Matías Bailone - Direito Penal Antiterrorista e o Estado Constitucional de Dereito (Brasil)

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Direito Penal antiterrorista e o estaDo ConstituCional De Direito

Matías Bailone www.matiasbailone.com

Copyright© Tirant lo Blanch Brasil

Editor Responsável: Aline Gostinski

Assistente Editorial: Izabela Eid

Capa e diagramação: Jéssica Razia

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO:

Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot

Presidente da Corte Interamericana de direitos humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México

Juarez Tavares

Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil

Luis López Guerra

Ex Magistrado do Tribunal Europeu de direitos humanos. Catedrático de Direito Consti tucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha

Owen M. Fiss

Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA Tomás S. Vives Antón

Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

B138 Bailone, Matías

Direito penal antiterrorista e o estado constitucional de direito / Matías Bailone; tradução Rodrigo Murad do Prado, Augusto Jobim do Amaral; revisão Augusto Jobim do Amaral, Gabriel Gómez Benítez.1.ed. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2022.

184 p. ISBN: 978-65-5908-453-1

1. Política criminal. 2. Estado de direito constitucional. Direitos fundamentais. I. Título.

CDU: 342.7

Bibliotecária: Elisabete Cândida da Silva CRB-8/6778 DOI: 10.53071/boo-2022-09-12-631f83195ca69

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características grá ficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch. Avenida Brigadeiro Luiz Antonio nº 2909, sala 44. Bairro Jardim Paulista, São Paulo - SP CEP: 01401-000 Fone: 11 2894 7330 / Email: editora@tirant.com / atendimento@tirant.com www.tirant.com/br - www.editorial.tirant.com/br/

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Matías Bailone

Direito Penal antiterrorista e o estaDo ConstituCional De Direito

Prólogo e epílogo: Eugenio Raúl Zaffaroni

Tradução: Rodrigo Murad do Prado Augusto Jobim do Amaral Revisão: Augusto Jobim do Amaral Gabriel Gómez Benítez

MATÍAS BAILONE

É PhD em direito penal, professor de direito penal e criminologia na Universidade de Buenos Aires. Secretário Jurídico da Suprema Corte de Justiça da Argentina. Diretor da Revista de Jurisprudência de Casación Penal, editor e coordenador da Revista de Derecho Penal y Criminología. Secretário Geral e Representante da Argentina no Comitê Permanente das Nações Unidas para a Prevenção do Crime na América Latina (COPLAD). Autor de numerosos livros e artigos sobre direito penal e criminologia. www.matiasbailone.com

Dedicado à minha irmã Ana Verónica Bailone, cuja energia de presença está também nesta tese, como em toda a minha vida.

sumário

Eugenio Raúl Zaffaroni

Matías Bailone

Bailone

Contos

A Revolta dos Cipaios

eDição

Português

O paradigma da época da Guerra Fria: origem do choque

A palavra da academia: como o terrorismo surge

Mr. Hyde: explicando nossa visão de mundo da questão criminal

“Terrorist devils and moral panics”

os DisCursos De laDy maCbeth

O antiterrorismo no campo internacional harmonizado

questão do antiterrorismo: o impulso mais destrutivo do estado policial

Efeito desestímulo e antiterrorismo: um efeito particular......... 135

Eugenio Raúl Zaffaroni

A perspectiva criminológica

A questão do terrorismo (e do antiterrorismo)

A comunicação social e as agências policiais: nasce o estereótipo.....167

A resposta política condicionada pelo estereótipo

Os efeitos em estruturas conflitantes

Prólogo ....................................................................................... 10
observações introDutórias Do autor Para a
em
..... 13
introDução .................................................................................. 15 Matías
os
reCiClaDos De terror e meDo ...................................... 18 1.
............................................................... 18 2.
......... 21 3.
26 4.Contendo
......................................................................................... 42 5.
............................................... 62
.................................................... 86 1.
86 2.A
........................................................................................ 110 3.
ConClusão ................................................................................. 154 bibliografia ............................................................................... 157 ePílogo ...................................................................................... 165
1.
..................................................... 165 2.
......................... 165 3.
4.
.................... 169 5.
171

O impacto no Estado

O efeito

Direito

nos direitos humanos

de poderes policiais

O “efeito cascata” das definições legais nebulosas

A lesão ao direito à segurança

Critérios que orientam a avaliação do grau de integridade ou deterioração dos sistemas penais

Os sinais inequívocos de deslocamento sério..........................

