Semana a semana

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SEMANA A SEMANA

1. Orçamento de Estado para 2015 (OE 2015) Como é imposto na Constituição, o governo apresentou na Assembleia da República, no passado dia 15, a proposta de lei sobre o OE 2015, que ficará a aguardar a aprovação na generalidade e a votação na especialidade, em plenário. Deveremos estar atentos às fórmulas de discurso enganador frequente e aos objectivos pretendidos, a partir do momento em que, tal como qualquer outro produto, a informação é algo que pode ser instrumentalizado por interesses ligados ao poder do momento. Passo a elencar algumas notas sobre o OE 2015, as que me parecem mais relevantes. Denominador comum: os cortes no Apoio Social e os acréscimos à carga fiscal atingem sobretudo, é preciso dizer, cidadãos já abaixo do limiar da pobreza, com rendimentos que nem sequer estão sujeitos a IRS. O que evidencia a insensibilidade e a prosápia dos que falam nos “aumentos” de pensões mínimas de 1% (2,59€ por mês e 8,5 Cêntimos por dia) e nos “benefícios” alegadamente atribuídos a famílias numerosas, tantas vezes, com casas para pagar ao banco e com filhos desempregados e netos dentro da mesma casa. De facto, o governo está a retirar cada vez mais aos que menos têm, com uma fixação contra abusos no rendimento social de inserção (RSI) e no subsídio de desemprego, que são o verdadeiro móbil subjacente a esta perseguição infame. a) CORTES no Apoio Social (na verdade, os cortes são impostos “mascarados”) Item (previsão no OE 2015) Complemento Solidário para Idosos (CSI) Rendimento Social de Inserção (RSI) Abono de família Prestações de desemprego e de apoio ao emprego

Corte (%) -6,2% -2,8% -1,01% -10,6%

2014 231,4 299,9 645,5

Corte -14,4 -8,3 -6,5 -243,0

(em M€) 2015 217,0 291,6 639,0

Outros Cortes: Fixação de um limite máximo, por beneficiário (de 600 euros?), para prestações sociais não contributivas (rendimento social de inserção, o subsídio social de desemprego e o complemento solidário para idosos). Receita prevista: 100 milhões de euros. Mas, segundo Bagão Félix na TVI24 (dia 16.10), a Segurança Social prevê apenas 18 milhões de euros para esta receita adicional, o que revela o amadorismo com que, no governo, se tomam certas decisões, em cima de resultados desejados, antes de conhecidas todas as variáveis. Sintomática a hesitação da ministra das Finanças na conferência de imprensa, quando questionada sobre o concreto conteúdo desta medida. A ministra das Finanças disse que esse limite deverá ficar "em torno do valor da remuneração média de um trabalhador não qualificado". De acordo com os dados oficiais, em 2012, essa remuneração rondava os 600 euros. Em 2015, as pensões em geral, mais uma vez, não são objecto de actualização, facto omitido pelo governo. No entanto, o OE 2015 refere o aumento de 1% (2,59€) nas pensões mínimas (que passam de 259,36€, valor fixado pela Portaria nº 378-B/2013, de 31.12, para 261,95€, em 2015). Por dia, o aumento das pensões mínimas não passa de 8,5 cêntimos: 2,59 x 12 /365 = 0,085. Já vi escrito que esse aumento teria sido de 7 cêntimos ao dia.

b) CORTES que vêm de 2014 (na verdade, os cortes são impostos “mascarados”)


Continua suspenso o pagamento de complementos de pensões pelas empresas do sector empresarial do Estado com prejuízos nos últimos três anos. Uma decisão que já está a ser questionada em tribunal. Continua a ser cobrada a CES sobre pensões superiores a 4.611,42 euros, mas com taxa inferior à de 2014. Receita esperada: 42 milhões de euros. Pensões afectadas: entre 9 a 10.000. Mesmo que inferiores e com a promessa de virem a ser regressivos, decisão que não é vinculativa senão para o ano de 2015, os cortes nas pensões, seja qual for o montante atingido pela CES, constituem a repetição de um abuso inominável e uma discriminação contra cidadãos que têm uma pensão supostamente elevada, igualando carreiras contributivas completas com outras incompletas, fazendo o justo pagar pelo pecador, e, ainda, convocando ao pagamento da CES pensões, fundeadas em regimes facultativos, que nada têm a ver com a suposta insustentabilidade das pensões do regime geral (facto já censurado pelo Tribunal Constitucional; o governo não tem emenda, no afã de arranjar dinheiro). O precedente foi criado em 2011, haveria que ser eliminado, mas não foi. Lamentavelmente. “Com papas e bolos se enganam os tolos.”

