Pirâmide, Urubu – Programa Educativo

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De que maneira você deve se comportar no cinema para ver um filme? Como o seu corpo deve se dispor nesse espaço? É obrigatório sentar na poltrona ou você pode se deitar? E no museu ou na galeria de arte, como funciona? Você pode abrir a janela se quiser olhar pra fora? Tem janela? A que distância você deve que estar da fotografia, vídeo, escultura para ver melhor?

UMA EXPERIÊNCIA DE EXPOSIÇÃO ENTRE O CINEMA E O MUSEU PROGRAMA EDUCATIVO


Assim como o museu, o nascimento do cinema também se confunde com o crescimento das grandes cidades. Talvez ainda mais rigoroso que o museu em suas regras de expectação, o cinema é lembrado como arte da contemplação, teatro escuro onde se senta e se concentra durante duas horas de silêncio para que se absorva ao máximo as imagens e sons provenientes de uma única fonte, o projetor atrás das cadeiras e o som realista que veda o filme do mundo lá fora. Criados a partir da ilusão de sublimar todo ruído do mundo para que protagonize o filme ou a obra de arte, o cinema e o museu têm histórias parecidas, mas seus regimes de atenção têm notáveis diferenças, quais são?

Quando um filme ou videoarte está exposto no museu, você permanece assistindo toda sua duração ou vê apenas uma parte e continua se deslocando pela galeria? Você costuma sair do cinema antes que comecem os créditos finais?

Você notou que a galeria em que está a exposição Pirâmide, Urubu não tem paredes brancas e nem se veda para o lado de fora como uma galeria de arte tradicional? Na verdade, esse espaço não é nem um pouco neutro ou invisível: sua forma é circular, construído como uma geodésica, lembrando um iglu, e é todo feito de ferro e vidro, de forma que a visão da paisagem ao redor entra e interfere na percepção dos trabalhos de arte nele colocados. A escolha desse espaço é proposital, pois o cenário que está logo ali, o cerrado do Córrego do Urubu, as cidades próximas e suas tensões são o contexto em que a exposição foi criada.

De que maneira esta exposição te convida a ver? É preciso sublimar as luzes da cidade lá fora e tentar ver apenas a obra de arte na sua frente ou é possível relaxar e navegar pelo espaço misturando um vídeo aqui, outro ali, um avião que passa longe e até mesmo a lua que sobe brilhante?

A cidade em miniatura, os prédios do Setor Bancário Sul, da Esplanada dos Ministérios e o Estádio Nacional são reconhecidos pela arquitetura, cartões de visita da Capital. Nos vídeos, as galinhas são monstros que se contrapõem ao progresso do modernismo e devoram a cidade feita de utopia.


CINEMA: ENCONTRO NO ESPAÇO COM CORPOS, IMAGEM E SOM

Outra invenção, o taumatrópio, acrescentou muito à compreensão da ideia de pós-imagem. Ao se rotacionar um disco de papel em que, de um lado, está desenhado um pássaro e, do outro, uma gaiola, temos a ilusão de ver o pássaro preso na gaiola. Esse experimento nos faz perceber que o que vemos não está diretamente relacionado com o que está diante de nós, mas haveria uma espécie de resíduo de imagem no olho, que prolonga e mistura as imagens em sequência. Isso influenciou sobretudo a invenção da projeção de cinema, cujo padrão mais usado exibe 24 imagens por segundo, ou seja, aproximadamente metade da duração do segundo não exibe imagem alguma, mas o efeito de movimento e “pósimagem” em nossos olhos completa as lacunas.

O século XIX torna-se o período de muitas invenções que serviram como instrumentos para a percepção. Novas máquinas eram lançados em feiras tanto para fins científicos quanto para entretenimento popular e as funções técnicas e lúdicas se confundiam. Uma característica que perpassa alguns desses instrumentos é a noção de que a percepção da realidade não seria instantânea e que haveria uma separação entre o olho e o objeto, no que se configurou nos estudos de “pós-imagens”. Os experimentos com esses instrumentos vão aos poucos anunciando o que viria a se tornar o cinema como conhecemos. A câmara escura, por exemplo, é uma das mais paradigmáticas dessas invenções. Uma de suas funções mais decisivas é a de separar do corpo do observador o ato de ver, ou seja, descorporificar a visão ao mesmo tempo em que separa o sujeito da paisagem. A câmara consiste em uma sala escura grande o suficiente para abrigar todo o corpo enquanto um único orifício, um buraco tão pequeno como o feito por um prego, permite a entrada da paisagem lá fora, que se projeta invertida no fundo da câmara. Posteriormente, esses estudos possibilitaram o surgimento da câmera fotográfica.