O estado não declarado de emergência

6.
de
e
......... 173 7.
expansivo
excepcionais ............... 174 8.
..................... 177 9.
.................................................. 178 10.
179 11.
182 12.
.................................. 183

Prólogo

É uma honra poder apresentar essas linhas sobre um tópico tão importante e necessário, mas também sobre um autor que me une a um relacionamento amigável e profissional de tantos anos e sobre conclusões que considero urgentes para se colocar em debate na América Latina.

O assunto deste livro, como foi o da tese de doutorado do autor, sobre a lei criminal antiterrorista e o Estado de direito consti tucional, é de grande importância e atualidade no debate criminal e criminológico contemporâneo, uma vez que aumenta a necessidade de comparar a legislação antiterrorista que ocorreu em nossos países nas últimas décadas com o modelo do Estado de Direito e os parâ metros internacionais dos direitos fundamentais.

A expressão dos vínculos entre esse novo contraterrorismo global e as práticas antiterroristas desenvolvidas durante a Guerra Fria em nosso continente é muito importante.

Cada um dos tópicos abordados com conhecimento biblio gráfico e habilidade argumentativa está claramente relacionado ao postulado final de deslegitimar a maioria das normas legais cuja função manifesta é combater o chamado “terrorismo”.

Apesar das duas décadas desde as enormes violações dos direi tos humanos que ocorreram após a chamada “guerra ao terror”, es ses problemas ainda são particularmente válidos, especialmente pelo que o autor aponta que está acontecendo nos países do nosso he misfério: o usufruto da legislação esquizofrênica antiterrorista para controlar o dissidente político que usa rotas alternativas de protesto social.

A análise crítica de Bailone da legislação espanhola sobre o chamado “terrorismo” basco é muito importante, e como em um país onde a impunidade por crimes contra a humanidade e o geno cídio ainda prevalece, a engenharia institucional e jurídica foi desenvolvida para excluir a grande maioria do debate social e político.

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A metodologia usada neste trabalho demonstra uma gestão importante da vasta bibliografia que inunda esse tópico, e de uma maneira particular, desenvolvida em idiomas estrangeiros. Ir e vir entre o conhecimento sociológico e jurídico é um dos postulados metodológicos centrais do que chamamos de “criminologia caute lar”, e é por isso que acho que esse trabalho é um bom exemplo do que estamos tentando incluir nessa categoria que demos à luz há quase uma década, e que com o autor deste livro desenvolvemos em várias obras conjuntas.

Matías Bailone assume a tarefa de enfrentar a legislação antiterrorista com os conceitos criminológicos e sociológicos de pânico moral e efeito do desânimo, como certas leis que visam lidar com crimes de vitimização em massa estão se voltando para o terrorismo de Estado, além de causar diretamente a participação não política de grupos inteiros e produzir uma sociedade imóvel de “forma de exército”.

Tudo isso ocorre em uma situação política global em que é necessária a construção de novos e poderosos pânicos morais que são enquadrados no novo relato de dominação imperial.

Vale a pena notar a necessidade dessas conclusões para os pro cessos políticos que estamos enfrentando em nossa região, onde os debates sobre leis antiterroristas e seus vários desmembramentos estão sempre chegando tarde, porém inexoravelmente.

Com a incorporação que o autor faz das técnicas crimino lógicas ligadas à cautela e à criminologia midiática, é aberta uma riqueza multidisciplinar infinita, que nunca havia sido enfatizada em nosso conhecimento da questão criminal. Por esse motivo, con sidero que, no que temos dito doutrinalmente sobre a necessidade de repensar epistemologicamente nossa área de conhecimento, este livro é um avanço fundamental nesse sentido. Por isso, pedi para adicionar como apêndice nesta edição um texto de minha autoria que permaneceu inédito e que continua o debate aberto por Bai lone.

