Juventude Transviada

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CIDADES

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a crítica MANAUS, DOMINGO, 23 DE NOVEMBRO DE 2014

a crítica MANAUS, DOMINGO, 23 DE NOVEMBRO DE 2014

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Juventude transviada JOVENS NO CRIME

Fotos: Euzivaldo Queiroz

No Centro Socioeducativo Dagmar Feitosa, homicídios e latrocínios são a maioria dos crimes. Atualmente, 119 jovens estão internados em cinco centros socioeducativos LUANA CARVALHO cidades@acritica.com

“O meu patrão estava me pressionando. Um dia ele chegou e disse que se eu não matasse, eu quem iria morrer”. A declaração é de um dos 38 internos do Centro Socioeducativo Dagmar Feitoza, localizado no bairro Alvorada, Zona Centro-Oeste. Ele cumpre medida socioeducativa há onze meses por ter matado um homem no ano passado. O motivo: uma dívida de tráfico de drogas. Ansioso, o jovem aguarda por uma progressão de medida e sonha em ter a liberdade de volta. Fabrício* contou que se envolveu com o tráfico de drogas aos 12 anos. Apesar de ter completado maioridade no dia 15 deste mês, ele continuará na unidade porque o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) garante que adolescentes, mesmos prestes a completar 18 anos, não sejam considerados criminosos, mas infratores até completar os 21 anos. “Eu simplesmente matei um cara que estava me devendo R$ 1,5 mil”. Foi o que o jovem respondeu ao ser questionado sobre a infração que cometeu. O homicídio aconteceu no fim do ano passado, no bairro Santa Etelvina, Zona Norte. Fabrício revelou que começou a vender drogas por causa de ‘status’. “Primeiro meu primo me viciou em droga aos 12 anos. Eu fumava maconha e cheirava cocaína. Depois comecei a achar a vida que ele levava firmeza e também passei a andar com os traficantes. Saía, curtia com as garotas, e achava aquilo o máximo”. A vida que o adolescente levava mudou quando um dos primeiros e principais clientes dele passou a não pagá-lo. “Ele sempre comprou cocaína comigo. Mas depois de um tempo foi pegando fiado, dizia que ia me

Em muitos casos, o jovem inicia no crime por meio da droga, que abre caminho para outros males.

Ressocialização é o caminho De acordo com o diretor do Centro Socioeducativo Dagmar Feitoza, tenente Dannyel Miranda, cerca de 70% dos internos da unidade estão reclusos por homicídio e latrocínio. “A medida de internação é de caráter excepcionalíssimo, são atos de infração de natureza grave e gravíssima, ou muita reincidência e descumprimento de medida”, pontuou. Dannyel comentou que um

dos principais objetivos dos Centros Socioeducativos é reaproximar a família dos adolescentes. “Aqui no Estado temos a possibilidade de inseri-los em atividades externas, visando a ressocialização. Queremos mostrar para os adolescentes que há uma vida fora do crime”. Na capital, os adolescentes apreendidos passam pela Delegacia Especializada em Apuração de Atos Infracionais

(DEAAI) e depois ficam 45 dias na provisória. Somente quando são julgados é que os menores são encaminhados aos centros. INTERIOR

Natural de Tonantis (distante 1.109 quilômetros de Manaus), Thiago*, 17, cumpre medida socioeducativa por ter sido acusado de matar, com outros quatro adolescentes, um vigilante de uma escola estadual do

INSTITUTO BATISTA DO AMAZONAS

UNIDADE PARQUE DEZ

município onde mora. Ele afirma que não participou do homicídio. “Eu conhecia os outros que mataram, nós andávamos juntos. Eles espancaram o vigia para roubar o salário dele e a merenda da escola”, relata. ao acrescentar que teve que assumir a participação pois não aguentava apanhar nos policiais. Dos quatro suspeitos, ele era o único que estudava. “Minha

vida era boa. Eu estudava e trabalhava com agricultura. Nunca usei drogas, só bebia. O que eu mais queria hoje era poder ir para minha casa e passar o Natal com minha família”. Depois que foi internado, a vida da família de Fabrício também mudou. “Minha mãe precisou se mudar para Manaus para poder me visitar. Meu pai ficou triste demais e isso me deixa muito triste também”, desabou.