Vamos fazer um taumatrópio? De um lado temos o desenho de uma roda de bicicleta e do outro um círculo azul. 1) Destaque os 2 círculos na marca de corte indicada 2) Separe um pedaço de barbante de aproximadamente 20 centímetros 3) Passe um pouco de cola no verso de um dos círculos 4) Estique o barbante passando pelo centro do círculo com cola, deixando uma ponta de aproximadamente 5 centímetros saindo para cada lado. 5) Cole um disco de papel no outro, com o lado das ilustrações para fora. Deixe secar. Agora é só brincar. Segure as pontas de barbante nos dedos e friccione para enrolar o fio. Gire e observe a imagem que se forma da combinação dos dois lados do taumatrópio.

LUZ

Esse jogo lembra alguma videoinstalação que você viu na exposição?


TAUMATRÓPIO

PIRÂMIDE, URUBU


Outro dado curioso que reforça a ideia de que essas invenções eram tanto para o campo das sensações como para o da experimentação científica é o surgimento do microscópio nesse mesmo período. Esse instrumento nos revelou dois fenômenos: a consciência da limitação da percepção humana diante de si e da natureza; e a possibilidade de imaginar outras estruturas de mundos. Ou seja, certamente todas essas ferramentas nos ajudaram a perceber uma série de nuances da natureza da qual fazemos parte, ao mesmo tempo em que a constante presença desses objetos nos nossos dias continuamente alteraram nossa percepção. Mas a política, as artes e as ciências também devem muito a uma confrontação direta do corpo com o espaço, seja de cientistas ou de artistas. Por exemplo, foi pela observação de corpos celestes a olho nu e seus movimentos ao longo de milênios que se desenvolveu a percepção de passagem de tempo. Da combinação desses conhecimentos com questões políticas, religiosas e sociais, foram sendo elaborados os calendários. A identificação de formas e figuras no céu pelas diferentes culturas e sua associação com épocas de seca e chuva orientou a criação da agricultura. Ou seja, a civilização conforme conhecemos existe porque fomos capazes de observar o céu noturno ao longo dos milênios. Cientistas e ativistas vêm nos alertando para o fato de sermos uma das primeiras gerações que se expõe a tamanha poluição luminosa causada pelo excesso de iluminação e as consequências são tanto fisiológicas quanto culturais. E por estarmos cada vez mais distantes de ver as estrelas no firmamento a olho nu, como viam nossos pais e avós, estaríamos nos separando de uma consciência de participação em um universo infinito.

O que essa nova condição de visão poderá nos acarretar nas artes, nas ciências e na política?


No curta-metragem JUCA, um grupo de amigos pedala para tentar encontrar um lugar escuro o suficiente para assistir à chuva de meteoros anunciada para aquela noite.

Claro que podemos aceitar a ajuda que novas tecnologias sempre trazem, mas precisamos estar atentos ao que pode estar sendo subtraído. O historiador Jonathan Crary nos diz que esses aparelhos ópticos do século XIX serviram a um ordenamento dos sujeitos, codificando e normatizandoos no interior de sistemas rígidos em termos de consumo visual. Essas técnicas administraram a atenção, impondo uma homogeneidade perceptiva, reduzindo a força política do indivíduo. Dos anos 1990 até hoje, uma enorme variedade de técnicas de computação gráfica surgiram e smartphones modificaram nossa relação de consumo visual e de construção de realidade com tanta intensidade quanto todas as invenções de aparelhos ópticos do século XIX. Essas novidades são parte de uma drástica reconfiguração das relações entre o sujeito que observa e os modos de representação.

Se há uma mutação em curso na natureza da visualidade, quais formas estão sendo deixadas para trás? De que maneiras a subjetividade está se adaptando na presença cada vez mais constante de sistemas de inteligência artificial?


A EXPERIÊNCIA DE VOLTA AO CORPO: DE QUE MANEIRA AS ARTES VISUAIS

PODEM AJUDAR O CINEMA?

Vamos falar de experiência? Para você, o que define o cinema?