Por fim, quero dizer que acompanhei de perto a evolução intelectual e pessoal do autor, que suas preocupações e estupor polí

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tico estavam sempre ligados à necessidade de fortalecer o Estado de Direito em países como o nosso, onde os meios de comunicação conspiram constantemente contra esse objetivo.

eugenio raúl Zaffaroni Universidade de Buenos Aires

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observações introDutórias Do autor Para a eDição em Português

O recente fracasso da ocupação militar dos Estados Unidos no Afeganistão é mais uma prova do que dissemos neste livro há vários anos. Essa crônica de um fracasso anunciado aumenta os desastres que o exército dos EUA e seus mercenários fizeram no sudeste da Ásia nas décadas anteriores, ou sua conexão por meio de agências de inteligência no Plano Condor na América Latina.

De todos os imperialismos que a humanidade conhecia, o que os Estados Unidos realizam no planeta é o mais desastroso e destru tivo. E o mais estúpido também, é por isso que falhas, de acordo com seus próprios planos, são comuns na história recente.

O antiterrorismo continua sendo o discurso dominante sobre política externa e diplomacia empresarial que tem seu eixo no Atlân tico Norte. Conforme analisado neste livro, isso trouxe consequências muito sérias em termos de política criminal comum em cada um de nossos países, bem como nas políticas de migração.

Espero que a edição em português deste livro, que faz parte de uma tese de doutorado mais densa e mais longa, possa ativar discus sões mais atuais sobre a consequência que essas campanhas de pânico moral introduzem na normalidade de nosso Estado de Direito.

Quero agradecer ao meu amigo e ilustre colega Rodrigo Mu rad do Prado pela cuidadosa tradução deste livro e ao Professor Au gusto Jobim do Amaral pela cuidadosa revisão técnica. A generosa dedicação à tarefa de importação cultural em nossa região é essencial para poder ser comunicado e informado o que está acontecendo nos dois lados, em português e em espanhol.

Acrescento também algumas palavras de agradecimento ao meu amigo e mestre Eugenio Raúl Zaffaroni, que me dirigiu a tese de doutorado, da qual este livro surge, e que sempre me acompanha

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em minha formação acadêmica e humana. Agradeço especialmente por suas palavras de introdução neste livro, bem como pelo epílogo fundamental que é adicionado a este trabalho. Quero dedicar esta edição à minha irmã Verónica, que obscu receu esses tempos com sua partida, cedo e injusta, mas que a ener gia de sua presença multiforme na minha vida é algo que continua a me surpreender. Ninguém está preparado para perder entes queridos, muito menos uma pessoa com tanta vitalidade e carinho, com tanta paixão por seu trabalho e pelo amor de seu filho de três anos, Lisandro. Estas páginas são dedicadas a ela, Ana Verónica Bailone, e ao meu sobrinho Lisandro.

matías bailone Villa Mercedes, 19 de agosto de 2021

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introDução

Mais de duas décadas após o início da nova era do antiterro rismo, é essencial investigar a mutação que os sistemas penais sofreram, aqueles que atendem ao modelo do Estado de Direito. Desde que a “guerra contra o terror” foi declarada, os poderes punitivos de nossos países foram convulsionados por elementos estranhos, mas que estiveram presentes por, pelo menos, quatro décadas antes.

O problema fundamental que este texto aborda é a notória e perigosa alienação que os sistemas penais contemporâneos experi mentaram quando se incorporou a equação político-criminosa chamada “antiterrorismo”.

O objetivo da pesquisa é analisar os novos dispositivos de po der que foram estabelecidos dentro e ao redor dos sistemas penais, com a desculpa do fenômeno terrorista, a partir do que chamamos “criminologia cautelar”. A principal hipótese é comprovar que a legislação antiterrorista produz um efeito desencorajador em grandes grupos para a participação política.

A obra está dividida em duas partes, sendo a primeira delas um tour histórico, político, sociológico e criminológico pelo chamado terrorismo global. A segunda se concentra em respostas jurí dico-penais do antiterrorismo, com destaque para o caso espanhol.

