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Onde estava no 25 de Abril?
from OsmusikéCadernos 2
by osmusike
António Rocha e Costa antoniorochaecosta@gmail.com
Apesar de nos ter deixado há algum tempo, ainda ecoa no ar a pergunta sacramental, com que Batista Bastos, um dos melhores jornalistas da sua geração, iniciava as inúmeras entrevistas que fez às mais diferentes personagens sobre o 25 de Abril de 1974: “onde estava no 25 de Abril?” Embora nunca me tenha feito a pergunta, até porque não passo de uma figura anónima, que se dilui na galeria dos heróis menores que pouco ou nada fizeram para que o 25 de Abril acontecesse, mesmo assim não resisto em responder, começando a entrevista imaginária com a habitual observação dos entrevistados: “ainda bem que me faz essa pergunta”. Caramba! Estava mesmo a ver que íamos chegar às comemorações dos 50 anos da efeméride e ninguém me dava a oportunidade de responder à pergunta, explanando o meu modesto papel no 25 de Abril. O dia 25 de Abril amanheceu com o céu nublado e alguns chuviscos. No quartel de Espinho (Grupo de Artilharia Contra Aeronaves nº. 3 ou GACA3), mesmo junto ao mar e paredes meias com o aeródromo de Esmoriz, recebemos ordens para ocupar a estação do Rádio Clube Português, em Miramar e o aeródromo ao lado do aquartelamento, para evitar a descolagem de aeronaves com os fugitivos do costume, isto é, capitalistas que poderiam ter a tentação de promover a fuga de capitais para o estrangeiro. Na altura tinha o posto de alferes miliciano e estava há mais de meio ano naquele quartel, depois ter passado por Mafra e Elvas, onde, no Verão de 1973, tive oportunidade de ouvir o tenente-coronel Luís Banazol, comandante da unidade, referir-se a uma reunião semiclandestina de oficiais do quadro permanente, que teve lugar num monte alentejano. Mais tarde vim a descobrir que esta reunião esteve na génese do movimento dos Capitães, que viria a desencadear o 25 de Abril. Mas voltando a Espinho e ao dia 25 de Abril de 1974, devo confessar que a tarefa do pelotão por mim comandado foi demasiado fácil e até bastante agradável, pois calhara-nos em sorte a ocupação das instalações do Rádio Clube Português, junto à praia, tendo passado ali uns dias a ouvir a música que saía da antena e a gozar as delícias do sol e da brisa marítima. Nos dias seguintes, de regresso ao quartel, pude constatar o desmoronamento das velhas instituições e o poder, ainda que transitório, que as forças armadas adquiriram, ao ponto de, na qualidade de oficial de dia ter que resolver conflitos entre casais e vizinhos desavindos, que, na ressaca dos festejos regados com
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algum excesso de álcool, se dirigiam ao quartel militar, em vez de se deslocarem à Polícia ou à GNR. Com o tempo, a situação foi normalizando e, hoje, com o distanciamento temporal adequado, podemos afirmar que o 25 de Abril foi um acontecimento de relevo na História de Portugal, estando longe de ser dos momentos mais marcantes e determinantes da nossa existência enquanto nação milenar. Não podemos, contudo, esquecer que a liberdade que hoje respiramos, o nível de vida de que disfrutamos e o salto qualitativo que o país deu em termos de desenvolvimento, se devem em grande parte ao 25 de Abril. Desiludam-se, no entanto, aqueles que pensam que a Democracia e a liberdade são valores consolidados e adquiridos, pois as ameaças que pairam à nossa volta poderão ser sinónimo de borrasca e de retrocesso. Oxalá saibamos transmitir às novas gerações uma mensagem de alerta para que não se deixem adormecer e ousem lutar pela defesa dos valores e das conquistas sociais que o 25 de Abril nos proporcionou.