzidas a todo o momento. Claro que me refiro ao fortalecimento da teoria do Neoliberalismo dando enfâse a esse conceito de Liberdade assente em pressupostos de individualidade, de livre-arbítrio, de meritocracia, como isso levasse a soluções em que a grande maioria das populações vivam com dignidade. E se isto se torna difuso para a maioria, atentemos no evoluir do "Mercado", no aprofundamento da prática crescente do conceito da chamada liberdade individual, no pressuposto que são livres formando uma soma de indivíduos em vez de uma combinação de indivíduos, o que convém ao status quo vigente. A realidade nua e crua é esta, mas continuo a acreditar que é possível a Liberdade ser de outra índole e com outros valores, como bem canta Sérgio Godinho na cantiga "Liberdade" (1974).

“Viemos com o peso do passado e da semente Esperar tantos anos torna tudo mais urgente e a sede de uma espera só se estanca na torrente e a sede de uma espera só se estanca na torrente Vivemos tantos anos a falar pela calada Só se pode querer tudo quando não se teve nada Só quer a vida cheia quem teve a vida parada Só quer a vida cheia quem teve a vida parada Só há liberdade a sério quando houver A paz, o pão habitação Saúde, educação Só há liberdade a sério quando houver Liberdade de mudar e decidir quando pertencer ao povo o que o povo produzir quando pertencer ao povo o que o povo produzir.”

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