Acredito firmemente que o terrorismo e o antiterrorismo, como um bom jogo de soma zero, não permite análise asséptica e estudo acrítico, e sim obriga o pesquisador, a todo tempo que sua coe rência acadêmica exige, a tomar partido e manchar-se com a lama da história. Isso não é motivo para arrependimentos, como acredita o jurista espanhol Carlos García Valdés, que destaca que o terrorismo é um “assunto ingrato por excelência”, porque é necessário que venha a se identificar com o problema.1

1 García Valdés, Carlos: em comentário bibliográfico da obra “Terrorismo, algumas questões pendentes” de Francisco Bueno Arús, no Anuário de Direito Penal, Ministério de Justiça, Espanha, 2011.

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Comecei a pesquisar essas questões em meados de 2007, na ocasião de uma especialização em direitos humanos e processos da democratização que estudei em Santiago do Chile, em um campo acadêmico dominado pela democracia cristã, ou seja, a centro-di reita chilena, também perigosamente misturada com o mundo das ONG´s de direitos humanos. Lá eu aprendi como o sistema interamericano de direitos humanos, do qual ainda tenho orgulho de algumas coisas, é cada vez mais funcional ao sistema de dominação imperial que é a nossa preocupação geopolítica.

A pesquisa que apresento é trabalhada quase inteiramente em solo de Solo de manchego, foi minha principal tarefa na pesquisa do Instituto de Direito Penal Europeu e Internacional da Universidade de Castilla-La Mancha. Os três anos que passei na Ciudad Real, ao lado da biblioteca Don Marino Barbero Santos e sob a orientação de Luis Arroyo Zapatero e Adán Nieto Martín, foram muito proveitosos na compilação e aprendizado bibliográficos.

Uma especialização em direito islâmico e direito penal internacional, que fiz em 2008 na bela siciliana Siracusa, me deu informações e empatia com o mundo da Sharia, um universo inteiro não apenas legal, mas acima de tudo cultural, que ainda é deturpado pelo oeste belicoso, tudo sob a orientação do amado e sempre lembrado Prof. M. Cherif Bassiouni.

Não posso deixar de mencionar o diretor da minha tese de doutorado, que deu origem a este texto, meu mestre, Prof. Dr. Eu genio Raúl Zaffaroni, porque sua marca percorre cada uma dessas páginas, e quase todos os pensamentos derramados aqui têm origem nas teorias, práticas e ensinamentos do grande criminalista argenti no. Meus agradecimentos imensuráveis, como sempre.

Não é menos verdade que as teses de doutorado são tarefas grupais e coletivas. Essas influências podem ser rastreadas até em palavras não ditas. A influência disciplinar em uma tese é sempre complexa, e a fatura é sempre de muitas mãos. Há um ditado cômi co que diz algo como “tenha cuidado com o que você diz, pois pode ser usado em uma tese de doutorado”. Não quero deixar de lado a

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eterna gratidão à minha família, sem a qual não pude me definir no tempo e no espaço.

Mas mantenho um parágrafo separado para testemunhar minha incondicionalidade a dois seres excepcionalmente maravilhosos que tive o enorme prazer e honra de conviver nesses anos de vida. Dizem que os avós são um presente divino que nos é dado quando entramos neste mundo, que é a prova da existência de anjos. Tive sorte de ter um arcanjo, tão protetor e tão guerreiro, que me faz sentir seguro e andar com calma onde quer que eu ande. Ele deixou sua forma mundana quando eu investigava esta tese na Espanha, mas não o hábito de cuidar de mim. O outro ser alado que voa ao lado é minha avó Juanita, cujo abraço foi asas da vida. Ela me deu tantas coisas bonitas, bem como a maior dor que tive até agora, sua partida, que foi contemporânea à correção desta tese. Esta tese é para eles, embora eles mereçam melhores tributos; o que se segue nestas páginas é o resultado “de pouco sono e muita leitura”, que acabou dando à luz ao “Cavaleiro da figura triste”.

matías bailone www.matiasbailone.com

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os Contos reCiClaDos De terror e meDo

“Quando a mídia americana censurou as populações de países estrangeiros por não demonstrar simpatia suficiente pelas vítimas dos ataques de 11 de setembro, fiquei tentado a responder a elas com as palavras que Robespierre dirigiu àqueles que lamentavam as vítimas inocentes do terror revolucionário: ‘Pare de tremer diante do meu rosto, a capa sangrenta do tirano, ou acreditarei que você quer me prender a Roma’.”