c) CORTES em sectores transversais do Estado (na verdade, os cortes são impostos “mascarados”) (em M€) Áreas mais afectadas (por ordem decrescente) Educação Justiça Segurança interna

Corte (%) 2014 -11,3% 6 243,9 -8,4% 1 458,2

Corte 2015 -704,4 5 539,5 -122,4 1 335,8

-4,2% 2 035,0

-85,5 1 963,0

d) ACRÉSCIMOS À CARGA FISCAL (aqui não há máscara: trata-se de aumentos de impostos ou taxas) IMI - através do “silêncio” (OE 2015 não repetiu a salvaguarda), mais de cinco milhões de imóveis, alvos de reavaliação, entre 2011 e 2012, vão pagar a totalidade do IMI, sem a cláusula de salvaguarda, que limitou os aumentos, entre 2012 a 2014, a 75 euros ou a um terço do aumento que resultava da aplicação do imposto. Dois terços dos mais de cinco milhões de imóveis reavaliados são prédios antigos, localizados nos grandes centros urbanos, onde se verificaram os maiores aumentos. Taxas rodoviárias – mais 3 (três) cêntimos por litro de combustível, 1 (um), para a fiscalidade verde e 2 (dois) cêntimos para a taxa rodoviária (a chamada taxa do carbono). Imposto sobre cerveja e bebidas espirituosas - As cervejas vão passar a pagar um imposto que começa nos 7,75 euros por hectolitro para os volumes de álcool mais baixos e que vai até aos 27,24 euros por hectolitro no caso dos volumes de álcool mais elevados. O vinho fica isento, o que está a suscitar a indignação das empresas cervejeiras. Imposto sobre o Tabaco (IT) sobre rapé, tabaco de mascar, tabaco aquecido e cigarros electrónicos, por "razões de defesa da saúde pública, bem como de equidade fiscal, uma vez que são produtos que se apresentam como substitutos dos produtos de tabaco.” Taxa adicional sobre o IUC para veículos a gasóleo – criada em 2014, mantém-se em 2015. Na área dos acréscimos fiscais e como mensagem que os números não mostram, mas revelam, eis o que mais conta nos grandes números: Receitas do IRS - O governo espera obter mais receitas com o IRS em 2015, prevendo arrecadar 13.168 milhões de euros, um record, que, comparados com os 12.863,1 milhões de euros cuja arrecadação está prevista até ao final de 2014, representam mais 2,4%. Portanto, ou as receitas do IRS estão sobreavaliadas, e bastante, ou todos iremos pagar mais, seja porque as taxas e escalões do IRS serão agravados, seja porque o governo tem cartas escondidas na manga. Ou não? Que mistérios ainda estão por revelar? Diminuição de 2% (de 23% para 21%) no IRC, imposto que incide sobre os lucros das empresas. Aqui, o governo abdica de cerca de 240 milhões de euros de receitas. Clara


