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25 de abril em Guimarães

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Obrigado Francisca

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Álvaro Nunes alvaroamanunes@gmail.com

” As Forças Armadas desencadearam, na madrugada de hoje, uma série de ações com vista à libertação do País do regime que há longo tempo o domina.” (Comunicado do MFA, lido aos microfones por Luís Filipe Rocha, às 7,30 h do dia 25 de Abril).

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De facto, faltavam cinco minutos para as vinte e três horas quando os Emissores Associados emitiram a canção “E depois do Adeus” de Paulo de Carvalho, o primeiro sinal para o início dos preparativos. Depois, cerca de vinte minutos antes da meia-noite, surge a segunda senha, quando Leite de Vasconcelos transmite, através da Rádio Renascença, “Grândola Viva Morena” de José Afonso, que marca o início das operações militares.

Decididamente, a poesia estava na rua …

A MANIFESTAÇÃO ESTUDANTIL Ora, a cidade berço acompanhou como as demais o desenrolar dos acontecimentos pela rádio e pela televisão. No entanto, a primeira manifestação de apoio ao 25 de Abril, em Guimarães, teve lugar logo na manhã do dia 26 de Abril de 1974, por iniciativa dos estudantes do Liceu Nacional de Guimarães, que nessa manhã decidiram “gazetar” e boicotar as aulas, contra a vontade do vice-reitor em exercício. Uma manifestação espontânea que, saída do Liceu, desceria à Alameda, após percorrer várias ruas citadinas e dirigir-se à Escola Secundária Francisco de Holanda, engrossando as suas fileiras ao longo do percurso com estudantes de outras escolas.

Sob o título “Manifestações de regozijo pela vitória das Forças Armadas”, o Notícias de Guimarães de 4 de maio de 1974, descreve a ocorrência:

“Na sexta-feira passada, dia 26, nesta cidade, realizaram-se várias manifestações de regozijo pelo êxito do movimento militar. Numa das manifestações da parte da manhã milhares de estudantes dos estabelecimentos de ensino aclamaram as Forças Armadas, dando vivas a Portugal e à liberdade, entoando em coro o hino nacional.”

De facto, não era de todo estranha esta manifestação de regozijo dos estudantes liceais. Com efeito, nos anos precedentes, a juventude local havia dado passos significativos na organização juvenil de que são exemplos concretos os jovens da Assembleia de Guimarães que abanaram culturalmente a cidade com colóquios diversos, como o de José Carlos Vasconcelos, várias sessões musicais de intervenção com Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira e Manuel Freire, entre outros, bem como algumas sessões de poesia nas quais marcou presença Mário Viegas. Organizações a que se ajuntam os jovens do Centro Juvenil de Vila Pouca e as suas Manhãs Juvenis e algumas organizações católicas, juventudes partidárias clandestinas e sindicalistas. Não se pode também deixar de aludir algumas peripécias irreverentes dessa época, em especial no decurso das Nicolinas. Por exemplo, lembro-me do cartaz do Pinheiro “O outro foi à urna e votou”, que na inocuidade do seu teor passaria incólume na censura prévia. Porém, pouco antes do desfile do Pinheiro e visionamento policial, que conferia tudo o que fora visado pelo censor, o cartaz alteraria o verbo, por obra e graça de uma ocasional pincelada (um “l” intercalado), que mudaria todo o sentido: “O outro foi à urna e voltou!”. Obviamente, o outro era Salazar, que após a queda da cadeira escaparia à urna mortuária em 1968, resistindo ainda mais dois anos. Outro episódio contestatário teve lugar na récita dos Finalistas 71 do Liceu de Guimarães. Recordo-me da participação no número satírico “Contra Barrigas não há suspensórios ou a história de um povo que anima El-Rei Gemebundo”, uma crítica social à manifestação de apoio promovida pela Unidade Vimaranense ao Presidente da Câmara Bernardino Abreu. Porém, uma récita que começaria desde logo pela apreensão da capa do programa, pela sua similitude com o símbolo do MDP/CDE, e culminaria com a suspensão de uma dança dita “subversiva” por parte do professor Marques Mendes, vice-reitor em exercício. Uma atitude que valeria um longo sapateado de contestação na plateia do Teatro Jordão, complementado com o protesto da balada de despedida, de autoria de A. Rocha e Costa e Carlos Falcão, cantada em pose de luto:

“A cantar vamos deixando Nossa mensagem gravada Quem canta vai espalhando

Sua dor amargurada” (…)

Com efeito, nos anos antecedentes ao 25 de Abri, muitos eram os jovens amargurados que ansiavam por mudanças na educação e política juvenil, certamente influenciados pelos movimentos de Maio 68 em França e a Crise Académica de 1969, em Coimbra, a cujo leme esteve o vimaranense Alberto Martins, nascido a 25 de Abril. Lutas que a nível político contariam também com a ação relevante de Santos Simões, quer na ação cultural vimaranense quer na reforma e democratização do ensino, que a obra “Engrenagens do Ensino” testemunha “na defesa da educação geral humanista e de uma educação para a cidadania democrática. Luta que obviamente passava pela “igualdade de oportunidades (…), aliando a formação intelectual e formação profissional, instrução e educação cívica”.

A MANIFESTAÇÃO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO No entanto, na tarde deste mesmo dia, pelas 19 horas, uma outra manifestação ocorreria, organizada pela Comissão Concelhia de Guimarães do Movimento Democrático do Distrito de Braga, que reuniria milhares de pessoas. O mesmo jornal, acima citado, narra o evento:

“Ao fim da tarde e promovida pela Comissão Concelhia do Movimento Democrático do distrito, efetuou-se, no Largo do Toural, uma manifestação, na qual tomaram parte milhares de titulares. Da varanda do café Oriental discursaram o Dr. José Augusto da Silva e o Dr. Santos Simões; e ainda o Sr. Eduardo Ribeiro, encontrando-se presente o capitão Machado Ferreira de Infantaria 8, que agradeceu as manifestações dirigidas às Forças Armadas”. A multidão aplaudiu os oradores e soltou novamente vivas a Portugal e à liberdade, entoando em coro o hino nacional”.

No texto “Quando a liberdade estava a passar por aqui”, em Memórias de Araduca, Amaro das Neves, que também estivera na manifestação estudantil, recorda indelevelmente esses tempos:

“Ao final da tarde daquele dia em que, de repente, aprendemos tudo o que nos quiseram esconder e que, afinal, já sabíamos (…) Estamos a caminho do socialismo. E eu que, na altura dos meus 15 anos acabados de fazer, não sabia o que era socialismo, achei bem. Aquele foi o dia em que me tornei socialista. Devo-o a Santos Simões.” De facto, o 25 de Abril deve-se a muitos resistentes que nas décadas anteriores lutaram contra a ditadura salazarista, entre os quais se destacam Emídio Guerreiro e Santos Simões, J. Casimiro Ribeiro, na altu-

ra preso em Caxias, e muitos outros vimaranenses como Hélder Rocha, Lurdes Mesquita, bem como outros cujos depoimentos constam da obra “25 – Guimarães, daqui houve resistência”, obra singular de recolha e organização de textos de César Machado sobre essas vivências.

A MANIFESTAÇÃO DE APOIO AO MFA Todavia, nova manifestação eufórica em prol da Revolução dos Cravos ocorreria ainda no dia 29 de abril, reportada pelo citado semanário:

“Na segunda-feira, ao fim da tarde a população vimaranense aglomerada nas ruas e praças da cidade vitoriou as Forças Armadas, durante a passagem de elementos do Regimento de Infantaria 8 que, vindos do Porto, se dirigiam à sede do distrito. Das varandas que se viam repletas de pessoas foram lançadas flores e nuvens de papelinhos com as cores nacionais. Na Praça do Toural saudou as Forças Armadas o Dr. António Mota Prego, agradecendo aquela calorosa manifestação o capitão Rui Guimarães de Infantaria 8” Entre esses militares do RI 8, nas duas manifestações (26 e 29 de abril), esteve o (então) jovem Alferes Jorge do Nascimento, que assim recorda o momento, nas páginas da obra acima citada:

“Um momento único que se viveu no Toural. Uma coisa única (…) A adesão forte em Guimarães, mais ou menos consciente, muito natural, muito genuína. Num desses comícios falaram Eduardo Ribeiro, Santos Simões, José Augusto da Silva, o primeiro Presidente da Comissão Administrativa, que dirigiu a câmara Municipal e o capitão machado ferreira do Ri 8. No dia 29 de abril falou o capitão Rui Guimarães, em nome dos militares e julgo que também terá falado o Dr. Mota Prego”.