Slavoj Zizek, “O manto sangrento do tirano”2.

1. a revolta Dos CiPaios

A imagem imobilizadora das Torres Gêmeas de Nova York e os atentados ao Afeganistão abriram uma nova época histórica, nem tanto por estes últimos, que repetem uma cena já familiar a todos nós — que o império impõe destruição e massacres como parte de sua política externa —, mas pela invasão bárbara do espaço civili zado3. O World Trade Center foi o maior expoente de tecnologia e segurança, e sua queda de repente transformou o espaço civilizado em “terceiro mundo”. “Você pode apreciar o espetáculo de um po der invadido”, disse o criminologista Wayne Morrison4, quando, na

2 Zizek, Slavoj: Sobre la violencia, Paidós, Barcelona, 2010. p. 12.

3 “Eles pretendem gerar pelo menos três tipos de efeitos: danos materiais, um impacto simbólico e um grande impacto na mídia. Danos materiais já são conhecidos: destruição de cerca de 3.000 vidas huma nas, as duas torres do World Trade Center, uma ala do Pentágono, e se o quarto avião não tivesse caídona Pensilvânia, a Casa Branca. É evidente, no entanto, que essas depredações não apontaram para um objetivo principal. Porque então os aviões teriam sido direcionados, por exemplo, a usinas nucleares ou reservatórios, causando devastações apocalípticas, com dezenas de milhares de mortes (na ocasião, sou be-se que nem usinas nucleares nem reservatórios são construídos para testar a bomba de aeronaves). O segundo objetivo visava impactar a imaginação, ofendendo e degradando os principais sinais da grandeza dos Estados Unidos, os símbolos de sua hegemonia imperial em questões econômicas (o World Trade Center), militares (o Pentágono) e políticas (a Casa Branca). Menos proeminente que os dois anteriores, o terceiro objetivo era de natureza midiática, que demonstrava apenas o narcisismo de Osama Bin Laden”. Ramonet, Ignacio: “El nuevo rostro del mundo”, Le monde Diplomatique, dezembro de 2001. p. 24.

4 Morrison, Wayne: Criminology, Civilization and the New World Order, Routledge-Cavendish, Oxon, 2006.

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realidade, era um poder legítimo desencadear o inferno. A resposta do império ferido foi a abertura de um tempo de guerra infinita e guerra preventiva, que fez os Estados Unidos assumirem — como Fidel Castro apontou — “o papel de mestre e polícia do mundo”5.

Uma resolução aprovada pelo Congresso dos EUA, uma sema na após os atentados, autorizou o executivo a usar a força contra os responsáveis pelos ataques6. O presidente Bush iniciou, justificado pela legislatura, 21 dias depois, uma operação militar no Afeganistão que, em apenas alguns meses, encerrou o regime talibã naquele país. Contudo, o presidente dos Estados Unidos alertou no mesmo dia do início das hostilidades que a operação de “liberdade duradoura” no Afeganistão era apenas parte de um conflito mais amplo, e desde então houve numerosos pronunciamentos de altos funcionários da administração norte-americana nos quais se fala de uma guerra global contra o terrorismo7.

Mais de uma década após os ataques de Nova York, os Estados Unidos mantêm seu império de terror em grande parte do mundo; o medo assumiu nossas realidades diárias, e as vítimas das torres gêmeas e do resto do mundo ainda aguardam justiça, verdade e me mória. Não há fragmento da vida política e institucional do mundo inteiro que não foi renunciado na guerra contra o terrorismo.

Por que isso aconteceu? Um ex-agente de inteligência americano escreveu um livro na década de 1950 no qual explica as razões

5 Castro Ruz, Fidel: “Discurso de clausura”, em Borón, Atilio: Nueva hegemonía mundial, Buenos Aires, lacso, 2004. p. 189.

