A arte e as questões sociais: Encontro entre o século XX e XXI
Fome de que?
A arte e as questões sociais: Encontro entre o século XX e XXI
Q
uebra de padrões. Desconstrução. Paixão crítica. Revolução. Se engana quem pensa que princípios tão modernos são exclusividade do século XXI. Há quase 100 anos, artistas brasileiros se juntavam em prol da ruptura com a tradição, do acolhimento do novo e da experimentação artística. Intelectuais da literatura, das artes e até mesmo da música cansaram-se do velho e encantaram-se pela modernidade que expressava evolução por meio da rapidez. A ideia era se apegar ao desapego da coerência, a contradição, e, por meio desta, chegar à crítica. Uma das mais fortes contradições é a paixão pela modernidade, associada ao avanço do capitalismo, que tanto reforçou desigualdades e injustiças sociais, pautas tão presentes e criticadas em obras modernistas. Parte da missão do movimento foi também a expansão da literatura pelo Brasil além da região sudeste. Antes, à moda de Euclides da Cunha - um carioca escrevendo sobre o sertão -, nesse momento, surge Graciliano Ramos, alagoano escrevendo sobre a sua terra e o seu povo. Graciliano cresceu no Sertão nordestino e se tornou um grande crítico das realidades sociais brasileiras, regionais ou gerais. O escritor tinha fome de justiça. Apesar das múltiplas tentativas,
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suas obras não se encaixavam em rótulos simplórios e reducionistas de “romance intimista” ou “romance social”, como afirma Luna Filho (2021). O majestoso Graça, sem objetivo de servir a apenas um “deus”, uniu os dois aspectos em suas obras, em uma bem-sucedida experimentação modernista. Em 1933, o primeiro romance de Graciliano Ramos foi publicado. Caetés abriu espaço para o debate sobre as diferenças entre “selvagens” e “civilizados”, muito bem desenvolvido pelo antropólogo Roger Bartra no livro “O selvagem no espelho”, originalmente em espanhol. A selvageria está ligada aos instintos e à irracionalidade animal e é usada para menosprezar certos povos. Apesar disso, a conclusão do personagem principal, João Valério, é a de que não somos nada além de selvagens ligeiramente polidos. Em 2021, no Cuiabá, homens que participam da imaginária civilização ocidental ocupam extensas filas para receberem doação de ossos animais e uns chegam a comer assim mesmo, cru, como fazem os mesmos animais. Esse é o retrato da fome de hoje, nesses tempos tão atuais e modernos com problemas tão antigos e persistentes. Por falar em fome, é impossível deixar de lado a obra mais conhecida de Graciliano Ramos. “Vidas Secas”, publicado em 1938, consiste no suprassumo da