Muitas manifestações nas artes visuais vêm citando a experiência cinematográfica, sugerindo muito do que poderia ser cinema, não fosse o “cinema só”, do que podemos destacar:

Hegemônico durante o século XX, o cinema está se reposicionando diante de tantas novas tecnologias e linguagens surgidas nas últimas décadas e, consequentemente, de novos regimes de percepção. Essa crise evidencia o surgimento de dispositivos que se apresentam sob a propaganda de serem cada vez mais imersivos. A crescente produção de conteúdos para óculos VR (realidade virtual), por exemplo, aponta nesse sentido. O VR, que propõe a total obliteração do espaço, surge como uma tentativa ainda mais radical que a de fuga das poluições urbanas – visual, sonora, luminosa e ambiental. Se nem o VR conseguir nos salvar de nosso iminente estado de dispersão, o que mais usaremos antes de voltarmos a apontar as portas sensoriais do corpo diretamente para o espaço?

O Cinema Expandido termo popularmente difundido pelo artista estadunidense Gene Youngblood, propõe um estreitamento de projeções de vídeos e corpos em movimento, em uma tentativa de criar um processo de participação do espectador, totalmente liberado da cadeira, dançando e pulando. Assim, o cinema expandido é uma forma de multiplicar o espaço da tela, que antes se restringia a um retângulo bidimensional e agora se espalha tridimensionalmente por todo o espaço que a contorna.

O que o cinema se tornou? Você vai ao cinema com frequência? Por quê? Chamamos de cinema um conjunto de características em que o público pode reconhecer um modelo de consumo, caracterizado, sobretudo, pelo gesto de “ir ao cinema” e ver um filme, amortecido em uma poltrona. Mas, ao longo dos anos, o potencial de dar vazão e impulsionar a produção de filmes tem reduzido a força ritualística-corpórea-espacial, enquanto o seu significado como produto parece estar se sobrepondo a seu status de experiência.

O Cinema ao Vivo os filmes desse tipo de cinema são caracterizados por peças audiovisuais experimentais que incorporam a edição de imagens em tempo real, por meio da justaposição de sequências fílmicas (ao vivo, pré-gravadas ou generativas). O ato é performático e o artista se apresenta editando o seu trabalho diante da plateia, convertendo-se também em projecionista.

Mesmo que uma obra de Live Cinema ocorra no escopo de um conjunto de parâmetros, ela nunca será a mesma duas vezes, será sempre uma reapresentação ao invés de uma repetição. Esse gesto criador no ato da projeção não configura uma novidade, se considerarmos que as primeiras sessões de cinema em bares e casas de espetáculo no final do século XIX e início do século XX, que contavam com a presença de músicos, narradores e o projecionista se via livre para intervir no rolo de filme, às vezes usando mais de uma tela e até mesmo reproduzindo de trás para frente. Essas experiências, recalcadas da história oficial do cinema, parecem impulsionar um conjunto de práticas que hoje em dia chamamos de Cinema ao Vivo, VJing e Live Audiovisual Performance.


E se o cinema não tivesse poltronas? E se a tela fosse redonda? E se fossem várias telas?

JUCA é um curta-metragem que teve sua versão de cinema ao vivo estreada em trilha ecológica do Córrego do Urubu, local que serviu de cenário para várias cenas do filme. O público precisou caminhar até um local específico para encontrar a projeção, posto ali como uma recompensa. Pirâmide, Cinema é a instalação-protótipo-de-sala-de-cinema que serviu a esse propósito. Colocada ali, em um dos pontos da trilha, propunha a simbiose dos corpos espectantes, da natureza e dos sistemas artificiais em evidente mistura tecnológica-artificial-natural, fazendo perceber o processo de continuidade das imagens de JUCA pelo espaço.

O Cinema Ao Vivo está livre das principais restrições do Multiplex: a continuidade narrativa e o arranjo espacial fixo. Essa liberdade de configuração favorece obras cuja estrutura evocativa está mais próxima da poesia do que da linearidade prosaica presente na maioria dos gêneros cinematográficos, sugerindo assim, improvisação e abstração. A exibição de JUCA no Córrego do Urubu, assim como qualquer projeto de cinema ao vivo, postula o cinema como evento, propondo ao espectador uma forma de experiência incomum, usando estratégias difíceis ou mesmo impossíveis de serem reproduzidas em uma situação doméstica.

No lugar da poltrona confortável, o chão e almofadas. No lugar do ar-condicionado, o ar puro do Córrego do Urubu. Em vez de paredes escuras, o horizonte. A proposta de Pirâmide, Cinema é evidenciar a variedade inumerável de cinemas possíveis em relação ao “cinema só”.

VOCÊ CONSEGUE TER ESSE TIPO DE EXPERIÊNCIA COM A NETFLIX?


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