6 De acordo com a referida resolução, o Presidente está autorizado a “usar toda a força necessária e apro priada contra essas nações, organizações ou pessoas que (o próprio presidente) determine que tenham planejado, cometido ou ajudado a cometer os ataques terroristas que ocorreram em 11 de setembro de 2001, ou que deram refúgio a essas organizações ou indivíduos, a fim de impedir futuros atos de terro rismo internacional contra os Estados Unidos por essas nações, organizações ou pessoas”. Joint Resolution to Authorize the Use of United States Armed Forces Against those Responsable for the Recent Attacks Launched Against the United States, Sect. 2, Sept. 18, 2001. Disponível em International Legal Materials, vol. 40 (2001), p. 1282.

7 A ordem militar pela qual se decretava a criação de comissões militares para processar indivíduos envolvi dos em atos de terrorismo internacional (nota infra 47) já começava afirmando que os ataques terroristas contra os Estados Unidos “criaram um estado de conflito armado que requer o emprego das Forças Armadas dos Estados Unidos” (Sect. 1.a.). A política antiterrorista dos EUA procurou deliberadamente se colocar em um cenário quase excepcional, com base na aceitação de que a ameaça a ser enfrentada é a de um conflito bélico. Nesse sentido, o documento publicado pela Casa Branca em setembro de 2003, “National Strategy for Combating Terrorism”. Disponível em: http://www.whitehouse.gov/news/relea ses/2003/02/counter_terrorism/counter_terrorism_strategy.pdf.

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do ódio ao império, e diz isso como resultado do que os Estados Unidos já haviam feito ao mundo na época em questões de política externa, que era apenas uma questão de tempo até que um grupo de vítimas decidisse tomar a justiça em suas próprias mãos. O autor é Chalmers Johnson e o livro é “Blowback: os custos e as consequên cias do Império Americano”. “Contragolpe” — profetizou Johnson — “é uma maneira abreviada de dizer que uma nação colhe o que planta, mesmo que não saiba ou compreenda completamente o que plantou”. Dada sua riqueza e poder, os Estados Unidos serão um dos primeiros destinatários de todas as formas mais esperadas de reação no futuro previsível8.

Marx disse que na história há algo que se assemelha à puni ção, e é uma regra de punição histórica que seu instrumento seja forjado não pelos oprimidos, mas pelo próprio opressor. O apoio e o treinamento americanos para jihadistas árabes que combatiam os soviéticos o levaram a dizer ao conselheiro do governo Carter, Zbig niew Brzezinski: “O que são alguns muçulmanos agitados em comparação com a derrubada do império soviético?”9. Hoje, o castigo histórico de que Marx falou em referência à “Revolta dos Cipaios” (1857-1858), durante a qual as unidades indígenas — cobaias — do exército indiano britânico se amotinaram contra seus oficiais, manifesta-se no fato de que os Estados Unidos são “responsáveis pelo mal que foi incubado e pelas dimensões colossais que lhe permitiram adquirir”10.

A Maldição do Dr. Frankenstein, de que o trabalho se volta contra seu mestre, de que o dispositivo de combate com o qual a queda soviética foi precipitada é o elemento que ataca seu ex-mes tre em sua própria casa, ou que os Cipaios descubram sua natureza errática e mercenária, que tomem consciência de pertencer às mar gens esquecidas do império e que se tornem instrumentos de uma

8 Johnson, Chalmers Ashby: Blowback: The Costs and Consequences of American Empire (2000, rev. 2004) citado por Ali, Tariq: Una autobiografía de los sesenta. Años de lucha en la calle, Foca, Madrid, 2008. p. 29, e Ali, Tariq; Stone, Oliver: La historia oculta, Capital Intelectual, Buenos Aires, 2012. p. 127.

9 Ali, Tariq; Stone, Oliver: op. cit. p. 129.

10 Marx, Karl: “The Indian Revolt”, New York Daily Tribune, 16 de setembro de 1857, em Marx Engels on Britain, Foreign Languages Publishing House, Moscú, 1953, p. 449 – 450.

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luta assimétrica e global, é todo o fruto da atividade e omissão dos Estados Unidos.

2. o ParaDigma Da éPoCa Da guerra fria: origem Do Choque

Já antes de 11 de setembro de 2001, a literatura especializada em terrorismo internacional era profunda, confusa e difusa11. Os vários ângulos pelos quais essa fenomenologia contemporânea po deria ser vista, seja desde a sociologia, como desde a ciência política, história, estudos religiosos, estudos culturais, relações internacionais e direito, já pendiam a um campo de estudo peculiar que procurava encher as prateleiras e criar uma burocracia de escrita que se repro duzisse.

