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Pandemia, Literatura e Artes.........................................Pág

que um poema escrito na década

Ode 1940, por Manoel Bandeira, conhecido principalmente pelo seu vínculo com o modernismo brasileiro, tem em comum com a atual situação em que vivemos nos dias de hoje em meio a pandemia do corona vírus? A fome e a miséria. Fome e miséria que foram retratados no poema “O bicho” em 1947 e que infelizmente, continua sendo a realidade brasileira nos dias atuais. A poesia e as outras artes no modernismo serviram como meio de protesto. A primeira fase do modernismo – conhecida como a geração de 30 – é tida como referência porque teve um grande viés político, religioso e social nas suas artes. A poesia modernista teve um papel fundamental na crítica social, por fazer as pessoas refletirem sobre o dia a dia e os problemas sociais existentes da época. Eles acreditavam que estavam a serviço da cultura popular e tinham como

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Pandemia, Literatura e Artes compromisso trazer essas reflexões para o público, utilizando a linguagem mais próxima do cotidiano na literatura, facilitando a compreensão do público leitor. Alguns dos poemas de Manoel Bandeira seguem essa temática de denunciar os problemas e abismos sociais existentes da sua época. A pandemia da corona vírus, acentuou e escancarou os problemas já existentes na sociedade brasileira que é a fome e a pobreza. Batemos números recordes – que ao contrário da olimpíada e paraolimpíada – não são comemoráveis. Dados da FGV1 mostram que em seis meses – agosto de 2020 a fevereiro de 2021 –, a pobreza no Brasil triplicou. E o número de brasileiros que passaram fome nos últimos meses de 2020 chegou a 19 milhões e mais da metade dos domicílios do país enfrentou algum grau de insegurança alimentar, segundo dados divulgados pela Rede Penssan2. Podemos associar esse número alarmante, com o número de desemprego, que bateu o recorde de 14,8 milhões de desempregados, recorde esse que foi 1 Fundação Getúlio Vargas 2 Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional16

Fome de que? divulgado pelo IBGE3. E também, pelo aumento do preço dos alimentos nos supermercados, principalmente, os alimentos básicos, utilizados no dia a dia como o arroz, legumes e proteínas. Aumento que atingiu em cheio o consumidor, dificultando a vida de quem mais precisa. Como proposta para tentar diminuir a fome do povo brasileiro temos a fala elitista do atual ministro da Economia Paulo Guedes4, que propôs direcionar as sobras de restaurantes, dos pratos da “classe média” para os mais necessitados. Sabemos, caros leitores, que não é assim que resolveremos de fato o problema da fome e do desperdício existente no pais, seria uma maneira de camuflagem e que não daria nenhuma dignidade para essa população. No primeiro e segundo tercetos do poema, Bandeira faz essa crítica ao descaso, ao desperdício de comida existente. O bicho – que como sabemos é o ser humano – deixa de lado quaisquer regras morais impostas pela sociedade e age apenas por puro extinto de sobrevivência “catando comida entre os detritos” para conseguir se alimentar, vivendo das sobras, do desperdício, do lixo. Falta comida, emprego e, até mesmo, um teto para morar. Na pandemia da covid-19 o número de pessoas em situação de rua aumentou. Segundo o último estudo realizado pelo IPEA5 em março de 2020 a estimativa de moradores de rua era de 222 mil, aumento que pode ser visivelmente percebido por

3 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 4 A fala foi feita dia 17/06/2021 durante o Fórum da Cadeia Nacional de Abastecimento, promovido pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) 5 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Pandemia, Literatura e Artes todos nós. A pandemia desnudou os problemas sociais já existentes, como a falta de políticas públicas para essa população. E, na atual situação que vivemos, além dos problemas que sempre enfrentaram, atualmente eles se veem sem amparo para se proteger desse vírus. Como ficar em casa, se não tem moradia? Como usar a máscara, se muitos não têm dinheiro para comprar e nem lugar apropriado para lavar e assim poder reutilizar? O abismo social só se intensifica e se mostra mais evidente para todos nós. Nesse sistema falido que estamos inseridos, mesmo durante a crise economia atual o Brasil conseguiu ter novos 42 bilionários6. E aí vem a nossa indignação com esse sistema capitalista. Para cada um desses bilionários são necessários 27 milhões de pessoas em situação de pobreza? 19 milhões de pessoas que passam fome? Questionamentos que fazemos ao se deparar com essas notícias, ao vermos os problemas, já citados, que o povo está enfrentando, que o Brasil está vivendo. Abismos que tão genialmente em sua poesia Manoel Bandeira conseguiu mostrar para os leitores e fazê-los refletir. Encerro com o último verso do poema que mostra o espanto do poeta e do próprio leitor ao descobrir que aquele bicho, que nega o sentido literal da palavra encontrado no dicionário “designação comum a todos os animais, em especial os terrestres, exceto os pertencentes à raça humana” que é submetido a viver em tal situação para sobreviver era um ser-humano “O bicho, meu Deus, era um homem. ”

6 Ranking de bilionários de 2021 feito pela Forbes.

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