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pagar e nada. A dívida aumentou e meu ‘patrão’ mandou que eu ‘desse cabo’ nele. Chamei o meu primo e nós o matamos a tiros”, relembra. Ele ainda tentou fugir para o interior, mas, aconselhado pela mãe, resolveu se entregar. ROTINA

O jeito de “menino brincalhão” fez com que o jovem conquistasse um bom relacionamento com os outros internos. “No meu aniversário foi uma bagunça. Comemoramos e fizemos a maior festa”. Privado da liberdade, ele conta que se arrependeu de ter matado uma pessoa. “Nunca tinha matado e hoje me arrependo muito. Agora estou com outro pensamento e quando sair daqui vou primeiramente à casa de Deus, agradecer pela vida”, desabafou. Fabrício está cursando a 8º série do Ensino Fundamental em uma escola estadual dentro da unidade. “Eu acordo tarde e por isso não tomo café da manhã. Mas o restante do dia é na ‘tranca’. Vou pra aula e sou vigiado, na quadra de futebol é tudo trancado. Vou ao médico algemado”, enfatizou. Embora reclame, neste ano o jovem concluiu o curso de padeiro e agora tem uma profissão. “Assim que eu estiver em liberdade vou procurar um emprego e ser uma pessoa melhor”, declarou Fabrício. AS MEDIDAS

Previstas no artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), as medidas socioeducativas são aplicadas quando verificada a prática de ato infracional. Podem ir desde a advertência; obrigação de reparar dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; até a inserção em regime de semiliberdade ou a internação em estabelecimento educacional.

Diretor do Centro Socioeducativo Dagmar Feitoza, Dannyel Miranda frisa a importância da família na recuperação do interno

Centros Socio-educativos Atualmente, aproximadamente 119 adolescentes estão internados nos cinco centros socieducativos de Manaus, sendo 13 no Centro de Internação Raimundo Parente; 38 no Dagmar Feitoza; 41 na Unidade de Internação Provisória; 14 na Semiliberdade Masculina e 13 no Centro Socioeducativo Marise Mendes. As informações foram passadas pela gerente do Sistema Socioeducativo da Secretaria de Estado da Assistência Social e Cidadania (Seas), Mathilde Ezaguy. Só neste ano, cerca de mil adolescentes passaram

*Nome fictício

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m Muita frieza e à queima roupa No dia 11 deste mês, quatro adolescentes de 17 anos mataram com uma escopeta o empresário Ricardo Santos de Souza, no mercadinho “Bodegão”, no Terra Nova, Zona Norte. Os menores foram identificados na última quarta-feira e apreendidos por policiais da Delegacia Especializada em Roubos e Defraudações (Derfd).

232 horas

pelas unidades. No ano passado, foram aproximadamente 2 mil adolescentes que cumpriram medidas socioeducativas. O quantitativo tem diminuído se comparado ao ano de 2011, quando 3.524 adolescentes foram internados. As medidas aplicáveis a adolescentes configuraram resposta à prática de um delito, com caráter educativo e não punitivo. No Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2014, consta que homicídios e roubos foram maioria dos atos infracionais cometidos por adolescentes em 2012, no Amazonas.

Tonantins

“Minha vida era boa. Eu estudava e trabalhava com agricultura. Nunca usei drogas, só bebia. O que eu mais queria era poder ir para minha casa e passar o Natal com minha família”. Thiago* Interno do Centro Socioeducativo Dagmar Feitoza


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Juventude Transviada by Luana Carvalho - Issuu