De fato, existe uma subcategoria científica desde a década de 1970, na qual converge o conhecimento social acima mencionado, e que procurou delimitar um fenômeno moderno, novo e atual que pudesse ser apreensível do teórico, com poucos elementos de ficção científica ou literatura fantástica. É por isso que nos acostumamos a ler esse tipo de literatura pseudocientífica12 como uma categoria menor, como um gênero subordinado e abjeto, de pouca serieda de acadêmica, que busca mais reforçar um relato estereotipado do terrorismo, com suas respectivas estigmatizações, do que apreender um complexo de fatos sociais. Salvo notáveis exceções, e a produ ção bibliográfica produzida diretamente pelas vítimas do terrorismo de Estado que tanto ilumina nosso presente, a grande maioria dos trabalhos sobre terrorismo internacional busca a categorização de Hollywood e o relato simplista.

11 Apesar do panorama anterior ao ataque às Torres Gêmeas, Andrew Silke disse que mais de 90% de toda a literatura científica sobre estudos acerca do terrorismo foi publicada desde 2001, e acredita que um novo livro sobre esse assunto seja publicado a cada 6 horas no idioma inglês. Richard Jackson afirma que os trabalhos sobre terrorismo aumentaram 300% desde 11 de setembro. Cfr. Shepherd, Jessica, “The Rise and Rise of Terrorism Studies”, The Guardian, 3 de julho de 2007. De fato, antes de 2001, os trabalhos científicos haviam crescido 234% entre 1988 e 2001, em campos que ligam o terrorismo a estudos de processos de comunicação, política e paz. Cf. Gordon, Avishag, 2004. “Terrorismo e crescimento do conhecimento: bancos de dados e análise da Internet”, em Silke, Andrew (ed.), Research on Terrorism: Trends, Achievements and Failures, Londres: Frank Cass, p.109.

12 Evito me referir a uma subcategoria ainda menor de livros de aeroportos que tratam dessas questões de maneira leve, à beira de zombarias abjetas e que consomem profusamente certas classes ricas e ociosas.

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Isso tem a ver com as narrativas imperiais que pretendiam diminuir o senso comum das sociedades contemporâneas durante o reinado da Guerra Fria. Já expandiremos nossa percepção polí tica desse momento, de onde pretendemos entender a ancoragem dos novos conceitos do léxico imperial e a colheita do pânico moral construídos pelas elites conservadoras.

Tanto a luta contra as drogas, o conceito americano de crime organizado e a primeira guerra contra o terrorismo declarada pelo governo Reagan foram tentativas de grande sucesso para empreen der uma governança global do medo. Jonathan Simon nos mostra como Nixon tentou alinhar a cena política da época, instilando so cialmente dois medos épicos: medo do crime e medo do câncer13.

Em 1971, Richard Nixon declarou formalmente sua “guerra contra drogas”, e naquele mesmo ano houve uma conversa pública sobre a “guerra ao câncer”, o novo “armagedom” americano, o novo medo ao qual a sociedade deve se render14. Ambos os domínios do pânico tinham muitas semelhanças e figuras políticas claras, o que os conectou com discursos altamente moralistas.

Mas uma década antes, o presidente Kennedy, que foi um dos ideólogos da infame doutrina da segurança nacional e de golpes de Estado na América Latina, recomendou que o governo colombia no recorresse a “atividades paramilitares, terroristas e/ou sabotagens contra conhecidos apoiadores do comunismo” na região15. O medo macartista do inimigo vermelho permaneceu o mais lucrativo para a lógica imperial, aquele que permitiu os terrorismos de Estado mais sangrentos. Veremos mais tarde a aplicação criminológica do conceito de “pânico moral” às políticas antiterroristas, mas claramente a luta contra o terrorismo abrange todos os pânicos morais e medos institucionalizados anteriores. A guerra contra o crime foi fundamental para a campanha presidencial de G. W. Bush, por isso não é

13 Simon, Jonathan: Gobernar a través del delito, Gedisa, Buenos Aires, 2012. p. 357.

14 Talvez um paralelismo entre câncer e AIDS não possa ser traçado, uma vez que este último é concebido como um pânico moral generalizado sobre certos grupos “amaldiçoados” da sociedade norte-americana, e não como o câncer que perfurou toda a sociedade na diagonal.

