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Onde estavas no 25 de Abril?

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Obrigado Francisca

Obrigado Francisca

Onde estavas no 25 de Abril?!4

Joaquim António Salgado Almeida Jasalgadalmeida@gmail.com

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É de Baptista Bastos esta pergunta irreverente, que se tornou popular durante vários anos. Curiosamente, nessa ocasião, no dia 25, o Alferes Almeida em vez de estar em Moçambique como seria de esperar, ali não estava. Ia quase a meio a sua comissão de serviço militar, pelo que, entendeu ser altura de tirar férias, indo à metrópole matar saudades. E assim foi. Foi em Abril de setenta e quatro… Quando chegou a Guimarães, encontrou tudo na mesma. A única coisa que então lhe deu nas vistas, foi um edifício alto perto da estação. Era um hotel novo. Os amigos da sua idade, não os encontrou que, como ele, tinham ido pa-

ra as colónias. Era a guerra. Na sua terra natal nada se passava. Era uma pasmaceira. Por isso, esses dias de férias eram passados em Guimarães. Quer dizer, havia um motivo bem mais válido lá na cidade. Conhecera pessoalmente a sua madrinha de guerra, a Fernanda. A Fernanda era amiga da irmã do Alferes Almeida, a Maria do Carmo. Eram colegas no Magistério Primário de Guimarães. Combinaram encontro na Clarinha e o miliciano gostou dela. Era faladora e bonita. Já estão casados há mais de quarenta anos. Ora regressando a Abril de 74, um dia houve, que o militar em férias não foi à cidade. Era quinta feira, 25. Às quintas, ia a sua mãe fazer a feira da Póvoa de Lanhoso e como o militar se encontrava em S. Martinho, serviu de motorista para a levar à terra da Maria da Fonte. Manhã cedo, já estava na rua à espera da Dona Teresinha que, entretanto, tinha ido à mercearia da

4 do livro por publicar “CRÓNICAS DE UM PAISANO- MEMÓRIAS DA VIDA MILITAR”

Areosa. Vem a senhora num alvoroço, que houve uma revolta em Lisboa e até tinham prendido o Tomás e o Marcelo. Foram os militares, dizia ela. - Ai meu filho, isso será bom?!... - Ó mãe, se prenderam esses dois, é um golpe de estado, para mudar o regime. E, se foram os militares, é para acabar com a guerra. Logo, é bom…mas o melhor é esperar para ver. Não ficou o filho lá muito convencido dessa dita revolta, pois não era a primeira vez que os militares se movimentavam contra o sistema. Ainda não há muito, isso acontecera no quartel das Caldas da Rainha e o golpe falhara…por isso, as reservas… No entanto, tudo isto se encaixava com o que dissera à sua mãe. Acabar com a guerra. Em Moçambique sentia-se nos últimos tempos um certo desconforto da parte de muitos oficiais e comentavam entre si que a solução para o conflito não era a via militar. Essa já estava esgotada e cada vez se deteriorava mais a situação no terreno.

A solução passava pelas palavras e não pelas balas… E foi com estas conjeturas que abalou para terras da patuleia. Por lá foram sabendo que a coisa estava a vingar, mas o alferes ainda estava receoso. No dia seguinte, logo cedo, foi para Guimarães. A manhã encheu-se de estudantes que deixando as escolas, desfilaram pelas ruas da cidade com cartazes improvisados e palavras de ordem. Assistiu e ficou positivamente surpreendido. Da parte da tarde, o largo do Toural foi-se enchendo de gente até ficar repleto. A Comissão Concelhia do Movimento Democrático do Distrito de Braga, convocara uma manifestação em Guimarães. Perante um mar de gente, nas varandas do Oriental, elementos das Forças Armadas, vindos do Regimento de Infantaria 8 e os democratas organizadores. Entre eles, o seu amigo, Jorge do Nascimento, jovem oficial miliciano.

Falou um capitão, falaram o Dr. José Augusto, Eduardo Ribeiro e Dr. Santos Simões. Soaram bem ao paisano militar as palavras dos oradores, especialmente quando aquele que fora seu professor de matemática se referiu à Guerra Colonial, exigindo o seu fim e imediata descolonização. A coisa vingara mesmo.

Sinceramente, não sei ao certo o dia de embarque para Moçambique. Mas foi quase logo, logo. No aeroporto da Portela, era noite e já dentro do avião, recebemos ordens para voltarmos a sair. Eramos quase todos militares, saindo ordeiramente da nave. No aeroporto ficamos a saber de um aviso de ameaça de bomba no avião. Aguardamos serenamente e, horas volvidas, surgiu o aviso de novo embarque. Fora falso alarme. A viagem correu longa e enfadonha. Chegado ao quartel, todos queriam saber novas da revolução. - Ó meus amigos, aquilo vai uma festa. Querem acabar com esta guerra.

E até dizem “Nem mais um soldado para o ultramar!”

Cheguei mesmo a pensar que já não vinha… Pouco depois da minha chegada, tivemos a visita do estratega do golpe. O Otelo reuniu com os graduados e deu-nos conta do que pretendiam. Quase todos eramos analfabetos políticos. Criaram-se mesas redondas onde os graduados opinavam. A maior parte pouco dizia…era a expectativa. Alguns, até então apagados, deram nas vistas com saberes escondidos. Entretanto, eram notórios os diferentes estados de espírito das pessoas.

Os soldados brancos eufóricos com um regresso antecipado que se perspetivava… Os militares nativos angustiados com possíveis represálias da Frelimo. Os colonos preocupados com a descolonização anunciada. Estes últimos começaram com movimentações em tudo preocupantes, que mereceram atempados procedimentos da parte das forças armadas. Cedo a euforia das nossas tropas esmoreceu. Na Zona do Dondo, os soldados faziam barricadas submetendo todos os veículos a aturada inspeção. Para ali fui mobilizado várias vezes com soldados armados de G3. As maiores vítimas eram os caçadores que vindo de Gorongosa em direção à Beira, ficavam sem as armas de caça grossa, muitas delas de mira telescópica. Preenchíamos um formulário com o nome do proprietário das armas e a identificação do armamento. E as movimentações prosseguem. O quartel dos GEs passou a ser ocupado por tropas vindas do mato.

Quem nele estava foi para o quartel do Dondo. Só que neste também foram colocadas mais tropas que, entretanto, chegaram. Havia confusão e os soldados ali colocados, a maioria nativos, não nos respeitavam, pois só estavam acostumados a obedecer aos seus superiores diretos. Nos fins de semana havia milando, ou seja, zaragatas, por causa do álcool. Os graduados já não pernoitavam no Dondo, mas sim na Beira. E isso até foi bom, pois era uma maneira de mudarmos de ambiente e ainda por cima a messe dos oficiais de Macuti, mesmo em frente ao mar, era melhor que um hotel. A comida era excelente e o bar tinha bebidas boas e baratas. O pior era quando estávamos de serviço e dormíamos no quartel…se calhava ao fim de semana, era mesmo mau!

A Beira ficou cheia de tropa vinda do mato… Aquilo foi um purgatório. Só a seis de dezembro cheguei ao céu. Era mesmo um Portugal novo, aquele que encontrei.

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