discriminação positiva para interesses chineses e angolanos na EDP, EDP Renováveis, Galp Energia e REN, que somaram de lucros líquidos, só em 2013, qualquer coisa como 1,57 mil milhões de euros, enquanto que a Sonae, a Jerónimo Martins e respectivos supermercados, conseguiram 701 milhões de euros de lucros, igualmente no ano passado. e) O problema do Subsídio de Natal pago em DUODÉCIMOS Trata-se de um embuste reincidente e injustificado. Erradamente, o governo continua a arrogar-se, como se fosse o dono do dinheiro, e não um mero e fiel depositário, o direito de escolher o momento em que mais lhe convém pagar o subsídio de Natal (SN). O OE 2015, repetindo um hábito que o governo justificou com o carácter provisório da austeridade e com a necessidade de garantir a estabilização da tesouraria (o dinheiro não abundava e Portugal dependia de fluxos financeiros irregulares), vem de novo estabelecer que o SN será pago, quando devido por entidades públicas, em duodécimos. Com esta manobra, o governo esconde o verdadeiro intuito, que é o de “anestesiar” as pessoas com o impacto das elevadas retenções de IRS e de as iludir quanto à perda do poder de compra. Pois bem, é altura de por termo a esta prática, atalhando a questão, de forma a que não entrem em vigor as normas de prevalência que, à semelhança de anos anteriores, de 2012 para cá, o governo pretende renovar em 2015. O governo não pode deixar de, em 2015, passado o período abrangido pelo Programa de Assistência Financeira (PAF), cumprir a legislação que o obriga também e que determina o pagamento do SN, de uma vez só, no mês de Novembro. Terá o governo de regressar, mesmo a contragosto, ao cumprimento do artigo 151.º da Lei 35/2014, de 20 de Junho (publicada há pouco mais de seis meses): "1 - O trabalhador tem direito a um subsídio de Natal de valor igual a um mês de remuneração base mensal, que deve ser pago no mês de Novembro de cada ano." E o mesmo se diga sobre o nº 1 do artigo 263º do Código do Trabalho, aplicável aos trabalhadores do sector privado: "1 — O trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano."

2. O IRS de 2015 e a sobretaxa a devolver em 2016, “à condição” Eis uma questão de tratamento privilegiado pelo governo, onde abundam, mais uma vez, mentiras e falsas promessas, divulgadas como se fossem uma construção engenhosa e original. Em ano de eleições, o governo quer “resolver” a reforma do IRS com uma redução gradual e calendarizada da sobretaxa. É dito e redito que existe a “intenção de uma descida, em 2015”, mas por troca com o aumento de impostos ambientais ou com outras receitas fiscais. No entanto, isso é falso, havendo que, mais uma vez, desmontar o discurso. Primeiro, o governo não vai devolver, em 2015, nada da sobretaxa arrecadada em 2014. Zero. Ponto. Fica com o dinheiro. Nem sequer fala no assunto. E lá vem a tal solução engenhosa: para o governo devolver, em 2016, a sobretaxa que vai arrecadar em 2015, a receita do IRS e do IVA, em 2015, tem que crescer pelo menos 6,4%. Ou seja, somados os dois impostos, estes têm que gerar pelo menos mais 1.700 milhões de euros além dos 26.700 mil milhões estimados para o fecho de 2014, para que os 3,5% de sobretaxa sejam devolvidos na íntegra.


Como diz Bagão Félix, o governo decidiu reduzir a sobretaxa do IRS à condição … primeiro paga-se, depois logo se vê. A ironia é que a redução fiscal para os contribuintes cumpridores fica dependente do comportamento dos incumpridores! (1) Do que se trata, afinal, é de manter a austeridade, se possível, com a mesma receita fiscal, anunciando “boas notícias” quanto à descida da sobretaxa, lá para 2016. Portanto, em 2015, nada de nada. Quem define se foi cumprida a meta exigida para haver devolução é o governo. Cá por mim, já dá para desconfiar, tão “sérios” se têm mostrado. “Pague primeiro a pronto, que o governo pode ser que devolva em prestações.” Quem é que vai controlar se os números estão certos? O governo? Brrrr. Dá para acreditar? Claro que esta norma, como já alertou o Professor Jorge Miranda, não tem valor jurídico nenhum, em relação a um governo eleito com base numa maioria diferente, mas a verdade é que o dinheirinho, enquanto o pau vai e vem, fica por lá à espera de … sabe-se lá do quê.

