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Mudanças
from OsmusikéCadernos 2
by osmusike
Raul Rocha rpedrovimaranes@hotmail,com
Os períodos temporais de meio século, cinquenta anos, foram sempre em todas as sociedades tempos de grandes mudanças demográficas, económicas, sociais, artísticas, tecnológicas, políticas. Pede-me a revista editada pelos “Osmusiké” que penhore sobre as mudanças em Guimarães no período (1974 – 2021). É um intervalo de quarenta e sete anos, quase meio século, que vivi intensamente como protagonista. Falta-me isenção. Seria muito mais interessante, para além da transmissão das perceções que todos nós temos, que inventariasse dados sobre a demografia, a economia, a educação, para ir mais além na análise comparada. Com muita pena minha tive de transmitir aos convidantes que não teria disponibilidade, de momento, para essa recolha e leitura. Insistiram que ficasse pelas perceções. Cinquenta anos é tempo de transferência de gerações, de avós para netos. Os protagonistas vimaranenses que, em 1974, tinham 50 anos e filhos de 20, têm em 2021 netos na casa dos 30 – 40 anos. Esta geração olha para 1974 como o tempo dos seus avós. Sucede ainda que em 1974 ocorreu uma revolução política em Portugal. Que logo foi sucedida com uma perda do poder económico, embora dez anos depois este o tenha recuperado. Por outro lado, o século XXI viu a consolidação acentuada de uma União de Estados Europeus com crescentes transferências de soberania. A acrescentar o acelerar da revolução tecnológica na vida quotidiana, desde os computadores, os telemóveis, as videoconferências, que não eram sequer sonhadas. Depois a igualdade de género. Talvez aqui mais lenta que todas as outras transformações. Dado que há 50 anos já tínhamos a feminização do trabalho fabril, embora ausente nas funções de gestão ou de direção intermédia, o que não mudou assim tanto, mas não da classe média.
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Mudou nas relações familiares. Se a mulher doméstica, mãe de filhos, já era a “dona de casa” na verdadeira aceção do poder, ela não dispunha da opção de terminar a sua relação conjugal, quando essa era a sua vontade. Direi assim que quase tudo mudou na sociedade portuguesa, mais que em outros países europeus que
antes de 1974, viviam em democracia, sentiram o abalo do “Maio de 68” ou conheceram o turismo das costas espanholas que só chegou ao Algarve vinte anos depois. E em Guimarães? AS famílias viviam no centro. A classe média no Toural, S. António. Paio Galvão, Gil Vicente. As classes operárias na Rua D. João, Couros, Caldeiroa, Camões, Oliveira, Santiago, Rua Nova. Dez anos antes tinham começado a ser habitadas as vivendas junto ao Liceu e na avenida que ia dar ao Hospital velho. Enquanto em Braga, logo nos anos 1960 nasceu a habitação coletiva da Avenida, hoje, da Liberdade, por cá só uma década depois e muito resultante da urbanização dos terrenos da Casa do Proposto, vendidos para ser construído o Estádio Municipal. O suburbano começou, porém, a ser a residência da população empregada a partir dos meados da década 1960 com a criação dos transportes urbanos. Covas, Cruz da Argola, S. Roque, Madre Deus via Cano, Madre Deus via S. Pedro, Pisca, Caneiros eram os fins das linhas, os novos limites.
Igualdade de género em Guimarães há 50 anos? As meninas tinham nas escolas entradas e corredores separados e só começava a haver conhecimentos e namoros no fim do secundário e todos organizavam em conjunto as festas dos finalistas. Nos cafés, os homens mais adultos e os rapazes jovens eram os únicos frequentadores. O Liceu tinha 1000 alunos, a Escola Técnica 2500, incluindo os cursos noturnos frequentados por quem tinha começado a trabalhar em criança. Nas escolas rurais só alguns concluíam a 4ª classe, a maioria ficava pela 3ª. Nesse mundo rural não havia caminhos pavimentados, água canalizada, saneamento e em algumas aldeias nem sequer iluminação pública ou doméstica. Era um mundo diferente, mas o emprego industrial já era maioritário como hoje. O agrícola perdeu toda a sua força de trabalho, os serviços cresceram exponencialmente. O centro histórico, hoje orgulho dos vimaranenses, a nossa sala de visitas, era há 60 anos a zona pobre, onde era difícil passear e atravessar sem ser incomodado pela “gandolagem” que o ocupava. O Futebol mudou completamente, mas não a paixão vitoriana. Parece que o tempo não passou. Ao domingo, na Amorosa até 1965 e depois no Estádio só relva sem balneários, já 6000/7000 vitorianos vibravam nas bancadas…