15 Cfr. Chomsky, Noam, em prólogo a Bricmont, Jean: Imperialismo Humanitario, El Viejo Topo, Madrid, 2008.

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O volume é um extrato da tese de doutorado do Professor Bailone, que analisa em detalhes a legislação antiterrorista de países como a Espanha, Argentina e toda a América Latina.

Matías Bailone é PhD em direito penal e professor honorário em várias universidades na Espanha e na América Latina. Seu trabalho de ensino ao lado de seu mestre Zaffaroni é bem conhecido no Brasil e em todos os países da região. Ele publicou vários livros e dirige duas revistas de direito penal na Argentina. A editora Tirant já publicou um livro de palestras conjuntas de Bailone e Zaffaroni, intitulado: “Dogmática Penal e Criminologia Cautelar”.

O terrorismo é como o crime mãe de uma época. Todos os discursos e práticas excepcionais visam combater seus efeitos por todos os meios possíveis, muitas vezes contornando a legalidade constitucional e o respeito aos direitos fundamentais. Nessa lógica, o antiterrorismo é um dos perigos mais graves que espreitam as nossas instituições e a nossa normalidade democrática.

Este trabalho é a tentativa de explicar uma paranoia do sistema penal do nosso tempo. Através de suas páginas se explica não só a excepcionalidade construída política e midiática sobre o fenômeno do chamado terrorismo, mas também e principalmente a destruição sistemática do sistema penal ordinário e de nossos enfraquecidos Estados de Direito A partir de uma visão crítica do direito penal, ancorada em reflexões penais e criminológicas, Matías Bailone desenvolve um estado detalhado do assunto e algumas propostas muito específicas para abordar o tema em nossas sociedades contemporâneas.

O livro tem um prefácio do ilustre jurista e criminólogo argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, que também foi o diretor da tese de Bailone. Nele, o professor Zaffaroni afirma: “Tenho acompanhado de perto o desenvolvimento intelectual e pessoal do autor, pois suas preocupações e estupor político sempre estiveram ligados à necessidade de fortalecer o Estado de Direito em países como o nosso, onde os meios de comunicação de massa constantemente conspiram contra esse objetivo.”

O filósofo ítalo latinoamericano Alberto Filippi diz a respeito deste libro: “A posição de Bailone é essencial para entender o que acontece com os direitos criminais em cada um dos países de nosso tempo e até mesmo com o direito internacional. A filiação de Bailone na escola Zaffaroni pode ser rastreada em cada uma dessas páginas.”

O livro, publicado pela prestigiosa editora Tirant, foi traduzido por Rodrigo Murad do Prado e Augusto Jobim do Amaral, e revisado por Gabriel Gómez Benítez, e está disponível em todas as livrarias do Brasil.

Nesta última segunda feira, o autor do livro e o autor do prólogo (Matías Bailone e Raúl Zaffaroni) estiveram em Florianópolis apresentando esta obra. No auditório principal da OAB de Santa Catarina, e apresentado pela presidente da instituição Claudia da Silva Prudencio, Zaffaroni e Bailone falaram sobre estas questões.

Matías Bailone é o discípulo mais importante e conhecido da Zaffaroni. Há duas décadas ele vem desenvolvendo uma carreira acadêmica que ele escolheu fazer à sombra de seu famoso mestre. Bailone é professor de direito penal e criminologia na Universidade de Buenos Aires, assim como em universidades na Espanha, Brasil, Chile, Peru, Equador, Bolívia, Guatemala e México. Ele escreveu vários livros sobre direito penal e criminologia. Sua área de trabalho está focada em crimes do estado e criminologia crítica. Atualmente, além de ser o secretário jurídico da Suprema Corte argentina, ele é o secretário geral da COPLAD, a agência das Nações Unidas para a prevenção do crime na América Latina, além de dirigir várias revistas acadêmicas e vários programas internacionais de pós graduação. Mais informações em www.matiasbailone.com

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