3. A Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) quase desaparece, mas, em 2015, há ainda sequelas desta medida “temporária” Ao contrário do que tem vindo a ser difundido, o discurso sobre a eliminação da CES em 2015 é deliberadamente hostil para com os pensionistas. Um exemplo entre muitos, publicado no “Jornal de Negócios” do dia 15: “…Ao todo, só com a eliminação da CES, o governo devolve cerca de 600 milhões de euros aos reformados...” Mas que é isto? O governo “devolve”? A sério? Ou pára por um ano de continuar a roubar? E o que já foi tirado não tinha de ser devolvido? Pois, pois, assim, passa-se a ideia de que os coitados dos pensionistas passaram um mau bocado, mas o governo foi bonzinho para eles. “OE namora pensionistas e famílias com filhos” – dizia o mesmo Jornal de Negócios. Vamos lá a desmontar este tipo de discurso, tão gostoso e melado, às portas de um ano de eleições. É um direito que assiste aos pensionistas e uma obrigação cívica, em nome da verdade, que reclamem a restituição, e pela totalidade, daquilo que lhes foi tirado em 2013 e em 2014, que, em absoluto e fazendo contas, corresponde, em cada um dos dois anos (2013 e 2014), a pelo menos meio mês de pensão, em pensões com valor bruto entre 1.350 e 1.800 euros e a um mês a mês e meio de pensão, em pensões com valor bruto entre 1.350 e 1.800 euros. Nem os reformados “escapam” à CES, nem a CES desaparecerá em 2015, nem os pensionistas “ganham” o que quer que seja, antes pelo contrário até perdem, paradoxalmente. Já li que, só em 2014, o governo arrecadará cerca de 660 milhões de euros com a CES. Mais os 538,1 arrecadados em 2013, a CES “rendeu” em dois anos, cerca de 600 milhões por ano (concretamente, 1.198,1 milhões de euros). Antes de mais: a CES não irá ser substituída pela famigerada Contribuição de Sustentabilidade (CdS), porque o governo, perante a declaração de inconstitucionalidade da CdS para 2015 (Acórdão do TC nº 575/2014, de 14 de Agosto), não a pôde inscrever no OE 2015 e optou por não prolongar a CES (temporária), o que aconteceria pelo terceiro ano consecutivo. Portanto, as “diferenças”, para “comparar a CES com a CdS”, que o governo ainda não retirou do seu site ( ) são inaplicáveis em 2015. Fica o aviso aos incautos, porque o governo está a alimentar confusões com mais este “esquecimento.” O facto de, em 2015, a CES não ser descontada na maioria das pensões só quer dizer que a sua cobrança foi interrompida. Só isso. Fica por restituir o que foi retirado. Ponto.

(1) http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2014/10/15/sobretaxa-irs-reducao-para-memoria-futura-e-paragoverno-futuro/


Portanto, ninguém “escapou” a nada, nem viu a sua pensão ser “aumentada”, antes pelo contrário. E esse título foi difundido nos órgãos de comunicação social (OCS), exactamente para fazer crer, só pode, que os pensionistas são uns privilegiados que “escapam” à austeridades aplicada aos demais cidadãos e até estariam a ser “aumentados.” Nada mais falso! Tal como sucedeu em 2010, quase ninguém parece estar preocupado com a continuação da CES, em 2015. Quero estar enganado, mas esta CES “mitigada” conserva as mesmas condições para vir a abranger de novo, talvez com outro nome, as mesmas, ou mais, pensões que estavam afectadas em 2014.

4. Sugestões de leitura Domingos Amaral - A austeridade é a mãe de todos os radicalismos - 27.05.2014 A verdade é esta: as políticas de austeridade não resultam. Pelo contrário, só agravam a armadilha da dívida. A confiança dos mercados é importante, mas não altera o essencial: a dívida assim não pode ser paga, é impossível. (http://www.leituras.eu/out.php?u=http%3A%2F%2Fdomingosamaral.com%2Fa-austeridade-e-a-mae-de-todos-os131502)

O fim do Euro? Ricardo Cabral - 12.10.2014 Perfila-se, por conseguinte, uma eventual rotura perigosa entre os bancos centrais dos países credores (euro forte) – que estão actualmente em minoria no Conselho do BCE – e os bancos centrais dos países devedores (euro fraco), sabendo-se que os primeiros financiam os segundos. Devemos estar muito atentos a esta “fractura tectónica” do euro, porque, se esta se agravar, é a própria sobrevivência do euro que poderá estar em causa. (http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2014/10/12/o-fimdo-euro/)

Sábado, 18 de Outubro de 2014 Manuel Torres da Silva (escrito segundo a grafia anterior ao AO, por opção pessoal, ainda possível até 13 de Maio de 2015)


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