DE ABRIL A MAIO No entanto, para além da manifestação do 1º. de Maio, que o Notícias de Guimarães de 4 de maio assinala como uma grande manifestação, que culminaria no Estádio Municipal com discursos de sindicalistas e do Movimento Democrático, surgem também, na imprensa local, a partir de Maio, vários textos opinativos, bem como as primeiras controvérsias, como é o caso da transferência de poder na Câmara Municipal de Guimarães, parcialmente despoletado pelo telegrama assinado pelo Presidente da Câmara da altura, Bernardino Abreu:

“A Câmara Municipal de Guimarães, na sua reunião após o vitorioso Movimento Militar do 25 de Abril, apresenta a V. Exª. e a todos os membros da Junta de Salvação Nacional, os seus respeitosos cumprimentos e oferece a sua colaboração, para tudo o que for feito a bem de Portugal”.

Ora, entrementes, este telegrama teria resposta na edição de 11 de maio do Comércio de Guimarães, com um expressivo texto de primeira página, intitulado “Fora com eles”:

“A Câmara Municipal de Guimarães em telegrama assinado pelo presidente Bernardino Abreu, ofereceram colaboração.

Pretendem “amarrar-se” como os náufragos ao rochedo …

Fora com eles! … Fora com eles! … Exige-o a população vimaranense na sua maioria esmagadora.” Nesta mesma edição são ainda publicados dois comunicados da Comissão Concelhia de Guimarães do Movimento Democrático: um que “deliberou substituir o nome de duas artérias centrais da cidade, como símbolos de bastiões fascistas”, como aconteceria ao Largo 28 de Maio e atual Largo 25 de Abril e à Alameda Salazar, que passaria a denominar-se Alameda da Resistência ao Fascismo; outro em que se dá conta da eleição de uma Comissão Administrativa Provisória para gerir a Câmara Municipal de Guimarães “em virtude da vereação municipal e do seu presidente não oferecerem confiança na prossecução da nova política determinada pelo programa do MFA”. O mesmo comunicado adianta ainda que “do facto foi dado conhecimento ao atual Presidente da Câmara (…) pelo Dr. António Mota Prego, às 13 horas de hoje, dia 8 de Maio, que lhe propôs que tomasse a iniciativa de reunir toda a Câmara, a fim de se demitir (…) A resposta do Presidente da Câmara foi que não se demitia. Esta atitude, inexplicável, à luz da profunda renovação da vida nacional, só poderia ter uma resposta: diligenciar tenazmente pela demissão de toda a Câmara Municipal de Guimarães.” Porém, de facto, a alteração do poder executivo camarário seria consumada, como expressa o Comércio de Guimarães na sua edição de 18 de maio de 1974 (sábado):

“Conforme se esperava a Câmara Municipal de Guimarães foi exonerada. Na quarta-feira tomou posse, no Governo Civil de Braga, uma Comissão Administrativa, que ficou constituída pelos senhores: - Presidente, Dr. José Augusto da Silva, advogado; - Emílio de Abreu Ribeiro, comerciante; - António Ribeiro Martins, construtor civil: - José Ferreira Lopes, empregado de escritório: - Carlos Alberto Nave, bancário; -Aristóteles do Nascimento, professor; - José Faria Martins Bastos, comerciante.

A transmissão de poderes efetuou-se no mesmo dia na Câmara Municipal, em ato que causou o maior regozijo na população vimaranense.”

Acrescente-se ainda, à laia de conclusão, que em Guimarães também não ocorreram grandes situações de violência nos tempos subsequentes e posteriores ao 25 de Abril. Com efeito, e contrariamente aos atentados bombistas e incêndios de sedes partidárias cometidos em várias localidades nortenhas, em especial centros de trabalho comunistas, na cidade berço aconteceriam apenas pequenas escaramuças partidárias, um tanto ou quanto próprias do radicalismo desses tempos. No entanto, não se pode esquecer o crime de lesa pátria e roubo do Tesouro de Nossa Senhora da Oliveira, em 16 de novembro de 1975, cerca de uma semana antes do 25 de Novembro, que segundo as investigações ocorridas teria sido perpetrado por elementos de direita radical pertencentes ao Movimento Democrático de Libertação de Portugal e do Partido do Progresso/Movimento Federalista Português.

Entretanto, já lá vão 47 anos com muito já consumado e muito ainda por fazer …

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